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Um mês após elegerem Emmanuel Macron como Presidente para os próximos cinco anos, os franceses voltam, este domingo, às urnas. Desta feita, o objetivo é eleger os 577 deputados que constituem a Assembleia Nacional, a câmara baixa do Parlamento de França. Após umas eleições que viram a esquerda obter um resultado aquém das expectativas e a extrema-direita a conseguir o seu melhor resultado de sempre, o atual chefe de Estado enfrenta mais uma prova de fogo, que ditará o futuro do seu mandato.
Atualmente, o Presidente francês, que também desempenha as funções de chefe de governo, dispõe de uma confortável maioria na Assembleia Nacional — o seu partido, La République En Marche!, detém a maior parte dos assentos parlamentares juntamente com outras duas forças partidárias do mesmo espetro político. A consequência? Emmanuel Macron governa praticamente sem oposição.
Porém, os derrotados das últimas presidenciais estão a fazer um esforço adicional para condicionar a atuação do Presidente francês. Embora as eleições do próximo domingo sejam apenas a primeira de duas voltas, serão fundamentais para delinear tendências — e entender qual será o desfecho no dia 19 de junho.
Se a coligação liderada pelo La République En Marche! conseguir vencer as legislativas, o Presidente francês terá via verde para implementar a sua agenda. Pelo contrário, se uma força partidária antagonista ganhar o ato eleitoral, Emmanuel Macron será obrigado a sujeitar-se a um período de coabitação com um primeiro-ministro de uma fação política diferente. Em vez da maioria que marcou os últimos cinco anos, o próximo mandato do chefe de Estado francês terá de ser construído em redor de soluções de compromisso.
A gerigonça francesa que junta comunistas e socialistas
Foi uma aliança improvável, mas talvez fruto das circunstâncias. Para a eleição do próximo domingo, várias forças de esquerda — como os comunistas, os Verdes e os socialistas — decidiram agregar-se na NUPES, a Nova União Popular Ecologista e Social. A cara desta coligação eleitoral é o líder do partido de esquerda França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon.
As últimas presidenciais francesas podem ser interpretadas como um dos motivos pelo quais a esquerda se uniu. Tal como em 2017, os partidos de esquerda ficaram fora da segunda ronda das presidenciais, abrindo espaço para a extrema-direita e para a vitória de Emmanuel Macron.
O Partido Socialista, que já não está no poder desde 2017 com a saída do ex-Presidente François Hollande, assumia o papel de partido central no cenário político francês. Confirmando a erosão que sofrera nos últimos anos, o PS obteve o seu pior resultado de sempre na primeira ronda das presidenciais, não indo além dos 1,75%. Mesmo tendo como candidata a presidente da câmara de Paris — Anne Hidalgo —, o partido não cativou o eleitorado, tendo sido ultrapassado pelo Partido Comunista, pelos Verdes e pelo França Insubmissa.
Em termos gerais, o único partido de esquerda que se afirmou enquanto alternativa nas últimas eleições foi o França Insubmissa, que mordeu os calcanhares a Marine Le Pen. A força liderada por Jean-Luc Mélenchon reuniu 21,95% dos votos (contra 23,15% da candidata da extrema-direita) e falhou por pouco mais de um ponto percentual a passagem à segunda ronda.
Face à debilidade do PS, e com o ímpeto que ganhou com o resultado nas presidenciais, Jean-Luc Mélenchon pretende tornar-se o próximo primeiro-ministro francês, adotando uma agenda mais ecologista e social. Naquele que poderá vir a ser o maior desafio da sua carreira política, o líder do França Insubmissa encara estas eleições como uma “terceira ronda” das presidenciais, tendo toda a esquerda ao seu lado.
“Poderemos derrotar o senhor Macron e escolher um novo caminho”, declarou Jean-Luc Mélenchon após a formalização da aliança entre o seu partido e os comunistas, garantindo que ainda “é possível alcançar um novo mundo, se elegermos uma maioria — fixem as minhas palavras —, uma maioria de deputados de uma nova união popular que vai crescer”. “Peço-vos que me elejam como primeiro-ministro. O que vos peço é que abram um novo capítulo para o nosso povo”, apelou.
