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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Entrevista a Miguel Morgado. Quer ser candidato, mas admite não ter reunido os meios necessários: "É a vida"

Quer disputar as diretas do partido mas, ao Observador, Miguel Morgado admite "não ter conseguido reunir os meios" necessários. E não "esconde" que Montenegro é quem mais se afasta de Rui Rio.

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Desde o final do ano passado que tem dito que ia dizer “presente” quando a chamada fosse feita. Entretanto fundou o movimento 5.7 e hoje apresenta-se como o rosto de um projeto para refundar a direita portuguesa, propondo uma grande coligação pré-eleitoral entre todos os partidos daquele espaço político para derrubar o grande bloco “hegemónico” socialista. Vontade tem, decisão também. Mas chegada a hora da chamada, falta o resto: falta “o que não depende exatamente de mim”. Em entrevista ao programa Sob Escuta da Rádio Observador, Miguel Morgado admite vir a não ter os “meios de campanha e apoios de vários tipos” que são necessários para pôr em marcha uma campanha para a liderança do PSD. “É a vida”.

“As pessoas podem achar — e é uma das coisas que também tenho de ponderar — que este projeto que proponho até constitui a verdadeira vocação do PSD mas, ao mesmo tempo, achar que eu não sou o líder para o fazer. Isso não é coisa que me magoe ou muito menos humilhe”, disse. Ao mesmo tempo, o ex-deputado que foi adjunto de Pedro Passos Coelho no governo e que admite os “erros” cometidos naquele tempo, não se excluindo deles, vai reconhecendo que, “dos três candidatos em cima da mesa”, Luís Montenegro é o que se posiciona de “forma mais clara” contra o projeto político de Rui Rio — do qual é muito crítico. “Irei favorecer aquele que tiver mais possibilidades de derrotar o atual rumo estratégico corporizado em Rui Rio e na sua direção”, resumiu, já no fim da entrevista.

Criticou o facto de Rui Rio ter transmitido o anúncio da sua recandidatura nas redes sociais do partido, usando os meios do partido, e disse que era preciso “equilíbrio” já que Rio é presidente em funções mas também um candidato como os outros.

Pelo meio, deixou duros ataques à estratégia política de Rui Rio, defendeu que o PSD tem de votar contra todos os documentos fundamentais do governo do PS, incluindo o Orçamento do Estado, independentemente de até concordar com uma ou outra medida (isso faz-se na “especialidade”), e defendeu que é preciso dar esse passo de “rutura” total para a direita atingir a sua “maioridade” e não ficar debaixo da alçada socialista. Ou seja, até nas questões europeias onde tem havido consenso, é preciso ruturas.

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“Pode ser que não consiga reunir os meios de que preciso. É a vida”.

Se Rui Rio alimentou um tabu durante algumas semanas, o Miguel Morgado é neste momento o recordista porque há vários meses que está para dizer se é ou não candidato à liderança do PSD. Ainda não teve tempo para pensar?
No meu caso não há tabu nenhum, eu manifesto o meu desejo de me candidatar para participar no debate ao mais alto nível, na primeira linha. Mas, como disse desde o início, tenho de fazer um julgamento sobre os meios de que preciso para fazer uma candidatura condigna, e pode ser que não consiga reunir esses meios. É a vida.

Quando fala de meios, fala exatamente de quê? Das 1500 assinaturas que são precisas para uma candidatura?
Há um conjunto de requisitos para lançar uma candidatura à presidência de um grande partido nacional, como o PSD, que não vale a pena discriminar quais são, mas acho que têm uma ideia, que são a matéria-prima de uma candidatura deste tipo — para além das ideias e das propostas, obviamente. Estou convencido de que represento um conjunto de valores, de princípios, de um certo tipo de consciência política no PSD e nas direitas em geral, por isso acho que não só é minha responsabilidade estar disponível para me candidatar e participar no tal debate que considero importante, como também acho que devo participar de uma maneira condigna por respeito às pessoas que represento.

E falta o quê? Meios de campanha, recursos financeiros?
Meios de campanha, apoios de vários tipos, essas coisas todas que, quando falamos da política como uma atividade nobre, tendemos a não as discriminar.

