Sentados lado a lado, num sofá da sala de convívio de uma das duas esquadras de “caças” portugueses, na base de Monte Real, os dois militares somam mais de 30 anos de experiência aos comandos de um F-16. Aprenderam a manter o sangue frio nos momentos decisivos da guerra e a agir em milésimos de segundo, quando uma decisão errada pode significar o fim. São pilotos de elite da aviação de combate nacional — os “top gun”. Apesar de toda essa experiência, ali sentados, não escondem a ansiedade. “Se nada fizermos, vamos caminhar para o isolamento”, diz o major Joel Pais. “É como ver uma ferida sangrar”, continua. O tenente-coronel Nuno Monteiro da Silva acena com a cabeça. Ambos sabem que os F-16 não vão voar para sempre e que o relógio não pára. Daqui a uma década, os “caças” passam à história, já não cumprem com os padrões NATO. Depois disso, Portugal arrisca perder o lugar numa “Liga dos Campeões” onde estão os EUA, Bélgica, Noruega, Dinamarca e Holanda, países que já começaram a encomendar F-35, aviões de última geração, os substitutos do F-16. O Ministério da Defesa assegura que Portugal não vai ficar para trás. Para se agarrar a esse estatuto, “será absolutamente essencial a Portugal a transição para um novo sistema de armas, de quinta geração, no início da década de trinta”, avança fonte do Ministério da Defesa ao Observador. Esse passo vai ser dado nos próximos anos, garante o ministério.
De todas as missões em que já participou, é ao momento em que desviou 20 militares norte-americanos da morte certa, no Afeganistão, que Nuno Monteiro da Silva regressa quando lhe perguntamos sobre o momento mais marcante da sua carreira. O tenente-coronel — que, em novembro, “conduziu” até Beja um avião descontrolado com seis pessoas a bordo — fazia uma espécie de escolta a uma equipa de Marines que regressava à base depois de ter combatido radicais talibã. Os militares só tinham de chegar ao helicóptero, que os esperava mais à frente. Faltavam-lhes umas centenas de metros quando o piloto português fixou o olhar no monitor do sensor térmico do F-16 e reparou que havia algo de errado. Confirmou com o seu “asa”, o militar que o acompanhava na missão num segundo F-16, e rapidamente perceberam que o que ali estava era mesmo um engenho explosivo improvisado, uma bomba. O alerta do piloto português desviou os Marines e evitou um ataque fatal contra militares norte-americanos no Afeganistão.
Meses mais tarde, Joel Pais foi integrado na missão Inherent Resolve, no Iraque. Objetivo: combater o Estado Islâmico e travar o grupo terrorista que todas as semanas somava novas parcelas ao território que controlava. Apesar de Portugal não participar regularmente em missões de combate real em que sejam empregues os F-16, os pilotos portugueses aparecem nestes teatros integrados nas esquadras belgas ao abrigo de um programa de intercâmbio. Portugal não tinha destacado qualquer militar da Força Aérea para as missões no Iraque e no Afeganistão, mas a presença de Monteiro da Silva e Joel Pais no combate contra o terrorismo traz à memória uma cena do filme de 1986 de Tony Scott, que confirmou Tom Cruise como estrela mundial. O instrutor do curso de pilotos vira-se para a turma que tem à sua frente e diz-lhes: “Apesar de não estarmos em guerra, temos sempre de agir como se estivéssemos em guerra.” A frase cola-se como uma segunda pele aos cerca de 30 pilotos de elite portugueses, estacionados na base de Monte Real. É esse o foco diário.
“É como ver uma ferida sangrar”,
Para perceber como dois militares portugueses participaram — e combateram — nos cenários de guerra mais complexos dos últimos anos é preciso recuar a finais da década de 1990. Os EUA entregam a Portugal uma segunda leva de aviões e os “caças” portugueses são alvo de uma atualização que os coloca ao nível dos padrões NATO, a Mid Life Update (MLU). Para a Força Aérea, foi a porta de entrada na tal “Liga dos Campeões” da aviação de combate.
Mas isso foi há quase 20 anos. E, é incontornável, a vida útil dos F-16 tem uma data-limite. Mesmo que possam continuar a cumprir missões durante mais algumas décadas, a estimativa mais otimista é a de que dentro de dez anos deixem de estar alinhados com os padrões NATO e com os critérios que colocaram Portugal no top 5 mundial de países que operam e fazem manutenção dos F-16. Com a versão S1.1 do avião, testada em Portugal e prestes a ser instalada nos “caça” nacionais, o país fica a um passo de não poder fazer novas atualizações aos aviões. A partir da “tape” (ou versão) seguinte, a S1.2., não há evolução possível. “Portugal fica isolado”, defende Monteiro da Silva. O Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA) concorda.
