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RAQUEL MARTINS/ OBSERVADOR

RAQUEL MARTINS/ OBSERVADOR

Era uma vez na América. Os milhões que a Caixa gastou num banco que nunca controlou

Em 2002 a CGD comprou o Crown Bank, nos EUA. Cinco anos depois, manobrada por um emigrante luso-americano e sem nunca ter controlado a gestão, só ficou com uma conta do advogado: 20 milhões.

A Caixa Geral de Depósitos gastou perto de 20 milhões de euros em advogados, viagens e outras despesas para recuperar os 25 milhões que deveria receber pela venda do Crown Bank, uma entidade financeira norte-americana que o banco público português adquiriu em 2002 e cuja gestão nunca controlou. Confuso? É normal, esta é a história de mais uma das operações rocambolescas da Caixa Geral de Depósitos no período entre 2000 e 2015 agora revelada pela auditoria da EY.

É preciso recuar a 1998 para começar a explicar o negócio da CGD no Crown Bank. Foi nesse ano que o empresário luso-americano Jacinto Rodrigues, com percurso no setor da construção civil, e outros quatro luso-americanos (entre os quais José Mário Gomes, outro homem do setor da construção) fundaram o banco. O Crown Bank abriu o seu primeiro balcão em 25 de Abril de 1998 em Ocean City, uma localidade de veraneio do sul do estado de New Jersey, com um capital de 7,5 milhões de dólares. Rapidamente se expandiu para Newark (em dezembro de 1998), Elizabeth (em junho de 1999) e Lynwood (em novembro de 2000). Em abril de 2001 abriria novo balcão, desta vez em Brick, que viria a tornar-se a sede.

A proliferação de balcões do Crown Bank pelo estado de New Jersey (costa Leste dos EUA) coincidiu com uma outra expansão, muito mais alargada, da Caixa Geral de Depósitos. Em 1999, o banco público português iniciou operações em Macau, via BNU, e abriu, em outubro, uma sucursal em Nova Iorque, essencialmente para operações financeiras destinadas a empresas. Esta sucursal — em particular o seu diretor-geral, Francisco Graça — seria crucial para a aventura da Caixa na banca retalhista nos Estados Unidos.

Nos anos 1990, o Banco Espírito Santo, o Totta&Açores e o Banco Português do Atlântico eram as principais presenças da banca portuguesa nos EUA, com sucursais e escritórios de representação em alguns dos estados com as maiores comunidades de emigrantes portugueses e luso-descendentes: New Jersey, Massachussetts, Nova Iorque e Connecticut.

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A Caixa queria entrar no retalho e, em outubro de 2001, assinou um acordo com Jacinto Rodrigues, o principal acionista do Crown Bank, com vista à aquisição do banco. Na verdade, o acordo visava a constituição de uma holding, a Caixa Geral de Depósitos-USA Holding Company Inc, que passaria a deter o Crown Bank. A Caixa ficava com 51% da holding e Jacinto Rodrigues — na altura (e até hoje) presidente do conselho de administração do banco americano — com 49%.

A ideia era que a Caixa pudesse ter uma vertente de negócio junto das comunidades portuguesas nos Estados Unidos. “A compra do Crown Bank e da sua atividade financeira retalhista vem complementar de modo perfeito a atividade grossista a que a CGD se dedica em Nova Iorque”, resumiu na altura — em declarações à agência Lusa — o então diretor-geral da sucursal da CGD em Nova Iorque, Francisco Graça.

Jacinto Rodrigues (foto datada do ano 2000) fez carreira como empresário da construção civil.

“A Caixa Geral é uma instituição financeira reconhecida internacionalmente e faz sentido que a marca CGD esteja onde estiverem comunidades portuguesas”, diria também. A auditoria da EY aos atos de gestão da Caixa entre 2000 e 2015 indica que foi Francisco Graça quem identificou “esta oportunidade de negócio”.

