796kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Gabriela Barros: “A mulher que denuncia é louca. Portugal é perito em pôr debaixo do tapete"

Dos "Morangos com Açúcar" ao sucesso de "Pôr do Sol", passando pelo trabalho com Herman. Em entrevista, a atriz fala dos desafios do humor, da televisão em Portugal e do lugar da mulher em tudo isto.

Quando Gabriela Barros começou a trabalhar com Herman José na RTP1, o humorista disse-lhe: “É uma rapariga fantástica, morou e cresceu em Bruxelas [onde nasceu], parece que não apanhou o avião para cá”. Muitos anos depois, já como membro do clã cómico, do qual fazem partes nomes como Eduardo Madeira, Ana Bola, Manuel Marques ou Maria Rueff, de programas como “Cá por Casa”, “Donos Disto Tudo” ou “Patrulha da Noite”, Gabriela Barros, mesmo já tendo regressado a Portugal, continua a sentir-se um pouco com um pé lá fora, entre o Brasil e França.

Mas agora, com o sucesso da mini-série “Pôr do Sol”, e sendo uma das protagonistas da família Borboun de Linhaça, que detém o colar de São Cajó há mais de 3500 anos, a atriz quase que foi obrigada a parar no tempo. Não porque se sinta cansada, até porque workaholic se confessa, mas porque este fenómeno televisivo deixou toda a gente surpresa. Mesmo para quem tem andado  tão bem na comédia, pelos musicais (“Avenida Q” ou “Chicago”, por exemplo), sketchs humorísticos ou pelo cinema, como é o caso de Gabriela Barros. “Não estava à espera deste buzz, mas também sou um pouco desligada. Tive uma conversa com o Marco Delgado [que faz parte do elenco] em que ele me perguntou: “Achas que as pessoas vão perceber?” Não é diminuir o público português, mas isto foi uma alucinação em esteroides tão grande… não sei. Não estávamos à espera”, diz em conversa com o Observador.

[o trailer de “Pôr do Sol”:]

Nessa vertigem de nunca se saber bem o que vem a seguir, Gabriela Barros encontrou uma forma de trabalhar, especialmente no registo cómico, no qual se sente mais confortável: não há método, mas sim uma excitação de estar sempre à tona a tentar respirar, porque em comédia, ou se leva algo novo para experimentar, ou morre-se na praia. E num país com uma indústria pequena, ou se vai à luta, ou se muda de profissão. E ainda que a atriz não tenha tido períodos sem trabalho, de vez em quando, lá se questiona sobre o que anda a fazer. “Ano sim, ano não, tenho eternamente a conversa de mudar de área, que não é isto que quero. E a minha mãe acalma-me, manda-me beber um chá”, diz. E lá continua.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Começou, como tantos outros da sua geração, nos “Morangos com Açúcar” há dez anos, mas não seguiu o caminho tradicional dos colegas. Fez uma ou outra novela, só que não é de se colocar — nem de deixar que a coloquem — em caixas. Se for para fazer um drama, que seja; se for para estar em teatro, que seja. Como canta, representa e dança, parece ter poucos medos. Sobretudo porque não tem certezas de nada. Nem na vida, nem na carreira. “Não tenho, não. Por mais que nos preparemos, chega o momento em que temos de jogar com o que está à nossa frente. E não, não me vejo como comediante, embora goste muito do género. Isso seria colocar-me numa caixa. Vejo-me como uma atriz que, de vez em quando, dá um pulinho na comédia, outro no drama ou num musical”, refere.

O que se segue depois de um grande sucesso? Mais uma série, desta feita para a Opto, plataforma digital da SIC, chamada “Vanda”. Neste momento, não dá para parar mais. E, caso seja possível, abraçar uma nova produção internacional, já que Gabriela Barros anda com vontade de trabalhar noutra língua. Ou até de voltar para o estrangeiro. Ou acabar os cursos que deixou por fazer. No fundo, é o que vier a seguir. Talvez, uma segunda temporada de “Pôr do Sol”?

