895kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Manifestações pela paz na Ucrânia multiplicaram-se por todo o mundo
i

Manifestações pela paz na Ucrânia multiplicaram-se por todo o mundo

SOPA Images/LightRocket via Gett

Manifestações pela paz na Ucrânia multiplicaram-se por todo o mundo

SOPA Images/LightRocket via Gett

Funcionou para a Áustria, não agrada à Finlândia. Pode a neutralidade da Ucrânia ser o cachimbo da paz?

A receita para a paz pode estar num estatuto de neutralidade para a Ucrânia. Foi sugerido por Moscovo, e Kiev diz-se disposta a discuti-lo, mas isso não quer dizer que concordem sobre o que significa.

    Índice

    Índice

Quando Vladimir Putin deu os primeiros sinais de que a invasão da Ucrânia poderia acontecer em breve, poucos dias antes do início da ofensiva militar, justificou-a como sendo a única forma de tirar a “faca do pescoço da Rússia”. Desde então, o Kremlin tem insistido nesta ideia: diz que Moscovo está ameaçada pela expansão da NATO e exige a neutralidade da Ucrânia como contrapartida para o fim da guerra. É uma ideia em debate há muito tempo, mas agora Kiev diz estar realmente preparada para discutir a questão: Volodymyr Zelensky anunciou esta segunda-feira que a neutralidade está em cima mesa e pode fazer parte do acordo de paz.

Zelensky dá garantias de neutralidade em entrevista censurada na Rússia

O que significa uma Ucrânia neutra?

A neutralidade da Ucrânia significa que o país não faria parte de nenhuma aliança defensiva, como a NATO (mas não exclusivamente). Não implica, no entanto, ficar fora da União Europeia (UE), a que pertencem, aliás, vários países com estatuto neutral, como a Suécia, a Finlândia, a Áustria e a Irlanda — nos casos de Estocolmo e Dublin, a crença numa posição de neutralidade foi abalada pelo conflito na Ucrânia e ainda não é certo como cada um dos países se posicionará no futuro em relação a uma aproximação à aliança militar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No caso da Ucrânia, o investigador da Universidade de Estocolmo e autor do livro “Neutrality in World History” (“Neutralidade na História Mundial”, sem edição portuguesa), Leos Müller, considera que ficar fora da União Europeia não será pré-requisito para que se inscreva nesse estatuto de neutralidade — pelo menos, enquanto a UE não tiver um exército próprio, uma ideia que já tem vindo a ser discutida mas que ainda está longe de dar passos concretos rumo à formalização de uma força militar conjunta.

Quando uma nação concorda em assumir um estatuto neutro tem, no entanto, de ter como contrapartida garantias de segurança: neste cenário, um outro país, ou vários, asseguram a defesa territorial do país neutro em caso de invasão.

Foi o que aconteceu, por exemplo, na Bélgica, que no século XIX era um país neutro, fruto de um acordo entre a Prússia, o Reino Unido e França — os três eram garantes da integridade territorial da Bélgica. Foi por isso que, em 1914, o Reino Unido entrou na I Guerra Mundial: para defender a Bélgica quando a Alemanha invadiu as fronteiras do país.

“A Turquia é um bom negociador para esta situação. Nós, na Europa, somos demasiado pró-Ucrânia, a Turquia é mais neutra.”
Leos Müller, investigador da Universidade de Estocolmo

Que país pode ser o garante de segurança da Ucrânia?

Esta é uma das questões mais polémicas. “O melhor seria um país da NATO, mas a Rússia não vai aceitar isso”, explica ao Observador Leos Müller.

Cabe à Ucrânia avançar com uma alternativa que possa ser entendida como aceitável pelo Kremlin. “A Turquia é um bom negociador para esta situação. Nós, na Europa, somos demasiado pró-Ucrânia, a Turquia é mais neutra”, comenta Müller. É na Turquia, aliás, que vão decorrer as negociações de paz desta semana, e Ancara tem vindo a posicionar-se como um possível intermediário para o conflito.

A Ukrainian flag is waved in the air in front of the

A invasão da Ucrânia tem motivado várias manifestações de apoio a Kiev um pouco por todo o mundo

SOPA Images/LightRocket via Gett

Müller explica que a própria Turquia tem interesse em assumir este papel, tendo uma postura híbrida em relação à Rússia, com origens históricas. “Tem ligações muito importantes à Rússia e à Ucrânia. A expansão imperial russa nos séculos XVIII e XIX estava concentrada no Mar Negro, nos Balcãs e no Império Otomano. Para a Turquia, isto é muito importante, não querem uma Rússia forte no Mar Negro e no Cáucaso. A Turquia é o membro da NATO mais pró-Rússia, mas apoia militarmente Estados que lutam contra a Rússia, como o Azerbaijão e a Ucrânia. É uma posição complexa, acho que estão muito interessados neste papel”, resume o historiador.

Müller acredita, no entanto, que a ONU podia também assumir com sucesso esse papel, ainda que não tenha um exército. “Tem forças de manutenção de paz e instrumentos legais”, salienta. Uma forma de sublinhar este estatuto neutral seria, por exemplo, transferir organizações internacionais para Kiev, como se fez com a Suíça, a Holanda ou a Bélgica.

“Neutralidade não significa que não te podes defender, pelo contrário, pressupõe um exército forte. Aliás, todos os países neutros têm exércitos fortes. Não faz qualquer sentido a Rússia pedir a desmilitarização da Ucrânia.”
Leos Müller, autor do livro Neutrality in World History

Ser neutro significa não ter exército?