Por essa altura, o número um da Caixa Geral em Lisboa era António de Sousa, que viria a ocupar essa função até setembro de 2004. Em declarações ao Observador, o ex-presidente explicou o racional por detrás da manobra de internacionalização realizada nestes anos. “O intuito era captar as poupanças e negócios das comunidades portuguesas ou lusodescendentes em mercados internacionais”. Foi nesta lógica que também se fizeram as operações em Timor-Leste e Cabo Verde, bem como o processo de recuperação e relançamento do Mercantile, na África do Sul, recentemente vendido pela Caixa com mais-valias.

O estado de New Jersey, onde fica Newark, encaixava nesta estratégia. Também o BCP investiu numa operação no mercado americano pela mesma altura, recordou o responsável. Para António de Sousa, “a opção de parceria com um banco local já existente permitia não só uma maior ligação à comunidade portuguesa, já que o sócio era dessa comunidade, mas também ultrapassar um processo complexo e demorado de autorizações regulatórias que seria necessário para um investidor estrangeiro abrir um banco nos Estados Unidos”.

António de Sousa era presidente quando a CGD avançou para os EUA e comprou o banco americano

JOÃO RELVAS/LUSA

Supervisão e regulação americanas atrasam início das operações

Pelo menos esse era o plano. Mas seriam precisamente os atrasos nas autorizações dos reguladores americanos a azedar o início do negócio, com prejuízos vários para o lado da Caixa, como nota a auditoria da EY agora conhecida.

Os principais constrangimentos desta operação iniciaram-se com o atraso das autoridades americanas na aprovação do negócio. Durante o processo de negociação, a CGD — como forma de compensar por atrasos processuais da sua equipa na gestão do dossier — acabou por ir cedendo a várias exigências do emigrante português [Jacinto Rodrigues], incluindo aumentar o valor a pagar pelo investimento (acima da avaliação efetuada inicialmente), não considerar ajustamentos de due diligence propostos ou aceitar como garantia as próprias ações do Crown Bank sem outros colaterais”, pode ler-se no relatório final da auditoria.

A Caixa tinha previsto investir 20 milhões de dólares pelo controlo do banco e acabou por gastar 23,6 milhões. Já a parte de Rodrigues e dos minoritários passou de 7,5 milhões de dólares para 6 milhões.

Pode ler aqui na íntegra, sem nomes ou números rasurados, o relatório final da auditoria à CGD

De facto, só em 23 de outubro de 2002, um ano e uns dias depois da assinatura inicial do acordo, é que a Caixa anunciou a constituição da CGD USA Holding Company, empresa que iria controlar o Crown Bank. A CGD USA Holding teria sede no estado norte-americano do Delaware, nos moldes definidos inicialmente (51% do capital era da Caixa Geral e 49% da família de Jacinto Rodrigues, o maior acionista individual).

“Embora o acordo para aquisição do Crown Bank pela CGD tenha sido concluído no princípio de Outubro do ano passado, só agora chegaram ao fim as diligências necessárias para a escritura, assinada terça-feira [22 de outubro de 2002] nas instalações da CGD em Nova Iorque”, escrevia na altura o correspondente da agência Lusa.

“O Crown Bank vai manter o mesmo nome, mas, a seu tempo, vai acrescentar-se Caixa Geral de Depósitos Group. Também haverá uma alteração de imagem e de cor”, disse então Francisco Graça, que se escusou a indicar o montante envolvido no negócio.

O relatório e contas da CGD de 2003 encarregar-se-ia de revelar o montante gasto meses mais tarde, deixando claro que a Caixa pagou “23.600.000 dólares norte-americanos (22,5 milhões de euros, ao câmbio de 31 de dezembro de 2002)” por 969.166 acções, com valor nominal de 0,01 dólares, da CGD USA Holding Company, Inc., representativas de 51% do capital social desta entidade.