“Desde que sejam mantidos de acordo com os programas de manutenção, a vida útil dos F-16”, a sua utilização “pode prolongar-se por muitos anos”, diz o general Manuel Teixeira Rolo ao Observador. Esse horizonte é válido se estivermos a pensar na “aeronavegabilidade” dos aviões, ou seja, a sua capacidade de voar. “Quanto à capacidade para que a aeronave seja útil em termos da sua utilização em missões de combate em cenários simétricos, neste caso penso que teremos uma década, sendo que, na sua fase final, com limitações importantes”, admite o general CEMFA.
A primeira questão impõe-se: Portugal deve continuar a apostar (e a investir muitos milhões de euros) no F-16 ou deve seguir o exemplo dos seus parceiros da European Participating Air Forces e dos Estados Unidos e avançar para aviões de combate de quinta geração, investindo ainda mais milhões de euros para se manter na linha da frente da aviação de combate?
O Ministério da Defesa — a braços com um complicado processo de negociação para a compra dos novos aviões de transporte KC-390 — mostra o caminho e vai mais longe do que alguma vez se foi a respeito do pós-F16. “A necessidade de interoperabilidade no seio dos parceiros da Aliança Atlântica e da credibilidade gerada, quer a parceiros quer a potenciais adversários, indica que será absolutamente essencial a Portugal a transição para um novo sistema de armas, de quinta geração, no início da década de trinta”, diz a Defesa, em resposta escrita enviada ao Observador.
A inquietação à volta de um dos mais sensíveis (e dispendiosos) dossiers na Força Aérea é evidente. O tiro de partida para esse debate foi dado por Marcelo Rebelo de Sousa há quase dois anos, numa visita do Presidente da República ao Comando Aérea da Força Aérea. A meio de março de 2017, em Monsanto, e depois de ouvir o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA) falar sobre planos, calendários, programação e concretização de aquisições, Marcelo referiu-se à importância de Portugal garantir que há uma “disponibilidade de aeronaves, de forma atualizada” no ramo. O Comandante Supremo das Forças Armadas também sublinhou que o fim de vida dos F-16 é “uma situação que se coloca, não apenas a Portugal, mas a vários Estados, nomeadamente membros da Aliança Atlântica”. Parceiros que, na verdade, já começaram a migrar para os “caças” de quinta geração.
F-35
Os parceiros tradicionais de Portugal já estão a fazer a transição para os aviões de “quinta geração”.
Bélgica:
- Em outubro do ano passado, o país assumiu que o F-35 seria o substituto do F-16. O país pretende comprar 34 novos aviões.
Holanda:
- Já avançou para a compra de 37 novos “caças”. Os primeiros oito são entregues pelo fabricante já este ano
Noruega:
- Recebeu três F-35 em maio do ano passado. Até 2024 deverá reunir uma frota de 52 aviões.
Dinamarca:
- O primeiro “caça” de quinta geração é entregue em 2022. Comprou 27 aviões aos EUA.
EUA:
- O plano de aquisições dos EUA não encontra paralelo nos parceiros europeus. Os norte-americanos pretendem substituir a frota de F-16 por 1.763 novos F-35.
Nesse início de 2017, o então ministro da Defesa defendia, no relatório da Lei de Programação Militar relativo ao ano anterior, que a compra de novos aviões de combate era uma opção demasiado “onerosa” e, ao mesmo tempo, “prematura, face ao potencial de exploração ainda existente” nos F-16. Azeredo Lopes confessava-se adepto de outro caminho: a modernização dos atuais “caças”, que custava “um décimo da substituição da aeronave”. Passaram dois anos, o ministro da Defesa é outro e, pelo caminho, alguma coisa parece ter mudado.
O Ministério da Defesa admite que o F-16 tenha “uma margem de exploração e modernização” a médio-prazo e assegura que as “novas versões e eventuais modernizações” deste avião “aumentam efetivamente as suas capacidades”, além de garantir “algum grau (essencial) de interoperabilidade” com os parceiros NATO. “Uma das opções que está a ser explorada é a atualização da aeronave para o padrão F-16 VIPER”, cujo “custo de atualização”, contrariamente ao que afirmara Azeredo Lopes, “é ainda desconhecido” (o ex-ministro dizia que, comparativamente, a atualização para o sistema VIPER tinha um custo dez vezes inferior ao de um F-35, com custo estimado em cerca de 80 milhões de euros por avião).