A atriz em "Pôr do Sol": "Foi uma grande surpresa. Fizemos o projeto com muito amor à camisola e adoramos o texto desde o início"

Tal como tantos outros atores, saltou para a ribalta a partir dos “Morangos com Açúcar”. Só que a Gabriela não continuou nas novelas. Porquê?
Tenho sempre este debate, que é de pensar que poderia ter sido só uma escolha a 100%, mas em Portugal a possibilidade de escolha é para poucos. Sou sortuda, sim, de me poder gabar que também foi uma escolha. Mas é um misto. A cada projeto vou conseguindo ter mais essa liberdade, mais convites e possibilidade de recusar. Claro que todo o percurso não foi feito só dessas escolhas. Depois, também tem sido bom ter amigos e atores que me foram chamando para projetos como foi o caso do “Pôr do Sol”. Mas também recusei coisas com as quais não me identificava ou meti o pé na poça, porque cheguei à conclusão que não era nada a minha onda, mas às tantas é preciso pagar contas. Em Portugal, é mesmo para poucos.

Assustou-a essa escolha a certa altura?
Não, nunca me assustou. Sou uma abençoada, que é fruto do meu trabalho, até porque foram poucas as fases em que estive sem fazer nada. Gosto desta possibilidade de não ser enfiada numa caixa, de só fazer novelas ou musicais. Já se referiram a mim em várias entrevistas que ‘agora que é comediante…’. Não sou, nem quero ser. Quero ser várias coisas. E poder sê-lo.

Basta trabalhar um pouco em humor e é-se logo comediante, é isso?
Se calhar agora na pandemia surgiram uns quantos comediantes….

Disse uma vez que tinha um fascínio por pessoas que têm muitas certezas. Não sendo uma delas, pode dizer-se que, profissionalmente, tem a certeza que na comédia se sente na sua praia.
Sim, sempre foi um registo confortável. E desde muito cedo que fui chamada para isso. Uma das novelas que fiz muito cedo, a primeira personagem depois dos “Morangos”, foi num núcleo cómico. E ninguém fazia ideia. Fui eu que puxei a comédia para mim ou vice-versa, não sei. Venho de uma família muito dada ao humor.

"Não me vejo como comediante, embora goste muito do género. Isso seria, mais uma vez, colocar-me numa caixa. Vejo-me como uma atriz que, de vez em quando, dá um pulinho na comédia, outro no drama ou num musical."

Diz-se também que quem trabalha em comédia vai exercitar os seus demónios para o palco. É assim consigo?
Às vezes tenho um parafuso a menos… Não sei se ajuda à comédia ou não. Talvez isso seja mais para quem cria humor. Não me vejo como comediante, embora goste muito do género. Isso seria, mais uma vez, colocar-me numa caixa. Vejo-me como uma atriz que, de vez em quando, dá um pulinho na comédia, outro no drama ou num musical.

É atriz, também dança e canta. Tem sido uma vantagem?
Sempre foi, sim. Quando não tinha novelas, o canto foi uma vantagem. A comédia também é. Numa fase em que não estive tão presente na televisão, as pessoas diziam-me que nunca mais me viam, respondia: “Vá ao teatro, eu estou lá no ‘Chicago’ ou na ‘Avenida Q'”. Dá-nos asas para ir em várias direções.

Quando chega ao “clã” de Herman José, foi fácil encaixar-se?
Foi fácil tendo em conta que é um clã maravilhoso para trabalhar, que nos recebe de braços abertos. Temos só de aprender enquanto ficamos em silêncio. O Herman uma vez disse: “Esta rapariga é fantástica, morou e cresceu em Bruxelas, parece que não apanhou o avião para cá”. Como se estivesse sempre meio de férias. Não sei se é falta de consciência minha, o que faz com que não dramatize e me deixe tensa. Ou de não ter morado cá, sabendo perfeitamente a importância de nomes como o da Maria Rueff ou do Herman. Acho que é o meu subconsciente a funcionar de forma inversa para conseguir trabalhar, para estar lá com calma. Relativizo um pouco, na hora de gravar vejo só um ser humano. Não sei…