O líder comunista francês, Fabien Roussel, expressa o mesmo desejo, lembrando uma altura histórica em que a esquerda também se uniu — e ganhou as eleições. Sob a égide de Léon Blum, a aliança que juntava comunistas e socialistas também triunfou no ato eleitoral de 1936, numa época em que a Europa assistia ao crescimento de movimentos de índole fascista. “A 3 de maio de 1936, a Frente Popular venceu as eleições legislativas. A 3 de maio de 2022, juntamo-nos numa Nova União Popular Ecológica e Social. Juntos, vamos escrever a história, ganhando estas eleições legislativas”, escreveu o secretário-geral do Partido Comunista Francês na sua conta pessoal do Twitter.
Le 3 mai 1936, le Front Populaire gagnait les élections législatives.
Le 3 mai 2022, nous nous rassemblons au sein d’une Nouvelle Union Populaire Écologique et Sociale.
Ensemble, écrivons l’Histoire en gagnant ces élections législatives. pic.twitter.com/P3p6uBj0QS
— Fabien Roussel (@Fabien_Roussel) May 3, 2022
O exemplo que foi usado por Fabien Roussel não correu, no entanto, de feição. Em 1938, a Frente Popular desagregou-se devido a diferenças ideológicas entre socialistas e comunistas. Embora o contexto atual seja diferente, há já alguns sinais de que nem toda a esquerda concorda com este rumo. Várias personalidades do PS francês deixaram bem evidente o seu desagrado com esta solução. Por exemplo, a presidente da câmara de Paris disse que o acordo não “respeita as pessoas”, não trazendo as “garantias necessárias sobre a NATO, a Europa e a laicidade”.
Marine Le Pen com uma ‘indigestão’ por conta dos bons resultados das presidenciais?
A candidata da União Nacional perdeu a segunda ronda das últimas presidenciais. Sem embargo, não deixou de ser uma derrota com uma nota positiva — Marine Le Pen conseguiu o melhor resultado de sempre para a extrema-direita francesa angariando mais de 13 milhões de votos. Embora partilhando eleitorado no mesmo espetro político que Éric Zemmour, Le Pen continua a ser a candidata com melhores condições para derrotar Macron.
O objetivo seria tentar replicar um resultado idêntico às presidenciais, mas Marine Le Pen está menos motivada. “Acabei de comer um javali, não vou comer outro já”, comentou a candidata em frente a um grupo de executivos em declarações citadas pelo Le Monde. “Não é a mesma eleição, não é o mesmo assunto, não há a mesma energia nem a mesma motivação”, reconheceu também Jean-Philippe Tanguy, um dos candidatos a deputado pela União Nacional.
“A lógica institucional favorece uma maioria para o Presidente da República. Aqueles que dizem o contrário estão a contar histórias”, reforçou Marine Le Pen numa entrevista dada pouco depois das presidenciais, numa crítica que visava a ambição de Jean-Luc Mélenchon. À France Bleu, a candidata da extrema-direita recordou também a “desagradável lição das eleições regionais” de 2021 — em que não conseguiu um bom resultado. “Muitos querem que a política que defendemos seja aplicada, mas muitos não vão votar. Quando o povo não vota, o povo perde.”
Apesar de algum esmorecimento em comparação com as presidenciais, Marine Le Pen continua a tentar mobilizar o seu eleitorado para obstruir a implementação da agenda do Presidente francês. Estas legislativas são “essenciais e únicas” e “podem impedir Emmanuel Macron de obter plenos poderes”. “É absolutamente essencial impedir que Macron tenha as mãos completamente livres para os próximos cinco anos”, aludiu.
Os Republicanos em prova de vida?
Os partidos que ocupavam o centro da política francesa sofreram um forte e rápido processo de erosão nos últimos anos. O PS comprova esta tese, assim como os Republicanos, que ocupam o espaço do centro-direita e confluem ideologicamente em vários temas com Emmanuel Macron. Numa das fases mais difíceis da sua história, o partido não foi além dos 4,78% nas últimas presidenciais — o pior resultado de sempre.
Enquanto segunda força política na Assembleia Nacional, os Republicanos desejam reverter a tendência menos positiva nestas legislativas. A estratégia do partido de centro-direita tem dois alvos em mente com a finalidade de cativar o eleitorado de centro: apontar para a falta de dinamismo do partido de Macron e evidenciar a ausência de unidade da coligação de esquerda.
“Vamos ser uma surpresa”, preconiza o presidente dos Republicanos, Christian Jacob, que assinala que existe um apoio local do partido que vai acabar por se verificar na contagem dos votos. O objetivo consiste em obter um grupo de deputados substancial, na ordem dos 50 a 60 deputados. No entanto, os dirigentes republicanos admitem que o resultado de 2017 (elegeu, na altura, 112 parlamentares, mas foi perdendo representantes) será muito difícil de se repetir.
