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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Gilmar Mendes: "Na Lava Jato, o triplex de Lula deve ser o menor de tudo"

Gilmar Mendes, juiz do Supremo Tribunal do Brasil que votou contra a prisão de Lula, recusa ser seu "comparsa", como foi acusado. "Eu e o PT é agua e óleo", garante em entrevista ao Observador.

Gilmar Mendes viajou para Lisboa assim que terminou o seu voto de apoio ao pedido de habeas corpus de Luiz Inácio Lula da Silva. Foi na capital portuguesa, mais precisamente na Faculdade de Direito, que o Observador entrevistou o juiz do Supremo Tribunal Federal,

Em entrevista, Gilmar Mendes reagiu às críticas daqueles que o acusaram de mudar de posição para ajudar Lula e falou da sua relação difícil com o ex-Presidente e com o PT. “É água e óleo”, diz o juiz, que viaja frequentemente para Lisboa — e onde já foi filmado a ser insultado por outros brasileiros. Também houve tempo para falar da Operação Lava Jato, da qual é um crítico assumido, onde refere que o triplex do Guarujá, a razão pela qual Lula deverá ser preso, “deve ser o menor de tudo”.

Comecemos pelo seu voto de ontem. Em 2009, votou a favor de um habeas corpus para um condenado em segunda instância, como é o caso de Lula. Em 2016, já votou contra. Agora, em 2018, com o caso do ex-Presidente, já mudou de opinião e votou a favor. Porque mudou de entendimento?
Esta é uma questão muito complexa na realidade brasileira. Até 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) permitia a prisão após a decisão da segunda instância. Diante de um certo surto autoritário à época, incluindo da polícia, fizemos uma revisão para fixar que é necessário o trânsito em julgado [para se ser preso] a não ser em casos em que se justifica prisão preventiva, portanto pessoas que pertencem a organização criminosa, que tenham cometido crimes violentos.

E o que é que mudou de 2009 para 2016?
De 2009 até 2016 passámos a ter esse entendimento de que era possível prender-se a partir da decisão de segunda instância. Mas passámos a ter abuso de recursos. O trânsito em julgado no Brasil significa que em princípio a pessoa terá o direito de tentar ir até à Suprema corte. Essa é a ideia. E em geral faz isto quando é condenado e acaba por ter o seu processo alongado, levando por vezes à prescrição ou à não aplicação da pena. Aqui há um desentendimento entre os juízes do STF. O que nós entendemos — aqueles que, como eu, se posicionaram pela possibilidade de prisão — foi que a partir da segunda instância, com determinados fundamentos, seria possível punir. Mas na prática a regra passou a ser “prenda-se sempre”. Nesse contexto, eu e outros colegas dissemos que era preciso rever isto e recolocar este tema em debate. Só que este é um tema que divide a opinião e a nossa própria colega, a presidente do STF [Carmen Lúcia], diante de tanta pressão disse: “Eu não vou trazer esse tema agora, não vou colocar isso na ordem dos trabalhos”. E não colocou.

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Gilmar Mendes foi recebido por Marcelo Rebelo de Sousa antes de participar no VI Fórum Jurídico de Lisboa, na Faculdade de Direito (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

E foi inclusivamente criticada por alguns dos juízes durante o plenário por isso.
Por muitos. O que aconteceu foi que ela decidiu não colocar porque entendeu que era uma decisão fraturante e, depois, veio o caso Lula. A 26 de março veio a decisão do tribunal [Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que condenou Lula em segunda instância] mandando o Lula para a prisão. Então veio o habeas corpus. E aí já não havia alternativa. Ou seja, retardou a decisão.

