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Foto: Joana Linda

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Estão (finalmente) abertas as portas do supermercado pop de Margarida Campelo

Há muito que a ouvimos em discos e concertos de outros, mas com solidez e uma linguagem própria conseguiu fazer nascer "Supermarket Joy", o primeiro disco a solo com edição marcada para 17 de março.

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Se há alguém que fica feliz a olhar para as prateleiras de um supermercado, esse alguém é Margarida Campelo. “É um momento da minha semana que me traz muita felicidade”, diz rindo-se da constatação, como todos aqueles que se riem perante o prazer absurdo das coisas simples. As palavras Supermarket Joy surgiram-lhe aleatoriamente na cabeça, como um jogo de combinações divertidas que ela própria inventara. “Acho que é um nome incrível”, prossegue com o mesmo sorriso de batom grená que nos faz chegar através da câmara do seu computador. Margarida então disse para si mesma: “Quando um dia eu tiver um disco, quero mesmo que se chame Supermarket Joy”.

Por essa altura, ainda ela estava a nadar no campo das suposições, com uma certa ingenuidade e entusiasmo pueris. Talvez a mesma ingenuidade que em criança a fez crer que iria ser a próxima Whitney Houston. “Achava verdadeiramente isso”, jura-nos, arregalando os olhos. E que mal tem? Todos nós tivemos (e se calhar ainda temos) uma Whitney Houston dentro de nós, seja lá o que essa Whitney represente.

Chegou então o momento em que a fantasia e a realidade coincidiram. Margarida Campelo, que já andava há sete anos a anotar ideias de canções (que a falta tempo livre, a insegurança e uma certa preguiça foram mantendo na gaveta), viu que era possível concretizar a profecia do disco a solo. Para sua surpresa, ele não só se iria chamar Supermarket Joy, como soaria a isso mesmo. “Acho lindo que o disco reflita isto”.

O que é um disco “Supermarket Joy”?

Um disco que soa a Supermarket Joy é um disco que se assemelha a um colorido cabaz de frutas que Carmen Miranda faria questão de usar nos seus tempos áureos. Traduzindo isto para uma linguagem musical, o comunicado de lançamento refere que o álbum “reflete uma profusão de influências que vão da pop à dance music, passando pelo R&B, Jazz Experimental e neo soul”. Mas até isso nos parece redutor quando pomos o álbum a girar.

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[“Mapa Astral”:]

“Tenho imensas influências e não sei bem como me classificar”, confessa a artista de 34 anos, usando a palavra fluidez para justificar essa dificuldade. “Entendo a ideia de que se é músico de jazz, ou de clássico ou de pop, mas acho que hoje em dia isso é uma coisa muito fluída, até porque o preconceito entre géneros é muito menor do que no passado, ou quase já não existe”.

Margarida Campelo cresceu numa casa onde se ouvia música a toda a hora. O preconceito não tinha lugar debaixo daquele teto. “A forma como se ouvia música lá em casa era muito intensa: desde irmos todos no carro a cantar, lavar a louça a cantar, estávamos sempre a consumir música e a cantar”. Soul, R&B e pop dos anos 80 era o que mais rodava na aparelhagem e, obviamente, Margarida foi beber as suas influências daí: Stevie Wonder, Michael Jackson e Whitney Houston eram a sua santíssima Trindade. Depois havia “coisas menos óbvias”, como Michael Franks, The Doobie Brothers e Anita Baker. “A lista é infindável”.

Acresce a isto uma formação em música clássica, nas áreas do piano e do canto lírico, e a ingressão na Escola de Jazz Villas-Boas do Hot Club, em 2006. O caminho na música conduziu-a a colaborações com muitos projetos distintos, sempre como “side musician”, dos quais se destacam Minta & the Brook Trout, Julie & the Carjackers, Real Combo Lisbonense, Joana Espadinha e Bruno Pernadas, de quem falaremos mais adiante.

Margarida deixou de se sentir insegura e, com o empurrãozinho da pandemia que a obrigou a abrandar o ritmo das colaborações, começou a dar corpo às suas músicas. Compôs, fez arranjos e ainda tocou uma série de instrumentos, não para se pôr à prova ou por exibicionismo, mas por necessidade. "Acabei por usar todas as minhas valências, porque precisava. Aquilo que eu não sabia fazer, fui pedir ajuda.”