Tenta impor uma certa leveza no trabalho para não ser tudo demasiado.
Sim, é. Uma certa sobrevivência, porque chegar lá com um trabalho para fazer se não ter algo para propor… é uma sobrevivência boa. Gosto do imediatismo da televisão, de chegar ao programa e ter de fazer algo engraçado ou válido. Gosto de estar sempre à tona a tentar respirar. Mas depois vou para casa e penso na sorte que tenho em estar a ser dirigida pelo Herman.

Então essa vertigem é o que lhe dá verdadeira motivação.
A comédia é uma mistura de muita coisa que tem de dar certo, desde a escrita à forma de gravar em televisão, por exemplo. Até o realizador tem que ter um quê de comediante. Porque é preciso ter um efeito imediato no público que é o riso. No caso do Herman, já está tudo formatado há anos, é sempre sob a batuta dele. Ele é que comanda as tropas ali, não podia estar em melhores mãos.

Preocupa-a vestir bem a personagem ou entregar bem a piada?
Não tenho muito o chamado “método”.

"Nunca tenho certezas de nada. Acredito que por mais que nos preparemos, chega o momento, antes do “ação”, onde é preciso jogar com o que está à nossa frente"

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Há quem critique os atores do método…
Trabalho com pessoas que são extremamente metódicas, têm tudo anotado na folha. Eu, por outro lado, nunca tenho certezas de nada. Acredito que por mais que nos preparemos, chega o momento, antes do “ação”, onde é preciso jogar com o que está à nossa frente. Um ser humano que nos vai lançar uma deixa de uma forma que pode não ligar-se com o que preparámos em casa pode originar um diálogo desencontrado. Gosto de construir um esqueleto e ver o que o outro me pode dar, em qualquer formato. É isso que me faz vibrar.

Provavelmente não iria buscar esse “método” às novelas onde é tudo mais formatado.
Nas novelas há atores fantásticos e uma indústria montada que funciona dentro do que são as expectativas dos canais. Somos um meio pequeno, portanto, é tudo mais escasso, desde o dinheiro que se reverte em tempo, ou a falta dele. Não temos o retorno de países maiores como os EUA ou o Brasil. A nossa indústria está estudada para funcionar naquele tempo, daquela forma. E, por isso, não há tanto tempo de preparação, o que é pena. Acredito que os canais gostariam que fosse de outra forma. Para um ator, se souber bem driblar esses contratempos, é um ginásio. Já fiz novelas, gosto de fazer, não é um formato que coloque de parte, mas, sim, é um ginásio. Nas novelas, já experimentei várias técnicas. É o ir todos os dias exercitar-me como atriz, nove meses durante 12 horas, ficamos um pouco sem vida.

Não é obcecada com o trabalho? Procura tempo para respirar?
Sim. Agora, depois de estar uns bons meses a gravar o “Pôr do Sol”, mais outra série, exigi a mim própria ter um mês e meio de férias. É uma forma de respirar e voltar com outra leveza. Mas sou workaholic, sou. Se vier uma proposta de repente, espreito para ver, mesmo que esteja de férias. Aí sim, já tenho poder de escolha.

Agora sim, já tem.
“Agora sim” é relativo. Nada na vida é estanque. Agora está uma fase ótima, amanhã não sei.

Tem algum receio de ficar marcada com o registo cómico? Há pouca comédia em Portugal, especialmente em televisão, daí que também se explique o sucesso do “Pôr do Sol”.
Não tenho, não. Somos muito donos do nosso percurso, não acredito que alguém me possa impor o que seja. A não ser que esteja numa fase muito má e tudo o que vier à rede é peixe. Amanhã posso querer criar uma peça dramática com amigos e pô-la em cena. Já tenho confiança para propor coisas. O “Pôr do Sol” também foi isso: três amigos que se juntaram e chamaram pessoas para brincar com eles. As plataformas digitais estão aperceber-se que Portugal existe, tenho amigos que estão a propor projetos à Neflix. Já não há tanto o monopólio do ator que está em casa à espera. Achava que era assim, estar à espera de um telefonema ou de ser chamado. Hoje em dia já não acho, deve ser da idade.

