Um partido a precisar de fôlego renovado. Depois de um arranque de legislatura muito conturbado, que fez os socialistas suspirarem, nos bastidores, por uma nova fase que viesse injetar energias renovadas no PS, é isso mesmo que o partido vai tentar fazer, na espécie de rentrée reforçada que está a preparar. A fórmula: muitos dias de painéis e discursos, uma agenda intensiva – na tentativa de marcar a agenda – e a esperança de mostrar um Governo e um partido “vitaminados”.
Segundo as informações confirmadas ao Observador por fonte oficial do partido, o primeiro dos eventos – a Academia Socialista, que decorrerá de 7 a 11 de setembro – contará com convidados nacionais e internacionais, quase todos próximos da área do PS. Entre estes destacam-se os nomes de Paolo Gentiloni, antigo primeiro-ministro italiano e comissário europeu, que fará uma intervenção sobre os desafios económicos da atualidade no dia 8 de setembro; Luís Paixão Martins, o consultor de comunicação veterano que esteve envolvido na última campanha do PS, precisamente para uma intervenção em que promete ensinar como se “ganha e perde” eleições, marcada para o mesmo dia; ou Iratxe García Pérez, líder grupo da família europeia do PS, os Socialistas & Democratas, no Parlamento Europeu, que falará no dia 9 sobre um “futuro progressista para a Europa”.
O Governo marcará presença q.b. nos painéis da academia – são esperadas presenças do ministro da Economia, António Costa Silva, para falar de economia e crescimento; e da ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, que dividirá um painel com a socialista e presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Luísa Salgueiro, o que permitirá ao Executivo ter um palco para puxar pelo difícil acordo para a descentralização, que finalmente avançou em julho, depois de uma série de cedências às exigências dos autarcas.
A academia será aberta pelo presidente do PS, Carlos César, e contará ainda com a presença de alguns senadores do PS, como Manuel Alegre (que está de volta ao Conselho de Estado) e o ex-ministro e dirigente José António Vieira da Silva. No programa consta também o nome do presidente da SEDES, o antigo segurista Álvaro Beleza.
A delegação de eurodeputados do PS esteve envolvida na organização da Academia e associa-se mais visivelmente ao evento com a participação de Pedro Marques, Maria Manuel Leitão Marques e Manuel Pizarro, e o mesmo acontece com a Juventude Socialista, com o líder, Miguel Costa Matos, a intervir num dos painéis; incluem-se também nomes mais associados à sociedade civil, como Maria Manuel Mota, diretora do Instituto de Medicina Molecular, ou Luísa Schmidt, investigadora na Universidade de Lisboa.
“A maior rentrée desde a fonte luminosa” ou “um suplemento” para o Governo?
É com este painel que este ano, o primeiro em que reentra na política nacional depois da ida a banhos com uma maioria absoluta em mãos, o PS quer mesmo fazer de setembro uma espécie de recomeço. Por isso, começará com uma rentrée de praticamente uma semana, pensada para ter pontos de interesse (inclusivamente mediáticos) distribuídos pelos vários dias. Em vários atos: desta vez, o normal comício de rentrée dará lugar a uma academia para jovens, um comício com António Costa e umas jornadas parlamentares, tudo de seguida.
“É a maior rentrée desde a fonte luminosa”, ironiza, nos bastidores, um dirigente local do PS, em conversa com o Observador. Outros criticam a “falsa mobilização”, por ter mais a ver com os “gastos” que o partido vai assumir para passar uma imagem vivaça do que com um entusiasmo real que leve os militantes a participar na vida interna do partido.
Ainda assim, no PS há muito quem já suspirasse há meses por uma viragem de página, pelo que o plano é genericamente bem visto. “O formato mudou. Não é a típica rentrée de comício”, explica um dirigente nacional ao Observador, justificando a mudança: “O Governo precisa de ser vitaminado. É esse o suplemento que se pretende dar…”.
A dose de vitaminas começará logo pelo local escolhido, que, notam dirigentes nacionais, é simbólico para o PS: todos os eventos, da academia para jovens às jornadas parlamentares, decorrerão dentro do distrito de Leiria – que o PS ganhou, pela primeira vez, nas eleições de 30 de janeiro.
É lá que começará a Academia Socialista, no dia 7, na Batalha, que consistirá numa série de dias de “debate e reflexão” sobre “temas políticos da atualidade”, com 80 jovens que também podem não ser filiados no PS ou na JS.
