“Eu não escolho amamentar em público, o meu filho é que escolhe ter fome”. Catarina Beato (36 anos) é mãe de dois rapazes: o Gonçalo tem 11 anos e o Afonso três. Quando o primeiro filho nasceu, a jornalista freelancer tinha apenas 24 anos. A falta de experiência e de conhecimento fez com que cedo deixasse de o amamentar. Agora confessa que deveria ter dado ouvidos ao instinto. Sem vontade de cometer o mesmo erro duas vezes, ainda hoje alimenta o Afonso e, quando calha, fá-lo na rua, à frente de quem passar — e de quem ficar a olhar.
Porque o leite materno “é o melhor alimento do mundo”, Catarina encara o ato sem qualquer estranheza. “O Afonso nasceu e eu tive de continuar com a minha vida, pelo que a amamentação na rua nasceu de forma natural”. O Afonso chorou da primeira vez que cortou o cabelo e a mãe, para o acalmar, deu de mamar no próprio estabelecimento. O gesto tornou-se regular.
“Se vamos à vacina, eu aviso com antecedência que posso ter de o alimentar. O mesmo acontece num jantar. Caso ele comece a ficar com sono, é provável que peça a maminha”. No entanto, hoje, dada a idade da criança, Catarina dá de mamar em público com menos frequência — não por vergonha, mas porque a fome do Afonso é mais controlada. “Se ele tivesse seis meses e estivesse com fome, não hesitava”.
“Dar de mamar é tão bonito como fotografar um bebé que acabou de nascer, todo enroladinho”, diz a também autora do blogue Dias de Uma Princesa, onde relata o crescimento dos filhos, entre outras peripécias. Por essa razão, e somando a familiaridade com o universo online, juntou-se a Tiago Figueiredo para criar o projeto Loove. A ele cabe fotografar mães enquanto estas amamentam em espaços públicos, e à jornalista contar as histórias das intervenientes. A ideia é passar a mensagem de que o ato em causa é natural, e bonito, o que nem sempre é assim percebido. “A dimensão da maminhas interfere imenso com a exposição: uma mulher com um peito mais pequeno não faz tanta confusão a terceiros”, diz a mãe do Afonso.
O certo é que as mulheres “desligam” a noção erótica da mama e encaram o corpo como uma ferramenta para alimentar o bebé. Quem o diz é Isabel Cruz, enfermeira no Centro de Saúde de Alcabideche, onde dá cursos de preparação para o parto. Aos 57 anos, tem cerca de 20 mães em pós-parto a seu cargo, além de ser conselheira em aleitamento materno (curso da Organização Mundial de Saúde, OMS).
Isabel Cruz não compreende o porquê de uma mulher se sentir obrigada a tapar-se (e ao bebé). “É um direito das mães poderem amamentar em todo o lado. Ninguém se escandaliza com uma mulher pouco vestida e vão escandalizar-se com a que dá de mamar?”.
Na opinião da enfermeira, o ato faz sobretudo confusão às gerações mais velhas. Explica que nos anos 1970 e 1980 amamentava-se muito pouco na rua e que as mulheres ditas modernas davam sobretudo o biberão — “vendeu-se essa imagem e a maior parte delas tinha um preconceito em relação à mama”. Hoje em dia, argumenta, as mulheres estão mais soltas e não se preocupam tanto. Ainda assim, Isabel Cruz diz que amamentar é algo que deve ser aprendido — não se nasce ensinado, nem a mãe nem a criança — e que podem existir algumas complicações no processo.
Olhares e comentários indiscretos
Leonor nasceu com 3,110 kg e 47 cm, a 3 de maio de 2014, no hospital de Cascais. Desde que veio ao mundo está em casa com a mãe, Cátia Reis, que até outubro pode dedicar-se por inteiro à filha. Das vezes que a dupla sai à rua é para participar nas aulas dadas pela enfermeira Isabel Cruz, todas as terças, quintas e sextas-feiras. Este é o local onde se esclarecem dúvidas que surgem com a maternidade e se fazem exercícios “para voltar a ter a barriga no lugar”.
Fora do centro de saúde, Leonor já foi passear para parques, para o paredão da linha de Cascais e ainda para o CascaiShopping. Em todos os cenários, a mãe faz por procurar zonas que lhe permitem ter mais privacidade quando a amamentar a filha (a título de exemplo, o centro comercial Freeport tem um Espaço Família que inclui uma zona de amamentação). “As pessoas olham mais com curiosidade do que maldade. Há quem o faça como uma crítica, acham que nós, mães, devíamos estar em casa e devíamos alterar os nossos hábitos em função da amamentação. Mas também há outras pessoas que nos lançam um sorriso carinhoso”, conta Cátia Reis, que vê no ato “o meu momento de namorar com a Leonor”.
O companheiro, por seu turno, sempre apoiou a amamentação na rua. A André Marques cabe o papel de incentivar a mãe de Leonor a sair de casa e, consequentemente, alimentá-la em locais públicos. Cátia Reis conta que ele nunca se importou: “Quando ela era mais pequena, o André até ajudava a colocar fralda durante a amamentação”. Rute Vieira, uma das colegas de Cátia Reis, diz ainda que nunca notou que um homem tivesse ficado a olhar para si, mas antes miúdos, por mera curiosidade e por acharem o ato estranho. “Homens ou rapazes nunca notei. Se fosse uma mulher em topless talvez olhassem mais depressa, mas como é uma mãe a dar de mamar…”.