Basta-nos este resumo para compreender que na cabaça de Margarida Campelo os géneros não se fecham em caixinhas. Eles andam aos pulos, flirtando uns com os outros, num bacanal que teria inevitavelmente de se manifestar de algum modo. “A vontade de pôr as minhas ideias em prática foi crescendo cada vez mais e eu fui percebendo que, se calhar, para conseguir ser melhor música para os outros, tinha que conseguir pôr estas coisas que não cabem na música dos outros noutro sítio”.  Como tal, pô-las no seu supermercado feliz.

Bruno Pernadas: o artesão que soube unir as pontas

Mas até conseguir organizar as ideias, Margarida Campelo atravessou uma fase em que se sentiu “um bocadinho esquizofrénica”: “Durante muito tempo, aquilo que me saía era uma mistura de coisas que, no final, não soavam a algo muito sólido.” Ela explica-nos que não queria parecer uma cópia de ninguém nem queria compor segundo um método que parecesse puramente académico. Como o fazer, então?

Foi aqui que a ajuda de Bruno Pernadas, produtor de Supermarket Joy, se revelou vital. “Ele é muito bom a criar, a unir músicas que vêm de sítios completamente diferentes e é também muito destemido. Isso deu-me muita força e confiança para escrever sem medos, nem que fosse pelo conforto de saber que ele me ia ajudar a unir isto tudo num álbum só. Eu tinha as costas quentinhas”, ri-se.

Confiou no feeling, experimentando, errando certamente algumas vezes e acertando muitas mais: “De certo modo, fui criar um estilo de raiz”

Foto: Joana Linda

Margarida deixou de se sentir insegura e, com o empurrãozinho da pandemia que a obrigou a abrandar o ritmo das colaborações, começou a dar corpo às suas músicas. Compôs, fez arranjos e ainda tocou uma série de instrumentos, não para se pôr à prova ou por exibicionismo, mas por necessidade. “Como foi um processo que demorou algum tempo, e a maior parte do tempo estive sozinha em casa, pus em prática tudo aquilo que eu sabia fazer. Acabei por usar todas as minhas valências, porque precisava. Aquilo que eu não sabia fazer, fui pedir ajuda”.

E que ajuda esta: além da produção, Bruno Pernadas também se encarregou de uma série de instrumentalizações; António Quintino assumiu o baixo, João Correia a bateria, Tomás Marques a flauta transversal e o saxofone alto; e Margarida Campelo, a braços com os sintetizadores, o piano, os teclados wurlitzer e rhodes, percussões, coros e programação, ainda se pôs a redigir as letras em parceria com Ana Cláudia, Beatriz Pessoa, Francisca Cortesão e Sofia Dinger.

“De certo modo, fui criar um estilo de raiz”

Foi precisamente em frente ao papel que se apercebeu de uma grande lacuna sua: a ausência de referências de música portuguesa. Claro que ela conhecia alguns incontornáveis, como Sérgio Godinho ou Jorge Palma, mas não eram nomes que costumassem passar em casa quando era pequena. Depois, no conservatório, lembra, falava-se apenas de música clássica e no Hot Club não se falava de nada a não ser de jazz. “Vivi numa bolha durante muito tempo e as bandas com quem comecei a tocar inicialmente compunham muitas vezes em inglês”.

A balada “Love Will Never Be Enough” tanto pode piscar o olho a uma Whitney Houston como a uma Mary J. Blige; “Physali Fit” embrulha Tyler, the Creator, James Blake e Snarky Puppy na mesma pauta, rica em alternações rítmicas e compassos compostos; e “Deusa de Cera” dá-nos um gostinho guloso a Thundercat, como guloso é o gostinho de refogado novo feito em panela velha.

Na hora de dar uma letra às suas composições, Margarida temeu que os termos anglo-saxónicos triunfassem sobre a sua língua materna, mas das 14 faixas, apenas duas são cantadas em inglês (e uma delas é uma versão). “Durante muito tempo não consegui imaginar esta música em português e por isso fico muito contente por tê-lo feito. Foi uma viagem gigante”.

Além de se sentir desligada do cancioneiro nacional, deparou-se com outro entrave: o estilo que criara para o seu disco era, de certa forma, inusitado e, como tal, Margarida teve poucas referências para se inspirar. Confiou no feeling, experimentando, errando certamente algumas vezes e acertando muitas mais: “De certo modo, fui criar um estilo de raiz”.