Não, mas é possível que a Rússia entenda que sim. Quando Moscovo apresenta a neutralidade da Ucrânia como uma das condições centrais para o fim do conflito, também refere, ao mesmo tempo, a necessidade de desmilitarização. Müller diz que este é um conceito que não faz qualquer sentido no plano geopolítico.

“Neutralidade não significa que não te podes defender. Pelo contrário, pressupõe um exército forte. Aliás, todos os países neutros têm exércitos fortes. Não faz qualquer sentido a Rússia pedir a desmilitarização da Ucrânia”, sublinha o historiador.

Que modelos de neutralidade existem e qual se adapta melhor à Ucrânia?

Quatro países vêm à baila quando se fala de modelos de neutralidade. O mais conhecido é o exemplo suíço, o país cuja neutralidade se tornou uma imagem de marca — é tão conhecido por essa característica que “ser a Suíça” num qualquer conflito, grande ou pequeno, é já uma expressão idiomática.

Mas Leos Müller explica que a Suíça — que abandonou o estatuto de neutralidade para impor sanções à Rússia, logo a 28 de fevereiro — não serve para o caso ucraniano, até porque a neutralidade que hoje é totalmente aceite pelo próprio país foi fruto de uma imposição — o que não se deseja neste caso.

Berlin Holds Large Anti-War Rally As Ukraine Battles Russian Invasion

"Parem a guerra", pediam manifestantes em Berlim, poucos dias depois do início da ofensiva russa sobre território ucraniano

Getty Images

O caso ucraniano tem sido também muito comparado ao da Finlândia, com o presidente francês a chegar mesmo a defender a “finlandização” da Ucrânia — Emmanuel Macron viria depois negar ter feito esta proposta, já que a ideia desagrada em toda a linha.

O termo remonta a um acordo com Moscovo, em 1948, em plena Guerra Fria. O tratado garantia que a Finlândia não seria invadida pela União Soviética, mas, em contrapartida, comprometia-se a não entrar na NATO e permitia a Moscovo grande influência em assuntos domésticos e, acima de tudo, política externa.

É altamente problemático para a Ucrânia, como foi altamente problemático para a Finlândia. A própria Finlândia não gosta do conceito, porque o que realmente significa é que o teu país vizinho controla a tua política externa. A política externa finlandesa, desde 1945, tem sido delineada por interesses soviéticos. Realmente limitaram a capacidade do país de exercer política externa. Até a vida cultural chegou a ser limitada, com autores proibidos da União Soviética que não podiam ser publicados na Finlândia”, explica Müller.

Há ainda o caso sueco, um país neutro, por opção, há mais de 200 anos, desde que teve de ceder a Finlândia, na altura território sueco, à Rússia, em 1809. Mas o autor de “Neutrality in World History” considera não ser um bom exemplo para a Ucrânia, já que, ao contrário de muitos outros países neutros, não ganhou este estatuto por questões relacionadas com a segurança da Rússia.

Müller diz que o modelo que mais se aplica ao caso ucraniano é o da Áustria, um país que foi ocupado por quatro potências aliadas no final da II Guerra Mundial: Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido e França. Moscovo aceitou sair sob a condição de a Áustria se comprometer com uma “neutralidade eterna”. O termo foi inserido na Constituição do país em 1955. “Acho que este é um modelo que os russos veem como possível para a Ucrânia. É o modelo mais provável”, diz o historiador.

A neutralidade da Ucrânia é uma garantia de paz?

Não há uma resposta definitiva para esta pergunta. A Ucrânia foi, durante muitos anos, um Estado neutral, depois de se tornar um país independente, em 1991, mas abandonou esse estatuto em 2014, com a anexação da Crimeia.

Não foi uma experiência bem sucedida para Kiev. Em 1994, foi assinado o Memorando de Budapeste, em que Rússia, Reino Unido e Estados Unidos “reafirmaram o seu compromisso para com a Ucrânia (…) de respeitar a independência e soberania e existentes fronteiras da Ucrânia” e de “se absterem de ameaçar ou usar força contra a integridade territorial ou independência política da Ucrânia”. Em troca, Kiev entregou o seu arsenal nuclear.

"Não vejo a derrota da Rússia como uma opção, não é possível, é demasiado grande, tem armas nucleares. Por isso tem de haver uma solução pacífica. E tem de ser de algum modo aceitável para o lado russo. Nesse caso pode ser a neutralidade.”
Leos Müller, historiador

“A Rússia violou [o acordo] com a [anexação da] Crimeia, e os Estados Unidos e Reino Unido não fizeram grande coisa”, comenta Leos Müller.

Até então, a Ucrânia era, na maioria, favorável à ideia de neutralidade, mas a opinião pública mudou em 2014 e tem vindo a mudar cada vez mais: em fevereiro, 62% dos ucranianos estavam a favor de uma adesão à NATO.

Müller lembra, no entanto, que a neutralidade negociada pode ser mesmo a única solução para paz, já que a própria NATO não deverá aceitar a Ucrânia como membro, por receio de uma escalada ainda maior do conflito. “Mas vamos ver se é exequível. Esta discussão também pode ser uma maneira de a Rússia fingir que está a negociar” sem estar realmente interessada num acordo, ressalva.

O historiador reconhece que não é uma solução perfeita, mas é uma luz ao fundo do túnel para a tão necessária paz na Ucrânia: “Não vejo a derrota da Rússia como uma opção, não é possível, é demasiado grande, tem armas nucleares. Por isso, tem de haver uma solução pacífica. E tem de ser de algum modo aceitável para o lado russo. Nesse caso, pode ser a neutralidade”.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.