A sua mudança de posição de 2016 para agora é porque considera que a realidade se alterou? Em dois anos?
Sim. E alterou-se muito. Na verdade, o que nós esperávamos era que houvesse decisões seletivas de prisão. Mas isto passou a ocorrer sem fundamentação específica. Se olharmos para o caso de Porto Alegre de Lula, simplesmente diz-se: há uma decisão de segunda instância. Logo, prenda-se. Isto não correspondia à nossa posição. Eu quero deixar isto bem claro: antes, podia decretar-se a possibilidade de prisão. E isto agora tem a ver com o ambiente de ativismo que estamos vivendo no Brasil.

"Não posso ter nada com o PT. Não tenho. As pessoas sabem que não tenho, é água e óleo."

É um debate profundo e que vimos a acontecer ontem. A juíza Rosa Weber teve o voto decisivo ontem, uma vez que era a única cuja opinião não era previamente conhecida. E ela acabou por dizer que votou contra o habeas corpus apesar de a sua convicção apontar na direção oposta. Qual é o seu comentário à atuação de uma juíza que vota contra a sua convicção?
Eu não faço psicografia da alma. Mas, sinceramente, não faz sentido. Porque o plenário estava a pronunciar-se sobre aquilo de novo. E a escolha que se fez, que não foi nossa, mas da presidência, foi de julgar isto num processo subjetivo. O que ele está invocando é um sentimento de vinculatividade a uma decisão de precedente em que ela ficou vencida. Então ela diz: “Fiquei vencida naquele caso e estou seguindo”.

Foi com a maioria dos juízes, que pensava o contrário dela.
Foi com a maioria daquele momento. Quando, na verdade, a decisão do tribunal agora é rebater a revisão. Pouco importa se num processo de Lula ou do Zé das Couves ou qualquer outro. Então, o que é que essa afirmação da Rosa Weber nos permite protrair para o futuro? Que quando ela for votar [o princípio da prisão ou não para condenados na segunda instância] ela vai manter o seu voto.

Ou seja, ficará com a maioria.
Com a maioria de agora. Ela vai reafirmar o seu voto.

Falou de Lula da Silva e do Zé das Couves. Acha que o facto de estarmos aqui de facto a falar de Lula da Silva e não do Zé das Couves levou a que esta decisão fosse tomada pela juíza?
É algo peculiar. Porque se o plenário no tribunal decidiu revisitar o tema, o tema está em debate. Ela não tem de invocar essa vinculação. Mas foi o que fez, a meu ver de maneira imprópria. Deveríamos discutir a questão. Por isso é que comecei o meu voto de ontem dizendo que isto não fazia sentido. E se há uma coisa que eu entendo é disto, destas questões de processo constitucional. Eu doutorei-me na Alemanha com isto, eu dialoguei com os nosso colegas portugueses sobre isto. Mas não me cabe resolver o que vai no recôndito da alma das pessoas. E há um dado interessante: no STF há três juízes que não foram indicados pelo governo do PT. O decano José Celso de Mello , que foi indicado pelo Presidente José Sarney; o Marco Aurélio, indicado pelo Presidente Fernando Collor de Mello; e eu, indicado pelo Fernando Henrique Cardoso.

Gilmar Mendes. A vida de “afetos” em Portugal do juiz polémico que quer libertar Lula

O que quer dizer com isso?
O que está dito. Estes três votos foram votos que concediam o habeas corpus.

Disse há uns dias ao Diário de Notícias que, apesar de tudo, era irrelevante para que lado iria pender a decisão do STF porque Lula já era “inelegível” de qualquer forma. Mas ele pode apresentar uma candidatura à mesma. Como é que podemos então explicar o que se passa?
É preciso separar as duas questões. O PT fez, intencionalmente e do ponto de vista político compreensivelmente, fez uma mistura da temática. Como se a prisão o impedisse de candidatar-se. Não. O que o impede de se candidatar é a Lei da Ficha Limpa, que o torna inelegível depois de uma condenação em segunda instância. Estando ele na prisão ou não. Agora, é evidente que a decisão de ontem precipita todo esse debate, porque além de inelegível ele poderá ser preso. E isto vai obrigá-lo a definir qual será o seu substituto. O PT terá de definir isso.