Portanto, tem estado a avaliar se tem essas condições.
E a avaliar as condições políticas de haver uma mais-valia para o debate no PSD com uma candidatura minha ou com uma ausência de candidatura minha.

"Tenho de fazer um julgamento sobre os meios de que preciso para fazer uma candidatura condigna, e pode ser que não consiga reunir esses meios. É a vida"

Mas isso já terá tido tempo de avaliar. Há candidatos no terreno, já passaram muitos meses desde que manifestou esta vontade, por calendário as diretas seriam sempre em janeiro, portanto, já terá dados suficientes para ter feito essa reflexão.
Acho que uma candidatura minha faria diferença, mas não sou eu que tenho de ser o juiz disso. O que acho é que estas não devem ser umas eleições diretas das distritais, mas sim dos militantes-base e dos simpatizantes. Os simpatizantes não têm direito de voto, eu sei, mas todos os candidatos têm a responsabilidade de chamar ao debate os simpatizantes do PSD, o eleitorado do PSD mais ou menos fixo e também os desiludidos. E acho que posso contribuir para esse esforço de mobilização. Mas, lá está, isso pressupõe um conjunto de requisitos.

Quando é que acha que vai chegar a uma conclusão definitiva?
Ontem alguém me desafiava a isso e eu respondi com uma tirada de Goscinny e Uderzo: “Amanhã não será a véspera desse dia”.

A decisão na sua cabeça já está tomada, mas falta o que não depende exatamente de si, é isso?
Exato, é o que não depende exatamente de mim.

“Nenhuma das candidaturas cobre o espectro de opinião e projeção para o futuro necessários”

Chegou a dizer há uns meses que foi um erro não ter avançado, o Miguel Morgado e outros, com uma candidatura para a liderança do PSD no final de 2017 porque essa corrida ficou reduzida a Rui Rio e a Pedro Santana Lopes.
Acho que os acontecimentos vieram dar-me razão nessa minha lamúria.

Na altura disse mesmo que tinha sido um erro nomes como Paulo Rangel ou Luís Montenegro, ou o seu próprio, não terem avançado. Vai persistir no erro?
Eu disse que tinha sido um erro não me candidatar naquela altura para não me excluir das responsabilidades que estava a atribuir a outros. Como é evidente, estava a atribuir responsabilidades às pessoas de que se falava na altura, Paulo Rangel e Luís Montenegro, mas também achei que não são só eles que têm de assumir as despesas quando o partido se encontra num beco sem saída como foi quando esteve confrontado com uma candidatura de Rui Rio, de um lado, e Pedro Santana Lopes, do outro. Essa foi mesmo uma situação de beco sem saída. Não me quis excluir dessa responsabilidade, que era de todos. Na altura nomeei outros nomes, e nomeei-me a mim, mesmo sabendo que as possibilidades de ter sucesso nessa candidatura fossem ultra reduzidas.

Miguel Morgado, entrevistado esta quinta-feira no programa Sob Escuta da Rádio Observador

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A questão do beco sem saída não se coloca neste momento?
A campanha caminha para os três candidatos que já estão no terreno, que é um leque de escolhas e alternativas muito diferente do que tivemos no final de 2017. A questão não se coloca com a mesma intensidade do que naquela altura. Mas também não vou esconder que as três candidaturas, pelo que revelaram até agora, ainda não cobrem o espectro de opinião e de projeção para o futuro que eu acho que é essencial garantir neste debate. Se não for através de uma candidatura à presidência do partido, então que seja através de outras modalidades de debate que temos neste período de preparação do congresso.

Que espaço político é que ainda está descoberto?
Aquilo por que me tenho debatido, o que me tem feito divergir da atual direção do partido e de Rui Rio desde o início, é o facto de estar em causa uma desvirtuação do PSD como grande partido nacional que tem como vocação fornecer um projeto de sociedade e de governação alternativo que seja, na essência, não-socialista. Um projeto de pendor nacional, uma alternativa de governo, que reflita um projeto de sociedade e tudo o que está implícito nisso: valores, princípios, propostas, que sejam não apenas uma espécie de socialismo light mas uma variante, uma alternativa ao Partido Socialista. Como, desde o início, Rui Rio estava apostado não em combater essa hegemonia socialista mas, pelo contrário, em encontrar nela uma espécie de aliado natural, pareceu-me que isso era um erro estratégico fundamental e que era preciso uma alternativa.

