Nem sempre a melhor opção, a mais económica, é a mais fácil de “vender” à opinião pública, reconheceu a presidente executiva da TAP quando questionada sobre a razão para ter recuado na decisão de renovar a frota automóvel com modelos da marca BMW. Christine Ourmières-Widener não tem dúvidas de que resultou da pressão da opinião pública. “Vamos suspender a mudança e tentar fazer melhor, mas vamos adiar uma solução que economicamente era a melhor”. Esta gestão “está a dizer a verdade”, mas a “pressão da opinião pública foi horrível”. Nas declarações feitas na conferência de imprensa desta quarta-feira sobre os resultados, a gestora reconheceu ainda que “temos de ser melhores a vender as nossas decisões”.
A polémica renovação da frota automóvel — a compra de dezenas de BMW para administradores e diretores — foi atacada pelos sindicatos, mas também pelos partidos da oposição e até pelo Presidente da República que assinalou o timing desta renovação numa empresa que ainda está a receber ajudas públicas.
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A TAP anunciou resultados do terceiro trimestre que foram “históricos” em vários indicadores onde foram alcançados e superados os números de 2019, o último ano antes da pandemia. Mais receitas, mais resultados e com menos aviões e muito acima das metas do plano de reestruturação que será ultrapassado no final do ano, acredita a administração da transportadora.
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Apesar de avisar que não são suficientes, a TAP tem de apresentar mais vezes resultados positivos até porque parte de uma desvantagem face às concorrentes — está mais alavancada em dívida e paga mais caro pelos aviões, a administração sinalizou que quer compensar os trabalhadores.
“Estamos a tentar encontrar uma solução para recompensar os colaboradores sem ter impacto nos resultados”, afirmou a presidente executiva da TAP. Apesar de ainda ser cedo e de a margem de manobra não ser muita, Christine Ourmières-Widener afirmou compreender que o impacto que a inflação está a ter nos rendimentos pode ser difícil.
Intenção que foi manifestada aos colaboradores numa mensagem no mesmo dia que a presidente executiva da TAP foi instada a comentar a alcunha dada por um dos sindicatos que foi ouvido no Parlamento, o SITAVA.
“Infelizmente a TAP tem uma gestão que vive numa bolha alheada da realidade, do sentimento dos portugueses e dos trabalhadores. Faz-nos lembrar um bocado a falta de noção de uma conterrânea da sra. presidente-executiva da TAP, a Maria Antonieta, que disse ‘não têm pão, comam brioche’”, declarou Fernando Henriques, coordenador do SITAVA.
A gestora francesa da TAP, que já vai percebendo o português mas continua a responder em inglês, reagiu com surpresa e algum fair play. “Eu não sabia que era Maria Antonieta [a rainha francesa deposta e decapitada durante a Revolução Francesa] … descubro uma nova todos os dias”. E acrescenta: “Falo mais com os seus funcionários do que Maria Antonieta falava com os franceses. Conheço bem a história francesa… é difícil para mim comentar nicknames, mas não me revejo nesta personagem histórica. Mas é o que é”.
Para a presidente executiva da TAP, a gestão “deve ser avaliada pelos resultados”, argumentando também que a liberdade de discurso deve ser uma prerrogativa também dos administradores. E esta administração, defendeu, está a entregar mais do que o previsto no plano fechado em dezembro de 2021.
Ao lado e a traduzir para português quando necessário, o administrador financeiro aproveitou esta oportunidade para reafirmar que o plano de reestruturação está a funcionar. “Estamos nos primeiros nove meses de execução do plano de reestruturação que é exigente para todos e todos são donos deste resultado. Ainda estamos longe de conseguir a sustentabilidade financeira que é o objetivo desta administração, mas acho que estamos no bom caminho”, sublinhou Gonçalo Pires.