A página do relatório e contas da CGD de 2002 que indica o valor da compra do Crown Bank

Acordo parassocial assinado pela Caixa levantava riscos…

Além dos atrasos, a Caixa Geral também foi alterando “as premissas iniciais do acordo” que tinha com o emigrante português Jacinto Rodrigues, que por esta altura já era conhecido no seio do Conselho de Administração do banco público português apenas pelas iniciais JR (pronunciadas em inglês, como se fazia com a personagem principal da série Dallas, o magnata do petróleo JR Ewing).

O administrador da CGD com o pelouro internacional na altura era Tomás Correia — atualmente presidente da Associação Mutualista Montepio Geral, cuja idoneidade tem sido posta em causa em vários processos no Banco de Portugal e no Ministério Público. Enquanto administrador, Tomás Correia liderou o processo inicial do Crown Bank até à sua saída da Caixa, em dezembro de 2003, e que terá sido motivada por discordância em relação à estratégia adotada pelo então presidente António de Sousa. O Observador sabe que o episódio do Crown Bank não contribuiu para uma boa relação entre os dois gestores.

Administrador da CGD entre 2000 e 2003, Tomás Correia tinha o pelouro internacional e liderou o processo Crown Bank

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

A auditoria da EY revela que uma das alterações, que desagradou particularmente a JR, foi a escolha do representante da CGD “nos futuros órgãos de gestão do Crown Bank (Conselho de Administração e Comissão Executiva)”.

Embora ao abrigo do acordo parassocial assinado com Jacinto Rodrigues a CGD tivesse a maioria dos lugares nos órgãos de gestão, o banco público “comprometeu-se a nomear para um dos seus lugares o próprio emigrante português, como demonstração do interesse na parceria e para manter este sócio vinculado à gestão do banco, dado ter-se considerado que o mesmo era imprescindível para o crescimento pretendido”, indica o documento.

No entanto, a CGD não indicou para os órgãos sociais os nomes inicialmente acordados com Jacinto Rodrigues, “pelo que se possa acreditar que terá sido essa a motivação para o mesmo assumir o controlo da gestão do banco”, escreve agora, quinze anos depois, a equipa de auditoria da EY.

Uma decisão do Tribunal Distrital de New Jersey, com a data 30 de junho de 2005 e consultada agora pelo Observador, conta uma história com alguns pontos diferentes. A decisão da juíza Mary Cooper diz respeito à ação civil 03-746, interposta pela Caixa Geral de Depósitos contra Jacinto Rodrigues, família e outros gestores por si nomeados. O texto da sentença confirma, entre vários outros pontos, que Tomás Correia era um dos homens da Caixa envolvidos no processo do Crown Bank, já que o lista — juntamente com Manuel Figueira, Francisco Graça, Alberto Soares, Luís Neto, Miguel Marques — como representantes da Caixa nos vários processos judiciais, que incluiu acusações de difamação.

Contactado pelo Observador, Tomás Correia não quis comentar o negócio do Crown Bank, que coordenou em 2001 e 2002, afirmando que não fala sobre a sua passagem pela Caixa Geral de Depósitos.

A folha de rosto da decisão do Tribunal Distrital de New Jersey, data de 30 de junho de 2005

A manobra de JR para retirar o controlo da gestão à Caixa

O processo também permite ver qual foi a posição de queixa da Caixa quanto a Jacinto Rodrigues. A CGD alega que o plano de negócios assinado entre as duas partes assumia que o relacionamento da Caixa com a família Rodrigues “era uma parceria em joint venture e que havia um “entendimento claro de que a Caixa teria um papel ativo nas operações diárias do banco [Crown]”.

O acordo global previa que a administração da CGD USA Holding teria cinco membros, três nomeados pela Caixa e dois por Jacinto Rodrigues. Na Caixa ficou mesmo a ideia de que o banco público teria o direito de escolher o presidente. O board do Crown Bank teria sete administradores, quatro nomeados pela CGD e três por Rodrigues. Mas o acordo tinha uma zona cinzenta perigosa: nos três anos seguintes, a Caixa comprometia-se a nomear Jacinto Rodrigues para um dos “seus” três lugares. Na prática, a Caixa assinou a sua própria sentença como acionista maioritário, mas com minoria nos votos.

