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Carlos Manuel Martins / Global Imagens

Carlos Manuel Martins / Global Imagens

Estado pode comprar Coleção Berardo, mas comendador continua a mandar

É um beco sem saída: mesmo vendendo a coleção de arte ao Estado, Berardo fica presidente vitalício com imensos poderes. Pior: antes os quadros valiam 316 milhões mas agora podem chegar aos mil milhões

Especial publicado originalmente em maio de 2019, atualizado e republicado em 29 de julho de 2021, a propósito da detenção de Joe Berardo e do seu advogado, André Luiz Gomes.

António Costa disse num debate parlamentar a 13 de maio de 2019 que “o Estado mantém a opção de compra” sobre a Coleção Berardo, referindo-se ao protocolo de 2016 que dá prioridade ao Estado na aquisição das obras hoje depositadas no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa. A ministra da Cultura, Graça Fonseca, afirmou o mesmo por diversas vezes e numa ocasião, a seguir ao último Conselho de Ministros, até elevou o tom: garantiu que “o Governo tem ao dispor as necessárias e adequadas medidas legais” para que o acervo do empresário madeirense continue a ser visto pelos portugueses, sem desmantelamento ou venda a terceiros. Mas quer o primeiro-ministro quer a ministra da Cultura podem ter-se esquecido de alguns pormenores.

Apesar de ter sido questionada sobre o assunto, a ministra da Cultura nunca quis especificar que “opções legais” tem o Estado ao seu alcance para ficar com a coleção.

O protocolo de 2006 (que é o original) e o protocolo de 2016 (que é uma adenda) não dizem textualmente que a Coleção Berardo, caso seja comprada pelo Estado, vá mesmo parar às mãos do Estado. Mais: o protocolo de há dois anos obriga a uma reavaliação do preço das obras, que poderiam custar ao Estado não os 316 milhões de euros de uma famosa avaliação feita em 2006 — que entretanto perdeu a validade com a assinatura da nova adenda —, mas eventualmente o dobro ou mais. Poderá mesmo chegar aos mil milhões de euros a preços atuais de mercado, dizem os especialistas ouvidos pelo Observador.

Isto significa que a opção de compra está no papel, mas na prática não existe. Se Berardo blindou as obras de arte do alcance dos credores na banca, como tem sido concluído nos últimos dias, tudo indica que fez o mesmo com a possível aquisição do acervo por parte do Estado.

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O que os dois protocolos dizem, sim, é que o dono das obras (o empresário Joe Berardo, através da Associação Berardo) atribui ao Estado “o direito de opção de compra sobre a coleção, de modo a que a mesma possa vir a integrar de forma definitiva o património da fundação”. Ora, a fundação em causa é a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Coleção Berardo, criada em agosto de 2006 para gerir o Museu Berardo, quando este foi instalado no CCB. É uma instituição de direito privado e de utilidade pública, na qual o Estado é apenas um dos membros, exatamente com os mesmos poderes que o próprio empresário.

A adenda ao acordo foi assinada em 2016 pelo ministro da Cultura Castro Mendes e por Berardo

MÁRIO CRUZ/LUSA

À letra, é possível concluir que ambos os documentos desta parceria público-privada (é o termo oficial) dão ao Estado a compra preferencial das obras todas. Mas, uma vez pagas com o dinheiro dos portugueses, elas passam automaticamente para a fundação – na qual Berardo tem poder para designar sozinho dois administradores (o Estado também tem) e ainda um terceiro, por acordo entre ele e o Estado. Além disso, o empresário detém o cargo de presidente honorário vitalício da fundação, com poder de propor a nomeação do diretor artístico do Museu Berardo. Mais: se o Estado não avançar para a compra, Berardo pode deixar em testamento quem lhe sucede no cargo de presidente honorário e, se não o fizer, há três familiares que automaticamente o serão: o filho mais velho, Renato; a mulher, Carolina; e o irmão, Jorge, lê-se no protocolo de 2006.

