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A vontade de uns poucos galegos

Dia 9 de novembro a Catalunha vai realizar um referendo que Mariano Rajoy afirmou ser "inconstitucional". Alguns galegos, poucos, esfregam as mãos à espera da independência da Catalunha.

O anúncio foi feito pelo presidente da Generalitat da Catalunha, Artur Mas. A data para o referendo e a pergunta estavam escolhidas: “Quer que a Catalunha seja um Estado?” Na reação, Mariano Rajoy, o primeiro-ministro de Espanha, afirmou que este referendo “é inconstitucional e não se vai realizar.”

Para já, ainda faltam mais de três meses e o referendo continua com data marcada para 9 de novembro. O País Basco segue de perto todas as novidades, querem ser a seguir. E ao longe, alguns galegos esfregam as mãos. São poucos, mas acreditam que se a Catalunha se tornar independente, podem vir a receber o impulso por que ansiavam para reacender a nacionalismo galego. Falam da opressão durante a ditadura de Franco, do “imperialismo” económico de Espanha e do direito à auto-determinação. Queixam-se de serem perseguidos, de serem acusados de terrorismo.

Em 50 anos de atividade política, o BNG nunca teve mais do que dois deputados no parlamento espanhol. “O nacionalismo galego é muito limitado”

Em 1964, com o nascimento do partido político de extrema-esquerda Bloco Nacionalista Galego (BNG), surgiram os primeiros nacionalismos na Galiza. Contudo, “nunca expressaram claramente a intenção de ser independentistas”, conta Manuel Marquez, especialista na Transição Democrática espanhola da Universidade Complutense de Madrid.

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Em 50 anos de atividade política, o BNG nunca teve mais do que dois deputados no parlamento espanhol. “O nacionalismo galego é muito limitado”, explica. Há quatro anos, o BNG saiu do grupo parlamentar de que fazia parte e perdeu ainda mais relevância. Na Galiza, sobraram outros partidos, movimentos, mais pequenos, “quase insignificantes”. É fácil encontra-los nas paredes de Vigo. Os Cartazes e graffittties destes movimentos minoritários, estão em todo o lado. O Observador foi à procura dos independentistas galegos.

Na Galiza,“ser independentista é de pobre”

Nos jardins da praça de Compostela, em Vigo, está a decorrer uma sessão popular do Podemos, o terramoto político encabeçado pelo académico Pablo Iglesias que aconteceu nas eleições para o Parlamento Europeu. Semanas depois da surpresa eleitoral, os deputados locais promovem uma sessão para criarem “círculos de contactos e ajuda” na comunidade local.

Mas Daniel não é tão otimista ao ponto de achar que a Galiza podia sobreviver sozinha. “Como país independente íamos ter pouca força. Não temos uma grande indústria, nem somos uma comunidade com muita força económica”, confessa.

Daniel Iglesias, 20 anos, estudante de ciências e tecnologia, anda de um lado para o outro a distribuir panfletos do partido. “Crescer na Galiza é muito complicado, não temos quase nenhumas oportunidades”, conta o jovem, lembrando que essa foi uma das razões pelas quais se juntou ao Podemos. “Nós [galegos] sempre estivemos um pouco isolados de Espanha”, conta.

Daniel Iglesias.

Tal como o País Basco e a Catalunha, a Galiza tem uma cultura e língua própria, sendo que ambos aspectos foram muito atacados durante os anos da ditadura de Franco. “Proibiu-nos de falar galego”, lembra Daniel. Esta é uma das razões que ainda hoje leva muitos dos amigos de Daniel a juntarem-se à causa independentista. “Eles não se revêem como espanhóis.” Mas Daniel não é tão otimista ao ponto de achar que a Galiza podia sobreviver sozinha. “Como país independente íamos ter pouca força. Não temos uma grande indústria, nem somos uma comunidade com muita força económica”, confessa.

Tânia Reicha, que andava a passear no parque, também tem memórias do franquismo. Quando andava na escola, tinha vergonha de falar galego, lembra. Em casa, não se podia falar de política. “Não se pode esquecer isto”, diz a realizadora de televisão com 39 anos. Esquecer o que foi tão duro para a família, as dificuldades que passaram por manter uma identidade cultural. Mas a imagem que tem hoje de Espanha não é melhor: “É horrível. Notam-se resquícios do franquismo. E os jovens nem sabem quem ele foi!”, acusa, tendo por base a experiência de percorrer o país em trabalho.

Para a realizadora, quem podia lutar pela cultura galega não está presente. “Estão em Madrid, na Catalunha, em qualquer lugar”, diz, ao falar dos jovens. A grande maioria da população galega é idosa, não tem força para lutar pelo independentismo. “A direita comprou os votos aos pobres e velhos”, acusa. E o que se está a passar na Catalunha é um espelho para os galegos. “A Catalunha consegue sobreviver sozinha. Tem uma economia capaz disso.”