Mas a Força Aérea explica que “as aeronaves de geração quatro”, como é o F-16, “não asseguram a capacidade de sobrevivência às novas ameaças”, e sublinha que “uma eventual versão V do F-16 é apenas uma atualização interessante de alguns componentes, mas não garante essa sobrevivência em ambiente de conflito simétrico”. E, acrescenta a Defesa, mesmo essa atualização depende de se decidir se são ou não feitas “modificações estruturais” no F-16. Intervenções que, de qualquer forma, reconhece fonte oficial do ministério, “nunca aproximarão, em capacidade real, esta aeronave de qualquer outra de quinta geração existente no mercado”.
Fonte oficial da Defesa também admite, em resposta ao Observador, que “as forças aéreas de referência, às quais a Força Aérea Portuguesa se tem associado, já adquiriram ou estão a adquirir e a transitar para caças de quinta geração, tipo F-35”. É o caso dos EUA — não fosse o caso de a Lockheed Martin, fabricante de um dos candidatos preferenciais à substituição dos F-16, ser norte-americana —, da Dinamarca, da Holanda, da Noruega e da Bélgica.
Se não quiser ficar fora da corrida, e sendo certo que os parceiros preferenciais já levam uma vantagem de muitos anos de trabalho neste dossier, é preciso acelerar. “Neste momento, Portugal — e a Força Aérea, neste caso específico —, pode considerar-se um contribuinte de segurança válido”, diz o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea. Portugal “possui meios adequados e pessoas treinadas capazes de atuar onde for superiormente determinado”. Esse estatuto pode perder-se sem um passo em frente na compra de aviões de última geração.
A tarefa, e o próprio Presidente da República reconheceu-o, vai muito para lá da duração de um mandato presidencial ou de uma legislatura. É uma daquelas decisões de regime em que, idealmente, todos deviam falar a mesma língua, sob risco de o processo andar aos tropeções — ou não andar de todo. A julgar pelas declarações do “ministro-sombra” de Rui Rio para a área da Defesa (Ângelo Correia confessa que não gosta do termo), o PSD defende outro caminho.
PS e PSD em rotas separadas
O Observador encontrou-se com Nuno Monteiro da Silva e com Joel Pais na sala de convívio da esquadra 301 — Jaguares. Na sala, logo à entrada da esquadra, vão-se cruzando militares equipados com o mítico fato verde seco, de fecho puxado quase até ao pescoço. As paredes estão forradas de quadros de aviões de combate, há miniaturas destes aviões em cima dos móveis e pendurados nas paredes da sala. O que mais salta à vista é a pintura de um jaguar com ar ameaçador, de olhos abertos e com as presas à mostra. Do bar, à esquerda da sala, vão saindo cafés. O ambiente é tranquilo, mas também ali há uma inquietação subtil no ar. “É como ver uma ferida aberta a sangrar”, desabafa o comandante da esquadra irmã (a 201 — Falcões), ao notar que o tempo passa sem que sejam tomadas decisões. “Se nada fizermos, vamos caminhar para o isolamento.” Ao lado, o comandante Nuno Monteiro da Silva reconhece que o tempo corre a desfavor. “A cada ano que passa, estamos a perder terreno”, considera Joel Pais.
Apesar das configurações políticas que deram a novos partidos o poder de determinar o rumo do Governo, em matéria de Defesa, o PS continua a encontrar no PSD o seu interlocutor preferencial. Só que, para já, os discursos parecem desalinhados, e logo num dossier absolutamente vital para a Força Aérea como é o do futuro da aviação de combate.
A Lei de Programação Militar (LPM) é o documento estruturante do investimento em equipamentos militares e, neste momento, esse documento, que define os gastos dos próximos 12 anos, está no Parlamento para o debate na especialidade. Apesar de ter detetado “problemas sérios” na proposta que chegou à Assembleia da República, não será do lado do PSD que os “obstáculos” vão surgir. A LPM consagra um total de 202,5 milhões de euros à rubrica “Luta Aérea Ofensiva e Defensiva”. O valor, explica o Ministério da Defesa, abarca os gastos com a “manutenção desta capacidade (Sistema de Armas e aeronave F-16 MLU) em condição de operabilidade, nos anos a que se reportam, na Lei de programação Militar, até à decisão de migração para uma aeronave de Quinta Geração”.