Também era entendimento da Caixa, vertido na queixa, que ao concretizar o acordo em outubro de 2002, os acionistas liderados por Jacinto Rodrigues deveriam assinar “uma resolução acerca do novo conselho de administração do Crown Bank, confirmando, entre outras coisas, a participação minoritária da Caixa no Comité Executivo do banco, acertada previamente”.

Jacinto Rodrigues e os acionistas que o apoiavam disseram que controlavam o board, e rapidamente apresentaram e aprovaram uma nova moção, na qual o Comité Executivo era composto integralmente por diretores da sua confiança. A Caixa tinha acabado de perder o controlo e a gestão do banco que comprou e que já tinha recapitalizado.

Mas Jacinto Rodrigues, argumenta a CGD, disse que preferia lidar com essa parte da transação na primeira reunião ordinária da nova administração do Crown Bank, agendada para daí a três dias, a 25 de outubro de 2002. Confiante de que este passo “era uma mera formalidade”, a Caixa aceitou concluir o negócio mesmo sem ter um papel assinado pelas partes a garantir a composição do Comité Executivo.

Na reunião de 25 de outubro, Jacinto Rodrigues deu a conhecer a sua estratégia, a sua “intenção secreta”, nas palavras dos representantes da CGD: excluir os representantes da Caixa da supervisão diária das operações do banco e mesmo do Conselho Executivo. Ou seja: a Caixa podia pagar e financiar, mas não podia decidir sobre o futuro e o rumo de ação do banco.

Pior: a Caixa Geral até financiou a manobra de Jacinto Rodrigues — com um empréstimo de 7,5 milhões de dólares, “em condições vantajosas”, escreve o tribunal. Isto porque, quando a Caixa se interessou pelo Crown, os Rodrigues apenas tinham 42,8% do banco. Como a Caixa queria ter uma participação de 51% e Jacinto Rodrigues queria ter 49%, pediu emprestado à própria CGD o dinheiro para fazer subir a sua participação.

Na reunião decisiva, Jacinto Rodrigues jogou o tudo por tudo: apresentou uma resolução acerca da composição do novo board, mas nesta versão já não estava o nome do representante da Caixa, Manuel Figueira. Quando os representantes da Caixa contestaram, Jacinto Rodrigues e os acionistas que o apoiavam disseram que controlavam o board e rapidamente apresentaram e aprovaram uma nova moção, na qual o Comité Executivo era composto integralmente por diretores da sua confiança. A Caixa tinha acabado de perder o controlo e a gestão do banco que comprara e que já tinha recapitalizado.

Nas reuniões subsequentes, a nova administração e Conselho Executivo — controlados por Jacinto Rodrigues — aprovaram estatutos e resoluções que, na prática, impediam a Caixa Geral de Depósitos de voltar a ganhar o controlo sobre o banco.

Crown Bank usou recapitalização da Caixa para crescer — sem o controlo da CGD

A auditoria da EY, quinze anos depois, resume a situação e o quadro final da operação Crown Bank: ao abrigo do acordo parassocial, Jacinto Rodrigues “ficou com o controlo do banco, após a sua recapitalização com fundos da CGD”. E quanto é que a Caixa injetou no Crown Bank? Não se sabe exatamente.

Quando a CGD formalizou o negócio, em outubro de 2002, Francisco Graça revelou à Lusa que no ano anterior tinha havido um aumento de capital, “que colocou a situação líquida [do Crown] em aproximadamente 33,5 milhões de dólares (cerca de 34,3 milhões de euros)”, destinados a “suportar o plano de expansão para fora de New Jersey”. A auditoria da EY confirma que essa recapitalização foi feita “com fundos da CGD”.

