Índice
Índice
A sociedade portuguesa está mais madura em matéria de responsabilidade social. Existe um aumento progressivo e substancial do número de voluntários, nas mais diversas áreas, que é reflexo da dinâmica de valores e da consciência do papel social que cada cidadão pode assumir. São cada vez mais os que querem ter um impacto direto na vida de outras pessoas, buscando um sentido de realização formal, ao serviço do bem comum, que ultrapassa o da carreira profissional. É portanto urgente criar standards que regulem as atividades do chamado terceiro setor, em termos de gestão das organizações, de forma a que seja devidamente canalizado o enorme potencial de solidariedade que caracteriza os portugueses.
Estas são algumas das ideias partilhadas na sétima conversa da série Observamos Mais, uma parceria entre o Observador e o Banco Popular, desta vez subordinada ao tema Mais Responsabilidade Social. Edmundo Martinho, provedor da Santa Casa da Misericórdia, Fernanda Freitas, cofundadora e presidente da Associação Nuvem Vitória, Nádia Reis, diretora de relações públicas, ativação de marca e responsabilidade social na SonaeMC e Joana Pizarro Miranda, presidente da direção da delegação de Lisboa da associação Coração Amarelo, integraram o painel do debate moderado por Helena Garrido.
A ajudar desde 1498
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é considerada, por excelência, a casa da responsabilidade social cuja missão “é devolver à sociedade aquilo que recebe”, começou por destacar o provedor que descreveu o âmbito de atuação em quatro grandes áreas. A área da ação social e apoio às famílias, a área da saúde e dos cuidados de proximidade, a área do património e a área da cultura. A instituição, que vai celebrar 520 anos em 2018, tem vindo a levar a cabo um grande esforço de reabilitação e defesa do seu vasto património cultural.
Sendo um conceito que tem mudado muito ao longo do tempo, a responsabilidade social é entendida hoje de forma diferente do que era há 10 ou 15 anos. Edmundo Martinho lembrou que “há uns anos a responsabilidade social confundia-se muitas vezes com um instrumento de marketing, de promoção das empresas e dos produtos. Isso mudou substancialmente.”
Portugal ocupa hoje o 22º lugar na lista de países com melhores níveis de investimento em inovação social, segundo o Social Innovation Index 2016 publicado pelo The Economist. Além disso integra o pequeno grupo de apenas sete nações que desenvolveram, e estão a implementar políticas integradas de apoio à inovação social.
Restringido na capacidade de financiamento, o Estado social sofre também com o envelhecimento progressivo da população a que se junta o aumento da longevidade. Os cuidados continuados, por exemplo, não eram tão importantes há 15 anos. Por outro lado, a dimensão e grau de complexidade dos problemas começam a colocar desafios cada vez maiores aos intervenientes, que muitas vezes não dispõem dos mecanismos e estruturas necessárias a uma prática eficaz do voluntariado.
Edmundo Martinho assume uma visão otimista, rejeitando a ideia de que pode haver uma demissão das famílias no acompanhamento dos idosos. Referiu a propósito que o facto de haver mais pedidos de ajuda “é um sinal de que as situações estão agora mais visíveis e as pessoas mobilizam-se mais.”
Conhecido defensor das políticas de apoio domiciliário, alertou contudo para os perigos de uma “institucionalização ao domicílio” porque as pessoas deixam de fazer uma série de tarefas importantes para o seu bem-estar. “É preciso motivar para sair e conviver”, apontando aqui o êxito de programas como o das universidades sénior e do projeto de “Trupe Sénior” do Chapitô, que se desloca aos centros de dia e lares para animar os dias dos utentes.
Em matéria de responsabilidade social é preciso passar do projeto para a atitude, que tem de ser transversal a toda a organização. O provedor deixou um exemplo paradigmático, quando se referiu à relação das empresas com os fornecedores. “Se uma grande marca de artigos de desporto me diz que tem uns grandes programas de responsabilidade social, mas depois vai comprar material feito em países que exploram mão de obra infantil…”
Envelhecer em boa companhia
A Associação Coração Amarelo é uma Instituição Particular de Solidariedade Social fundada em 2000 com o objetivo de combater a solidão entre os mais velhos. O envelhecimento solitário é hoje um problema que regista uma tendência de crescimento, sendo transversal na sociedade. De acordo com os últimos estudos, as estatísticas apontam para um valor de 65% da população idosa a viver sozinha, ou com outro idoso.
“Somos uma promotora de voluntariado na problemática da solidão, isolamento e dependência das pessoas de idade”, disse Joana Pizarro Miranda, frisando que a abordagem à solidão “é uma realidade complexa para a qual concorrem diferentes circunstâncias que podem passar por carências materiais, problemas de saúde e limitações diversas.”
A Coração Amarelo assume um papel fundamental de pivot, trabalhando em ligação com as comissões sociais de freguesia, câmaras, misericórdias e parceiros. Quando os casos estão fora do âmbito da associação acabam por ser reencaminhados para as respostas mais adequadas. Em Lisboa já conta com 250 voluntários e uma equipa técnica de retaguarda que “tem sido um sucesso para chegar melhor às pessoas” sublinhou a dirigente. Esta equipa faz uma avaliação prévia dos casos, permitindo aos voluntários maior segurança e eficácia quando lidam com situações muito complexas. “A boa vontade, por si só, não chega”
A associação tem planos para recrutar voluntários entre os recém-reformados, mas Joana Miranda admitiu que muitas pessoas ainda não olham para a reforma como uma etapa em que podem e devem continuar ativos. “É preciso pensar no futuro, sem tabus e sem medos, no nosso próprio envelhecimento de uma forma menos fatalista e mais ativa, mais positiva”
Organizam tertúlias, tiveram recentemente um atelier de escrita criativa e preparam-se para editar o livro que resultou da iniciativa. “O participante mais novo tem 85 anos”, disse com entusiasmo Joana Pizarro Miranda que destacou a importância de envolver as pessoas nos processos de ajuda.
