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A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco
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A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Entrevista a Margarida Blasco: "Como ministra da Administração Interna não admito qualquer xenofobia ou radicalismo dentro da polícia"

Em entrevista ao Observador, a ministra da Administração Interna diz que sindicatos e governo estiveram de "boa-fé". Não receia que clima de protesto se mantenha, mas deixa avisos sobre extremismos.

Horas após ter assinado com cinco sindicatos e associações sócio-profissionais das forças de segurança o acordo sobre o aumento do suplemento de risco para a PSP e GNR, a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, recebeu o Observador e a rádio Observador no seu gabinete para falar pela primeira vez sobre os avanços e recuos em todo o processo. Faz questão de explicar que às vezes as reuniões demoravam não apenas pelas negociações que, diz, permitiram alcançar um “valor histórico”: “Estivemos a falar de toda a dinâmica das polícias […] Tudo veio à mesa e acabaram por ser conversas muito produtivas, em que se compreendia de parte a parte que estávamos a fugir um pouco ao objetivo”.

Sobre a reestruturação operacional da PSP e da GNR que anunciou, explica que já foi destacado um conjunto de agentes para o Algarve, por causa do verão, e para o Porto, onde, admite, “está a haver alguns problemas a nível de segurança”. É por isso que vai receber esta quinta-feira Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto. Margarida Blasco diz não ter receio que o clima de protestos dentro das polícias continue, mas deixa um aviso: “Continuamos muito atentos” a qualquer instrumentalização política das polícias, porque “cumprir as funções é manter o Estado de Direito e um estado ordeiro e em paz”.

Sobre o acórdão que ilibou um agente da PSP de agressões a Cláudia Simões, Margarida Blasco preferiu não comentar, mas de forma geral afirma que a Constituição e a Convenção dos Direitos Humanos são “as cartilhas que os polícias têm para si e para ensinar aos outros”.

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Sob Escuta com Margarida Blasco: “Os sindicatos foram extremamente responsáveis e dignificaram todo o processo negocial”

Acabou de conseguir um acordo para o aumento do suplemento de risco da PSP e da GNR. O que é que foi levado para a mesa de negociações desta vez para que se alcançasse este consenso, uma vez que não foi dado nem mais um cêntimo além da última proposta?
Isto foi um processo na linha do programa de Governo que foi aprovado, no sentido de proceder a uma dignificação das forças de segurança. E é um dos principais projetos que está em cima da mesa e que era muito urgente. Tomámos posse a 2 de abril e iniciámos as conversações no final de abril, portanto este tema é efetivamente muito urgente. Na altura foi estipulado um protocolo com as forças de segurança, com a plataforma que na altura agregava praticamente todos os sindicatos da PSP e associações socioprofissionais da GNR, e eles entenderam pôr como tema urgente a questão do suplemento de missão, ou subsídio de risco, como vulgarmente se chama. Começámos as negociações, houve recuos, impasses, houve um intenso trabalho. Falámos de vários problemas que têm que ser resolvidos nas forças de segurança, nomeadamente a questão das carreiras, da saúde mental, e vários assuntos que interessam aos sindicatos e sobretudo, àquilo que nos interessa, às forças de segurança. Conseguimos chegar a este acordo com os principais sindicatos e associações sócio-profissionais da GNR porque trabalhámos todos de boa-fé. Quer da parte do governo, quer da parte dos sindicatos. Tenho de fazer aqui um parágrafo, no sentido de dizer que eles foram extremamente responsáveis e dignificaram todo o processo, no sentido em que este é um valor histórico, é um valor que nunca tinha sido dado às forças de segurança em momento algum, desde que vivemos em democracia.

Mesmo os sindicatos que não aceitaram e que fizeram, aliás, várias considerações públicas sobre aquilo que era a proposta, dizendo que estava muito longe do que seria aceitável, nomeadamente comparando com o aumento de cerca de 600 euros da Polícia Judiciária?
Todos os sindicatos colaboraram, independentemente dos que não assinaram. Ficou estabelecido no acordo que no início do próximo ano, mais propriamente no dia 6 de janeiro, Dia de Reis, começamos um processo de revisão das carreiras, do estatuto, no sentido de proceder de uma forma densa e densificada a uma revisão que possa levar a que as forças e serviços de segurança tenham uma carreira.