“Preparei alguns cocktails molotov”, conta, como se fosse algo normal de fazer perante a situação que enfrentava. “Consideramos [militantes do NOS] que todos os métodos de luta são válidos para alcançarmos o nosso propósito de ter a nossa nação”

Consegue imaginar a Galiza independente? “Não, nunca. Se a juventude voltasse para aqui, lutar pela nossa história, seria fantástico. Mas não consigo imaginar.”

Um café com “três revolucionários”

Um homem barrigudo de polo vermelho, meio desajeitado ao andar, aparece ao virar da esquina da praça do Sol. Aproxima-se a sorrir. Pede, de forma simpática, companhia até um café mais recatado, “menos central”. Telmo Varela, 59 anos, está desempregado, e é membro do NOS – Unidade Popular, um partido político que aglomera movimentos independentistas da Galiza. Numa mesa de esplanada de um café, esperavam Lucia Liros, militante da Briga, acção juvenil da esquerda independentista, e Lara González, responsável pelo movimento feminista dentro do NOS. Os três, que se autodenominam revolucionários, pediram para beber café com leite.

Telmo é um ex-electricista do sector naval. Em 2010, quando os estaleiros de Vigo sofreram imensos cortes e reduziram a sua produção, revoltou-se. “Preparei alguns cocktails molotov”, conta, como se fosse algo normal de fazer perante a situação que enfrentava. “Consideramos [militantes do NOS] que todos os métodos de luta são válidos para alcançarmos o nosso propósito de ter a nossa nação”, afirma. À custa dos cocktails molotov, Telmo esteve preso durante dois anos, sob acusação de terrorismo – nunca os chegou a utilizar. Mas para ele, foi tudo uma conspiração por ele ser independentista. “Na cadeia nunca te dizem que te metem lá por ideias políticas”, afirma.

Telmo Varela

Telmo mostra-se revoltado, com as veias empoladas, pouco sorridente. “Existem presos políticos bascos. Existem presos políticos catalães. E existem presos políticos galegos. Porquê? Somos as três nações que estão oprimidas pelo Estado espanhol”, afirma de forma convicta. Bebe um pouco do café e acrescenta: “No tempo de Franco, ao menos, era às claras.”

Lara e Lucia têm uma história semelhante, ambas imigraram aos 18 anos para Madrid. Na capital descobriram o que realmente eram: galegas, não espanholas. “Somos culturas totalmente diferentes”, diz Lara. Não gostaram da forma como eram tratadas, da língua, das frases feitas sobre o que “é ser galego”. Na perspectiva estudantil de Lucia, “o imperialismo espanhol” faz com que os jovens emigrem e sejam precários. O ensino também não ajuda. “É mais fácil um aluno saber um rio da Catalunha que da Galiza”, critica.

Está montado um palco na praça do Sol, ao fundo da Rua do Príncipe, em Vigo. Vão atuar as “Tetas band” que tocam “punk clitoriano”. Pelo menos, é o que anunciam em palco.

Lara, que cresceu já numa família independentista, está mais ligada às questões de género. Tem tatuado no ombro do braço esquerdo uma mulher guerrilheira, que tem escrito nos contornos: “Mulher bonita é a que melhor luta.” A feminista acredita que é possível “educar os galegos de modo a tornar a Galiza economicamente viável”.

Há pouco mais de um mês, segundo Lara, começou em Compostela o julgamento de “12 militantes do soberania deste país [Galiza]”, por “simplesmente terem saído às ruas em 2008, no dia 8 de fevereiro. Estão a ser julgados com penas cumulativas de 45 anos de prisão e a 30 mil euros de multas. Lara parece desiludida ao contar todos estes detalhes. “Vejo Espanha como uma realidade que não existe. Com uma falsa transição da ditadura para esta pseudo-democracia”, afirma.

Uma república “feminista”

Está montado um palco na praça do Sol, ao fundo da Rua do Príncipe, em Vigo. Vão atuar as “Tetas band” que tocam “punk clitoriano”. Pelo menos, é o que anunciam em palco. Naquele domingo, ocorreram manifestações por toda a Espanha contra a possibilidade de “mudanças à lei do aborto.”

Perecia Orquico, 57 anos, aparece em passo de corrida, em direção ao palco, ao mesmo tempo que passeia o cão. Parecia fala português fluente. Em 1988, esteve em Lisboa, na escola de saúde pública. “Desde que tenho 17 anos que decidi ser nacionalista. O independentismo não deixa de ser mais um capítulo do nacionalismo”, confessa.

Os pais de Pericia são originários da Catalunha e mudaram-se para a Galiza para fugirem de “represálias dos fascistas”. “O meu pai tinha lutado pelos republicanos”, conta. Quanto à hipótese da Galiza vir a ser independente em breve, Pericia acha que a ideia é boa “como horizonte”, mas não acredita que seja este o momento.

