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Ex-analista de dados de Obama: "A tecnologia é crítica, mas não deve decidir quem ganha eleições"

Para Rayid Ghani, cientista de dados na campanha de Obama, em 2012, os dados não estão a ter impacto "nas coisas que realmente interessam às pessoas". E isso é um "problema", disse ao Observador.

É paquistanês e cientista de dados, uma espécie de alquimista dos tempos modernos que transforma grandes quantidades de dados em informação real, como fez na campanha que levou à reeleição de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos da América, em 2012. Rayid Ghani era, na altura, o Chief Data Scientist , de Obama, ou seja, estava responsável pela equipa que fazia a análise dos dados recolhidos na campanha eleitoral “Obama for America”. Mas, apesar de considerar a tecnologia uma “parte crítica” do futuro da política, rejeita a ideia de que deve ser esta a decidir quem ganha as eleições. Deve, pelo contrário, ser “uma forma de ajudar a fazer o melhor para as pessoas e tornar o processo mais democrático”, disse em entrevista ao Observador.

No currículo, Rayid Ghani tem a Accenture Labs, onde trabalhou durante dez anos, liderou uma equipa focada em pesquisa e desenvolvimento de análise de dados, machine learning e contribuiu para resolver problemas em negócios de larga escala em várias indústrias. Com um mestrado tirado na Universidade Carnegie Mellon, é atualmente o diretor do Centro de Ciências da Informação e Políticas Públicas da Universidade de Chicago, diretor de Pesquisa e Senior Fellow no Computation Institute e Senior Fellow na Harris School of Public Policy da mesma universidade.

Rayid Ghani esteve em Portugal para lançar o projeto Data Science for Social Good, um programa de verão da Universidade de Chicago, que criou em 2013, para treinar aspirantes a cientistas de dados na análise de big data (grandes quantidades de dados) que tenham como objetivo criar impacto social. Como? Atualizando políticas públicas em áreas como a saúde, educação, energia, transporte, desenvolvimento económico, segurança pública, justiça ou infraestrutura urbana. O programa chega agora a Portugal e à Europa, com o apoio da Nova School of Business and Economics (Nova SBE).

Mas, se os dados podem dar informações únicas sobre as pessoas, é preciso entender que, por si só, não são suficientes, alerta Rayid Ghani. Por isso, ao longo de três meses, mais de 25 especialistas vão estar em Portugal para utilizar a capacidade de processamento de dados da atual era digital e obter pistas que permitam resolver problemas com impacto na sociedade, trabalhando em colaboração com instituições públicas e privadas das áreas da saúde, empresas de abastecimento público (utilities) e autarquias. “Os dados já estão a ter impacto no nosso mundo. O problema é que não estão a ter um impacto nas coisas que realmente interessam às pessoas”, disse. Nessa missão, a tecnologia pode e tem de ajudar, referiu ao Observador.

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Foi responsável por liderar a análise de dados da campanha de Barack Obama nas eleições presidenciais norte-americanas de 2012, em que seria reeleito. Acredita que a política do futuro vai ser feita com tecnologia? E que a tecnologia vai ser o futuro da política?
Não, de todo. Política nunca foi sobre tecnologia e não acho que deva ser. Política deve ser sobre fazer melhores políticas, tal e qual como o futuro dos cuidados de saúde não é a tecnologia, é fazer com que as pessoas sejam mais saudáveis. O futuro do emprego é fazer com que as pessoas tenham melhores empregos. A tecnologia ajuda e vai estar em todas essas áreas para torná-las melhores, mais acessíveis e mais baratas. Na política, a tecnologia ajuda a perceber como chegar às pessoas, a saber com o que se importam. Agora, há uma coisa: algumas pessoas têm vantagem, porque têm acesso a melhor tecnologia. Mas acho que isso é um problema no curto prazo. A tecnologia é uma parte crítica do futuro da política, mas não é o que deve diferenciar os candidatos. Não deves ganhar uma eleição porque tens melhor tecnologia, deves ganhar uma eleição porque tens melhores propostas. Deve ser uma forma de ajudar a fazer o melhor para as pessoas e tornar o processo mais democrático.

Mas há uma ligação cada vez mais forte entre política e tecnologia. Isso é inegável, certo?
Sim, sem dúvida, em tudo o que envolve tecnologia. Não há uma área da sociedade em que se possa dizer que a tecnologia não tem um papel. Tem um papel em tudo.