Mesmo que o resultado represente uma descida substancial face a 2017, Christian Jacob sugere outro cenário que faria com que o partido fosse o vencedor improvável destas legislativas. Se o partido de Emmanuel Macron não conseguir obter o número de deputados suficientes para uma maioria, os Republicanos poderão ser uma opção para formar uma coligação. “Se estivermos em condições de poder mexer com a governação e melhorar as leis, é claro que o faremos. Não somos a favor do bloqueio do país.”
Os Republicanos precisam de uma prova de vida — estas eleições poderão ser exatamente isso, mesmo que isso signifique que o partido rescinda do seu papel central na política francesa.
Macron, atacado por todos os lados, tenta manter resultados
A vitória de Emmanuel Macron nas presidenciais parece ser um sinal de que o partido do Presidente francês conseguirá uma larga maioria. Além do mais, como referiu Le Pen, as legislativas funcionam num modelo semelhante ao das presidenciais, o que acaba por favorecer quem está no poder. Nos 577 círculos eleitorais espalhados por todo o país e nas províncias ultramarinas, os eleitores votam no partido do deputado que querem eleger. Se na primeira volta esse candidato conseguir mais de 50% dos votos que representem 25% dos inscritos nesse mesmo círculo, então vence e é eleito para o Parlamento. Se não, tem de se submeter à segunda volta.
Ora, se se replicar o cenário das presidenciais, é mais do expectável que Emmanuel Macron consiga deter a maioria. No entanto, um mês e meio depois, as circunstâncias alteraram-se. A direita moderada ambiciona mais e a extrema-direita, apesar de não ter o mesmo empenho, também quer impedir o sucesso deste mandato presidencial do Presidente francês. E, à sua esquerda, o chefe de Estado tem uma coligação galvanizada com o sucesso do França Insubmissa.
Deparando-se com um cenário de uma esquerda mais unida, Emmanuel Macron jogou um trunfo que poderá mobilizar parte do eleitorado. Após a demissão do primeiro-ministro conservador moderado Jean Castex, o Presidente francês procurava alguém com provas dadas no campo social e ambiental. E escolheu para o cargo, em meados de maio, Élisabeth Borne, antiga socialista, que havia sido ministra da Ecologia.
A divisão dentro do PS francês no que concerne à aliança de esquerda — juntamente com o passado político da nova primeira-ministra — poderá levar a que Macron segure o eleitorado mais moderado de esquerda. Ciente da estratégia de Emmanuel Macron, Jean-Luc Mélenchon extremou posições e comparou Élisabeth Borne à ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, conhecida pelas suas políticas liberais. “Está claro que ela é uma liberal como a senhora [Margaret] Thatcher”, disparou.
Quem é Élisabeth Borne, a “Pupila da Nação” que se tornou primeira-ministra de França
No final, poderá ser a abstenção a vencer?
As últimas presidenciais francesas registaram a segunda abstenção mais elevada na história eleitoral do país. Na segunda volta, que opôs Emmanuel Macron a Marine Le Pen, 28% dos eleitores não votaram. Aliás, o abstencionismo, que totalizou praticamente 14 milhões de eleitores, foi mais elevado que o resultado da candidata da extrema-direita.
Com umas eleições menos mediatizadas, existe o receio de que a abstenção aumente ainda mais. Uma sondagem elaborada pelo Le Figaro, em parceria com a empresa Odoxa-Backbone Consulting, corrobora essa tendência, admitindo-se um abstencionismo histórico nas eleições do próximo domingo.
Apenas 46% dos franceses garantem que vão votar na primeira ronda das eleições legislativas. Além disso, a população parece pouco cativada para o ato eleitoral. Segundo a mesma sondagem, 29% dos inquiridos revelam estar “muito interessados”, contra 33% que admitem que não se importam com o estado da política. Já 24% dos inquiridos assumem que não se sentem representados por nenhuma das forças candidatas, ao passo que 20% são da opinião de que votar não vai mudar nada.
Outros dado que poderá ser vital para decidir as próximas eleições é perceber quais são os eleitores mais propensos a abster-se. A sondagem do Figaro revela que 58% dos eleitores socialistas, ecologistas e comunistas estão a pensar abster-se, tal como 52% daqueles que votaram em Marine Le Pen. Os eleitores de Emmanuel Macron, segundo esta sondagem, parecem ser mesmo os mais mobilizados: apenas 36% dos seus apoiantes assumem que não vão votar no domingo.