“Montenegro foi ao encontro das propostas que eu próprio fui fazendo”

Mas não foi isso que Luís Montenegro fez quando anunciou a sua candidatura? Dizer que quer um PSD grande, e até falou em coligações à direita com todos os partidos desse espaço político, à exceção do Chega…
Ouvi com muita atenção essa intervenção de Luís Montenegro e também não me surpreende… Não vou esconder que dos três candidatos que estão em cima da mesa, do ponto de vista programático, para estabelecer o afastamento do rumo que foi seguido por Rui Rio, Luís Montenegro foi o mais claro. Mas também devo dizer que foi ao encontro das propostas que eu próprio fui fazendo ao longo dos últimos dois anos.

Está a reclamar os louros?
Julgo que articulei isso com mais clareza do que qualquer outro dos meus companheiros, dizendo que, a seguir a uma refundação cultural da direita, era preciso caminhar para um projeto político que eu chamei de federação da família não-socialista, mas que pode ter outro nome qualquer, na medida em que, a partir de 2015, tornou-se óbvio para todos que o PS, no seu posicionamento hegemónico, estava disponível para aquilo que nunca esteve disponível antes: fazer coligações com a extrema-esquerda quando era da sua conveniência. Portanto, o PSD só voltaria a governar e a executar um projeto de sociedade diferente do do PS com maioria absoluta. Parece-me evidente que, agora, para apontarmos para o grande sucesso eleitoral, temos de passar pela via dum conjunto de coligações.

"Não vou esconder que dos três candidatos que estão em cima da mesa, do ponto de vista programático, para estabelecer o afastamento do rumo que foi seguido por Rui Rio, Luís Montenegro foi o mais claro."

Isso não é também só uma questão de conveniência aritmética?
Não, não é só uma questão de aritmética, eu sempre disse que a refundação cultura da direita — e isto não tenho visto ser reproduzido pelos meus outros companheiros — precisa dos contributos de todas as direitas. Não podemos fazer uma grande federação que se faça, na prática, por uma redução ao mínimo denominador comum das várias alas. Acho que estas últimas legislativas vieram dar razão ao meu diagnóstico inicial: as quatro famílias da direita — os liberais, os conservadores, os sociais-democratas e os democratas-cristãos — têm contributos específicos e originais a dar para um projeto comum que não podem apenas ser pedidos emprestados. Isso só é possível se fizermos uma grande federação em que esta heterogeneidade se preserve.

Onde é que começa e acaba essa federação? Ou seja, onde começa e acaba um partido? Beber das propostas dos outros vai resultar numa espécie de fusão, é isso que se apresenta ao eleitorado?
Eu prefiro chamar-lhe uma negociação. Há realmente contributos originais, e nós precisamos dos liberais porque neste momento, na sociedade portuguesa, são ele que detêm uma espécie de força interior para um grande movimento reformista que, a meu ver, o país precisa.

Mas esses contributos vão para onde e servem para quê?
Para a formação de uma grande coligação pré-eleitoral, como é evidente.

É essa coligação que vai apresentar-se aos eleitores. Portanto, não é o PSD sozinho, é o PSD com uma aliança com vários…
O PSD tem esta característica particular, não só de ser o maior e o único dos partidos que é nacional, mas ter sido  sempre, desde o início, esta grande federação. Rui Rio quis negar isso, mas é ir ao arrepio não só do legado de Sá Carneiro, como da própria história do partido. Basta ir a quatro ou cinco secções falar com as pessoas das concelhias e das distritais, militantes de base, para perceber que, desde 1974, o PSD foi a coexistência e a negociação dessas pessoas que pensam de maneira muito diferente.

Há várias sensibilidades no PSD?
Sempre houve liberais no PSD, sempre houve conservadores, democratas-cristãos e sociais democratas. Ligar isso a uma estratégia absurda de depuração ideológica que se chama o centro ou a social-democracia autêntica pode ter muitos méritos, mas tem certamente dois grandes deméritos: fragmenta em vez de unir e depois não é o PSD, é outra coisa qualquer. O PSD tem o papel de liderar esta coligação.