O Observador comparou os dois documentos. O primeiro é público e foi celebrado em 2006 entre quatro partes: Ministério da Cultura; Fundação Centro Cultural de Belém; o próprio Berardo; e a Associação Coleção Berardo, proprietária das obras de arte e controlada pelo empresário. O essencial do protocolo passou para um decreto-lei de 2006 e corresponde aos estatutos da Fundação. Quem o negociou foi Isabel Pires de Lima, então ministra da Cultura, com intervenção direta de José Sócrates.

A ministra da Cultura Isabel Pires de Lima com Sócrates e Berardo no local da exposição

O segundo documento é uma adenda de 23 de novembro de 2016 e foi negociado pelo ministro da Cultura Castro Mendes. O Ministério da Cultura – mesmo sem dar explicações – recusou em 2019 enviar uma cópia dessa adenda ao Observador, que acabou por consultar o documento através de duas fontes oficiosas. O número de assinaturas parece demonstrar o equilíbrio de forças existente. Pelo Estado, subscreveram duas pessoas: Castro Mendes e o presidente da Fundação CCB, Elísio Summavielle (que integrava por inerência de funções a Fundação Coleção Berardo como administrador que representa o Estado). Da parte de Berardo, três assinaturas: uma do filho mais velho, Renato, que é administrador da fundação, e duas do comendador, na qualidade de presidente honorário e de associado principal da Associação Berardo.

Entre as cláusulas que podem ser consideradas controversas, encontra-se também esta: se o Estado quiser comprar as obras de Berardo, o comendador tem o direito de recusar o valor proposto, tendo as partes acordado que esse valor será estabelecido por uma das duas maiores leiloeiras do mundo, Christie’s ou Sotheby’s, numa avaliação que só pode ser feita uma vez.

Documento mostra o que os bancos exigem a Berardo (e o que Berardo não pagou)

Nas últimas semanas levantaram-se sérias dúvidas sobre se as obras de arte do Museu Berardo podem ou não ser executadas para fazer face às dívidas do comendador junto da banca – cerca de 962 milhões de euros em créditos contraídos junto do BCP, da Caixa Geral de Depósitos e do Novo Banco, de acordo com a ação que deu entrada a 20 de abril de 2019 no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Foi este um dos temas em cima da mesa na polémica audição parlamentar de Berardo, a 10 de maio desse mesmo ano, com o empresário a rejeitar que algum dia seja possível executar as obras de arte. O texto da adenda de 2016, que o Observador agora analisou, pode significar que neste momento o Estado tem sobre a coleção o mesmo poder que têm os bancos: pouco ou nenhum.

Pintura de 1983 assinada por Francis Bacon, “Oedipus and the Sphinx after Ingres”, é considerada uma das mais valiosas da Coleção Berardo

Eis as cláusulas fundamentais do protocolo de 2016:

“Cláusula Quinta (Opção de Compra)

1. A Associação [Associação Berardo] atribui ao Estado o direito de opção de compra sobre a Coleção Berardo, propriedade da Associação à data do exercício, por valor a determinar nos termos da cláusula sexta infra, de modo a que a mesma possa vir a integrar de forma definitiva o património da Fundação […].

2. O Estado poderá exercer a opção até trinta dias antes do termo da vigência do comodato ou da sua última renovação [até ao fim de novembro de 2022] […].”

“Cláusula Sexta (Determinação do valor da Coleção Berardo e fixação do preço)

1. Para efeitos do exercício do direito de opção de compra referido na cláusula anterior, a Coleção Berardo, a pedido do Estado […], será objeto de avaliação por prestigiada firma internacional a escolher por comum acordo entre o Estado e a Associação, e a contratar pela Fundação, de entre as constantes do Anexo II [constam apenas duas: as leiloeiras Christie’s e Sotheby’s de Londres]. […]

3. O valor encontrado pela avaliação realizada […] será o preço final da compra […]

4. A Associação poderá não aceitar o preço encontrado pela avaliação para a Coleção, caso em que a opção fica sem efeito […].”

Tiago Petinga/LUSA

Quando comparadas com as cláusulas do protocolo inicial de há 13 anos, verifica-se que praticamente nada mudou. Berardo sempre pôde dizer não ao valor encontrado para a compra. Acontece que em 2007 o empresário aceitou a avaliação da Christie’s e o Estado poderia ter comprado até dezembro de 2016 todas as obras por esse mesmo valor. Agora já não pode. Citemos uma parte do texto, tal como surge no decreto-lei 164/2006, de 9 de agosto.