A tecnologia é uma parte crítica do futuro da política, mas não é o que deve diferenciar os candidatos. Não deves ganhar uma eleição porque tens melhor tecnologia, deves ganhar uma eleição porque tens melhores propostas"

Tim Berners-Lee [o cientista britânico que é considerado o pai da World Wide Web] disse que a propaganda política online devia ter uma regulação mais apertada, porque está a ser usada de forma “anti-ética”. O que pensa sobre isso?
Boa pergunta. Acho que, no geral, deve ter a mesma regulação que qualquer anúncio publicitário. Não entendo porque deve haver diferentes regras para o online ou para a televisão ou rádio. A publicidade online e offline está a chegar na mesma às pessoas, então deve ser implementado o mesmo tipo de regras. Se o país decidiu que a propaganda política online deve funcionar, deve ser implementada da mesma forma que todos os tipos de publicidade.

Há riscos em usar a tecnologia na política?
Acho que, no curto prazo, há riscos em utilizar tecnologia na política. Mas não acho que existam longo prazo. O risco de se usar a tecnologia ao serviço da política é que só as pessoas com acesso à tecnologia estão a beneficiar dela. Estás a marginalizar, estás a pôr as pessoas que não têm acesso [à tecnologia]de parte. O princípio da democracia é tornar possível que todos tenham uma voz, não só as pessoas com acesso à tecnologia. Acho que há um risco se a tecnologia for usada incorretamente, o que pode destruir essa vantagem. Temos que fazer os possíveis para que isso não aconteça. É importante fazer com que a tecnologia seja usada para dar mais voz e educação às pessoas.

Mas está a referir-se a que riscos?
Vamos imaginar que um país decide que, nas próximas eleições, toda a gente tem que votar através do iPhone. Qual é o impacto? Quais são os riscos? O risco é que quem não pode comprar um iPhone não pode votar. Não estou a dizer que isso vá acontecer, mas podes começar a fazer coisas mais tecnológicas, que podem afetar quem não pode aceder a essa tecnologia. Estás a calar a voz delas e isso é muito mau para o país. Há muitos riscos se só considerares a tecnologia para uma pequena franja da sociedade. Ficas com uma ideia muito reduzida sobre os problemas das pessoas, que tipo de coisas não gostam, que tipo de coisas lhes interessa. Tens de ter a certeza que prestas atenção às pessoas que não estão a usar a tecnologia porque elas também são parte do país.

"É importante fazer com que a tecnologia seja usada para dar mais voz e educação às pessoas"

Devemos trabalhar mais na inclusão, então?
Sim, exatamente. E podes utilizar a tecnologia para fazer isso. Podes utilizar a tecnologia para perceber quem são as pessoas, como melhoras a inclusão.

Foi o que fez na campanha do presidente Obama?
Certo, certo.

Está em Portugal para o lançamento do programa Data Science for Social Good. Em que consiste este projeto?
Começámos este projeto há quatro anos nos Estados Unidos e o objetivo era trazer pessoas de diferentes áreas — da tecnologia, computação, estatística, políticas públicas, ciências sociais –, e ensiná-las a trabalhar em problemas que têm impacto social, em colaboração com agências governamentais e organizações sem fins lucrativos. O objetivo é treinar os estudantes que se interessam por estes problemas, para que sejam capazes de os resolver. E também para educar governos e organizações sem fins lucrativos, para que percebam como podem resolver estes problemas e produzir soluções que tenham impacto e melhorem a sociedade.

Usando big data, certo?
É menos sobre os dados, e mais sobre os dados que são úteis. A ideia é perceber como recolhes esses dados mas, mais importante, como é que os usas para melhorar a vida das pessoas que estás a tentar ajudar. Por exemplo, um dos projetos que estamos a fazer em Cascais consiste em ajudar pessoas que estão desempregadas e outras que querem ter um emprego melhor, mais estável. E eles têm dados. Quando as pessoas ficam desempregadas, dirigem-se a uma agência de recrutamento que as ajuda a encontrar um emprego. Queremos ajudar a perceber como podem conseguir melhores empregos e melhorar os resultados do seu trabalho.