"Como em qualquer processo negocial, [no do suplemento de risco] houve avanços, recuos e conseguimos chegar a este acordo com os principais sindicatos e associações socio-profissionais da GNR, porque trabalhámos todos de boa-fé. Quer da parte do Governo, quer da parte dos sindicatos. Tenho de fazer aqui um parágrafo, no sentido de dizer que eles foram extremamente responsáveis e dignificaram todo o processo. É um valor histórico."

Há aqui um ponto que se calhar fica um pouco mais difícil de entender: houve sindicatos que nem entraram, um deles disse-o, inclusivamente, ao Observador.
Não, entraram todos.

O Sinapol também entrou?
Entraram todos. Entraram todos os sindicatos e todos falaram. Uns entenderam assinar o acordo — e são os mais representativos, queria frisar isso — e outros entenderam não o fazer. Eles são livres de ter a sua própria estratégia e, portanto, não há, relativamente a isso, qualquer observação a fazer. Agora, o que é facto é que são 200 euros este ano, mais 50 euros para o ano e outros 50 para o ano seguinte. O que corresponde a 300 euros. É, efetivamente, um esforço muito grande do Governo em termos de envelope financeiro, tendo em conta dois pontos. Primeiro, temos que ter uma economia e umas finanças públicas — sobretudo as finanças públicas, a parte orçamental –, dentro dos parâmetros a que estamos obrigados. E, por outro lado, este valor foi encontrado, tendo em conta não só as possibilidades financeiras que o Governo tem, mas também a dignificação das forças de segurança. São cerca de 45 mil agentes, que todos os dias estão na rua, todos os dias prestam um serviço que todos queremos que seja da maior qualidade. Tudo isto foi falado. E foi realmente um processo que alguns acham longo, mas é preciso ter em conta que deve ter sido das primeiras vezes, desde há alguns anos, que eles se sentaram a uma mesa de negociações. E foi uma troca de impressões que foi muito, muito positiva.

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Houve a promessa de uma revisão da estrutura salarial da PSP e da GNR, a partir do próximo ano. O que é que isso significa na prática, sendo certo que, como disse o primeiro-ministro, há uma linha vermelha que é a estabilidade financeira do país.
Há aqui dois planos. Uma coisa é a reestruturação das carreiras — nós temos nas forças de segurança carreiras que não são idênticas, uma é de matriz militar e outra é uma carreira civil. Para quem anda a trabalhar nestas matérias, encontra uma distorção desde a base até à pirâmide. Porque há um conjunto de suplementos agregados, que são meros suplementos, mas que estão agregados à carreira, e têm que ser revistos. Mas têm que ser revistos de uma forma sistemática. Não se pode proceder a uma revisão dos estatutos nem das carreiras sem vermos o global. É necessário, desde que se entra até ao topo, ver quantas pessoas necessitamos, que tipo de categoria é que têm, que tipo de formação, que tipo de recrutamento. Tem que ser feito um estudo com a Direção Nacional da PSP, com o Comando Geral da GNR, mas em que as associações e os sindicatos também participem. São estatutos e revisões que não estão adequados à realidade — sabemos que na área da segurança a realidade muda todos os dias, os desafios são diferentes, os estádios são diferentes e é necessário adaptar as forças também a estes cenários, porque são forças que estão sempre no terreno, são forças que têm um contacto muito próximo com o cidadão. Temos que reestruturar todo o dispositivo, porque a PSP está nos grandes centros urbanos e a GNR tem 98% do território, no interior e na raia com Espanha. São contextos sociodemográficos diferentes, socioculturais diferentes e tudo tem que passar por um estudo integrado. Por exemplo, no Norte há determinado tipo de problemas, no Sul há outro tipo de problemas, na Guarda têm o interior muito profundo, onde também há pessoas idosas sozinhas, em solidão. É necessário criar uma estrutura que possa, de uma forma célebre, prevenir — porque penso que as forças de segurança têm um papel importantíssimo na prevenção — e reprimir quando é necessário fazer uma repressão e impor a ordem pública.

Mas a criação dessa estrutura, e neste caso em particular a revisão da estrutura salarial da PSP e da GNR que ficou prometida, respeitará sempre a tal linha vermelha da estabilidade financeira do país.
Exato.