A partir desta base, situou a lírica no campo metafórico. “Se eu tivesse querido que as letras fossem direcionadas, que tivessem uma mensagem, elas poderiam ter ido por aí.” Mas Margarida Campelo queria versos simbólicos, que gerassem imagens e fossem totalmente abertos. A narrativa central do seu disco está na musicalidade, na sucessão harmónica, nos jogos rítmicos e no diálogo de instrumentos.

[“Faz Faísca e Chavascal”:]

Isso explica o facto de, por vezes, nos depararmos com estrofes que nos soam a jogos semânticos ou a lengalengas, como as de “Mapa Astral”:

“A lima atrai o sal, o sol atrasa ao acordar
Levo sem saber levitar
A lima atrai o sal, o sol abrasa sem suar
Leve sem saber levitar”

Ou outras que se assemelham a provérbios orientais, simples, diretos e delicados, como o é “Deusa”:

“Quanto à flor interessa, Pensa
Quando a flor avessa, Lembra
Quando a flor aberta, Seca
Quando há flor, Regressa deusa”

E ainda poemas com veia surrealista, como o “Tropicasio”:

“O chão abriu
Tigres lá dentro
Torna-se verão só porque eu quis
Empurro o raio
P’ro fundo do bolso
Explosões de flor em quentes hostis”

Coerência e identidade: “Isto sou eu, com as influências todas que tenho”

Embora lhe possamos extrair significância, a letra torna-se, desta forma, música. A sua cadência entranha-se na sonoridade das canções, como se as palavras fossem também elas notações musicais, como se tivessem uma clave própria ao serviço do instrumento a que respondem: a voz.

Ouvir Margarida Campelo é colocar a voz ao mesmo nível que as linhas melódicas do piano ou do saxofone. Ela usa-a em improvisos, como o que apanhamos em “Mapa Astral” – canção tão eighties que não seria esquisito encontrá-la na banda sonora de “Knight Rider – O Justiceiro” – ou em onomatopeias, recurso que a permite ondular a melodia a seu bel prazer, tal como ouvimos no single “Faz Faísca e Chavascal”, essa canção pop com queda para o R&B, boa de se ouvir no carro com o braço fora da janela.

“Isto sou eu, com as influências todas que tenho”, assume, como que dizendo que esta é a música de Margarida que será entregue por todos

Fotos: João Hasselberg

A balada “Love Will Never Be Enough” tanto pode piscar o olho a uma Whitney Houston como a uma Mary J. Blige; “Physali Fit” embrulha Tyler, the Creator, James Blake e Snarky Puppy na mesma pauta, rica em alternações rítmicas e compassos compostos; e “Deusa de Cera” dá-nos um gostinho guloso a Thundercat, como guloso é o gostinho de refogado novo feito em panela velha. Junta-se um raminho de Björk para puxar o lado transformista – Margarida tanto é mulher como é planta ou medusa – e salpica-se tudo de jazz, funk, groove e disco, com as purpurinas e as bolas de espelhos ao rubro. O clássico “Love Ballad”, popularizado pelos L.T.D. na década de 70, encerra o disco e é-nos impossível não pensar em Sade a cantar “No Ordinary Love”.

Assim é Supermarket Joy, amálgama de géneros que em Margarida Campelo (com o dedo genial de Bruno Pernadas) encontram coerência e identidade. “Isto sou eu, com as influências todas que tenho”, assume, como que dizendo que esta é a música de Margarida que será entregue por todos. Aqui estamos nós para a ouvir e aqui está ela assumidamente feliz por a partilhar. O primeiro teste de fogo é já no dia 15 de março, quarta-feira, numa Listening Party de entrada livre no Collect, em Lisboa (19h).

Seguir-se-ão as apresentações ao vivo, pensadas num formato “económico”. Com Margarida Campelo estarão em palco mais três músicos: António Quintino e João Correia, que participaram no disco, e Raquel Pimpão, a Femme Falafel que emprestará o seu talento nas teclas e certamente nos coros. “Vou tentar manter-me o mais fiel possível ao disco”, diz-nos em jeito de despedida, salvaguardando, contudo, que os concertos de estreia vão ter convidados especiais. A 11 de maio, no B.Leza, em Lisboa, e a 8 de junho, no Primavera Sound, no Porto, é possível que encontremos as prateleiras recheadas.

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