O ano de 2016 já não tem margem de manobra para revelar mais grandes surpresas na execução orçamental. Para o mês que vem, com os dados completos, faremos o balanço, mas o panorama é já bastante claro. Tal como António Costa, sentimo-nos também “confortáveis” para afirmar que o cumprimento da meta do défice que permite fechar o procedimento dos défices excessivos (3%) é certo. E mais estreitamente, cumprir a meta imposta por Bruxelas (2,5%) (já) não será (apenas mais) um desejo adiado para 2017.
Os dados indicam que será (até) possível atingir um défice de 2,4%, dependendo da concretização, em dezembro, da regularização de parte da dívida dos Hospitais EPE, e dos valores finais nos ajustamentos entre contabilidade pública e nacional. Esta possibilidade, porém, é trazida apenas pela prenda que o Plano Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES) representou para o Governo, neste Natal.
Défice num nível “confortável”
É possível afirmar com bastante certeza que a execução orçamental, do lado da despesa, correu muito bem. Os principais perigos foram evitados, ou pelo menos contidos, como o impacto da reposição salarial em que estimamos um pequeno desvio (no que tinha potencial para se revelar uma grande catástrofe de controlo). Na Segurança Social o comportamento foi excecional, sendo bastante melhor até do que o orçamentado. Assim, os desvios face ao orçamentado são de um modo geral reduzidos. A única exceção, confirmada, é o desvio na receita fiscal, que foi colmatado parcialmente pelo sucesso do PERES.
Vale a pena notar que nada de substancial se alterou no figurino da execução orçamental durante o segundo semestre de 2016. Ainda com os dados de julho, prevemos aqui que o défice se situaria em torno dos 4,3% do PIB. Removendo o custo da recapitalização da Caixa (1,5%) e o efeito PERES (0,3%), chegamos ao “conforto” dos 2,5% – que representa, ainda assim, um certo desvio face aos pouco realistas 2,2% do Orçamento original para 2016.
PERES colmata fraca arrecadação fiscal
Ainda há dois meses não compreendíamos, face à tendência registada, como é que as Finanças podiam estimar (segundo os dados do Relatório do Orçamento, mais concretamente o famoso Anexo 1 – inicialmente ocultado) um desvio das receitas fiscais muito inferior às estimativas do IPP. Agora, tudo faz mais sentido: essas estimativas já contavam com os efeitos do PERES.
Sem PERES, esse desvio seria garantidamente de mais de mil milhões de euros. Mas graças a ele, cerca de metade desse desvio é reduzido, permitindo ao défice ficar – em princípio – nos 2,5%.
O desvio significativo nas receitas fiscais é, hoje, assumido por todos, inclusivamente pelo Governo. Aqui, fomos avisando para esta possibilidade pelo menos desde junho, e estes dados de novembro vieram apenas confirmar a tendência observada: de um desvio próximo dos 1.100 milhões de euros.
Um valor que não pode ser apontado mais ao lado da tributação do consumo ou do rendimento: os três maiores impostos (IVA, IRS e IRC) ficarão abaixo do que “exigia” o Orçamento. E aqui, novembro não trouxe nada de diferente: apesar do habitual efeito “pré-Natal” no IVA (é normalmente dos meses mais lucrativos), e de a receita ter sido 6% mais elevada que em novembro de 2015, já pouca diferença fará.
O mesmo se aplica aos impostos sobre o rendimento. O desvio que estimamos em mais de 600 milhões de euros face ao Orçamento já será praticamente certo, mesmo que em dezembro, um mês importante para o IRC, venha a existir uma grande recuperação (PERES à parte).
Segurança social: que 2017 seja como este ano
Serão boas notícias para as Finanças se no próximo ano o setor da Segurança Social apresentar uma evolução semelhante à registada em 2016. Tal é justificado pelo facto de já se registar um saldo global positivo de 1.302 milhões de euros (109 milhões de euros acima do orçamentado).
Relativamente à evolução da despesa e receita efetiva, mantém-se a tendência verificada desde o início do ano, com a generalidade das componentes da despesa – exceto a despesa com prestações de desemprego – a verificar um aumento na ordem dos 2,2%. No entanto, esse aumento permanece consistentemente inferior ao crescimento da receita efetiva (4,2%), sustentada pela melhoria dos níveis de emprego.
Consumo público mantém restrições
Apesar de o aumento nas despesas com pessoal ser já expectável, tal não tem sido motivado exclusivamente pela reversão dos cortes salariais. De acordo com os dados da DGO, mesmo excluindo o seu impacto (e outros efeitos temporários já habituais), a despesa com pessoal regista um crescimento homólogo de 3,3%. Para tal contribui o facto de a política da redução do número de funcionários públicos estar aquém do previsto.