Mas como é que os dados podem estar ao serviço da sociedade?
Os dados já estão a ter impacto no nosso mundo. O problema é que não estão a ter um impacto nas coisas que realmente interessam às pessoas. Por exemplo, há empresas a utilizar big data sobre os meus hábitos de consumo e, a partir deles, recebo anúncios publicitários consoante o que compro. Ou seja, isso está a ter impacto na forma como encontro informação. Há muitas grandes empresas que estão a usar dados para melhorar coisas para elas próprias.

O objetivo deste programa é ter a possibilidade de usar o mesmo tipo de dados, o mesmo tipo de tecnologia, para ajudar pessoas que precisam. Por exemplo, para projetos na educação, em escolas, para perceber que estudantes precisam de ajuda extra para que possam completar os estudos, ir para a universidade. Estamos a trabalhar com prisões e com sistemas prisionais para perceber como podemos ajudar as pessoas que foram presas. São pessoas que podem ter problemas mentais ou então problemas que podem ser tratados antes de acabarem na prisão. É um trabalho que podemos fazer com os serviços sociais.

Há um grande potencial em usar os dados para melhorar áreas como a educação, saúde, transportes, emprego, serviços sociais, segurança pública, justiça criminal. Nos últimos quatro anos, temos trabalhado nesses projetos, juntamente com governos e organizações sem fins lucrativos, ensinando os estudantes a trabalhar essas áreas. Este projeto está a começar agora em Portugal para trabalhar com estudantes europeus e agências europeias para ajudá-los a fazer a mesma coisa.

"Os dados já estão a ter impacto no nosso mundo. O problema é que não estão a ter um impacto nas coisas que realmente interessam às pessoas"

De que tipo de dados estamos a falar?
O tipo de dados é muito diferente consoante os projetos. Alguns são mais simples, outros são vídeos, imagens, ficheiros, o que for útil para ajudar a resolver determinado problema. Se estivermos a trabalhar com um hospital, há dados que vêm do paciente, outros sobre o diagnóstico das doenças. Isto é um tipo de dados. Por outro lado, estamos a trabalhar num projeto de deteção de pesca ilegal e, nesse caso, os dados são obtidos através do sinal do GPS dos barcos, combinados com dados de satélites, que permitem perceber se estão ou não em áreas de pesca ilegal. Há outro projeto com uma empresa de transporte alemã que consiste em determinar quais são as zonas com mais trânsito, e onde é que os polícias de trânsito devem ser colocados.

Que diferença é que esta análise faz?
A ideia é que os dados sejam capazes de ajudar a descobrir como melhorar a sociedade. A chave para fazermos isso acontecer é, primeiramente, entender que os dados não são suficientes. Tens de fazer alguma coisa aos dados e depois dar essa informação às pessoas que estão a tentar desenvolver essas soluções. Os problemas de que estamos a falar são muito difíceis de resolver. Nós não podemos resolver o desemprego com a dados em três meses. Mas há decisões que estão a ser tomadas agora, sem recorrer muito a dados. A expetativa é a de que, usando dados, se possa conseguir resolver melhor esses problemas e ajudar quem está a tomar decisões, facilitando-lhes o trabalho e dando-lhes melhor informação, mais concreta, para que consigam tomar melhores decisões.

E quais são as dificuldades de quem lida com quantidades tão grandes de dados?
Há diferentes tipos de desafios. Um dos desafios é que uma grande parte das agências governamentais não recolhe muitos dados. E, por isso, não temos muitos dados para trabalhar. Na realidade, temos menos do que precisamos. Por isso, um dos desafios é ser capaz de ajudá-las a recolher mais e melhores dados. O segundo desafio é que, muitas vezes, estas agências do governo não fazem ideia dos problemas que podem ser resolvidos com dados. Então, temos de ajudá-los a perceber. O terceiro desafio chega quando lhes dás uma solução que é nova, diferente e que podem não entender como aplicá-la na prática. Então, tens de trabalhar com eles e ajudá-los a compreender como usá-la. Em suma: às vezes, não há dados suficientes, e tens de ajudar as organizações a identificar os problemas que podem ser resolvidos com big data. Por último, temos de ensinar-lhes o que precisam saber para que consigam ultrapassá-los.

