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Coco Chanel
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Extraordinária mademoiselle ou mulher perversa? A vida de Coco Chanel, 50 anos depois da sua morte

Meio século depois, a maison Chanel é o seu feito mais celebrado. Mas a fachada reluzente esconde uma história turva, repleta de fatalidades, recuos e ligações perigosas. Afinal, quem foi Gabrielle?

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C’est comme cela que l’on meurt” ou “É assim que se morre” — a frase é célebre, pelo menos entre os que, compreensivelmente, nutrem um fascínio pelo trajeto agridoce de Gabrielle Chanel. Foi ao proferi-la que encerrou o derradeiro capítulo da sua vida, ou a última de todas as que foi vivendo. À empregada, Jeanne, deu conta de uma dor no peito, de uma sensação de sufoco, como expressou nas suas próprias palavras. Uma a duas horas antes, como relatou o Le Monde, Coco passara pelo átrio do Ritz e respondera sem alarmismos à saudação do concierge — estava tudo bem.

A 10 de janeiro de 1971, há precisamente 50 anos, Paris também amanheceu num domingo, o único dia da semana em que a couturière não trabalhava. O sobressalto ainda tardou. A extraordinária mademoiselle morreu aos 87 anos, pelas nove da noite, sozinha na luxuosa suite de 188 metros quadrados, à qual chamou casa por mais de três décadas. Morreu após uma caminhada pela cidade, impecavelmente vestida, penteada e maquilhada, ignorando possíveis sintomas de fadiga e exaustão. O momento era de trabalho, no qual sempre foi absolutamente obstinada. No atelier, a poucos metros da Place Vandôme, decorriam os preparativos da coleção da primavera seguinte, a apresentar dentro de duas semanas.

Models Attending Mass for Coco Chanel

No funeral de Coco Chanel, a 13 de janeiro de 1971, em Paris

Bettmann Archive

Coube aos amigos mais próximos fazer o anúncio, ainda no hotel. A maior das sumidades da moda teve, nas suas palavras, um “fim sereno”, embora “nada fizesse prever” o sucedido. Nessa mesma noite, Jeanne ainda terá chamado um médico, mas em vão.

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No dia 13 janeiro, o funeral juntou centenas diante da Igreja da Madalena, em Paris. No interior, o caixão cobriu-se de flores brancas, na maioria camélias, as suas favoritas. A assistir, algumas das figuras mais proeminentes da época, dentro e fora da esfera da moda — Pierre Balmain, Yves Saint Laurent, Salvador Dalí e Marie-Hélène de Rothschild. “Seria preciso uma voz maior do que a minha para descrever esta personalidade tão parisiense”, admitiu o sacerdote a quem coube conduzir a cerimónia. No exterior da igreja, a par das muitas coroas de flores, estava uma tesoura formada por (mais uma vez) camélias brancas, uma última homenagem das suas manequins.

O seu derradeiro desejo foi cumprido. Coco Chanel foi sepultada no cemitério de Bois-de-Vaux, em Lausanne, na Suíça, onde viveu durante vários anos após o final da Segunda Guerra Mundial. Desenhou a própria campa, sem a habitual pedra que a cobre, “para o caso de querer sair”.

A casa das tias ou o convento? As infâncias de Gabrielle

“Aos seis anos, já estava sozinha. Aos seis anos, já estava sozinha. A minha mãe tinha acabado de morrer. O meu pai deixou-me em casa das minhas tias, como se fosse um fardo, e partiu imediatamente para uma América da qual nunca regressou”. Estas podiam ser as linhas inaugurais da fatídica história de Gabrielle Chanel, mas não são. Fazem parte do livro de memórias L’allure de Chanel, publicado em 1976 por Paul Morand. Amigo chegado, o autor foi convidado pela própria para ir a St. Moritz, na Suíça, no inverno de 1946. Os relatos que Coco lhe ditaria, sobretudo os relativos à sua infância, seriam maioritariamente falsos, como alguns biógrafos e outros tantos amigos chegados acabaram por descobrir mais tarde.

Nasceu a 19 de agosto de 1883 em Saumur, uma pequena cidade atravessada pelo Loire. Filha de uma lavadeira e de um vendedor ambulante, conheceu várias outras casas durante os seus tenros anos. A última foi Brive-la-Gaillarde, onde a família de sete (o irmão mais novo viria a morrer com apenas seis meses) vivia numa única divisão e onde a vida da pequena Gabrielle viria a mudar para sempre. Aos 12 anos (não aos seis) perde a mãe, Jeanne, que não resiste à tuberculose. O pai, sem capacidade para tomar conta da prole, deixa as três filhas num orfanato, dentro do convento de Aubazine.