“Não diabolizo o André Ventura, nem o Chega, como agora se quer fazer”

Isso não esvazia ideologicamente o PSD, no sentido em que precisa dos outros todos para estar completo?
Mas os outros todos também estão dentro das fronteiras. Por isso é que os votos e os eleitores migram.

O PSD sozinho já não consegue ser grande o suficiente, precisa dos outros?
Neste momento, do ponto de vista da aritmética eleitoral, isso parece-me evidente. O PSD em 2011, com uma liderança fresca e com o PS a ter arrasado o país com a troika dentro das nossas fronteiras, o PSD não conseguiu maioria absoluta sozinho, por isso perguntamos que circunstâncias políticas são necessárias para o PSD voltar a ter maiorias absolutas.

"A partir de 2015 percebemos que o PSD só voltaria a governar e a executar um projeto de sociedade diferente do do PS com maioria absoluta. Parece-me evidente que, agora, para apontarmos para o grande sucesso eleitoral, temos de passar por um conjunto de coligações."

Não acredita que isso seja possível?
Olhando para a sociedade portuguesa eu diria que não e o PS também está com essas dificuldades. António Costa, que foi até escoltado por grande parte da comunicação social para ter maioria absoluta, não a conseguiu. Ficou longe disso.

O PSD também fez maiorias absolutas com o CDS, portanto o que diz é que já nem com o CDS chega. Não é assumir que o PSD ficou pequeno?
Não, é referir que temos um grande adversário político que é a esquerda liderada pelo PS, que é muito forte, que temos de iniciar um caminho que vai ser longo, que os desafios do país são de tal ordem profundos que nós vamos precisar de uma grande dose de criatividade que só pode vir da coexistência e do diálogo desta heterogeneidade. Quando se fala numa coligação que reúna esta famílias todas, é uma coligação entre partidos, mas não só. Dentro do PSD também. Rui Rio decidiu unilateralmente destruir essa coligação interna do PSD, eu proponho desde o início reconstituir essa coligação. O que eu disse a Rui Rio, no Conselho Nacional do Porto, foi que ele não compreendia o fardo específico de liderar o PSD, que corresponde ao fardo adicional de liderar qualquer partido nacional. E que é este: todos temos as nossas convicções e princípios, mas quando se é líder do PSD tem de se renunciar a impor unilateralmente as nossas próprias vinculações intelectuais e culturais. O líder é o grande federador.

Como é que tem sido esta sua tentativa de convencer os militantes de que este é o projeto que vale a pena apoiar? 
As pessoas podem achar — e é uma das coisas que também tenho de ponderar — que este projeto que proponho até constitui a verdadeira vocação do PSD mas, ao mesmo tempo, achar que eu não sou o líder para o fazer. Isso não é coisa que me magoe ou muito menos humilhe. Não é nada humilhante ter um mau resultado, tenho suficiente confiança em mim próprio para não me deixar abater por essas coisas. Parece-me que há grande recetividade na sociedade portuguesa de que este é o caminho que temos de seguir.

"As pessoas podem achar -- e é uma das coisas que também tenho de ponderar -- que este projeto que proponho até constitui a verdadeira vocação do PSD mas, ao mesmo tempo, achar que eu não sou o líder para o fazer. Isso não é coisa que me magoe ou muito menos humilhe."

Ainda sobre essa união das direitas, Luís Montenegro quando apresentou a candidatura disse que admitia uma coligação com todos na direita, menos com o Chega. Concorda ou acha que o Chega também tem espaço nessa federação das direitas?
Quando lancei o movimento 5.7, o Chega, através do seu líder André Ventura, decidiu por sua iniciativa autoexcluir-se dessa agregação. Há um vídeo do André Ventura a criticar-me, onde basicamente diz que eu e as pessoas que estavam comigo no 5.7 fazíamos parte do sistema que ele e o Chega queriam criticar e pôr em causa. Eu não posso interpretar melhor o Chega do que o Chega se interpreta a si próprio. Portanto, se o Chega considera que nós, eu os meus aliados, todas as pessoas empenhadas em levar a cabo a federação das direitas, somos o sistema que eles condenam, então essa diferenciação já foi feita. Mas não diabolizo o André Ventura nem o Chega como agora se quer fazer, sobretudo num país que tem a representação da extrema-esquerda no Parlamento com a força que tem.