"Acho que é importante ter a certeza de que as ferramentas que construímos recorrendo a dados, são construídas com base em princípios éticos. A regulação deve fazer com que isso aconteça"

E que papel assume a regulação neste processo? O que pode ser feito?
Acho que ter alguma regulação é bom, porque se tentares usar dados de pessoas para fazer dinheiro, então elas têm de saber que há uma entidade que protege a sua privacidade. Aí, deve haver regulação, porque estamos a falar dos meus dados e não quero dá-los a uma empresa qualquer só para fazerem dinheiro. Mas, se os meus dados forem utilizados para me ajudar, então vou querer que os utilizem e cumpram esse objetivo. Acho que há dois tipos de regulação que devem ser considerados: um tem a ver com aquilo que cada pessoa deve saber sobre os dados, como e porque estão a ser utilizados. O segundo tipo de regulação tem a ver com o facto de estarem a utilizar os meus dados para me mostrarem um anúncio no Google. Se me mostrarem um anúncio errado, nada de mal vai acontecer. Mas se estiver a dar-lhes informação para lidarem com problemas importantes, é preciso ter um órgão independente que seja capaz de verificar como estão a ser utilizados esses dados. Acho que é importante ter a certeza de que as ferramentas que construímos recorrendo a dados, são construídas com base em princípios éticos. A regulação deve fazer com que isso aconteça.

Que trabalho tem vindo a desenvolver nesta área?
A maioria do meu trabalho tem lidado com agências governamentais e estudantes. Tenho ajudado a construir sistemas que sejam capazes de resolver problemas sociais, e ensinado estudantes e pessoas dentro dos governos a fazer esse trabalho, para que o possam fazer depois de forma autónoma. Tenho trabalhado também em criar software open source, que pode ser utilizado para ajudá-los a fazer esse trabalho.

Quem quiser lançar um projeto que recorra a big data, que desafios enfrenta?
Por exemplo, o grande desafio de quem quer utilizar big data em projetos de impacto social é o de aceder aos dados, construir uma relação com quem tem acesso a esses dados, seja uma agência governamental ou uma organização não governamental. Isso é muito importante. Em segundo lugar, é preciso ter experiência e conhecimento técnico para saber como trabalhar os dados. Depois, é preciso transformar uma solução técnica em algo que possa ser usado pelas instituições. Então, são precisos especialistas em tecnologia, pessoas das organizações e outras que juntem as duas áreas.

Disse que, por vezes, as agências governamentais não colaboram.
Sim, exatamente.

Por que é que isso acontece?
Acho que, historicamente, cada agência governamental trabalha sozinha. Elas nem colaboram umas com as outras. A agência responsável pelo emprego pode não colaborar com a responsável pelo sistema de educação, nem com o de saúde, por exemplo. São responsáveis pelo próprio trabalho e ninguém lhes diz que devem trabalhar juntas. E também não estão habituadas a trabalhar com pessoas de fora. Acho que isso está a mudar porque há cada vez mais pessoas das universidades, por exemplo, que vão ter com as agências governamentais e organizações para lhes dizerem que há pessoas que podem ajudá-las, mas que, para isso, é preciso que colaborem. Assim que percebem o que podemos fazer, tornam-se mais abertas a colaborar.

"Política nunca foi sobre tecnologia e não acho que deva ser. Política deve ser sobre fazer melhores políticas"

É a primeira vez que está em Portugal?
Não, já tinha estado cá há uns anos.

Está familiarizado com o ecossistema tecnológico português?
Não, não estou.

Lisboa tem sido muito falada além fronteiras e há muita gente a querer comparar o ecossistema empreendedor com Silicon Valley. Os nossos políticos defendem que não devemos tentar copiá-los. O que acha que um pequeno país como Portugal deve fazer?
Acho que cada país, e mesmo todas as cidades nos Estados Unidos, continuam a dizer que querem bater Silicon Valley. E acho que isso não é a coisa mais certa a fazer. Eu acho que Silicon Valley é Silicon Valley e as outras cidades, quer nos Estados Unidos, na Ásia ou Europa, têm de perceber no que é que são boas. Em vez de copiar outras cidades, devem perceber que oportunidades têm que outras não têm, e tirar vantagem delas para tornarem-se únicas. Para mim, o que é único em Portugal é que há muitas pessoas que são especialistas em tecnologia, em engenharia. Vocês estão na Europa, estão próximos do continente africano e têm laços com África, assim como com a América do Sul. Essa ligação permite-vos construir alguma coisa que possa melhorar a sociedade, em vários continentes. E acho que isso é único. Por exemplo, o que acontece em Silicon Valley é muito local, e vocês têm a oportunidade de juntar estas pessoas por todo o mundo.

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