Vanity Fair 1931

Coco Chanel fotografada para a revista Vanity Fair, em 1931

Conde Nast via Getty Images

Mesmo tendo reescrito a própria história, Chanel pode muito bem ter deixado algumas pistas das marcas efetivas de um passado pouco feliz. “Uma orfã… Desde então que essa palavra me deixa sempre paralisada. Mesmo agora, não consigo passar por um colégio de raparigas e ouvir ‘são orfãs’ sem me virem as lágrimas aos olhos”, pode ler-se no livro de Morand. Ali permaneceu, à mercê da rígida disciplina sob a qual aquela ordem religiosa educava as suas pupilas. Por outro lado, foi onde aprendeu a costurar, a habilidade que lhe serviria de passaporte para um futuro brilhante.

Em 1901, com 18 anos, é enviada para uma residência católica na cidade de Moulins, a 240 quilómetros do convento. É aí que se junta a uma tia, Adrienne, pouco mais velha e referida nas suas memórias, embora num contexto diferente. Chanel arranja então o primeiro emprego como costureira numa retrosaria. À noite, animava o ambiente num cabaret da cidade chamado La Rotonde. Nunca chegou a atração principal, era uma poseuse, responsável por entreter os convivas nos intervalos entre atuações. Terá sido aí, serão após serão, que ganhou a alcunha de Coco, da qual as canções “Ko Ko Ri Ko” e “Qui Qu’a Vu Coco?” são duas presumíveis origens.

Das paixões à tragédia, os romances de Coco Chanel

Depois de uma breve passagem por Vichy, cidade movida pela qualidade das suas atrações termais, é em Moulins que volta a fixar-se. Aos 23 anos (e não aos 16 como afirmou nas suas memórias), conhece Étienne Balsan, um afortunado proprietário de cavalos de corrida, herdeiro do ramo têxtil, apenas cinco anos mais velho. Foi ele o primeiro envolvimento amoroso (conhecido) de Chanel, que se mudou prontamente para a sua faustosa residência, o château Royallieu. Como escreveu a biógrafa Justine Picardie, no seu Coco Chanel: The Legend and the Life, publicado em 2010, “Coco foi com ele e deixou Gabrielle para trás, trancada num lugar sombrio onde ninguém a poderia encontrar, nem aos restos dilacerados do seu passado”.

Durante três anos, levou uma vida confortável e sem privações ao lado de monsieur Balsan, um período detalhadamente retratado no drama de 2009 “Coco Before Chanel”, realizado por Anne Fontaine e com Audrey Tautou como protagonista. Foi na vasta propriedade que aprendeu a montar, embora recusando os preceitos reservados às mulheres. Das suas memórias constam relatos sobre a possível primeira ida a uma competição equestre, em Compiègne — “Tinha um chapéu de palha, descaído na cabeça, e um fato ao estilo rural e acompanhava tudo através dos meus binóculos. Estava convencida de que ninguém ia reparar em mim, o que só prova o quão pouco sabia sobre a vida na província. Na realidade, esta pequena criatura ridícula, mal vestida e tímida […] intrigou toda a gente”.

Coco Chanel and her lover Arthur " Boy " Capel (mustache) with Constent Say on the beach in Saint Jean de Luz in 1917

Coco Chanel e Boy Capel, numa praia próxima de Biarritz, em 1917

Getty Images

Em 1908, com 25 anos, Chanel conheceu Boy Capel, um jovem aristocrata inglês e amigo de Balsan, que os terá apresentado. Pelos anos de romance que se seguiram e pela forma como, mais tarde, o descreveu, foi esta a grande paixão de Coco. “O rapaz era bonito, muito bronzeado e atraente. Mais do que bonito, era magnífico. Adorava a sua indiferença e os seus olhos verdes […] Apaixonei-me por ele”, lê-se nas suas memórias, onde nem tudo foi descolado da realidade. Permaneceram juntos durante cerca de uma década. Capel instalou-a num apartamento em Paris, com vista para o Sena, e financiou a sua primeira loja, onde apenas desenhava e confecionava chapéus.

Capel providenciou a Chanel uma rampa de lançamento. Depois da capital, financiou a abertura das suas lojas de Biarritz e Deauville, onde começou a criar vestuário. É unânime que o estilo de cavalheiro britânico influenciou, mais tarde, as suas criações de vestuário. Ainda assim, os dois nunca deixaram de ser amantes e o “inglês”, como lhe chamou nos primeiros relatos, terá mesmo tido outros casos. Em 1918, casa com Diana Wyndham, uma jovem do seu circuito social, mas sem romper totalmente com Coco.