É um processo evolutivo.
Sim, vamos tendo mais confiança. Portanto, tenho a certeza que não me vou deixar limitar ou ser encaixotada por outras pessoas.

Há uma possibilidade maior de estarmos presentes no mercado internacional?
Sim, as portas estão a abrir-se. Vou fazendo produções internacionais que vêm cá gravar, fiz um filme francês e outro alemão. É engraçado que o facto de ser bilingue ainda não me serviu. Vou sempre parar a projetos em que me pedem um sotaque francês mal falado. Dantes, havia a noção de que era preciso ir para fora para acontecer alguma coisa. Mas ainda tenho de trabalhar mais nisso.

"Não estava à espera deste buzz [com o 'Pôr do Sol'], mas também sou um pouco desligada. Fui sabendo por conversas com eles. Tive uma conversa com o Marco Delgado em que me perguntou: 'achas que as pessoas vão perceber?'"

No quê?
No internacionalizar-me. É uma pretensão, completamente. Neste momento quero afirmar-me cá,  também é bom dar-me a conhece no próprio país e depois sair. Até porque eventualmente é aqui que quero ter a minha base de trabalho e de vida.

Nunca equacionou ficar na Bélgica?
Já, já. Mas, sendo metade brasileira, também já equacionei ir viver para o Brasil.

Sim, disse-o numa entrevista televisiva, falou na possibilidade de entrar numa novela da Globo.
É mais ou menos uma brincadeira de que falo, mas têm uma qualidade fantástica. São peritos em novelas, gostaria de fazer algo que sempre vi desde miúda em casa. Até era uma homenagem à minha avó, que via desde sempre. Amo as séries, os filmes, os atores. Tendo vivido metade da vida fora e agora estando cá, já tenho o bichinho de querer mudar-me para outro sítio. Como fui bombardeada por várias culturas em Bruxelas e cá em Portugal somos muito portugueses…

O que é que isso quer dizer?
Até há uns cinco ou seis anos Portugal não estava no mapa do turismo ou do intercâmbio. Não era escolhido como local de residência por seis meses. Agora, no centro andamos por bairros que são literalmente franceses ou alemães. Entramos em cafés e ouvimos várias línguas. Em Bruxelas, por causa da Comissão Europeia, era uma evidência. Ando no metro e ouço quase tudo menos francês. Sinto falta dessa internacionalização. Cá, como estamos no cantinho da Europa, só se aperceberam depois que éramos um país extraordinário.

Mas prefere ir para o Brasil do que voltar para outro canto na Europa?
Nesta fase quero trabalhar noutra língua. E é-me indiferente o idioma, desde que o saiba falar. Pode ser França, Brasil ou Itália. Gosto de trabalhar com equipas que têm métodos diferentes dos nossos. E depois voltar para Portugal e dizer: aqui nós trabalhamos mesmo bem. O que é verdade, mesmo sem ser preciso ir lá para fora.

Estava à espera que “Pôr do Sol” fosse um sucesso tão grande? Que muita gente estivesse a falar sobre a série na internet, com a sua cara em memes todos os dias?
Não, não estávamos. Foi uma grande surpresa. Fizemos o projeto com muito amor à camisola e adoramos o texto desde o início. Ter um grupo de atores e, de repente, parar a cena porque nos esquecemos de uma frase, não é comum. Às vezes é um pouco ao contrário, deixa-se passar. Aqui havia bombons tão maravilhosos que queríamos pontuar tudo tal e qual como estava no texto. O Henrique Cardoso Dias fez um trabalho extraordinário. Percebemos logo de início. Não estava à espera deste buzz, mas também sou um pouco desligada. Fui sabendo por conversas com eles. Tive uma conversa com o Marco Delgado em que me perguntou: “Achas que as pessoas vão perceber?” E isto não é diminuir o povo português, mas é uma alucinação em esteroides tão grande… não sei. Não estávamos mesmo à espera.