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Lucros de 111 milhões de euros no terceiro trimestre (91 milhões de euros de prejuízos até setembro), receitas 7% acima do nível pré-crise, apesar da oferta se ter reduzido por a TAP estar a operar menos aviões, e receitas por passageiro acima das registadas no último ano da gestão privada, e um crescimento do PRASK (receita de passageiro por lugar-quilómetro oferecido) e do ASK (custo por lugar/quilómetro oferecido) que comparam favoravelmente com as outras companhias de bandeira.
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Os resultados obtidos mesmo com o custo dos combustíveis a subir 334 milhões de euros, uma subida quase toda explicada pela subida do preço, mas cujo efeito foi mitigado pela cobertura de risco (hedging) contratado para este período e que teve um efeito positivo de quase 100 milhões de euros nos resultados. E apesar da valorização do dólar, moeda em que são pagos fornecedores e muitos dos credores. E de uma dívida mais alta do que de outras companhias. Para Gonçalo Pires, são os custos financeiros e sobretudo os encargos com o pagamento dos aviões à Airbus que impedem resultados mais fortes.
Os cancelamentos e os cenários de uma greve que seria “desastrosa”
Não obstante acreditarem que os resultados de 2022 vão ultrapassar as metas do plano acordado com Bruxelas, a administração da TAP reconhece vários riscos. E um deles tem a ver com as perturbações que a instalação do novo sistema de controlo aéreo — que agora estará a condicionar a operação em Portugal, mas que depois irá afetar a operação em França. Outro dos pontos quentes é a renegociação dos acordos de empresa com os sindicatos depois de terem sido suspensos no quadro do plano de reestruturação que implicou cortes salariais. Esta renegociação faz parte do plano fechado com Bruxelas há quase um ano.
Neste momento, as relações estão mais tensa com os tripulantes. Com uma assembleia-geral marcada para esta quinta-feira por parte do SNPVAC (sindicato dos tripulantes), a presidente executiva da TAP deixou este alerta: uma greve agora “seria um desastre porque iria prejudicar o bom trabalho que está a ser feito por toda a organização” e todo o “sacrifício que está ser feito pelos portugueses”. Considerando que uma greve não faz sentido, apelou ao diálogo. “Devemos-nos sentar e ver o que é possível”.
Talvez por isso, Christine Widener foi cautelosa a classificar os cerca de 300 pedidos de assistência à família feitos para o período do Natal e Ano Novo, quase todos por parte de tripulantes. Não é raro que isso aconteça neste período, mas este ano o número de pedidos subiu 10%. E não estamos a falar de baixas por doença ou baixas de parentalidade. Apesar de reconhecer que é um direito previsto na lei, a presidente executiva da TAP alerta que isto é muito difícil de gerir para a companhia que não pode contratar pessoas só para fazerem o verão e o Natal (os períodos em que esta situação é mais intensa).
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A TAP ainda está a avaliar o impacto que estas ausências terá na oferta de voos e não confirma, para já, o cancelamento de 400 voos anunciado pelo Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil na semana passada.
A administração executiva da TAP pouco quis falar sobre a privatização. Quem decide a quem é entregue a “noiva” é o acionista, mas considerou positivas as manifestações de interesse recentes de grupos como a AIG, da British Airways, e a Air France KLM. Com uma liquidez confortável de 775 milhões de euros até setembro, muito ao contrário do que se passava há um ano, a companhia ainda espera receber o último cheque da ajuda do Estado de 990 milhões de euros este ano e sob a forma de capital.
Mas se o processo de privatização “não vai acontecer amanhã”, a TAP tem outro desafio para vencer em 2023. Ir aos mercados buscar financiamento privado de 370 milhões de euros. Esta operação chegou a estar prevista para o final de 2021, mas foi adiada e neste momento com a situação das taxas de juro o mercado está fechado. Mas é uma exigência do plano de reestruturação e necessária para cobrir a dívida (as obrigações) que vencem em 2023 e 2024 no valor total de 574 milhões de euros. E essa renovação terá de resultar numa dívida menor.