“Nesta liderança, o PSD não encontra a confiança suficiente em si próprio para liderar um projeto autónomo do PS”

David Justino, um dos vice-presidentes de Rui Rio, disse recentemente aqui no Observador que admitia algumas hipóteses para o PSD viabilizar um orçamento do PS. O Miguel não gostou e disse no Twitter que havia ali um problema sério de fraqueza política. Referia-se a quê?
Referia-me a isto: o PSD não encontra nesta liderança a força suficiente, a confiança suficiente em si próprio, para liderar um projeto político autónomo do Partido Socialista. Então, opta, como tem feito David Justino ao longo destes dois anos, por dizer que a única hipótese de sobrevivermos é sermos uma muleta do PS. De uma maneira mais formal ou menos formal. E isto não é só do ponto de vista dos apoios conjunturais, no Parlamento ou fora dele, não é só a questão dos chamados pactos de regime para as reformas estruturais, que também é outro equívoco. Não. É o facto de o PSD, com esta direção, não ter confiança nos seus próprios valores e princípios para os afirmar independentemente da aprovação do PS ou da esquerda. Há um receio sempre que o PSD destoa da linha da ortodoxia marcada pelo PS e pelos seus aliados. Por isso é que eu disse que era uma questão de fraqueza política, não há aqui nenhum ataque pessoal. Ao contrário do que ele fez com a resposta [falou em burrice].

Miguel Morgado foi deputado, adjunto de Passos Coelho no Governo e fundou o "Movimento 5.7" para federar as direitas

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Defende que não devia haver qualquer negociação com o PS?
Sim, defendo. E até digo mais: até no plano europeu, que tem sempre uma espécie de reserva, eu propus que não fosse assim. Precisamente para que o PSD adquirisse autonomia na formação de um pensamento europeu, num posicionamento do país no futuro da UE que não ficasse dependente dos consensos.

Está a falar de divergências artificiais ou há pontos claros, em matéria europeia, onde o PSD deve pensar diferente do PS?
Não são artificiais, se fosse era absurdo. Dou sempre este exemplo porque foi o exemplo que já concretizamos no PSD com outra liderança: o processo de adesão de Portugal, ou não, à Cooperação Estruturada Permanente em matéria de Defesa.

E tem outros exemplos para além desse?
Considero, por exemplo, que o PSD nunca poderá ratificar nenhum projeto de avanço da integração europeia que conduza à construção de um super Estado federal. O PS tem historicamente afinidade por um caminho para essa via. Propus que houvesse dois grandes critérios para o PSD julgar quaisquer propostas que haja no futuro para maior integração europeia: o primeiro é ver se a proposta, seja ela qual for, põe em causa a autonomia das instituições públicas democráticas nacionais (Parlamento, Tribunal Constitucional…), se põe, o PSD não pode aceitar; o segundo critério é se põe ou não em causa a viabilidade e a continuidade histórica na nação portuguesa. Se põe, não deve aceitar. Portanto, eu tenho elaborado vários exemplos de como isso se concretiza. Acho, por exemplo, que é preciso completar a união económica monetária e a união de mercado de capitais da União Europeia. Aí, sim, pode haver mais integração europeia com o apoio entusiástico do PSD.

"O PSD deve rejeitar o programa de governo do PS e votar contra o Orçamento do Estado do PS. Enquanto não der este passo de rutura, porque é um passo de rutura, a direita e as direitas não atingirão a sua maioridade política."