A história teve um fim trágico e inesperado em dezembro de 1919, quando Boy Capel morreu num acidente de carro. A Paul Morand, a mademoiselle confessou, mais de 20 anos depois: “A morte dele foi um golpe terrível. Quando perdi o Capel, perdi tudo. Ele deixou um vazio dentro de mim que os anos não preencheram”. O luto de Chanel passou por Itália, acompanhada pela amiga e pianista russa Misia Sert e pelo seu marido, Josep Maria.

A nova década trouxe novos amores e o primeiro foi Dmitri Pavlovich, grão-duque russo que, por sua vez, lhe apresentou Ernest Beaux. A relação com este francês de origem russa não passou pelo romance, foi ele o perfumista que ajudou Coco a criar o famoso Chanel No. 5, lançado em 1921. Cerca de dois anos depois, a amiga e socialite Vera Bate proporciona-lhe uma porta de entrada para o mais elevado circuito da sociedade inglesa. Em Monte Carlo, conhece o charmoso Hugh Richard Arthur Grosvenor, mais conhecido como duque de Westminster.

Winston Churchill Hunting with his Son Randolph and Coco Chanel

Winston Churchill, com Chanel e o filho durante uma caçada, no final dos anos 20

Bettmann Archive

O rito de sedução envolveu o envio de salmão, pescado pelo próprio na Escócia, num avião para Paris, bem como de flores e frutas colhidas na sua propriedade, Eaton Hall, no Cheshire. A relação durou até ao final dos anos 20 (o duque, na época viúvo, voltou a casar em 1930 com uma pretendente 20 anos mais jovem), a década em que o estilo de Chanel floresceu e tomou conta da moda parisiense. Durante esse período, construíram duas casas juntos: Rosehall House, uma mansão campestre escocesa, e La Pausa, no Sul de França. Através do duque, tornou-se amiga íntima Winston Churchill, que chegou a relatar o seu talento para a pescaria, e com o príncipe de Gales, futuro rei Eduardo VIII.

Paris, Deauville e Biarritz. Os pilares de um império

Não foi por acaso que começou pelos chapéus, afinal, primeiro com Balsan e depois com Capel, Chanel passou vários anos a observar as modas e as damas num circuito de elite bastante específico, os cavalos. Foi ainda na casa do primeiro que começou a fazer os primeiros exemplares. Chegada a Paris e sob o patrocínio do seu “inglês”, alugou algumas salas no primeiro andar do número 21 da Rue Cambon e colocou “Chanel Modes” na fachada. Os seus relatos dessa altura indiciaram uma personalidade esquiva e extremamente tímida. “Quanto mais as pessoas me chamavam, mais me escondia […] E também nunca soube vender”, pode ler-se.

Deauville era na época um refúgio de famílias abastadas, na costa da Normandia. E claro, também havia cavalos. Capel e Chanel rumam a norte e mudam-se para esta estância balnear em 1912. “Muitas senhoras elegantes tinham ido para lá e ela precisavam, não só de quem lhes fizesse os chapéus, mas de quem as mantivesse bem vestidas. Só tinha chapeleiras comigo, então converti-as em modistas”, afirmou. Nas suas memórias, L’Allure de Chanel, contou que começou por utilizar malhas consideradas inferiores, usadas sobretudo nas fardas dos trabalhadores dos estábulos e nos equipamentos de treino. “No final do primeiro verão de guerra, já tinha ganhado 200 mil francos de ouro”, relatou.

Vogue 1932

Editorial ilustrado publicado na Vogue, em 1932, com peças Chanel e Schiaparelli, entre outras

Conde Nast via Getty Images

No centro da pequena cidade costeira, Coco vendia chapéus, casacos, camisolas e blusas ao estilo marinheiro. Ao uso de materiais menos nobres juntou desenhos mais práticos e funcionais, em grande parte inspirados em peças do guarda-roupa masculino. Mais do que uma solução de último recurso, as malhas foram uma aposta arriscada num estilo de vida mais orientado pelo conforto.

