O mercado de transferências pré-eleitoral não tem só uma direção. Numa altura em que o Chega tem dito publicamente que está a recrutar independentes e ex-elementos do PSD para as listas, Nuno Afonso, antigo vice-presidente e fundador do Chega, que saiu do partido em rutura com André Ventura, manifesta vontade de vir a apoiar a coligação liderada por Luís Montenegro, assim a Aliança Democrática demonstre vontade de ser mais “abrangente e aberta a toda a direita democrática”.
Em declarações ao Observador, o antigo militante número dois do Chega defende que o PSD deveria tomar a iniciativa de liderar a discussão em temas que deixou de priorizar. Se o fizer, assegura Nuno Afonso, servirá de travão “ao crescimento do discurso mais radical” que tem sido protagonizado, acusa, por André Ventura. Nuno Afonso admite, aliás, que está disposto a apoiar publicamente a Aliança Democrática e, eventualmente, integrar a futura lista de candidatos a deputados pelo círculo eleitoral de Lisboa.
O antigo vice-presidente do Chega, que chegou acusar André Ventura de entregar o partido a uma deriva “extremista“, de “violência” e sem coerência ideológica, argumenta que uma eventual abertura do PSD permitiria “trazer todos aqueles que ainda não veem neste PSD uma verdadeira alternativa, mas que simultaneamente também percebem que o Chega não tem a capacidade de negociar ou levar a discussão temas fraturantes e importantes para a sociedade”.
“Uma presença nas listas do partido poderia ser a prova da abertura do PSD toda a direita democrática”, acrescenta, assumindo que estaria disposto a aceitar um lugar elegível em Lisboa — Nuno Afonso é atualmente vereador independente em Sintra depois de ter sido eleito pelo Chega.
A integração na lista de deputados da Aliança Democrática não parece ser, por esta altura, uma possibilidade prática. Nuno Afonso garante que, ao longo dos últimos meses, foi abordado “por várias pessoas do PSD e ex-militantes do Chega”, que entenderam que seria uma oportunidade para o PSD escolher figuras capazes de “abordar certos temas cada vez mais importantes na sociedade portuguesa, como imigração ilegal, a insegurança crescente, nomeadamente pela falta de apoio às forças de segurança, e as políticas de apoio à família, como o incentivo à natalidade”, com uma visão mais reformista.
Nuno Afonso chegou, aliás, a conversar com António Rodrigues, líder da concelhia do PSD/Sintra, nesse sentido. Ao Observador, o dirigente social-democrata assume que a conversa existiu e que transmitiu a quem de direito — à direção do partido, leia-se — a disponibilidade de Nuno Afonso. Ainda assim, salvaguarda António Rodrigues, não recebeu qualquer tipo de apreciação por parte da direção social-democrata e, muito menos, participou em qualquer negociação com Nuno Afonso sobre listas de deputados. “Nada, nada, nada”, frisa.
O Observador sabe que Nuno Afonso terá feito chegar a Hugo Soares, secretário-geral do PSD e o homem com a chave do aparelho social-democrata, a sua disponibilidade para manifestar publicamente o apoio à Aliança Democrática e, eventualmente, juntar-se à equipa liderada por Luís Montenegro. Hugo Soares tomou nota, mas não falou com Nuno Afonso no sentido de ser ou não candidato a deputado.
Fonte da direção social-democrata reitera que “não existem negociações” com Nuno Afonso e “desconhece em absoluto” qualquer conversa que possa ou não ter existido entre dirigentes do partido e o antigo vice-presidente do Chega. A mesma fonte reitera que o PSD está disposto a conquistar todos aqueles que, no passado, podem ter votado noutros partidos, incluindo os eleitores do Chega, mas não tem qualquer interesse em entrar em “leilões” por antigos quadros de partidos rivais. “Era só o que faltava entrar em compitas“, remata um elemento da direção do PSD.
Recorde-se que, na antecâmara da 6.ª Convenção Nacional do Chega, que acontece este fim de semana em Viana do Castelo, André Ventura assumiu publicamente a vontade de vir a contar com antigos e atuais militantes do PSD. Henrique de Freitas, ex-secretário de Estado da Defesa e dos Negócios Estrangeiros do Governo de Durão Barroso, foi a contratação mais mediática do partido até ao momento — ainda que Ventura tenha já prometido anunciar mais nomes até ao final desta reunião magna.
Também foi avançada como possível a integração de António Maló de Abreu, agora ex-militante do PSD e deputado não-inscrito, na lista de candidatos a deputados do Chega. A notícia, avançada pelo Observador, nunca foi desmentida por André Ventura, que até sugeriu que houve conversas: “Tenho o dever de salvaguardar pessoas e informações. Maló de Abreu já negou publicamente negar a existência de qualquer convite ou interesse em ser candidato, mas o Observador sabe que houve negociações nesse sentido.
Este sábado, em entrevista ao Observador, Henrique de Freitas explicou as suas motivações. “Fui votando e enquanto militante base fui percebendo que o PSD deixou de ser PSD e que eu nunca deixei de ser aquilo que sou. Quem anda de táxi em Lisboa percebe em quem é que os taxistas vão votar. Pela primeira vez, votar no Chega é um voto útil”, argumentou o antigo secretário de Estado, lamentando que o PSD “tenha metido na cabeça que tem de agradar à esquerda para fazer combate político”.
Nuno Afonso tenta fazer, assim, o movimento em sentido contrário. No dia em que anunciou que desfiliar-se do partido, numa entrevista ao Observador, Nuno Afonso defendeu que a saída era o “culminar lógico” de tudo o que tinha acontecido até então. “Com todas as linhas vermelhas e a postura que o partido tem tido dentro da própria Assembleia da República, com deputados a agredirem deputados do próprio partido, com deputados a encostarem a cabeça a deputados de outros partidos, a ofenderem deputados de outros partidos, supostamente a agredirem militantes do próprio partido… são as linhas vermelhas que acho que qualquer pessoa com bom senso tem de traçar.”
Nessa mesma entrevista, Nuno Afonso recordou o telefonema de “um amigo de longa data”, André Ventura, que pediu “ajuda para fazer um partido novo”. “Na altura disse que queria um partido assente em bases de democracia, liberdade, meritocracia, que defendesse a instituição de família, políticas de certa forma conservadoras, sendo que a democracia e liberdade em primeiro plano.” Não foi isso que, segundo o antigo vice-presidente do Chega, aconteceu ao partido.
Meses antes, André Ventura exonerou o ex-número dois do partido de chefe de gabinete. Mas a queda de Nuno Afonso tinha começado bem antes: primeiro foi despromovido de vice-presidente para vogal da direção no congresso de Coimbra, onde assumiu que se sentiu “apunhalado”, mais tarde ficou fora das listas para deputado (quando foi cabeça de lista por Setúbal em 2019) e acabou afastado definitivamente do núcleo de Ventura quando saiu do Parlamento.