Em questões estritamente nacionais, o PSD devia dizer já que não viabiliza nem aprova nenhum documento do PS mesmo sem o conhecer? Nomeadamente, o Orçamento do Estado?
Claro. Se estão à espera de propostas que agradem ao PSD, votem a favor na especialidade, mas o Orçamento geral do Estado não é só uma folha de balanço contabilístico, é o principal instrumento político de um determinado programa de governação. O PSD está a favor daquele programa de governação ou não está? António Costa tem de ser responsabilizado pelas suas escolhas políticas, ou não tem? Eu acho que tem. Enquanto não se der este passo de rutura, porque é um passo de rutura, a direita e as direitas não atingirão a sua maioridade política. A questão aqui é se queremos emancipar-nos desta tutela da esquerda e do PS ou não. Eu digo que, a bem do país, temos de gritar pela nossa maioridade e sacudir para trás este período de menoridade. Mas isso implica escolhas, claro. E essas escolhas são rejeitar o programa de Governo do PS, e rejeitar o Orçamento do PS.

E uma eventual reforma da Segurança Social, por exemplo, que o PS esteja disponível a fazer com o PSD, também acha que o PSD se deve demitir?
Já conhecemos António Costa há anos suficientes para perceber que não vai fazer reforma de coisa nenhuma. E muito menos fará a da Segurança Social. Depois, as reformas estruturais dependem do seu conteúdo. Já vi o PS chamar de reforma estrutural questões que são puramente medidas administrativas. Grandes mudanças nos grandes pilares da administração pública, isso, o PS não fará. António Costa é o líder para gerir uma situação, que nos últimos quatro anos calhou coincidir com uma conjuntura económica mundial como não tínhamos há 60 anos. Mas, no essencial, nada mudou. Essa gestão da estagnação obedece à lógica de governação do PS, que é de consolidação da hegemonia de poder.

E portanto, o PSD tem de pôr-se de fora.
O que eu digo é que não se pode fazer acordos para as chamadas reformas estruturais com um projeto de governação deste tipo. As reformas estruturais que terão de ser feitas no futuro, e que precisarem do apoio do PS, têm de ser objeto da mobilização do país, para o país as desejar, e, depois, se o apoio do PS for essencial, então negociar nos termos do PSD. A revisão constitucional de Cavaco Silva foi crucial e foi feita nos termos do PSD de Cavaco Silva, e o PS teve de ir a reboque.

Mas neste caso, foi o PS que ganhou as eleições.
Com certeza, por isso tem responsabilidade para governar. Faça lá o que tem a fazer. O PSD pode votar a favor de medidas administrativas do PS, claro que sim, não é isso que dita um projeto de sociedade.

"Não se pode fazer acordos para as chamadas reformas estruturais com um projeto de governação de hegemonia do poder como é o projeto de António Costa. As reformas estruturais que terão de ser feitas no futuro, e que precisarem do apoio do PS, têm de ser negociadas nos termos do PSD."

“Rui Rio foi o primeiro a pôr em marcha um projeto de fragmentação no PSD”

Voltando ao discurso que Rui Rio fez de recandidatura, ele falou de um risco de fragmentação do partido. Como interpretou estas palavras?
Eu vou passar por cima dos ataques pessoais que foram feitos, que acho que nem foram dirigidos a mim, foram dirigidos a outros companheiros meus, mas não é por isso que deixo de estar solidário com eles…

Foi um discurso marcado por ataques pessoais?
Foi, e já percebi que isto vai ser recorrente até janeiro. Mas sobre a questão da fragmentação, temos de ouvir com algum sentido de humor essas observações. Rui Rio foi o primeiro, mal se viu presidente do PSD, a pôr em marcha esse processo de fragmentação. Logo no início, em fevereiro, março, abril de 2018: os críticos tinham de sair do partido, os deputados tinham de se demitir, o que interessava era proteger o PSD de uma deriva liberal porque o PSD é apenas o rigor ideológico de uma social-democracia que ele próprio nem é capaz de definir bem.

Mas quer dizer o quê, do seu ponto de vista?
É a proximidade ao Partido Socialista, presumo eu. É preciso não esquecer, e a Comunicação Social muitas vezes esquece-se disto, que o PSD tem um programa político. Um programa que vincula todas as suas direções, sejam elas quais forem, e que pode ser alterado em congresso para esse efeito. Mas esse programa político, que está lá desde o congresso de 2012, é o programa dessa grande federação. Não é da depuração ideológica que só tem espaço para uns que estiveram com não sei quem em 1983 e que, portanto, foram a favor do Bloco Central. O programa político que também vincula Rui Rio, David Justino, Paulo Mota Pinto e toda a gente, não diz nada disso. Abre espaço a todas estas famílias de que falei. É só ir lá consultar. Por acaso, por mera coincidência, provavelmente, a partir 2018 esse programa é de mais difícil acesso no website do PSD, mas convém lê-lo porque é muito importante. Abre muitas portas para o futuro e diz muito sobre a auto-interpretação do PSD nos nossos tempos. Eu sei disso porque fui eu que escrevi o programa.