O voluntariado precisa de tempo para se enraizar. A dirigente considera que as pessoas agem muito por solidariedade, mas “o voluntariado é diferente da generosidade impulsiva, pressupõe um contexto, organização, regras e objetivos, formação para saber como ajudar e o lado essencial do compromisso.”
Uma nuvem para adormecer melhor
A Associação Nuvem Vitória nasceu há um ano com a missão de contribuir para melhorar o sono das crianças que se encontrem afastadas do ambiente familiar por motivos de saúde, entre outros, internadas em hospitais ou outras instituições. Na sua génese está uma equipa de voluntários, com formação contínua por profissionais qualificados, que ajudam a retomar o hábito da leitura de histórias para adormecer.
Trata-se de um projeto com características únicas que estreou em Portugal o conceito de voluntariado em ambiente hospitalar no período noturno, entre as 20 e as 22 horas. Fernanda Freitas contou que no início a equipa apercebeu-se que “existem muitos projetos que entretêm as crianças nos hospitais durante o dia, que fazem um trabalho fantástico, mas não há ninguém que à noite vá aos hospitais.”
Começaram por realizar um projeto-piloto para provar que era possível “um grupo de pessoas estranhas, mas devidamente formadas, após o trabalho com os enfermeiros e médicos, conseguir estabelecer rotinas para que as crianças adormeçam melhor”.
A partir de um estudo realizado com crianças no Hospital de Santa Maria, foram retiradas algumas conclusões importantes acerca dos padrões do sono. Os profissionais de saúde não sabiam a que horas adormeciam as crianças, portanto “não podiam saber com precisão se o mau despertar duma criança se devia a alguma reação medicamentosa ou a uma simples birra de sono,” explicou a presidente da Nuvem Vitória
O trabalho desenvolvido envolve uma formação muito completa. Fernanda destacou a ajuda preciosa “da Rosário Ferreira, médica que nos dá uma perspetiva do sono, das enfermeiras-chefe dos hospitais, dos pediatras e de contadores de histórias, com e sem livro, que ensinam como se conta a um bebé ou a um adolescente”.
Para colocar em marcha o projeto, a presidente da associação referiu que os apoios surgem sob a forma de seguros proporcionados pela Lusitânia, a seguradora do grupo Montepio, de cedência de salas para formação e de ajudas pontuais como foi o caso das t-shirts. Fernanda explicou que as brancas não resultam bem porque as crianças associam a cor às batas e “às picas, por isso vamos mudar para azul bebé com a ajuda de uma empresa (da colchaonet.com) que vai oferecer as novas t-shirts.”
“Já temos um ano e 7000 histórias” contou com orgulho, sublinhando que há muitas mães voluntárias que se juntaram à causa a partir da experiência positiva que elas próprias tiveram. A Nuvem Vitória conta atualmente com 120 voluntários formados, mas já tem 200 em espera. Prontos para avançar estão também dois protocolos com instituições hospitalares que em breve vão poder contar com o apoio desta nuvem de responsabilidade social de afetos.
Por um consumo responsável
A missão continente é uma plataforma agregadora de todas as iniciativas de responsabilidade social e sustentabilidade realizadas no âmbito da marca Continente e da Sonae MC. É provavelmente a plataforma mais visível dentro do grupo e a que mais iniciativas desenvolve e apoia durante todo o ano.
Nadia Reis começou por destacar as várias iniciativas ligadas ao tema da alimentação saudável. “Nós temos de ter esse papel pioneiro no âmbito da sensibilização, mas também na mudança de comportamentos.” Desde logo o projeto Escolas Missão Continente, que começou no ano passado e passou por todas as escolas do 1º ciclo, a nível nacional, no sentido de sensibilizar os professores e alunos, com o apoio de nutricionistas e dos centros de saúde locais.
A diretora destacou o papel mobilizador das iniciativas, inclusivamente, “junto dos próprios pais porque sabemos que em algumas regiões do nosso país, as próprias crianças é que depois ajudam na mudança de comportamento de muitas famílias.”
O combate ao desperdício alimentar é outra das vertentes da ação da Missão Continente. “Enquanto cadeia de retalho alimentar sabemos que temos uma responsabilidade” explicou a responsável a propósito das ações de sensibilização e de informação para os consumidores tomarem consciência da importância de reduzir o desperdício, quer pela sustentabilidade e quer pela pegada ambiental, mas também pela luta contra a fome.” No âmbito de um projeto interno, o desperdício gerado nas lojas e que mantém ótimas condições de consumo é canalizado para as salas de convívio dos colaboradores.
A plataforma da Missão Continente estabelece uma ligação de parceria com mais de 700 organizações espalhadas por todo o país. “Cada loja tem autonomia para favorecer instituições locais, promovemos muito a proximidade e as nossas equipas são os grandes embaixadores da nossa missão continente, para que a comunidade sinta que tem ali um parceiro”, concluiu a responsável de relações públicas da Sonae MC.
No Espaço “Conversas Soltas” do Banco Popular e também em direto nas redes sociais o tema da responsabilidade social, nas suas múltiplas vertentes, esteve no centro da reflexão sobre os caminhos do associativismo e do voluntariado em Portugal.
Se não teve oportunidade de assistir em direto a esta Conversa sobre Mais Responsabilidade Social, veja aqui na íntegra.
Esta foi a sétima conversa da série Observamos Mais, uma parceria entre o Observador e o Banco Popular. Em dezembro vamos observar e partilhar experiências sobre Mais Familia