Não muito longe do palco, estão dois jovens sentados no chão à espera do concerto. Olaia Barro, 31 anos, e António Peleteiro, 29 anos, falam em consonância, quando dizem que se sentem galegos. Mas têm dúvidas quanto ao movimento independentista.“Não sei se é muito numeroso ou não, mas se eles acham que conseguem…”, diz Olaia. António interrompe e acrescenta: “Acham que são capazes de não se insubordinarem às decisões económicas que acontecem em Madrid.” É na economia que todos os galegos encontram o maior ponto fraco do movimentos independentista e maior diferença com a Catalunha. É isto que Olaia e António lembram. Os principais problemas estão na forma como é gerida a energia éolica na região e a questão das pescas — que ficou “profundamente afectada” com o incidente com o derrame de petróleo do navio Prestige na costa da Galiza, que também afectou Portugal.

António acha que os galegos deviam ter a oportunidade de decidir. “A partir daí, já é bastante.” Olaia não pára para pensar: “Tal como as mulheres devem ter o direito de abortar livremente, também acho que as pessoas e povos devem ter o direito de decidir o que querem fazer e ser.” Olaia pára um pouco para pensar e diz: “Posso dizer uma coisa que me lembrei? Acho que o movimento independentista está a aumentar, porque está a ser mais perseguido. Estão a inventar-se terroristas… Todos aqueles que agora sejam independentistas ou nacionalistas, são terroristas. O que está a fazer com que o povo una-se mais.”

Um líder precavido

Carlos Moraes, dirigente do NOS – Unidade Popular, tem um brinco na orelha direita com forma de estrela, a mesma estrela que aparece nas bandeiras independentistas da Galiza. Chamá-lo de espanhol seria um insulto. “Sou espanhol por imperativo legal. Mas o que eu sou é galego. Quando falo do meu país, falo da Galiza.” Até quando voa para fora do país, opta por voar de Lisboa. O encontro é num café de um dos bairros periféricos de Vigo.

E quanto à perseguição aos independentistas? “Ainda ontem prenderam a Maria Osorio López, uma camarada da nossa luta, sob acusação de ser terrorista.” Maria López, membro da resistência Galega, era procurada por fabricar explosivos e falsificação de documentos.

O NOS nasceu em 2001, com o objectivo de agregar todos os movimentos de esquerda independentista que existem na Galiza. Carlos tira da mochila uma série de jornais e livros. “Guarda”, diz, como se tivesse acabado de passar informações secretas – eram jornais propagandistas do movimento independentista.

De acordo com o dirigente do NOS, a “Galiza está a enfrentar uma perda colectiva do país” devido ao “capitalismo selvagem” com que Espanha é gerida “por Bruxelas.” “Estes problemas só podem ser resolvidos ser conseguirmos a nossa soberania”, diz. Mas qual é adesão real da população? Nas últimas eleições locais e europeias, o NOS nem concorreu. “As análises não se podem fazer assim”, defende, “temos um incremento de participação, mas, mesmo assim, somos uma força modesta.” Nos finais dos anos 1990, os movimentos independentistas da Galiza conseguiram alcançar quase 20% dos votos. Hoje, não aparecem nos boletins.

Carlos Moraes.

E quanto à perseguição aos independentistas? “Ainda ontem prenderam a Maria Osorio López, uma camarada da nossa luta, sob acusação de ser terrorista.” Maria López, membro da resistência Galega, era procurada por fabricar explosivos e falsificação de documentos. Perto do palco onde ocorreu o concerto da “Tetas Band” existia uma faixa que pedia a libertação da cidadã galega. Em 2011, também já existiram denúncias de que militantes extremistas do independentismo galego estariam a morar no norte de Portugal, na zona do Minho.

Carlos é crente na independência da Catalunha, “é inevitável.” “A burguesia catalã é um dos principais impulsionadores do processo independentista, por isso acho que eles vão conseguir”, diz. Existe a possibilidade de que o governo espanhol evite o referendo. Manuel Marquez, o especialista da Universidade Complutense de Madrid, acredita que o estado espanhol não vai deixar que se realize. Porém, isso pode vir a ter um “efeito publicitário” da causa.

“Só vai atrasar, quanto muito.”, afirma Carlos. Nem figuras como Pablo Iglesias, do Podemos, parecem captar a esperança de um governo de esquerda. “Desde quando é que um revolucionário pode aceder a todas as televisões públicas?”, questiona. Carlos Moraes sorri e esfrega as mãos, para tirar as migalhas do que tinha estado a comer. Os galegos à procura da independência vão continuar a ser poucos, disso Carlos não tem dúvidas. “Mas se a Catalunha conseguir, as nossas hipóteses vão melhorar muito.”

 

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