"O PSD deve rejeitar o programa de governo do PS e votar contra o Orçamento do Estado do PS"

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Tendo em conta que tem criticado a aproximação deste PSD a António Costa parece-lhe positivo que Rio tome a iniciativa de ser ele o rosto do confronto em debates quinzenais e na discussão do Orçamento do Estado contra António Costa, como líder da bancada parlamentar?
Rui Rio está no seu direito de se candidatar a líder da bancada. Não se pode autodesignar, tem de ir a eleições no grupo parlamentar. Mas presumo, evidentemente, que vai ganhar.

A bancada foi escolhida por ele.
É o candidato único, com certeza. Mas é preciso ter atenção a estas formas.

Mas como interpreta este gesto da parte dele?
Acho que ele tem todo o direito a se candidatar a líder da bancada e a sê-lo, mas nós vamos entrar num período eleitoral. Um período em que ele é candidato. É presidente em funções, mas também é candidato.

Acha que é desleal?
Não gostei, por exemplo, de ver a apresentação da candidatura dele ser feita através dos meios online do PSD. Isso não achei bem. Ele estava a falar na qualidade de candidato, não de presidente do PSD. É preciso fazer essas distinções, que no passado foram feitas, e convém não serem confundidas. Agora, ele como líder da bancada parlamentar, irei avaliá-lo pelo seu desempenho. Não vou fazer julgamentos à priori. Mas tem de se ter em conta que ele é candidato. Seria mais prudente não ser líder da bancada e ter todo o tempo para fazer as intervenções no Parlamento. Atenção, ele é deputado de pleno direito e com funções de responsabilidade muito maiores do que as minhas no PSD, com certeza que sim. Portanto, tem direito, se quiser, a ter mais tempo de intervenção no Parlamento do que qualquer outro deputado. Mas há um equilíbrio que deve ser feito entre ser candidato e ser presidente em funções, e ser líder da bancada torna mais precário esse equilíbrio.

"Há um equilíbrio que deve ser feito entre ser candidato e ser presidente em funções, e ser líder da bancada torna mais precário esse equilíbrio".

“Não excluo nenhumas responsabilidades [nos resultados do PSD] da liderança de Pedro Passos Coelho”

Surpreendeu-o a reta final da campanha em que Rui Rio foi mais agressivo para António Costa?
O que me surpreendeu foi a dificuldade que nos meses anteriores, mais de um ano antes dessas duas semanas, Rui Rio ter revelado pouca predisposição para criticar politicamente o PS e sobretudo o seu líder. Quando o líder do PS nunca se coibiu até às vezes de criticar Rui Rio, não só de maneiras que eu considero injustas, como muitíssimo pouco elegantes. Rui Rio tem de compreender que ele não tem de se pôr no plano das críticas deselegantes a António Costa, ficar-lhe-ia mal com certeza, mas tem de responder às críticas políticas que António Costa faz com as suas próprias críticas políticas, nomeadamente na articulação do projeto de sociedade autónomo do PSD e do legado do governo entre 2011 e 2015 liderado pelo PSD.

Foi muito rápido a classificar o resultado de Rui Rio, logo no dia seguinte às eleições, como “desastroso” e uma “derrota inqualificável”. Mas gostava de lhe perguntar se este insucesso é apenas de Rui Rio ou se acha que já pode ter vindo de trás, de Pedro Passos Coelho?
Eu não excluo nenhumas responsabilidades da liderança de Pedro Passos Coelho, assumo-as também para mim.

Consegue identificar os erros que tenham sido cometidos?
Durante a governação? Vários.