A série não foi pensada toda a gente? Ou foi?
Tive muitas surpresas. No Instagram, que é a minha avaliação possível, tive famílias inteiras reunidas à espera de ver. Ou malta do Herman, que tinha igualmente gostado. O Henrique teve essa esperteza de agregar muita gente no texto, de ter um humor rápido e nonsense, que é mais para as gerações mais novas. Mas também tens uns regionalismos que até para mim, que estive fora, me surpreenderam. E depois o plot central que são as novelas, que vai buscar a geração mais velha. É um misto que deu muito certo.

No trabalho com Herman José, "ele é que comanda as tropas ali, não podia estar em melhores mãos"

Um conteúdo como este é o limite até onde a comédia pode ir? Esticar um pouco mais já estaria a ir para completamente fora de pé?
É sempre uma incógnita. Dá sempre para ir mais longe, mas depende do objetivo. Aqui não houve nenhum desse género, foi mais a vontade de nos divertirmos. Estávamos no meio da pandemia, com três homens crescidos que queriam divertir-se e a fazer coisas. E nem estavam com perspetivas de fazer algo profissionalmente nos próximos tempos. Depois fizemos o piloto em dezembro, no auge da pandemia, saímos todos de casa para fazer algo completamente absurdo. Sempre tive a certeza que íamos conseguir.

Porquê?
Sabia, chame-me bruxa, não sei. Sabia que era um produto que fazia falta, não que fossemos inventar o que quer que seja. Voltando à pouca oferta de comédia nos canais portugueses, acho que sim, é verdade, tem toda a razão. Não sei se são os tempos no mundo em geral, se está tudo mais cinzento, com pouco tempo para ver um lado mais solar.

A Cristina Ferreira foi buscar nomes como Eduardo Madeira ou Inês Aires Pereira. Aceitaria integrar uma dessas equipas dos programas da manhã?
Não me vejo de todo a fazer esse tipo de trabalho. Improviso é algo muito assustador e é para poucos. Para mim pelo menos é e não seria genial. Confesso que ainda não vi nada desses programas, só vejo pelo Instagram. Não teria interesse em mergulhar nessas águas.

Retomando o “Pôr do Sol”, a Gabriela é das poucas no elenco que vem desse registo. Foi mais fácil estar no mesmo registo ou mais difícil sair do estilo sketch?
É completamente a minha praia. Sobre os sketchs, a primeira vez que trabalhei foi num “Fim de Ano” do Herman José, e ele hoje diz-me que eu era muito verdinha, que não tinha um terço da graça que tenho agora. Fui aprendendo muito no “DDT” ou na “Patrulha da Noite”, a ver o Manuel Marques ou Eduardo Madeira. Ou mudam o tom de voz ou a forma física, o que me inspirou para construir as personagens. O sketch remete quase sempre para algo mais caricatural. Este humor do “Pôr do Sol”, eu adoro. Mal comparado com o “The Office”, por exemplo, é aquela ideia de dizer as maiores barbaridades com o ar mais natural do mundo. E esta foi a base, fazer isto com a maior das seriedades para poder desculpar o absurdo que dizemos. Já tive pessoas a dizer-me que achavam que só viam para rir, mas não, ficaram agarrados à trama. Querem saber quem matou quem, quem ressuscitou, quem engravidou quem.

É o efeito novela.
Sim. Fazemos com seriedade e por isso é que agarra o público. Eu mostrava os textos ao meu namorado e ele falava das várias punchlines, questionava o sumo. Eu também não sabia. Se resultasse, era golo.

