Garrafas de água, pneus, brinquedos, embalagens de detergente, roupa, preservativos, caixas de fruta, garrafões de gasóleo, entre milhares de outras coisas. É preciso pisar todo este lixo para chegarmos à casa, flutuante durante grande parte do ano, de Claudete Sousa e do seu marido. Vivem numa construção de madeira nas margens do rio Educandos, afluente do rio Negro, a menos de dois quilómetros do rio Amazonas e com vista, lá ao fundo, para a Amazónia, a maior floresta tropical do mundo.
Seria um cenário perfeito, mas, à volta, quase tudo o que veem (e cheiram) é lixo — plástico, sobretudo. Já lá estava, claro, mas o recuo das águas do rio, típica nesta altura do ano, pôs ainda mais a descoberto o que, até há poucos meses, estava submerso ou a flutuar.
Claudete, desempregada e a receber um apoio do governo de 600 reais (cerca de 118 euros), vive ali há 10 anos. Sem saneamento básico, apenas com eletricidade através de cabos puxados da estrada principal, uns metros acima, toma banho e cozinha com água de garrafões de 30 litros que o filho lhe traz a cada duas semanas. E admite que também contribui para o problema: “Se os outros deitam lixo, não é por mais uma garrafa ou duas que vai fazer a diferença”. “Não é sempre, às vezes… é mau.”
Apesar disso, atira também culpas para a câmara municipal de Manaus: “Faz um mês que não vem ninguém limpar”. Certo é que os serviços municipais são curtos para lidar com as toneladas de lixo acumulado nas margens do rio. Uns quilómetros mais à frente, trabalhadores do município, que tem mais de dois milhões de habitantes, limpam como podem uma pequena praia nas margens do rio Negro. “Não temos gente para limpar tantas margens ou praia”, explica um deles.
Noutra zona da cidade, atrás de uma antiga fábrica de cerveja, no bairro da Nossa Senhora Aparecida, o cenário é semelhante. Não se vê sequer a areia da praia onde fica a casa de Admilson. O termómetro do carro marca 44ºC e estamos na hora do almoço. O cheiro a peixe assado não é, por isso, de estranhar — aqui ou noutras casas junto ao rio, estranho é encontrar quem coma carne.
Está a assar dois Pacu, um peixe típico da região — que, juram os que aqui vivem, é o peixe mais saboroso do mundo —, rodeado de cadeiras de plástico partidas, sanitas, garrafas e garrafões de plástico. Para o fogo no grelhador, serve-se de tudo o que encontra ali à volta: troncos de árvores secas, papel e plástico.
Pescador de profissão, passa grande parte do seu tempo no rio e diz que ali não é o pior. Ao contrário de Claudete, garante ao Observador que tenta ter o máximo de cuidado possível com a separação do lixo e que nenhum do que ali está, mesmo à porta da sua casa, foi deixado por ele. Porque é que ali continua? “Gosto de estar perto do rio”, responde, apesar de reconhecer que do rio já resta pouco, e que o que se vê se assemelha mais a uma lixeira a céu aberto.
É essa lixeira contra a qual Leonardo Gama tenta lutar. Aos 67 anos, “Leo”, como é conhecido no bairro da Nossa Senhora Aparecida, percorre todos os dias as margens do Negro numa pequena canoa para apanhar latas de refrigerantes, que depois entrega aos serviços municipais.
É nessa canoa frágil, de madeira, que nos leva para mostrar tudo o que encontra nas viagens diárias. Em 20 minutos, recolhe 37 latas de sumo e cerveja, que hão de juntar-se às que apanhou de manhã cedo e que já se acumulam na embarcação. O trabalho tem uma recompensa: recebe 6 reais (1,18 euros) por quilo de alumínio que entrega e 40 reais (7,89 euros) por quilo de cobre.
Na cidade de Manaus, recolhem-se, em média, 30 toneladas de lixo por dia nas margens do rio Negro e do rio Educandos. Só este ano, já foram recolhidas mais de 5 mil toneladas. Deixar tudo como está terá consequências cada vez mais difíceis de reverter: o plástico demora uma média de 400 anos a decompor-se na água; e o vidro pode resistir entre quatro e 10 mil anos. E isto a pouco mais de um quilómetro da floresta amazónica, conhecida como “o pulmão do mundo”, ali mesmo na outra margem, e aonde todo este lixo acaba por ir parar.