"O senhor primeiro-ministro, disse ainda antes das eleições foi que a situação seria analisada e entraria dentro das prioridades, porque efetivamente havia uma situação para estabilizar e foi isso que fizemos. O primeiro-ministro está a acompanhar muito de perto todo este problema nas forças de segurança, quer na PSP, quer na GNR e, portanto, cumpriu. Cumprimos."

Então não foi feita nenhuma promessa que ponha em causa…
Não, em termos de valores, nunca foi feita promessa nenhuma, nem para o subsídio de risco foi feita nenhuma promessa. Aquilo que o Governo e, sobretudo, o senhor primeiro-ministro, disse ainda antes das eleições foi que a situação seria analisada e entraria dentro das prioridades, porque efetivamente havia uma situação para estabilizar e foi isso que fizemos. O primeiro-ministro está a acompanhar muito de perto todo este problema nas forças de segurança, quer na PSP, quer na GNR e, portanto, cumpriu. Cumprimos. E é isso que acho histórico. Conseguiu-se cumprir já um dos objetivos da nossa governação.

Antes deste acordo foram oito horas de negociação. Na penúltima reunião tinham sido também muitas. E, no final, houve três sindicatos da PSP e duas associações da GNR que assinaram o acordo. Já falou aqui na questão da representatividade, mas é um facto que a maioria dos sindicatos não aceitou o acordo. Tem ou não receio de que com todas estas divisões se mantenha algum clima de protesto entre as forças de segurança?
Acho que não. Tenho pelos agentes e pelas forças de segurança uma enorme estima. Trabalho com eles há muitos anos e sei que são pessoas muito responsáveis e que sabem exatamente o que pretendem e, sobretudo, quando envergam a farda têm o aprumo necessário. Sabem perfeitamente que são um dos pilares do Estado, sabem que os cidadãos confiam neles e penso que… Esse receio não tenho. Queria fazer só um reparo: o facto de haver muitos sindicatos, penso que seriam 13 nestas negociações, porque entretanto houve um que se formou na GNR. Se virem quem representam chegam à conclusão que os dois principais sindicatos, quer da PSP quer da GNR, têm a maior representatividade dentro das classes — vai desde agentes a oficiais, tem associados de todas as classes. O facto de serem muitos sindicatos é que nos leva a precisar de mais tempo, ouvi-os quase um a um. 13 sindicatos no mesmo dia.

"Trabalho com eles há muitos anos e sei que são pessoas muito responsáveis e que sabem exatamente o que pretendem e, sobretudo, quando envergam a farda têm o aprumo necessário. Sabem perfeitamente que são um dos pilares do Estado, sabem que os cidadãos confiam neles e penso que... Esse receio [de que continue um clima de protesto] não tenho."

Fiz a ressalva da representatividade e quis focar-me no número por um motivo: foi mais fácil negociar sindicato a sindicato, como aconteceu nesta última reunião, ou com as plataformas que os representavam?
Isso tem a ver com o processo negocial. Foi formada uma plataforma no início deste ano e foi na plataforma que os recebi, por uma questão de respeito — o Governo respeita as decisões sindicais e foi assim que foram recebidos. No dia 3 de junho foi quando o Governo apresentou a proposta que veio a ser acordada e terminaram as negociações. Só que, ao abrigo da lei sindical, eles podem pedir para serem ouvidos e ouvi-os conforme o pedido que foi feito. Isto é uma relação que é toda conjugada dentro da lei com os prazos e foi assim que chegámos a entendimento.

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Mas era mais difícil atingir consensos quando a discussão era feita com plataformas?
Realmente são muitos sindicatos, confesso. São muitos sindicatos e…

…e com exigências diferentes.
Têm. Porque alguns representam a classe toda, outros estão por chefes, por sargentos, por oficiais. Mas, de qualquer forma, aquilo que nos interessa é ver — e eles também veem isso — como um todo. Ver o que é GNR, enquanto Força de Segurança, o que é PSP, o que é que se pode melhorar, o que é que se pode dignificar, ponto por ponto. Foi assim que trabalhámos.

"Se recordar as imagens da sala, ao meu lado direito estava sempre a senhora secretária de Estado da Administração Pública, portanto, o Ministério das Finanças estava representado na mesa de negociações. Isto foi um processo que foi acompanhado por todos os presentes..."