“Artigo 11º (Direito de opção)

1. É atribuído ao Estado o direito de opção de aquisição da Coleção Berardo, a exercer entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2016, de modo que a mesma possa integrar de forma definitiva o património da Fundação.

2. O Estado exerce o seu direito de opção mediante comunicação à Associação Coleção Berardo, por carta registada […].

3. O direito de opção extingue-se se a Associação Coleção Berardo não aceitar o preço determinado por avaliação feita por entidade terceira escolhida pelo Estado.”

AFP/Getty Images

Já não vale 316 milhões, pode chegar a mil milhões

Não são de agora as dúvidas e polémicas sobre os termos em que o Estado aceitou criar o Museu Berardo no antigo Centro de Exposições do CCB, tendo ficado célebres as críticas do presidente Cavaco Silva ao promulgar o decreto-lei que criava o Museu Berardo (decreto herdado do antecessor, Jorge Sampaio). “O diploma suscita dúvidas, principalmente no que se refere à distribuição de poderes entre o Estado e o colecionador ou pessoas por ele designadas, no caso de o Estado português efetuar a opção de compra da coleção”, sublinhou Cavaco Silva em 2006. E acrescentou: “Mesmo após o exercício daquela opção de compra, o colecionador continuará a dispor de poderes muito amplos de intervenção na gestão de um acervo de bens do património do Estado, podendo citar-se, a título meramente exemplificativo, a prerrogativa vitalícia relativa à nomeação do diretor do museu.”

De resto, também em 2006, o então deputado Pedro Duarte, do PSD, sustentava que a opção de compra da coleção não era realmente uma opção. Num debate parlamentar com o secretário de Estado da Cultura Mário Vieira de Carvalho, Pedro Duarte afirmava: “Apesar de a coleção ser comprada pelo Estado e, assim, passar a ser património público, o colecionador Berardo continuará a dispor de inúmeros e desproporcionados poderes de intervenção na gestão de um acervo que é património exclusivo do Estado. Um bom exemplo do que acabo de afirmar é a faculdade vitalícia de nomeação ou destituição do diretor do museu pelo referido colecionador”.

Santos Silva e José Sócrates durante um debate em plenário em 2006, ano da assinatura do acordo original com Berardo

LUSA

O então ministro dos Assuntos Parlamentares Augusto Santos Silva, também presente no debate, vociferava: “Não é verdade! Não é nomeação!”

Pedro Duarte pedia a renegociação da parceria público-privada e adensava a crítica com alusões ao assessor cultural Alexandre Melo: “Todo este processo começou com a senhora ministra da Cultura como interlocutora do colecionador Joe Berardo, naturalmente, diria eu! Contudo, a partir de determinado momento, o senhor primeiro-ministro decidiu desautorizar a sua ministra, promovendo um assessor do seu gabinete para esta função primordial nas negociações. As razões desta mudança de estratégia não são nada claras. E o facto de, no passado, o assessor em causa ter colaborado com o colecionador Berardo e de, hoje, ser já consultor da Fundação Berardo constitui, a nosso ver, uma clara situação de conflito de interesses”.

“É preciso lembrar que a coleção é dele!” O debate sobre o primeiro acordo entre o Governo e Berardo

Nesse mesmo debate, a 30 de setembro de 2006 na Assembleia da República, intervieram com críticas Nuno Melo, do CDS, e João Semedo, do Bloco de Esquerda, entre outros. Também a deputada comunista Luísa Mesquita revelava o espírito do protocolo inicial (que se manteve na adenda de 2016): “A coleção será sempre pertença do seu proprietário, porque o direito de opção do Estado caduca se o vendedor não aceitar o preço fixado por uma avaliação externa e independente. Até dói dizer isto, porque um governo adepto ferrenho de tudo aquilo que é avaliação internacional e externa em todas as áreas […], na cultura não é… […] Porém, se o vendedor aceitar o preço, a coleção ficará na posse não do Estado, que a paga, mas da fundação.”