No final de um processo em que comprou um banco por 23,6 milhões de dólares, assinou um acordo parassocial que possibilitava ao acionista minoritário ficar com o controlo do ativo, recapitalizou o banco que não controlava, foi manobrada e ultrapassada nas reunião do board e gastou 20 milhões de dólares em advogados, a Caixa acedeu a revender o Crown Bank ao seu fundador por 25 milhões de euros.

Ou seja, graças à recapitalização da Caixa o Crown Bank abriu mais mais duas agências só no primeiro ano de parceria: um segundo balcão em Newark e outro em Harrison. Haveria de abrir outras sete, mas nunca saiu de New Jersey.

Após ter perdido o controlo do Crown Bank (desconhecendo-se agora se algum dia o banco norte-americano chegou a acrescentar CGD ao nome ou se chegou a mudar de cor), a Caixa viu-se confrontada com uma situação insustentável.

“Com este desequilíbrio da administração do Crown, a Caixa confrontou-se com o problema de ter de assumir responsabilidades financeiras, regulamentares  e reputacionais de um banco onde não controlava a gestão. Era uma situação desconfortável e que tinha risco. A gestão tentou reverter a situação, contrataram-se advogados americanos para tentarem reverter judicialmente a nomeação ou voltar a assumir gestão. Mas o processo revelou-se muito caro. As contas iam ao conselho de administração e havia essa noção, a ponto de se ter decidido que era preferível chegar a um acordo com o sócio minoritário e vender”, disse ao Observador um antigo administrador da Caixa

Mais uma vez, a auditoria da EY concluída no verão do ano passado limita-se a assinalar que a CGD desencadeou um processo legal com vista a obter “ressarcimento” pelo ocorrido. O relatório e contas de 2003 indica que foi nesse ano que a Caixa iniciou o processo legal contra Jacinto Rodrigues pelo controlo do Crown Bank.

“Este processo foi acompanhado de perto pelo Conselho de Administração da CGD, tendo sido implementados todos os mecanismos possíveis junto das entidades norte-americanas e de Jacinto Rodrigues. O processo negocial e legal estendeu-se entre 2001 e 2006, altura em que a CGD e a família do emigrante português chegam a acordo para a alienação da participação” do banco público.

O atual governador do Banco de Portugal foi administrador da CGD de 2004 a 2006, com o pelouro internacional

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Quando se iniciaram as negociações para um acordo com Jacinto Rodrigues, o actual governado do Banco de Portugal, Carlos Costa, tinha o pelouro da área internacional, mas o processo foi conduzido pelo então diretor jurídico da instituição, Lourenço Soares. Terá sido este a propor a solução de venda, alarmado com a conta crescente dos advogados que chegava dos Estados Unidos. O processo legal “tendo em vista o ressarcimento” viria a custar à Caixa Geral cerca de 20 milhões de dólares, sobretudo em advogados, viagens e outras despesas associadas.

Em março de 2006, a Caixa ergueu a bandeira branca e conseguiu um acordo que não correu mal do ponto de vista estritamente financeiro — até gerou uma pequena mais-valia — sobretudo considerando que o sócio do Crown Bank tinham o controle total. Até as agências onde o banco estava presente ficavam em espaços que eram propriedade do emigrante português.

No final de um processo em que comprou um banco por 23,6 milhões de dólares, assinou um acordo parassocial que possibilitava ao acionista minoritário ficar com o controlo do ativo, recapitalizou o banco que não controlava, foi manobrada e ultrapassada nas reuniões do board e gastou 20 milhões de dólares em advogados, a Caixa acedeu a revender o Crown Bank ao seu fundador por 25 milhões de euros. O pagamento inicial foi de apenas 7 milhões, o resto terá sido totalmente pago nos dois anos seguintes. Do ponto de vista da Caixa, e se deixarmos de fora a conta dos advogados, a venda resolveu dois problemas: uma dor de cabeça jurídica e o risco de ter um problema reputacional grave numa instituição que controlava no papel, com 51%, mas na qual não mandava nada.