Poucos anos depois, com o escalar da Primeira Guerra Mundial, o casal atravessa o país e instala-se em Biarritz. Artistas, intelectuais e vários elementos da aristocracia europeia fixam-se ali, numa espécie de oásis em pleno conflito armado. Aí, Chanel não se limita a abrir só mais uma loja. Com o negócio do vestuário a prosperar em Deauville, a cidade banhada pelo Atlântico assiste à inauguração de uma autêntica maison, que empregava dezenas de costureiras. O negócio escalou e, em apenas um ano, Coco conseguiu restituir a Capel o investimento feito.

Coco Chanel.

Coco Chanel sentada na escadaria espelhada do seu atelier, na Rue Cambon. Foi dali que assistiu a todos os seus desfiles

Universal Images Group via Getty

É nessa altura que começa a chamar as atenções da imprensa internacional. A norte-americana Harper’s Bazar (na altura, só com um a) faz referência a uma “mulher francesa muito esperta e exclusiva”, destacando as suas camisolas brancas com acabamentos em pelo e os seus casacos de malha com riscas azuis. Em novembro de 1916, a mesma revista inclui uma ilustração de um “elegante vestido chemise” cinzento.

A guerra termina em 1918 e Coco Chanel tinha construído uma empresa com cerca de 300 empregados, espalhados por três cidades francesas. No ano seguinte, regressa a Paris e abre a nova sede da maison homónima, no número 31 da Rue Cambon, onde permanece até hoje.

Guerra, espionagem e o exílio na Suíça

No prefácio das suas memórias, Paul Morand relatou a noite em que conheceu a mademoiselle. Era véspera de Ano Novo, 1921, e, nas palavras daquele que viria a tornar-se amigo e confidente, “Chanel ainda não tinha conquistado Paris”. Descreveu-a como um ser tímido e solitário, algo frágil até. “Ninguém a teria reconhecido. Ainda não havia nada nela que sugerisse aquela autoridade, os acessos de raiva, a beligerância, aquele caráter destinado à grandeza”, adicionou.

O cenário muda drasticamente nos anos seguintes. A relação amorosa com o duque de Westminster integra-a na elite aristocrática europeia e a sua audácia criativa precede-a, do lançamento de Chanel No. 5 à apresentação do petit robe noir, em 1926. Em 1931, atravessa o Atlântico pela primeira vez. As suas criações — joias, roupa e perfumaria — já faziam furor nos Estados Unidos, mas finalmente Hollywood requeria a presença do génio parisiense. Misia Sert, a fiel amiga, acompanhou-a, juntamente com dois assistentes, três empregadas, duas modelos, 15 arcas e 35 malas de bagagem. Num comboio, atravessou o país de costa a costa. Foi calorosamente recebida por Greta Garbo e chegou a criar novas silhuetas para vedetas como Babara Weeks, Madge Evans e Gloria Swanson. Ao longo prazo, a simplicidade do seu traço viria a revelar-se pobre para a sempre reluzente cidade do cinema.

Vogue 1966

Coco Chanel na companhia da atriz Anouk Aimee e de Marie-Hélène de Rothschild, em 1966

Conde Nast via Getty Images

Em 1939, eclode a Segunda Guerra Mundial. Coco fecha as portas à maison, deixando cerca de 3.000 funcionários no desemprego. Durante a ocupação nazi, permaneceu instalada no Ritz, muito perto do seu apartamento da Rue Cambon, a certa altura configurado de forma a não ter quarto. No luxuoso hotel, partilhou o teto com o barão Hans Gunther von Dincklage, elemento sénior dos serviços secretos alemães com quem manteve uma relação amorosa nos anos do conflito.

Em Spleeping with the Enemy, livro lançado em 2011, o escritor e jornalista Hal Vaughan fornece detalhes sobre o lado mais sombrio da mademoiselle, do antissemitismo à colaboração com a Gestapo durante o conflito armado. “O antissemitismo de Chanel não era apenas confesso, era apaixonado, depravado e muitas vezes embaraçoso. Como todas as crianças de sua idade, ela estudou o catecismo: os judeus não crucificaram Jesus? ”, partilhou a diretora da revista Marie Claire com o autor.

Quanto à polémica cooperação com o inimigo, que ocupou Paris em 1940, Vaughan sugere que a intenção sempre foi proteger um familiar pouco conhecido. Em questão está Andre Palasse, o sobrinho que Gabrielle prontamente adotou após a morte da sua irmã mais velha. Por altura da ocupação nazi, o rapaz foi capturado na linha da frente, juntamente com outros 300 mil combatentes, e levado para um campo de prisioneiros de guerra na Alemanha. Segundo o autor, Chanel caiu nos braços do agente alemão em poucos meses, na esperança de libertar Palasse. Ainda assim, o seu envolvimento foi mais longe, acabando, ela própria, por se tornar uma espia da Abwehr.