Neste particular, o acordo prevalece. Nem governos PS nem governos PSD deram o passo para que o país ficasse com a coleção. Para isso seria preciso que o Estado tivesse dinheiro para comprar. Poderá a enigmática frase desta semana de Graça Fonseca, em tom de aviso – “o governo tem ao dispor as necessárias e adequadas medidas legais” – significar que, no limite, o Governo já nem pensa na compra e equaciona a expropriação ou a nacionalização das obras do empresário madeirense? Se assim é, com que fundamento?

“A coleção será sempre pertença do seu proprietário, porque o direito de opção do Estado caduca se o vendedor não aceitar o preço fixado por uma avaliação externa e independente. Até dói dizer isto, porque um governo adepto ferrenho de tudo aquilo que é avaliação internacional e externa em todas as áreas [...], na cultura não é… [...] Porém, se o vendedor aceitar o preço, a coleção ficará na posse não do Estado, que a paga, mas da fundação.”
Luísa Mesquita, deputada do PCP, a 30 de Setembro de 2006)

O Observador questionou o Ministério da Cultura sobre esta hipótese, mas não obteve resposta. Ou estaria a ministra a referir-se ao conteúdo da cláusula 10ª do protocolo de 2006, cláusula em vigor, segundo a qual o Estado “fica definitiva e irrevogavelmente obrigado a adquirir a Coleção Berardo”, por valor igual ao preço da avaliação, se o próprio Estado ou alguma entidade pública desencadearem algum processo de classificação das obras como tesouro nacional ou bens de interesse público?

Admitindo a hipótese de que a compra realmente aconteça, que recursos financeiros serão utilizados? Foi outra pergunta a que o gabinete de Graça Fonseca não respondeu. Do Ministério, apenas uma garantia: não houve até hoje outra avaliação a pedido do Estado que não a da Christie’s (que custou ao erário público cerca de sete mil euros).

Em agosto de 2008, o então ministro da Cultura José António Pinto Ribeiro encontrou-se pessoalmente com um responsável pela consultora financeira UBS para lhe pedir que analisasse a avaliação já feita pela Christie’s, mas não se sabe se essa análise teve lugar, como se conclui de uma resposta de 2012 que o Governo deu à então deputada socialista Gabriela Canavilhas. Mais tarde, em 2011, a Sotheby’s foi chamada a reavaliar, mas recusou porque o comendador fez finca-pé. Terá existido uma avaliação em 2009, esta a pedido de Berardo, que apontou um valor de 509,5 milhões de euros para a coleção no CCB, e de 61,6 milhões para outras obras sob a alçada da Associação Berardo, noticiou nesta segunda-feira o “Correio da Manhã”, segundo o qual a avaliação foi executada pela galeria americana Gary Nader e consta de um relatório do Banco de Portugal de 2011, sobre os créditos da Caixa.

Museu Berardo abriu ao público em junho de 2007 no antigo Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém, em Lisboa

A Coleção Berardo, tal como chegou ao CCB em 2006, era composta por 862 obras de 505 artistas (a lista encontra-se nesta ligação), alguns dos quais considerados criadores fundamentais do século XX e com alta cotação no mercado: de Mondrian a Hockney, de Picasso a Warhol, passando por Duchamp, Dalí, Bacon, Basquiat ou Koons. As obras valiam 316 milhões há 13 anos.

Nesse já distante 2006, o historiador Pedro Lapa, que seria diretor artístico do Museu Berardo entre 2011 e 2017, não tinha dúvidas em afirmar que “jamais o Estado terá meios para fazer a aquisição integral” da coleção. Só que ela hoje vale ainda mais. O Governo deixou passar o dia 31 de dezembro de 2016, data até à qual o primeiro protocolo dizia ser válido o preço da Christie’s. Agora, se quiser avançar, terá de pedir uma reavaliação a preços atuais.

Politicamente, será comportável ao Governo comprar a Joe Berardo as obras de arte quando há semanas ameaçou demitir-se se fosse obrigado a repor integralmente o tempo congelado na carreira dos professores (o que representava um acréscimo de 390 milhões de euros/ano em relação ao que tinha previsto)?