Na penúltima reunião começou com uma proposta diferente daquela com que terminou: o ministério aproximou-se do que os sindicatos pretendiam. Perante o impasse final, o Observador sabe que a senhora ministra falou com o ministro das Finanças e com o primeiro-ministro. Achava que era possível ir ainda mais longe?
Se recordar as imagens da sala, ao meu lado direito estava sempre a senhora secretária de Estado da Administração Pública, portanto, o Ministério das Finanças estava representado na mesa de negociações. Isto foi um processo que foi acompanhado por todos os presentes…

Mas houve conversações depois com as Finanças e com o primeiro-ministro após essa reunião…
Pode ter havido antes, para acertarmos o envelope financeiro. Agora…

Ou seja, houve.
Obviamente, quando se parte para um processo negocial, nós sabemos exatamente até onde é que podemos ir, mas isso em qualquer negociação…

A pergunta é se esses contactos que fez posteriores à penúltima reunião foram também para sondar, tentar perceber se havia alguma margem para mais algum tipo de aproximação?
A negociação teve dois momentos diferentes. Num primeiro momento, utilizámos o mesma rácio que se utilizou para a Polícia Judiciária e verificou-se rapidamente que não seria possível atingir acordo e atingir as metas.

"Obviamente, quando se parte para um processo negocial, nós sabemos exatamente até onde é que podemos ir, mas isso em qualquer negociação…"

Por causa dos escalões? 
E não só, porque os vencimentos são diferentes. Nós temos um vencimento para o diretor nacional da Polícia Judiciária, que é equivalente ao de um juiz desembargador com 5 anos, enquanto temos um vencimento muito abaixo para o diretor nacional da PSP e para o comandante-geral da GNR. E, portanto, rapidamente, nós, em acordo, alterámos isso. Mantivemos a componente variável de 20% sobre a remuneração base e fixámo-nos  na componente fixa, aumentando essa componente, que no último Governo tinha sofrido um aumento de 76 euros, se não estou em erro. Chegámos assim à verba que era possível da parte do Governo e que eles aceitaram, que são 300 euros. É realmente o maior valor que se conseguiu na vida das forças de segurança.

Falou ainda há pouco das conversas que foram mantidas também com a pasta das Finanças e com o primeiro-ministro. Acredito que o Governo já tenha uma ideia concreta, aliás, saiba mesmo o valor de quanto é que custarão estas medidas anualmente, já contando com os aumentos faseados dos próximos anos. Quanto será?
Este valor dos 300 euros mensais, 14 vezes ao ano…

Ou seja, já está a contar com os dois aumentos de 50 euros dos próximos dois anos, porque neste ano o aumento é só 200 euros…
Se começo a fazer um exercício financeiro, nunca mais saímos daqui, poupo-o a isso. Portanto, aquilo que posso dizer é que este envelope financeiro de 300 euros comporta 210 milhões de euros [por ano], para as duas forças. Penso que este número fala por si.

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Vai além daquele que era o primeiro envelope pensado pelo Governo?
É um processo negocial, aquilo que nós temos e tivemos sempre em vista foi ser um valor que dignificasse as forças e serviços de segurança. Que fizesse uma diferenciação, para efetivamente reconhecer o papel primordial do serviço das forças e, através deste subsídio, fazer a diferenciação relativamente a outros setores. Isto ficou muito vincado. E, ao mesmo tempo, balancear com aquilo que se podia em termos das finanças públicas.

"Este envelope financeiro de 300 euros comporta 210 milhões de euros [por ano], para as duas forças. Penso que este número fala por si."

Já é a segunda negociação, a primeira foi na Educação, em que se chegou a um acordo com medidas faseadas. Isso não pode ser empurrar para a frente alguns problemas?
Vou explicar: este faseado, nós trabalhámos a rácio, e é aquilo que nós poderíamos pagar relativamente a este ano, aquilo que se pode despender. Isto está vertido no acordo. Este valor entra na despesa consolidada ano a ano. Foi aquilo que nós encontramos dentro das previsões que nós fazemos em termos financeiros que se podia avançar e assim chegámos ao número.