Divertir-se e ser paga por isso, sem aquela pressão adicional.
Quando soubemos das audiências e dos números fantásticos, liguei quase a chorar ao Rui Melo, ao Henrique e ao Manuel Pureza. Não há felicidade maior do que fazer um projeto de raiz, pensado por amigos teus, onde és convidada, sem uma máquina por trás que está só a olhar para números e à procura de um êxito. Claro que a RTP está a procura de resultados, mas a verdade é que esse não foi o ponto de partida.

"A falta de regras está a tomar proporções um pouco erradas, estamos a esquecer a base do respeito uns pelos outros. Há muito egocentrismo e venda pessoal, as pessoas não estão muito interessadas em saber quem está à sua volta."

Também é um canal que não tem essa obrigação.
Certo, mas acho que não foi esse o ponto de partida. Não sei se apresentaram a outras televisões.  Mas é um orgulho que tenho, acreditámos e queríamos fazer.

Merecia uma segunda temporada?
Acho que sim.

Não vale mais fechar em beleza? As sequelas ou as segundas temporadas podem dar mau resultado.
Ainda há muito por onde brincar. Se vai ter o mesmo hype, pode ser que não.

Alguém sugeria no Twitter que este fosse um evento todos os meses de agosto.
Que maravilha. Há uma loja online, há malta a fazer posters artísticos ou a sugerir tramas da série. Acho ótimo.

Já alguém a reconheceu?
Sim. Reconhecem-me muito pelo Herman, mas aqui foi imediato. Foi o efeito novela que não tinha há muito tempo. Nas novelas aparecemos no segundo episódio e reconhecem-nos logo na rua. Mas também têm memória curta e esquecem-se de nós. Aqui não. E foram grupos muito diferentes.

Há uma espécie de segunda vida para muitos atores, através de uma presença digital. E espera-se que os artistas tomem posições sobre os mais variados temas. Olhando para as suas redes sociais, não vejo essa urgência. É um dilema para si não arriscar-se com uma posição? Ou seja, ficar no meio, a tentar perceber os lados?
Essa é uma pergunta com muitos pontos de interrogação. É uma posição difícil, primeiro porque nunca me expus muito. É claro que o mundo está completamente aí, e esse é um debate constante e interno. Tenho redes sociais, sim, por causa do meu trabalho, não me vejo como uma ativista, sou atriz. Tenho uma posição, crenças políticas, sociais, coisas que apoio e faço questão de apoiar. Mas são poucas. Não uso o meu Instagram para divulgar assuntos momentâneos de massa.

Já sentiu alguma pressão nessa área?
De amigos, sim. Perceberam que não era a minha onda. Mas nunca foi uma pressão muito grande. Se para as redes sociais é necessário colocar-nos em certas caixas, como ser vegan ou a favor dos animais, porque não ser diferente também? No que acredito mesmo, vou divulgando. Falar por falar, porque está tudo a falar sobre, não é algo que me diga muito.

Acaba por ser algo corajoso dizer-se que se é ignorante num tema, de que ainda não se sabe o suficiente já com 33 anos. Tem consciência disso e dos riscos?
Alguém me perguntou no outro dia sobre o Brasil. Tenho uma opinião muito leiga, porque não ando a ler a Veja ou a Folha de São Paulo, mas acho que o Jair Bolsonaro nunca deveria ter entrado. Mas, de repente, entrar em terrenos em que não sabemos debater porque não temos a informação toda, ficando numa conversa meio vaga, não me faz sentido. Se for sobre as vacinas, por exemplo, claro que devemos ir.

Todos temos um ponto de ebulição. O que é que a tira do sério?
Falta de educação, deixa-me louca. Lido muito, muito mal. Tenho receio destas novas gerações. E ainda não sou mãe, o que espero ser. Colocam-se os filhos num patamar muito alto, em que são os reis em casa, uns deuses. Uma coisa é ter personalidade e independência e criar pessoas que vão ditar o futuro com integridade, outra é criar ditadores e sem regras. Acho que a falta de regras está a tomar proporções um pouco erradas, estamos a esquecer a base do respeito uns pelos outros. Há muito egocentrismo e venda pessoal, as pessoas não estão muito interessadas em saber quem está à sua volta.