E depois da governação, na oposição?
Também, também. Mas não faço essas críticas em público, por uma questão de lealdade e de segredo profissional, se lhe quisermos chamar assim. Toda a gente sabe que eu fui muito próximo de Passos Coelho do ponto de vista profissional e de gestão de todos aqueles anos no governo e na oposição. E, portanto, estou vinculado a ele por regras a que padres e psicólogos podem compreender.

Admite então que houve erros na estratégia política?
Claro. Só uma pessoa que não tem nenhuma consciência de si dirá que age sem erros. E sobretudo na época de governação em que o quociente de adversidade e de dificuldade da decisão política subiu exponencialmente, sem qualquer precedente na história portuguesa, pelo menos desde 1977 até agora.

“Vou estar atento ao que Montenegro tem para dizer”

E uma eventual candidatura sua fica colada a esses erros?
Fica colada à avaliação que as pessoas fazem desses erros. Mas eu assumo isso sem qualquer problema e sem qualquer reserva. Aquilo foi um governo de salvação nacional — e estou medir bem as minhas palavras — de que muito me honro de ter pertencido. E mais: Portugal teve muita sorte em naquela conjuntura ter sido liderado por Pedro Passos Coelho. Não tenho reservas em dizer isso.

Essa não é uma tese consensual…
Evidentemente que há pessoas que não concordam comigo e até discordam visceralmente, mas, enfim, estamos numa democracia. Só estou a dizer que esta é a minha opinião e que é a esta que me vinculo quando me apresento às pessoas. Só queria dizer uma coisa sobre os 27% de Rui Rio: aquele resultado, que é maior do que o das Europeias, é a diferença entre o desastre e uma catástrofe, mas isso deve-se a quê? A meu ver, deve-se a um ato coletivo de lealdade do povo das direitas, que achou que devia votar no PSD apesar de não estar convicto da bondade da sua liderança, para proteger o país de um resultado triunfante do PS, por um lado, com maioria absoluta, e para livrar o país de uma grande hegemonia da esquerda com os dois terços que se anunciou e que eu próprio falei.

Quer dizer que o povo português lhe deu razão?
Só quero dizer isto: acho de muito mau tom, em vez de haver um gesto de gratidão, e eu estou grato a esses portugueses que votaram no PSD, porque conheço muitos que o fizeram a contragosto, digamos assim, estou muito grato e custa-me que esses tenham sido os portugueses que foram desprezados pela atual direção e que, pelos vistos, a acreditar pelo discurso de Rui Rio nos últimos dias, vão continuar a ser desprezados no futuro. É de uma ingratidão e de uma ironia cruel a que devíamos estar a ser poupados. E não estamos. Não tenho quaisquer dúvidas de que os tais 27%, comparados com os tais menos de 22 nas Europeias, deveram-se a esse ato de lealdade. E esse ato de lealdade, que teve uma baixa séria, que foi o CDS, devia ser reconhecido pelo PSD.

"Irei favorecer aquele [candidato] que tiver mais possibilidades de derrotar o atual rumo estratégico corporizado em Rui Rio e na sua direção. Não escondo isso. Aquele que tiver as melhores condições, terá o meu apoio"

Para terminar, de tudo o que disse até aqui ficou claro que, dos três candidatos que existem até agora, sente-se mais próximo de Luís Montenegro…
Eu não dei apoio a ninguém. Neste momento estou a dar apoio a mim próprio.

E se não avançar?
Se não for candidato, não renunciarei a participar no debate nos meus próprios termos: a vincular-me apenas a mim próprio. Terei de encontrar outras modalidades, com certeza. No que diz respeito aos apoios dos candidatos no terreno — não sei se aparecerá ainda mais alguém, não faço ideia –, tendo em conta os três que já estão, irei favorecer aquele que tiver mais possibilidades de derrotar o atual rumo estratégico corporizado em Rui Rio e na sua direção. Não escondo isso. Aquele que tiver as melhores condições, terá o meu apoio. E as melhores condições para levar a cabo, pelo menos aproximadamente, algumas das ideias que eu defendo.

E nesse caso, o que mais se aproxima é o projeto político defendido por Luís Montenegro?
Vamos ver. Ainda agora começámos. Vamos lá ver o que Luís Montenegro tem para dizer. Vou estar atento.

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