Ou seja, mesmo com esse investimento, é certo que o Governo pretende avançar para a compra de novos aviões. Ângelo Correia diz que seria “mais sensato aproveitar alguma dimensão de escala e conhecimento tecnológico e continuar na gama” dos F-16, até porque “sairia muito caro” migrar para um novo patamar de aviação de combate. E mesmo perante o argumento de que, a ser essa a opção, Portugal se afastaria dos seus parceiros tradicionais, o social-democrata parece pouco convencido. “Não temos o poder económico dos nossos parceiros, temos um poder adequado à nossa dimensão, não podemos desejar o ótimo quando temos o bom”, remata o “ministro-sombra” de Rui Rio para a Defesa.
A fatura de uma segurança comum
O debate à volta deste tema vai muito para lá da (já de si complexa) discussão sobre o valor do cheque que Portugal pode vir a passar ao fabricante norte-americano. Se o país optar, de facto, por adquirir “caças” de quinta geração, isso vai implicar uma mudança profunda em cada um dos ramos das Forças Armadas e até de organizações civis portuguesas. A segunda questão que se impõe é esta: porque é que Portugal deve continuar a fazer parte da tal “Liga dos Campeões”?
Antes de mais, porque tem uma obrigação para com os seus parceiros. Fazer parte de uma organização de defesa comum, como a NATO, não representa apenas uma salvaguarda interna de segurança em relação a eventuais ameaças, também acarreta responsabilidades próprias — entre as quais, garantir a segurança e proteção do chamado “espaço estratégico de interesse nacional permanente”, o território português, seja por mar, terra, ar, espaço ou, mais recentemente, no ciberespaço.
António Costa destaca “avanços extraordinários” na Defesa europeia
Monteiro da Silva dá o exemplo da “Enhanced NATO Response Force“, uma força que o país integra há mais de uma década. “Para continuar com o atual nível de ambição” e poder assumir a responsabilidade de policiamento aérea de um vasto território, a sul e a este, “temos que ser capazes de operar no ambiente de Multi-Domain Operations [operações de domínios múltiplos], caracterizado por uma forte evolução tecnológica” dos sistemas de defesa, explica o tenente-coronel Nuno Monteiro da Silva. Na prática, num contexto de forte dependência em matéria de defesa — que o projeto da Cooperação Estruturada Permanente só veio reforçar —, patrulhar o espaço aéreo nacional significa, ao mesmo tempo, garantir a segurança dos parceiros de Portugal no plano europeu e norte-americano.
Numa fase de forte desenvolvimento tecnológico, os aviões de quarta geração, como o F-16 MLU, lançados pela primeira vez há mais de 30 anos, já não estão à altura do desafio. “Os caças de quarta geração, no qual se insere o F-16 MLU, não foram desenhados nem têm a capacidade para, de forma plena, lidar com todos estes desafios“, acrescenta o militar, que participa regulamente em missões de patrulhamento do espaço aérea português.
A questão fica ainda mais complexa: “Tudo isto exige umas Forças Armadas de quinta geração”, prevê Joel Pais. Além da responsabilidade internacional que tem a seu cargo e de o cheque pesar bastante nas contas nacionais — basta pensar que todo o orçamento previsto em na Lei de Programação Militar para os próximos 12 anos talvez não fosse para substituir a frota de caças da Força Aérea —, a verdade é que essa migração exige um esforço de cada um dos ramos, uma “organização de quinta geração”, define Monteiro da Silva.
A transição para aviões como, por exemplo, os F-35, implica “uma Força Aérea de quinta geração, com a capacidade para fundir sensores e fontes de informação envolvendo não só entidades militares mas também civis, nacionais e internacionais, envolvendo os diferentes ramos das Forças Armadas e os diferentes atores políticos e governamentais que contribuem para a segurança e a defesa nacionais”, explica o comandante da esquadra 301. É um desafio
A máquina de 16 milhões vai à inspeção
Deixámos a sala de convívio da esquadra de Monteiro da Silva. Dois pilotos acabam de colocar todo o equipamento e preparam-se para subir ao F-16. É hora de treino, vão voar até Alcochete para “largar armamento num alvo”. Quando chegamos à zona este da Base Aérea de Monte Real, os motores do “caça” já lançam o ruído seco característico destes aviões. Os enormes portões da doca 1 estão completamente abertos. Espreitamos para o interior do pavilhão e vemos outro F-16. Mas aquele “caça” não vai a lado nenhum tão cedo. O avião está completamente descascado, é esqueleto e pouco mais.