Segundo dados da Síntese Estatística de Emprego Público, a meta inicial de corte de cerca de dez mil funcionários do setor público (assente na regra 2 por 1) foi pobremente cumprida, dado que até setembro só se havia registado uma descida de 0,4% (≈ 3 mil) do número de trabalhadores nas Administrações Públicas. Tal obrigou a que o Ministro das Finanças procedesse à revisão em baixa, estabelecendo uma nova meta que corresponde apenas a cerca de um terço – justificada por um número de aposentados inesperadamente baixo.
Relativamente à despesa na aquisição de bens e serviços, persiste a sua diminuição (-2,3%), a qual deverá continuar em 2017, dado a análise da UTAO destacar o facto de o Governo proceder à cativação de 1.500 milhões de euros no próximo Orçamento (tendo essa estratégia de controlo orçamental já sido evidenciada na nossa última análise).
O “travão” no investimento
À superfície, o “travão” no investimento público parece dramático. Face ao período homólogo em 2015, os dados até novembro, em contabilidade pública, são de uma redução de 18%, e até setembro, em contas nacionais, de 28%. Porém, olhando mais atrás, vemos que tal não é suficiente para atingir níveis tão baixos como os registados em qualquer dos três anos anteriores (o “recorde” foi em 2013).
Tudo isto, em conjugação com o facto de o Orçamento ter previsto mesmo um aumento do investimento (288 milhões de euros em contabilidade pública), reforça a ideia de alguma utilização do investimento para “aconchegar” a execução orçamental. Isto parece-nos algo excessivo, sobretudo por duas razões. Por um lado, a não execução de investimentos com cofinanciamento europeu tem uma correspondência parcial do lado da receita, reduzindo o seu impacto positivo no saldo orçamental. Por outro lado, o investimento nos últimos anos tem sempre ficado abaixo do orçamentado, e tem sempre tido uma recuperação importante em dezembro, procurando “despachar” os projetos aprovados para o ano – tanto maior quanto mais longínqua a execução está do valor orçamentado.
Uma solução de Natal para a dívida dos Hospitais?
A dívida dos Hospitais manteve-se no mesmo nível do mês anterior, mas continua a corresponde, ainda assim, a um forte aumento face ao final de 2015. O Ministro da Saúde tem transmitido nos últimos meses um compromisso de trazer estes pagamentos em atraso para um nível tão ou mais baixo que o registado no ano anterior. Para tal, terá de ter havido necessariamente uma regularização extraordinária no mês de dezembro, num montante superior a 300 milhões de euros. Se se quisesse saldar todos esses pagamentos em atraso, seriam 757 milhões de euros: mais do que o impacto do PERES neste ano.
Administração Regional e Local mantém o foco
Apesar de se assistir a uma ligeira deterioração do saldo global da Região Autónoma da Madeira face a outubro, registou-se um crescimento homólogo notável, de cerca de 175 milhões de euros provenientes essencialmente da drástica diminuição dos pagamentos a realizar referentes a despesas de anos anteriores.
Já a Região Autónoma dos Açores registou uma duplicação do seu saldo – apesar do aumento das despesas com pessoal, à semelhança do ocorrido na Madeira e na Administração Local –, apresentando agora um excedente de 3,2 milhões de euros.
Em suma, tanto a Administração Regional como a Local apresentam atualmente saldos positivos e superiores ao registado em 2015 – 35 e 605 milhões de euros, respetivamente. Estes dados permitem prever que o saldo global destas não apresentará qualquer desvio face ao previsto pelo Governo.
Obrigado, amigo PERES
Neste momento, com a acumulação de mais um mês de execução orçamental parece exequível que o Governo cumpra com o prometido e Portugal possa sair do procedimento de défices excessivos – ainda que à custa da (excessiva?) contenção em rubricas essenciais como o investimento e a aquisição de bens e serviços, e de um programa de “perdão” fiscal cujos méritos carecem de provas sólidas.
Enquanto a meta de 2,4% prevista no Orçamento do Estado para 2017 está ainda em causa, a receita arrecadada com o PERES – mais facilmente quantificada com os dados completos de dezembro – permite cumprir a meta imposta por Bruxelas. O PERES é um bom companheiro, ninguém o pode negar.
*****
Encorajamos os leitores a contactar-nos com quaisquer questões ou comentários:
luistm@ipp-jcs.org – joanav@ipp-jcs.org
Investigadores do Institute of Public Policy Thomas Jefferson-Correia da Serra (IPP)
As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição a que quer os autores, quer o IPP estejam associados.