Mais de dois anos depois, o julgamento do caso que ficou conhecido como Football Leaks entrou esta quarta-feira na última fase: as alegações finais. Com a sala de audiências praticamente cheia, entre jornalistas e representantes dos assistentes do caso, Rui Pinto e Aníbal Pinto, os dois arguidos deste processo, sentaram-se na primeira fila, mas sempre afastados. E ouviram, desta forma, o Ministério Público a pedir uma condenação a prisão.
Das 10h às 17h30, Rui Pinto ouviu as alegações do Ministério Público e ouviu também as críticas feitas pelos advogados dos assistentes deste processo que eram, sobretudo, dirigidas a si. Do lado do Ministério Público, a procuradora Marta Viegas sublinhou que as declarações feitas por Rui Pinto durante as últimas sessões deste julgamento não foram totalmente convincentes: “O interesse público não pode estar refém de um tudo quero, tudo posso, tudo sei e tudo quero saber.”
Mesmo depois do alegado pirata informático ter dito que tinha consigo outras pessoas, que realizaram também acessos indevidos às contas e sistemas de empresas, clubes de futebol e advogados, o Ministério Público desmontou esta versão: “Não os identifica, não diz quando, apenas diz que não agiu sozinho”. Além disso, acrescentou a procuradora, “a existência de cúmplices ou co-autores não assume relevância jurídico-penal”.
Nem sequer acreditamos que tal seja verosímil. O arguido não mantém qualquer tipo de conversação, correspondência, qualquer tipo de contacto com ninguém. Não é conhecido ninguém que tenha ajudado o arguido Rui Pinto na prática dos factos.”
O Ministério Público não pediu uma pena específica, pedindo ao coletivo de juízes, que é presidido pela juíza Margarida Alves, uma pena de prisão para este arguido. Por determinar ficou também se pretende pena suspensa ou pena efetiva. Verifica-se, para o MP, uma certeza: “O projeto Football Leaks foi idealizado pelo arguido Rui Pinto”.
Crime de sabotagem informática. Dos 90 crimes da acusação para 89
Na acusação proferida pelo Ministério Público, e que foi analisada e discutida ponto por ponto durante as últimas sessões por Rui Pinto e pelo coletivo de juízes, constam 90 crimes — um de sabotagem informática, 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência e seis de acesso ilegítimo e um por tentativa de extorsão. Dois anos depois do início do julgamento e dezenas de testemunhas depois, o MP considerou que, afinal, não se verifica o crime de sabotagem informática, relacionado com os acessos feitos à Sporting SAD.
Não se verificou que os acessos tenham “gerado uma quebra” no sistema da Sporting SAD, explicou a procuradora, acrescentando que “o sistema já se encontrava em baixo aquando do alegado ataque, razão pela qual não terá sido o ataque efetuado a gerar a quebra do serviço”. Assim, dos 90 crimes, o MP pediu a condenação por 89 crimes.
Mas, ao contrário daquilo que considerou o MP, não foi esse o entendimento da Sporting SAD, que considerou, também nas alegações finais, que foram os programas utilizados por Rui Pinto para aceder às contas dos trabalhadores do clube que danificaram o sistema. “A fragilidade do sistema não pode justificar o comportamento do arguido”, referiu a representante do Sporting.
Já em relação ao crime de tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen, o Ministério Público considerou também que este crime ficou provado em sede de julgamento. Quem não concordou com a análise foi Aníbal Pinto, arguido neste processo e advogado de Rui Pinto na altura em que o alegado pirata informático trocou e-mails com Nélio Lucas, da Doyen, com o objetivo de receber dinheiro em troca do seu silêncio. “A tentativa de extorsão, havendo desistência, não é punível. Rui Pinto vai ser absolvido do crime de tentativa de extorsão, não tenho dúvida absolutamente nenhuma”, disse Aníbal Pinto à saída do tribunal.
Interesse público ou interesse do público?
Rui Pinto teve acesso a “milhões de documentos de forma acriteriosa e chegou a publicar também de forma acriteriosa”, continuou a procuradora do MP. “E isso não pode ser escamoteado ou enviesado”, acrescentou.
Marta Viegas fez ainda, durante as alegações, uma clara distinção entre interesse público e interesse do público para justificar o entendimento do MP, que refere, tal como na acusação, que não estava em causa o interesse público na altura do acesso a informação pessoal e também na altura da sua divulgação. “Na realidade, pode dizer-se, sem margem para dúvidas, que é o interesse do público em saber e ter conhecimento dos documentos. E isto não deve ser confundido com o interesse público.”
Rui Pinto é um “robin dos bosques digital” e “engendrou e executou um plano criminoso”
Depois das alegações do Ministério Público, os representantes dos restantes assistentes também tiveram a palavra. Todos pediram pena de prisão para Rui Pinto — s Doyen pediu uma pena entre quatro e seis anos de prisão e a sociedade de advogados PLMJ pediu oito anos de prisão.
E a representante da Doyen fez questão de sublinhar que Rui Pinto “não tinha permissão legal para aceder” aos ficheiros e que “o teaser motivacional de Rui Pinto era ter muita polémica”. “Rui Pinto também não é uma vítima, engendrou e executou um plano criminoso”, acrescentou.
Enquanto os representantes dos assistentes falavam, Rui Pinto acenava negativamente com a cabeça, olhando para o seu advogado Francisco Teixeira da Mota. E a reação foi a mesma quando o representante da Federação Portuguesa de Futebol disse que “foram precisos dois anos de julgamento para o arguido ter mudado de postura e ter dito, com a cabeça um pouco mais baixa do que tinha no início do julgamento, que o que fez estava incorreto”.
O advogado que representa a Federação Portuguesa de Futebol apelidou Rui Pinto de “robin dos bosques digital” e acusou o alegado pirata informático de não ter encontrado informação relevante quando acedeu às contas dos trabalhadores desta entidade: “Perguntaram várias vezes: mas porque é que optou por não publicar? O arguido não soube justificar, até que às tantas justificava com questões técnicas. É evidente que o arguido Rui Pinto não publicou coisa nenhuma, porque não encontrou nada que fosse passível de ser publicado”.
Este foi o primeiro de três dias de alegações finais de um julgamento que começou em 2020. A última sessão, que vai acontecer esta sexta-feira, deverá contar com as alegações feitas pela defesa de Rui Pinto.