Todo este processo teve quase sempre como comparação o valor que foi dado à Polícia Judiciária. Como é que viu esse processo desencadeado pelo anterior Executivo, sobretudo à luz das reivindicações que os sindicatos foram fazendo?
O Governo anterior decidiu dar esse suplemento quer à Polícia Judiciária, quer aos elementos das Forças dos Serviços de Informação. Quando nós tomámos posse fomos confrontados com o mesmo. Aquilo que o Governo fez foi: isto é prioritário, mas só podemos avançar com este envelope financeiro. Portanto, não quero fazer qualquer tipo de comparações, mas o aumento em janeiro, antes da posse deste Governo, foi de cerca de 70 euros nesta componente. E nós conseguimos ir mais além, vamos aos 300, por isso é que continuo a dizer que é um valor histórico. As forças de segurança são as forças de segurança e temos imensa coisa para fazer. Aquilo que nós falámos nas reuniões, nestas horas todas, acaba por ser trabalho, porque depois começa-se a falar de tudo, porque gostamos destes temas, vivemos estes temas: ver como é que a polícia pode ser uma polícia moderna com estes novos desafios todos que há, se o dispositivo está devidamente implantado no terreno ou se tem que haver mudanças, quais são os modos e as formas para recrutamento, como é que se aliciam os jovens para esta carreira. Portanto, todo um conjunto de problemas que têm que ser resolvidos e que nós fomos falando. No fundo, as pessoas não percebem, julgam que nós estivemos sete, oito horas só a falar do pacote financeiro dos 300 euros. Mas não, nós estivemos a falar de toda a dinâmica das polícias, do que é que as polícias precisam. E são postos, são esquadras, precisam que se reveja o dispositivo, temos problemas reais diferentes — nomeadamente a nível das migrações, porque foi criada uma nova estrutura nos aeroportos com o desmantelamento do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. E tudo isto veio à mesa e acabaram por ser conversas muito produtivas, em que se compreendia de parte
a parte que estávamos a fugir um pouco ao objetivo, por isso é que as conversas acabavam sempre por ser tão longas.

"As pessoas não percebem, julgam que nós estivemos sete, oito horas só a falar do pacote financeiro dos 300 euros. Mas não, nós estivemos a falar de toda a dinâmica das polícias, do que é que as polícias precisam."

Falando, então, nos problemas reais: penso que em maio falou numa reestruturação operacional da PSP e da GNR, nomeadamente, “a reorganização do dispositivo policial para garantir um efetivo de policiamento de proximidade” e a “criação de soluções específicas para cada centro urbano”. Tudo isto está a ser já preparado com a PSP e com a GNR?
Amanhã [esta quinta-feira], em Conselho de Ministros, vamos aprovar um conjunto de medidas, algumas delas já apresentadas na sexta-feira passada em Faro. Aquilo que posso dizer é que começámos por fazer o levantamento de todo o dispositivo do Continente e ilhas. Um esforço que está a ser feito, atualizando toda a demografia, toda a cartografia dos postos e esquadras. E depois cruzamos isso com os dados, nomeadamente o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), sobre quais são os problemas, quais os tipos de crimes. Conjugando tudo isto — isto é o trabalho que nós fazemos em casa — qual é o fim que nós queremos? Ter mais polícias nas ruas, que estejam mais próximos do cidadão, serem mais visíveis, porque as pessoas veem um polícia fardado e sentem-se mais seguras. É isso que nós queremos.

Mas que polícias é que poderiam estar na rua hoje não estão? São polícias que estão em serviços administrativos?
É uma questão de organização e de metodologia. Não vou maçar com as teorias de segurança interna e as várias filosofias que estão subjacentes. Aquilo que posso dizer é que, quer o Comando da GNR, quer a atual Direção Nacional da PSP, têm o contacto diário, quase ao segundo, das situações que têm nas mãos. E fazem uma análise e aplicam determinadas diretrizes, conseguindo obter qual é o nível de segurança necessária, qual o nível de perigosidade que determinado bairro ou população têm e conseguem com essa análise dizer que é preciso mais polícias.

"Agora destacámos um conjunto de agentes — não sei os números de cor, mas tenho-os ali num papel — para o Algarve, no Verão, e para o Porto, onde está a haver alguns problemas a nível de segurança."

Está a dizer então que o objetivo não seria ter mais polícias nas ruas, mas organizar os que já estão na rua de uma forma diferente?
Não. Sim e não, na verdade. É manter os que já estão e reforçar onde é preciso.