A história obscura de Coco Chanel durante a Segunda Guerra Mundial não fica por aqui. Vaughan recuperou ainda a forma como usou a campanha de Adolf Hitler para se livrar de Pierre Wertheimer, seu sócio na Parfums Chanel e judeu, tentado aproveitar as expropriações forçadas para ficar com a totalidade da empresa. Mas Wertheimer antecipou-se e colocou a sua participação em nome de um industrial francês que, no final da guerra, restituiu todos os bens à família.

A investigação de Hal Vaughan permitu-lhe tirar importantes conclusões sobre o papel de Chanel durante a ocupação de Paris. Contudo, só em 2014 é que os serviços secretos franceses revelaram a documentação que comprova o seu envolvimento nos esquemas de espionagem nazis. Os detalhes trazidos a público foram, então, ainda mais complexos. A mademoiselle fazia parte do plano para tomar Madrid e, ao mesmo tempo, era a peça central da Operação Modellhut, uma mensageira entre Hitler e Churchill, com o objetivo de negociar a paz.

Em 1944, aos 61 anos, Gabrielle foi interrogada em Paris e consequentemente libertada por falta de provas da sua colaboração com as forças nazis. No regresso a casa, terá exclamado para uma sobrinha: “Churchill libertou-me”. Muito se especulou sobre os motivos que levaram o primeiro-ministro britânico a proteger Chanel, por intermédio do embaixador Duff Cooper. Uma das razões apontadas foi o risco de tornar públicas informações que esta poderia fornecer sobre a existência de simpatizantes do regime nazi entre as figuras de topo britânicas, incluindo oficiais e membros da família real.

Durante nove anos, permaneceu exilada na Suíça, parte do tempo ao lado de Dincklage, também ele livre dos indícios de espionagem. Coco Chanel voltaria a França e para agitar novamente o mundo da moda, contudo o fantasma da guerra nunca deixou de pairar sobre ela. Após a sua morte, em 1971, a primeira-dama francesa Claude Pompidou organizou um tributo à histórica couturière. O momento coincidiu com a revelação de novos documentos comprometedores e as festividades foram cancelas.

Chanel. Um novo triunfo aos 70

Passados quase 15 anos do encerramento da maison Chanel, Gabrielle põe fim ao exílio e regressa a Paris. Sentia-se aborrecida, como chegou a admitir, embora tenham sido as criações dos grandes costureiros da época, vários dos quais trouxeram de volta os espartilhos e as pesadas saias, a atiçar-lhe a vontade de retomar a carreira, aos 70 anos de idade. Na capital francesa, compôs uma equipa e desenhou a mais polémica das suas coleções. Apresentou-a no número 31 da Rue Cambon, a 5 de fevereiro de 1954, naquele que foi o seu primeiro desfile.

“Fiasco”, “triste retrospetiva” e “fantasmas dos vestidos de 1930” foram algumas das notas deixadas pela imprensa francesa. Enquanto isso, a América voltava a acordar para a moda visionária da criadora. A revista Life escreveu na época: “Aos 71 anos, Gabrielle Chanel traz mais do que um estilo, traz uma revolução”. Em causa estava o icónico tailleur, feito com o tradicional tweed inglês, inspirado no casaco militar masculino e suficientemente leve, prático e elegante para se assumir como um novo e subtil símbolo de modernidade.

fashion designer Coco Chanel (1883-1971) , c. early 50's

Coco Chanel fotografada após o seu regresso a Paris, nos anos 50

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O modelito disseminou-se pelo mundo — Marlene Dietrich, Grace Kelly, Brigitte Bardot, Ingrid Bergman e Elizabeth Taylor, entre muitas outras embaixadoras de peso, vestiram-no como se uma espécie de farda das estrelas se tratasse. Seguiram-se alguns dos ícones que hoje reconhecemos à distância — a mala 2.55, apresentada pela primeira vez em fevereiro de 1955, precisamente, ou os sapatos de biqueira preta.

Em certa medida, Gabrielle Chanel justificou o sucesso da sua carreira com o infortúnio que marcou os seus tenros anos e que, eventualmente, a fizeram falsear memórias e desenvolver, a par com a sua genialidade, uma personalidade sombria e perversa. No tal inverno de 1946, confidenciou: “Quando percebo a forma como a felicidade precoce limita as pessoas, não posso lamentar ter sido tão infeliz no início. Não mudaria o meu destino por nada neste mundo”.

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