Ouvido pelo Observador, o historiador e crítico de arte Bernardo Pinto de Almeida, um dos administradores nos primeiros anos da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Coleção Berardo, então indicado pela ministra Isabel Pires de Lima, disse que “não ficaria espantado se a Coleção Berardo já estivesse a valer o dobro ou triplo”, ou seja, até mil milhões de euros, duas vezes o Orçamento do Estado para a Cultura em 2019. Isto tendo em conta que são já cerca de mil as peças, contando com aquisições que tiveram lugar até 2008 através de fundos públicos e do próprio Berardo (500 mil das duas partes, conforme previsto no protocolo inicial).

A coleção tem o nome Berardo — que aparece em grande destaque no CCB

O crítico Alexandre Pomar não quis adiantar um valor de mercado para a Coleção Berardo, porque este dependeria, por exemplo, “do momento e do local em que as obras fossem vendidas e se o fossem individualmente ou em conjunto”, mas confirmou que algumas peças serão muito valiosas, enquanto outras terão preços medianos. O professor universitário e crítico de arte Delfim Sardo, que entre 2003 e 2006 dirigiu o Centro de Exposições do CCB, também não quis falar em valores, porque “o trabalho de avaliação é muito especializado e difícil”, mas acrescentou que “é de presumir que a coleção, em geral, se tenha valorizado ao longo dos anos e que em princípio poucas ou nenhumas peças se tenham desvalorizado”.

A especulação no mercado da arte ultrapassou nos últimos anos limites inimagináveis, com preços-recorde consecutivos e leiloeiras espalhadas por todo o mundo, incluindo nos chamados países emergentes. A título de exemplo, no acervo do Museu Berardo encontram-se duas esculturas em madeira de Jeff Koons, o mesmo artista de que há dias foi vendida uma obra em leilão por nada menos que 81 milhões de euros, a obra mais cara de sempre de um artista vivo. E existe também uma pintura de grande formato de Francis Bacon, autor que já em 2013 dava lucros estratosféricos. Já não é um mercado para pessoas com muito dinheiro, é mesmo um mercado só de multimilionários.

Pintura de Picasso leiloada em Nova Iorque por cerca 41 milhões de euros

“Não discuto o comendador ou a conduta dele, falo apenas das obras de arte. Sempre achei e continuo a achar que o Estado não deveria, em caso algum, perder a coleção, porque é quase impossível voltar a fazer uma coleção daquela qualidade. Foi por isso que aceitei o convite da ministra em 2006 e estive como administrador ‘pro bono’: fui defender junto da fundação a futura aquisição pelo Estado”, explica Bernardo Pinto de Almeida, admitindo não estar ao corrente de que a opção de compra sempre tenha dependido do “sim” ao preço por parte de Berardo.“Com o valor de 316 milhões em mente, transmiti ao Governo várias vezes que deveria ser constituída uma solução do tipo Fundação Serralves, Estado-privados, que se quotizasse para comprar a Coleção Berardo. Mas agora, na defesa do interesse do Estado, e com o valor atual, que até pode ser de mil milhões, não sei se aconselharia a compra”, acrescentou. “Teria de haver um novo debate nacional sobre o tema.”

Perante as novas informações que lhe foram transmitidas pelo Observador, Bernardo Pinto de Almeida disse também “não compreender” porque é que em 2016 a adenda ao protocolo estabeleceu a necessidade de uma reavaliação do preço. “Se assim for, a compra pelo Estado torna-se um negócio e nunca me pareceu que tivesse sido esse o espírito inicial do protocolo. O espírito inicial parecia ser o de tornar portuguesa a coleção de arte do comendador, que por isso mesmo estava disposto a vendê-la com generosidade abaixo do preço de mercado, aceitando os 316 milhões. A coleção ficaria associada ao nome dele, com um museu próprio, e isso iria dar-lhe uma representatividade simbólica e social na sociedade portuguesa.”

Contactados, o atual presidente do CCB, Elísio Summavielle, e antecessor António Mega Ferreira não quiseram fazer comentários.

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