No que à amamentação diz respeito, Rute Vieira é mais reservada e, sempre que pode, fá-lo em casa. O que a incomoda são os olhares de “pessoas indiscretas, sobretudo mulheres mais velhas”. O facto de ser reservada, diz, não ajuda à proliferação de comentários, no entanto, não se livrou de uma situação incómoda. Estava num restaurante quando o Tomás (hoje com quatro meses) resmungou com fome. Não havia outra possibilidade se não acalmar o filho ali e naquele momento. Rute fez o que toda a mãe faria. Ajeitou-se, tirou a mama para fora e alimentou o menino choroso: “A senhora que estava na mesa do lado vira-se para o marido e diz ‘Realmente, mostrar a mama neste sítio…’. O meu marido apertou-me a mão para eu não responder — é que sou muito respondona”, diz. A mãe do Tomás conta ainda o caso de uma amiga que, estando a dar de mamar num avião de uma grande companhia aérea, a assistente de bordo pediu-lhe para colocar uma fralda por cima dela e do bebé, por estar a incomodar os passageiros. “Era uma viagem de longo curso e apresentaram-lhe um pano para se tapar”, comenta indignada.
Vanessa Rodrigues (37), que ainda amamenta a filha Eva de 13 meses, culpa os pediatras como sendo os primeiros a apontar o dedo. “Acham normal amamentar até aos quatro e seis meses e, depois disso, consideram exagerado — já me chegaram a dizer que a ‘regra’ da OMS (amamentação exclusiva de leite materno até aos seis meses de uma criança) aplicava-se apenas aos países africanos”.
Uma vez na rua, Vanessa Rodrigues acha que são as mulheres mais novas que descriminam nos dois sentidos, por ela ainda dar de mamar e por fazê-lo em locais públicos. Vanessa fala com destreza e diz que o faz “em todo o lado”, incluindo exposições de arte, concertos (ao ar livre) e até na paragem do autocarro. “As pessoas sentem-se incomodadas não sei com o quê e são as primeiras a incomodar-me”.
Se ao início tinha cuidados em tapar-se com um pano, agora Vanessa Rodrigues olha para o gesto com naturalidade e não compreende os comentários que vai ouvindo. “Já me aconteceu estar em cafés e o empregado vir perguntar-me se queria um espaço mais reservado. Acontece com alguma frequência e fico sempre atrapalhada com a situação. Sinto que estão a intrometer-se na intimidade que tenho com a minha filha e, ao mesmo tempo, sinto pena pelas pessoas que ficam constrangidas por isto”, conta.
E agora além-fronteiras. Ana Inês Gonçalves (26) amamentou a filha até aos cinco meses (hoje a Lara tem um ano e três meses), quando ainda estava em Portugal. Trocou o país que a viu nascer, há três meses, pela capital inglesa. Ainda por terras lusas fazia por não dar mama na rua. “Uma vez fui ao centro comercial e a Lara tinha fome. Tive de amamentá-la ali e tapei-me com a fralda. Mesmo assim sabia que estavam a olhar para mim.”
A professora de primeiro ciclo, agora desempregada, diz ser extremamente envergonhada e corar com facilidade. Por esse motivo, nunca se sentiu à vontade em dar de comer à filha na presença de terceiros. Nem diante de familiares. “Lembro-me perfeitamente da primeira vez que tive de amamentar em frente ao meu pai. Senti tanta vergonha e não havia razão para tal, de todo”. Ainda assim, a mãe não vê mal nas mulheres que escolhem dar de mamar em locais públicos e diz que, em caso de necessidade, também o faria. Agora, em Londres, comenta que há imensos bebés e mulheres grávidas na rua, embora ainda não tenha visto ninguém a amamentar: “Mas, mesmo que visse, não ficaria a olhar. É uma coisa absolutamente normal”.
As vantagens da amamentação
O leite materno tem inúmeras vantagens e não apresenta quaisquer contraindicações tendo em conta uma mãe saudável. Quem o diz é Ana Jorge, coordenadora da Comissão Nacional Iniciativa Hospitais Amigos dos Bebés da UNICEF. A amamentação garante que o bebé tenha uma maior imunidade no que a determinadas patologias diz respeito. São exemplos as diabetes e a hipertensão, mas em causa está também uma menor probabilidade de o bebé ter alergias.
Para a mãe há efeitos imediatos a considerar: é mais fácil para ela, quando amamenta, voltar à imagem que tinha antes da gravidez, pelo que o ato poderá ter contributos para a perda de peso. Outra vantagem, embora Ana Jorge faça questão de referir a falta de comprovação, é a diminuição da prevalência do cancro da mama. A coordenadora diz ainda que dar de mamar “é muito mais prático e económico para uma mulher, em vez de esta investir em biberões e em leite artificial”.
Mas durante quanto tempo deve uma mãe amamentar o seu filho? Ana Jorge concorda com os conselhos da OMS. O leite materno deverá ser o único alimento da criança até esta completar seis meses. Depois, e até aos dois anos, deve servir de complemento numa dieta com outros alimentos não lácteos incluídos. Mas há muitas mulheres que ultrapassam a referida meta temporal. “Não vejo desvantagens”, esclarece Ana Jorge. “Mas do ponto de vista emocional existem correntes diversas. Depende muito da vontade da mulher. É uma decisão pessoal que deve ser tomada, considerando sempre uma relação saudável”. E quanto ao desmame? “É um processo natural que deve ser feito sem sofrimento de parte a parte”.
Questionada ainda sobre a norma da OMS estar associada aos países africanos, a coordenadora explica que, em países menos desenvolvidos, as condições de vida são diferentes, pelo que o leite materno torna-se fundamental na vida de uma criança. Caso contrário, os riscos para a saúde são acrescidos.