Acho que nunca fui para casa com uma personagem. Nunca levo ninguém para casa, volto sempre sozinha. Posso é voltar com um grau de excitação ou tristeza

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Isso de não se querer muito meter em política, foi porque houve muito debate na família nos tempos em que a sua mãe trabalhava na Comissão Europeia?
Não. Tenho amigos mais politizados e a minha família é bastante.

Às vezes os filhos querem fugir às saias dos pais.
Mas não. O meu pai é músico, por exemplo. É mesmo ter opiniões particulares, mas não ter estudado nada a fundo.

O núcleo familiar tem o lado artístico, o lado da mãe era mais sério? E foi bom para ter mais ferramentas para depois usar naquilo que é a sua profissão?
A minha mãe não é nada séria, é bem tresloucada. O meu pai sempre foi mais obviamente artístico. Chegou a ser ator, sempre fez teatrinhos em casa. A minha mãe teve uma vida profissional certinha, mas é completamente fora da caixa de cabeça, tal como a minha avó, que está completamente longe da geração dela. É uma mistura dos dois.

Não é, por isso, daqueles atores que foi contra os pais, que queriam que fosse médica.
Antes pelo contrário. Houve uma fase em que quis tirar um curso mais sério, de letras.

Cá?
Sim, fazer o quê? Não sei. Atriz só se desse certo. Nessa altura a minha mãe ligou-me a gritar e a dizer para ir logo fazer as provas para o Conservatório. Devo-lhe isso. Ano sim, ano não, tenho eternamente a conversa de mudar de área, que não é isto que quero. E a minha mãe acalma-me, manda-me beber um chá.

Quando tem esse dilema, o  que é que lhe vem à cabeça?
É uma profissão muito incerta. Tenho tido muita sorte, mas nada é estanque, mais uma vez. Há momentos em que estamos dois, três meses, em que não vemos dinheiro a entrar. A pensar que devia ter um emprego certo, onde me pagassem seguro de saúde e a Segurança Social.

Qual foi o seu percurso académico?
Nunca acabei nenhum curso. Podemos falar sobre a minha eterna incapacidade de terminar coisas. Entrei na Act, estive também numa escola profissional que já não existe, entrei para o Conservatório, fui fazer os “Morangos com Açúcar”, voltei para o Conservatório, e depois fui chamada para uma novela. Aí pensei que já chegava, que tinha de ir trabalhar. Não tem corrido mal.

Gostava de retomar os estudos?
Não. Na minha altura, o Conservatório estava muito mal estruturado. Não me compensava passar lá 9 horas do dia, a recusar trabalho. Hoje em dia parece-me igual.

Não sente necessidade de voltar a estudar?
Sinto, claro. Estudar envolve questionamento, voltar a revisitar coisas que deitei fora ou técnicas que nunca tive. Abrir a mente, acho isso extraordinário. Mas não faria um curso de três anos que me impedisse de trabalhar. No Conservatório isso não era possível. Não me vejo estar sem trabalhar aos 33 anos durante tanto tempo.

Então e a música? Vi algures que tinha um álbum adiado.
Isso já foi há tanto tempo…

Não veio?
Não veio.

Chegou a gravar?
Sim. Talvez o lance noutra fase na vida.

Mas profissionalmente é assunto arrumado?
É mais fácil integrar a música na representação, nos musicais ou noutros projetos. É muito difícil. Aplaudo de pé os músicos que deram certo. É um país pequeno, com retorno igual. Para se conseguir manter na música, arrisco-me a dizer que é mais difícil do que representar. Fazer um álbum, investir, não ganhar dinheiro, fazer a tourné num país que é um território fechado. Se quiser fazer uma pop ligeira portuguesa tenho Portugal e pouco mais. É difícil vingar.