A máquina, de cerca de dezena e meia de milhões, está a precisar de revisão. Foi-lhe retirado o motor e os depósitos de combustível. No interior da carcaça, onde deviam passar muitos metros de cabos elétricos e tubos encruzilhados há, literalmente, um vazio. Nada mais. Para quem visse um F-16 pela primeira vez, seria difícil perceber onde reside o poderio de combate daquela arma de guerra.
Comandar uma equipa de combate
↓ Mostrar
↑ Esconder
A esquadrilha, um conjunto de quatro “caças” agrupados em dois pares, é a unidade mais simples de combate. São precisos cinco a seis anos para se chegar a esse nível de comando.
Combat ready
- Para ficar “combat ready”, ou em condições para combater aos comandos de um F-16, um piloto precisa de um ano e meio a dois anos de formação.
Comandante de parelha
- A parelha é composta por dois “caças”. Em missões em território nacional, é habitual os pilotos saírem de Monte Real nesta configuração
- Até comandar uma parelha, um piloto deverá precisar de três anos e meio a quatro anos de formação
Comandante de esquadrilha
- Num “percurso normal”, os pilotos que chegam a Monte Real progridem até este patamar
- Desde que começam a sua formação e até comandarem uma esquadrilha, decorrem cinco a seis anos de formação
O avião, explica-nos Paulo Moura, está agora na primeira etapa da inspeção de fase, um procedimento que se repete a cada 300 horas de voo e que os militares da Base Aérea N5 estão habilitados a fazer. “Para nós, é tudo rotineiro, já fazemos isto há muitos anos”, conta o sargento-ajudante, sub-chefe da secção de combustível/hidrazina. Mais complicado é quando surgem avarias inesperadas. Aí, os livros até podem dar uma ajuda, mas muitas vezes é preciso puxar da marca de água portuguesa e pensar fora da caixa.
“Já tivemos de lidar com avarias bastante complexas. Um simples pin, trocado numa ficha — que não era num sistema de combustível — provocou um imbalance [desequilíbrio] enorme quando o avião estava no ar. Até descobrir que era esse pin e que nem era do nosso sistema deu bastante luta”, recorda o militar.
Numa sala interior do pavilhão, dois homens estão de volta de um enorme cilindro, equilibrado entre uma bancada de trabalho e uma cadeira de madeira. Um apoio mais rudimentar para um componente de largos milhares de euros. Alta tecnologia e uma cadeira, lado a lado. É naquela sala que, durante uma semana, os militares analisam à lupa cada um dos sete depósitos internos de combustível do F-16. Procuram fugas, analisam a estrutura e, no final, voltam a instalá-lo no avião e a enchê-lo. Depois, o avião segue para a doca 2, dali para 3 e, por fim, para a doca 4.
O processo dura um mês, o tempo necessário para que seja feita a chamada “inspeção de fase” ao avião de combate. E porque é que isto é relevante? Porque, de todas as forças aéreas do mundo que operam este avião — e são 26, num total de mais de 4500 aviões em operação —, os militares em Monte Real são dos poucos habilitados a fazer este tipo de intervenção. “Pelo facto de termos feito o upgrade do motor aqui em Monte Real”, o tal Mid Life Upgrade, “também temos um conhecimento muito grande daquilo que se passa com o motor e, dos cinco módulos do motor, temos capacidade de regenerar quatro”, explica o major Joel Pais. De todo o avião, só o “core” do motor tem de ser enviado para uma empresa externa.
É um nível de especialização raro, fruto de anos de aprendizagem. Um dado que concorre com o nível de performance dos pilotos portugueses e que reforça o sentimento de que é imperativo que se tome uma decisão sobre os passos seguintes da Força Aérea e do Ministério da Defesa. Ao Observador, o Ministério da Defesa assume uma posição tão clara quanto surpreendente. “Estima-se que o final de vida útil do sistema de armas F-16MLU se situe no início da década de trinta (a aeronave em si poderia voar mais alguns anos), pelo que se iniciarão, tão cedo quanto possível (na década de vinte), os procedimentos administrativos/operacionais conducentes à aquisição desta nova capacidade”.