E esse reforço é feito como, é possível tirar, por exemplo, profissionais de serviços administrativos?
É possível, é possível, porque defendemos um tipo de formação mais dinâmica. Portanto, apostamos muito, como é óbvio, na formação inicial, mas mantemos
uma formação permanente. É necessário uma formação permanente, como em todas as profissões, mas mais nas polícias. E essa formação vai permitir tirar os agentes que queiram ir para a rua. Agora destacámos um conjunto de agentes — não sei os números de cor, mas tenho-os ali num papel — para o Algarve, no Verão, e para o Porto, onde está a haver alguns problemas a nível de segurança. No fundo, é montar uma estratégia e ir adaptando, é dinamizar. Entretanto, temos que, obviamente abrir mais cursos.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

De que forma a formação pode ser determinante para reforçar o policiamento de proximidade?
Posso dizer-lhe que nas últimas duas semanas saíram, entre a GNR e a PSP, entre oficiais e sargentos, quase 800 elementos, que já vão integrar equipas, novas equipas, no Algarve, nos aeroportos, onde o comando operacional acha que eles são precisos. Agora, efetivamente, temos de atrair jovens. É muito importante.

"Vou receber o Presidente da Câmara do Porto [Rui Moreira], para ver com ele [a questão da segurança], para estarmos, para estudarmos, para ver em pormenor. Todo este trabalho não é um trabalho só do governo central, as autarquias gostam e querem participar."

Recuando à deslocação de agentes que já foi feita, foi para o Algarve, devido ao Verão, e para a região do Grande Porto…
Aliás, posso dizer que amanhã [esta quinta-feira] vou receber o Presidente da Câmara do Porto [Rui Moreira], para ver com ele [a questão da segurança], para estarmos, para estudarmos, para ver em pormenor. Todo este trabalho não é um trabalho só do governo central, as autarquias gostam e querem participar. E para nós é importantíssimo esta ligação às autarquias, porque, no fundo, esta dinamização só é possível com as pessoas no local. A nossa política é virada para o cidadão, o cidadão polícia, que é um cidadão com poderes especiais, e o cidadão cidadão, como nós.

Falou ainda há pouco no RASI. Concluiu-se que a criminalidade grave e violenta no país aumentou e chama-se também a atenção para uma questão que também se verifica na região do Grande Porto, mas sobretudo na região de Lisboa, a violência entre jovens e grupos rivais. Que outras medidas é que podem ser tomadas para conter esta realidade?
Uma das medidas é exatamente haver mais patrulhamento na cidade. Estão identificados os chamados “pontos negros” e é preciso fazer mais patrulhamento. E isto é um trabalho que é cruzado com outro tipo de áreas, porque eles também têm a divisão de informações. É um trabalho depois operacional que é feito nos comandos
e eles sabem fazer a tal análise, no sentido de fazer deslocar as equipas.

Será, sobretudo, com o reforço do policiamento de rua, então?
Tem que ser.

"Não quero contrariar aquilo que o senhor Presidente da Câmara de Lisboa disse [sobre a insegurança na cidade]. Faço o discurso pela positiva: a polícia está a trabalhar para uma polícia efetiva de proximidade. E queremos é que as pessoas confiem na sua polícia [...] Não é que haja mais insegurança, é o sentimento — e aí já é uma perceção que parte de cada um"

O Presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, disse recentemente, numa entrevista ao Semanário Sol, estar preocupado por sentir insegurança, em geral, na cidade de Lisboa, e falava mesmo que os crimes aumentaram no seu grau de violência. Acrescentando que tal ia ao encontro dos números da polícia. Afinal, há mais do que uma mera sensação de aumento da insegurança?
Nós podemos falar aqui de segurança e insegurança. Perceciona-se que haja uma maior insegurança, mas — tenho sempre um mas — aquilo que entendo é que Portugal continua a ser um país muito seguro. Agora, existe efetivamente uma mudança em termos cartográficos, em termos de pessoas, e é preciso conhecer essa realidade. Se as pessoas começarem a ver que há mais polícias, e o engenheiro Carlos Moedas também tem a Polícia Municipal que também anda na rua, têm um sentimento de segurança. Mesmo que ela não seja visível, porque muitas vezes trabalham à civil. Queria deixar uma mensagem no sentido de as pessoas poderem confiar na polícia. Estamos com um conjunto de medidas muito mais acessíveis, muito mais próximas das pessoas e, neste momento, em que chegam as férias e em que há mais turismo, também temos polícia especializada…