Os dias de academia acabarão a 11, com o comício final, em que discursará António Costa. Mas a rentrée não ficará por aí, uma vez que se colará ao início das jornadas parlamentares do PS, a 12 e 13, marcadas também para o distrito de Leiria – o que significa que os socialistas passarão praticamente uma semana a “reentrar” no ano político e a esforçarem-se por marcar a agenda nacional.
PS e Governo antecipam meses “intensos”
A razão para a aposta num regresso tão frenético? Mostrar que “o partido está bastante vivo”, argumenta um dirigente nacional, frisando que o PS vai ter um último quadrimestre “muito intenso”, a nível governativo e partidário.
Intenso e, provavelmente, difícil. No Governo, António Costa já foi deixando sinais de querer apostar nesta reanimação. Depois de meses a ouvir críticas públicas sobre as polémicas dentro e fora do Governo – das crises no SNS e as falhas nas urgências, que continuam um tema bem atual, a culminar no desentendimento muito público entre Costa e Pedro Nuno Santos – o partido começou a fazer eco das mesmas queixas, agora dentro de portas.
Costa fora, desamparo no PS. Socialistas alertam para falta de coordenação e “cansaço”
As queixas de falta de coordenação e de desorientação – atribuídas também, em parte, às ausências de António Costa nos seus périplos europeus, por quem acredita que o Governo feito à base de sucessores e com poucos pesos pesados políticos não tem uma rede forte o suficiente para aguentar firme sem o primeiro-ministro ao leme – multiplicaram-se em vários setores do PS.
E foi também por isso que parte do partido viu com agrado Costa tomar as rédeas da pasta dos incêndios, uma frente que podia até agora ter complicado mais a vida ao Governo. Aqui, o Executivo tem aproveitado a cobertura que o Presidente da República lhe tem assegurado, mostrando que aprova, pelo menos até ver, a sua estratégia de combate e preferindo um clima de “unidade” política nestas matérias.
Costa usa experiência da pandemia para se tornar comandante-chefe de um país a arder
Costa pareceu querer dar o sinal do recomeço mesmo antes de ir de férias, quando decidiu organizar um Conselho de Ministros informal na Base Naval do Alfeite, com vários resultados: por um lado, o lançamento do processo de construção do próximo Orçamento do Estado e do pacote de apoios a famílias e empresas que Costa prometeu para setembro, e com o qual o PS espera responder às exigências colocadas pela espiral inflacionista, uma vez que é um dos temas que mais pesam no bolso dos portugueses – logo, dos que mais desgastam o Governo também.
Por outro, uma série de fotografias dos membros do Governo, em modo descontraído, a atravessar o rio, de coletes postos, num dia de sol, assumindo que os quatro meses iniciais do Governo foram “muito ativos e exigentes”, mas o dia de “reflexão e análise política e prospetiva para os próximos meses” tinha sido “muito enriquecedora”.
Tivemos hoje uma intensa jornada. A reunião informal de Ministros, que decorreu na Base Naval do Alfeite, foi extremamente útil e produtiva. pic.twitter.com/Lmrl2ZH4q0
— António Costa (@antoniocostapm) July 23, 2022
Agora começam os próximos passos: lançar, na prática, esses próximos meses. Na frente orçamental e nos apoios às famílias e empresas, o Governo terá muito que fazer, enquanto espera fechar o ciclo dos incêndios sem grande mácula – o que, depois do trauma de 2017, significa essencialmente salvaguardar vidas humanas.
Na frente partidária, avizinham-se as eleições para a liderança das federações do PS por todo o país, que, não fosse o chumbo inesperado do último Orçamento do Estado, já deveriam ter acontecido. Aqui, a esperança dos dirigentes é uma: que as habituais lutas internas dêem um descanso ao líder e não saltem para as páginas dos jornais, numa altura em que interessa, como resume ao Observador um dirigente nacional, mostrar que mesmo em maioria absoluta o PS consegue, afinal, manter-se “com uma vida própria e intensa” – mas sobretudo unido.
Pedro Nuno sólido na luta pelo controlo do PS, mas ninguém quer fragilizar Costa
Até porque, se o PS sabe que os primeiros meses de governação tiveram um estranho cheiro a fim de ciclo, sabe também que a próxima tarefa é apresentar-se fresco e arejado. O ano político só agora começa e, na cabeça de muitos, as responsabilidades da maioria absoluta – depois de uma falsa de partida de quatro meses muito acidentados – também.