Não há provas da análise de risco da CGD a Jacinto Rodrigues

A auditoria da EY identificou outro problema sério no processo do Crown Bank: não encontrou “qualquer evidência de ter sido feita uma due diligence” (ou seja, todo o escrutínio financeiro, jurídico, fiscal e reputacional a uma pessoa ou instituição) a Jacinto Rodrigues.  Em 2002, o chefe da sucursal da CGD em Nova Iorque, Francisco Graça, descrevia o Crown Bank como uma “instituição financeira recente, muito cristalina e que se tem afirmado entre as comunidades portuguesas”. Nem uma palavra à imprensa sobre Jacinto Rodrigues.

O emigrante português, natural de Fátima, viria a ser notícia nos meios locais de New Jersey em 2016. E pelas piores razões. O NJ.com apontava-o como um dos doze maiores devedores ao fisco do estado. O jornal escrevia que Rodrigues — construtor civil que mantinha relações próximas com o antigo presidente da câmara de Newark Sharpe James — e a sua mulher Joaquina Rodrigues deveriam 946.999 dólares ao fisco, de acordo com as contas das entidades estaduais.

Página do Relatório e Contas de 2006 da CGD, na qual está registado o fim da operação Crown Bank

Um único parágrafo no relatório e contas de 2006 narra, de forma sucinta, o último fôlego da operação. “Em 3 de Março de 2006, o Grupo CGD alienou a sua participação de 51% do capital social na CGD USA Holding Company, Inc. que por sua vez detinha a totalidade do capital social do Crown Bank, N.A. A venda foi efectuada pelo montante de USD 25.000.000, tendo sido recebido na data da venda USD 7.000.000. O remanescente em dívida, no valor de USD 18.000.000, será pago no prazo de um ano, sendo remunerado a uma taxa indexada à Libor a 12 meses (13.645 mil euros ao câmbio em vigor em 31 de Dezembro de 2006). Em 31 de Dezembro de 2006, o valor dos juros a receber ascendia a 209 mil euros. Desta operação resultou uma mais-valia de 470 mil euros”.

A equipa de auditoria da EY tem ainda uma palavra ou duas a acrescentar sobre os 18 milhões em dívida pelo Crown Bank. No relatório preliminar divulgado em janeiro deste ano, a EY escrevia que ainda tinha várias dúvidas:

  1. Por que razão foi concedido empréstimo a Jacinto Rodrigues no início da parceria?
  2. Que montantes ainda se encontram por regularizar?
  3. Do ponto de vista de recuperação do investimento, a CGD conseguiu recuperar os 25 milhões de dólares?

Na versão final da auditoria, já não constam estas pontas soltas. A EY escreve que os 18 milhões de dívida remanescente deveriam ter sido liquidados no prazo de um ano, ou seja, até 2007. “No entanto foi sendo sucessivamente prorrogado, estando em 2015 ainda em dívida uma pequena parte deste valor”, que não especifica.

A página do relatório final da auditoria da EY dedicada ao negócio do Crown Bank.

O Observador conseguiu contactar Jacinto Rodrigues, ainda hoje presidente do Conselho de Administração e administrador executivo do Crown Bank, que se escusou a falar sobre o negócio “ao abrigo das regras de confidencialidade contidas no acordo (settlement) feito com a Caixa“.

Com a saída da CGD, o Crown Bank cresceu e deu frutos. Atualmente conta com 15 balcões, incluindo a sede (agora em Elizabeth, New Jersey), espalhados por Newark, Harrison, Kearny, Clifton, West New York, Union City, Elizabeth, Cranford, Dunellen, Warren, Linwood e Brick.

A Caixa viria a manter a sucursal de Nova Iorque até 2018, quando teve de a encerrar no âmbito do Plano Estratégico [negociado com a Comissão Europeia] com vista à recapitalização do banco público. Desde 2006 — ou seja, desde o falhanço do Crown Bank — que a Caixa nunca mais operou na banca de retalho nos Estados Unidos.

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