Não tem então esta perceção que o Presidente da Câmara de Lisboa fala e que segundo diz é atestada pelos dados da polícia. Não tem estas informações?
Não quero contrariar aquilo que o senhor Presidente da Câmara de Lisboa disse. Faço o discurso pela positiva: a polícia está a trabalhar para uma polícia efetiva de proximidade. E aquilo que nós queremos é que as pessoas confiem na sua polícia e que vejam a polícia na rua — porque ver mais polícia na rua diminui esse sentimento. Não é que haja mais insegurança, é o sentimento — e aí já é uma perceção que parte de cada um e nós tentamos ler e traduzir. É por isso que nós estamos a trabalhar. E realmente a visibilidade, carros mais caracterizados, por exemplo, pode fazer aumentar a sensação de segurança.

"Continuamos muito atentos a [à possivel instrumentalização política das forças de segurança], porque não admito, como ministra da Administração Interna não admito mesmo, qualquer fator de xenofobia ou de radicalismo dentro da polícia. Isso não representa a polícia, são alguns dentro da polícia, e certamente que o assunto terá o seu tratamento adequado e em sede própria."

Mudando de tema. Em fevereiro, referindo-se a alguns protestos da altura, o primeiro-ministro disse esperar que não existissem forças políticas extremistas e populistas a estimularem determinados excessos nas forças de segurança. Ao fim destes meses enquanto ministra e até vendo aquilo a que assistimos na semana passada na Assembleia da República, já tem ideia se isso se verifica? Pode haver uma tentativa de instrumentalização política da PSP e da GNR? Vários partidos acusam o Chega.
Aquilo que eu lhe queria responder era o seguinte. Há alguns anos ainda, era Inspetora-Geral da Administração Interna, foi fundado esse movimento inorgânico que se chama Zero. Já na altura, quer a polícia, quer a IGAI, passou a ter muita atenção a esse tipo de manifestação radical dentro das polícias, porque nós queremos um polícia que cumpra as suas funções. E cumprir as funções é manter o Estado de Direito e um estado ordeiro e em paz. Continuamos muito atentos a essa situação, porque não admito, como ministra da Administração Interna não admito mesmo, qualquer fator de xenofobia ou de radicalismo dentro da polícia. Isso não representa a polícia, são alguns dentro da polícia, e certamente que o assunto terá o seu tratamento adequado e em sede própria.

Para concluir, há umas semanas o país assistiu a imagens de um polícia municipal em Lisboa, aliás, aqui à porta do ministério, a dar cabeçadas a um condutor de um tuk-tuk, um cidadão de nacionalidade brasileira, mais um episódio de uma alegada resposta desproporcional. Como é que à luz de alguns destes episódios a que continuamos a assistir, viu o recente acórdão relativo à detenção de Cláudia Simões, a mulher negra que em 2020 não tinha bilhete de autocarro para a filha e cujas imagens da detenção foram públicas?
E infelizmente há mais casos desses. Relativamente ao primeiro, o processo está no Ministério Público, o inquérito está em segredo de justiça. Quanto ao segundo, há um acórdão e não comento decisões de tribunais — eu própria sou juíza. A única coisa que posso dizer é que o tribunal julgou consoante os factos que deu como provados e sentenciou. Em termos disciplinares, os processos correram onde deviam ter corrido, que foi na Inspeção Geral de Administração Interna (IGAI). Portanto, não posso adiantar rigorosamente mais nada relativamente aos processos em concreto. De forma genérica, qualquer comportamento, seja público ou não público, é imediatamente sinalizado e é imediatamente aberta a necessária averiguação, porque tem que se averiguar todas as circunstâncias em que isso aconteceu — e qual é a solução a dar. Ainda sobre essa questão, recentemente mudou a direção nacional, há um novo inspetor, e nós estamos a apostar muito na formação, quer no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, quer nas escolas e na Polícia e na GNR, muita formação sobre direitos humanos. É uma cartilha, é a Constituição e é a Convenção dos Direitos Humanos. São as cartilhas que os polícias têm para si e para ensinar aos outros.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

 
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