"Se alguma coisa nos é feita, se alguma abordagem fora do normal acontece, já pensamos que estamos a exagerar. Hoje em dia é engraçado porque somos assobiadas na mesma. Mas se reagimos, a pessoa já não olha, já não encara."

Temos falado muito sobre o papel da mulher nesta e noutras indústrias, não só sobre as questões de assédio sexual, mas também na parte dos salários, por exemplo. Acha que essa conversa neste país trará alguma mudança? Ou ficará como um assunto comentado na espuma dos dias e nada mais? Sei que estou a fazer aquilo que não gosta…
Não, não. Depende dos temas. Não fico em cima do muro sobre todos os assuntos. Acho que os homens devem estar nesta conversa. Queremos partilhar isto com homens que estão na pura ignorância de que estas coisas acontecem. Acho que não conheço uma única mulher, em todos os postos de trabalho, que não tenha uma história de algum tipo de assédio ou aproximação. É importantíssimo falar sobre isto, para os homens que nunca pensaram em nada, mas que estão na pura ignorância. Há uma diferença entre ser homem e ser mulher. Existe uma formatação do seu próprio posicionamento em sociedade. É importante para desconstruir as nossas cabeças. Às vezes ouve-se o o “ai que exagero”, não o será para quem está no escuro ou para quem viveu isto. Tudo tem de ser falado, mesmo que se ergam bandeiras a mais. Faz sentido para se entrar na cabeça. Portugal é perito em pôr debaixo do tapete. Estas conversas no Brasil já acontecem há 8 anos no local de trabalho entre as mulheres. E aqui, mesmo aí, é falado pela calada. Como o meio é muito pequeno, de facto, se relatarmos um caso particular, sabemos que podemos fechar algumas portas. E algumas podem significar todas, porque cá são poucas. É um debate delicado, mas só pode haver mudança com uma revolução, seja ela qual for. Amansar a situação não é uma possibilidade, parece-me.

Já chegou a ser prejudicada?
Não.

E pode dizer-se que existe uma cultura de assédio e machista dentro da indústria?
Há, sem dúvida. Mesmo fora do trabalho. As mulheres estão sempre na posição das loucas. De tal maneira que se alguma coisa nos é feita, se alguma abordagem fora do normal acontece, já pensamos que estamos a exagerar. Do outro lado, a partir do momento em que alguém é desmascarado, posso imediatamente dizer que a mulher que denuncia é louca. É um jogo recorrente e óbvio, do qual nunca se sai. São sempre situações muito dúbias. Já vivi, sim, fora do trabalho. E mesmo dentro são aproximações muito dúbias, de algo que foi dito fora de tom, ficamos a achar que é da nossa cabeça. Hoje em dia é engraçado porque somos assobiadas na mesma. Mas se reagimos, a pessoa já não olha, já não encara.

Já se faz frente.
Eu faço. Sou a louca que grita de volta. O debate tem de se fazer.

Nessa loucura, e para quem está sempre a vestir mil personagens, como se faz para largar um boneco e ir para casa descansado?
Acho que nunca fui para casa com uma personagem. Nunca levo ninguém para casa, volto sempre sozinha. Posso é voltar com um grau de excitação ou tristeza. Quando puxo uma cena de choro durante três horas porque,em personagem, perdi a mãe, claro que isso vai afetar o meu estado anímico o resto da tarde. Mas “dispo-me” bastante rápido. Há quem esteja em método fora do trabalho, mas não conseguiria. talvez seja preguiçosa, mas não consigo.

Assine o Observador a partir de 0,18€/ dia

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Vivemos tempos interessantes e importantes

Se 1% dos nossos leitores assinasse o Observador, conseguiríamos aumentar ainda mais o nosso investimento no escrutínio dos poderes públicos e na capacidade de explicarmos todas as crises – as nacionais e as internacionais. Hoje como nunca é essencial apoiar o jornalismo independente para estar bem informado. Torne-se assinante a partir de 0,18€/ dia.

Ver planos