Então na sua opinião, ao contrário do que o PT diz, há plano B a Lula?
Certamente. Porque o partido não está apenas na disputa para a presidência da república, está na disputa para todos os cargos. E isto tem efeito. E obviamente que está em jogo o poder de transferência de votos do Lula da Silva.

Ontem houve várias declarações polémicas vindas de militares. Um deles é o general na reserva Paulo Chagas, dizendo que aguardava ordens do general Villas Boas [comandante e chefe máximo do Exército brasileiro] para atuar. Mais tarde, durante o julgamento falou mesmo de si e escreveu no Twitter: “Ministro [juiz] que muda de opinião para beneficiar criminoso não é ministro, é comparsa”. Como é que comenta o clima de tensão que se vive no Brasil e que propicia estas afirmações?
Temos de olhar para isto com muito cuidado. Uma coisa são as declarações dos militares na ativa, como é o caso do general Villas Boas. Outra é dos militares na reserva que, na verdade, estão muito ativos e em geral são candidatos. Estão tentando achar uma candidatura…

… Paulo Chagas é candidato ao governo do Distrito Federal…
… isso! Eles estão tentar apresentar candidaturas, muitos deles acoplados ao guarda-chuva Bolsonaro [Jair Bolsonaro, ex-militar, deputado da extrema-direita desde 1991 e segundo nas sondagens presidenciais]. Portanto, tudo isto tem de ser visto como uma mensagem de campanha. Agora, também não há movimentos de militares no Brasil ou ameaça de intervenção. Tenho a impressão que a fala do general Villas Boas, que não foi feliz, mirava este movimento dos seus subordinados e pessoas que estão vinculados a ele de alguma forma.

"No Brasil nós temos hoje fraturas muito mais sérias na própria comunidade. A intolerância que se criou. E essa árvore de intolerância foi plantada pelo PT. O PT era uma instituição muito intolerante e continua sendo (...). Esses agrupamentos radicais, conservadores e de direita, adotaram os mesmos métodos que antes eram do PT."

Não acha então que aquela mensagem fosse dirigida à justiça?
Não acredito. Não acredito.

Mas ele não especifica, talvez de propósito. Ele fala apenas das “instituições”.
Sim, mas não há essa ameaça. Nós, os cinco que votámos pelo habeas corpus, nem fizemos menção aos militares. Não tenho nenhuma preocupação com isso. Não é disso que se trata. No Brasil nós temos hoje fraturas muito mais sérias na própria comunidade. A intolerância que se criou. E essa árvore de intolerância foi plantada pelo PT. O PT era uma instituição muito intolerante e continua sendo. Esse tipo de ataque às pessoas. Eu citei o caso do ex-governador de São Paulo, o Mário Covas, que foi atingido quando tinha cancro. Isto era uma prática comum. Hoje, os grupos que vituperam e que repudiam o PT adotam métodos iguais. O Lula foi ao Rio Grande do Sul e não conseguiu andar na rua.

[Ataque contra ex-governador de São Paulo Mário Covas, em 2000, numa manifestação de professores]

https://www.youtube.com/watch?v=unXeMVFEGcU

[Ataque contra a comitiva de Lula, à chegada a Rio Grande do Sul]

Foi recebido a tiro.
Foi recebido a tiro e com ovos e tudo mais. Esses agrupamentos radicais, conservadores e de direita, adotaram os mesmos métodos que antes eram do PT. Portanto, é preciso que isso se reduza. Isto é um grande problema hoje. O grupo que apoia Bolsonaro fala muito nisto, no enfrentamento com o PT e usa métodos semelhantes, inclusive na internet.

Disse ontem na sessão precisamente isso, que achava que o PT era responsável por parte do clima que se vive no Brasil. O seu colega, o juíz Luís Roberto Barroso, também teceu algumas considerações políticas, mas noutro sentido, com elogios à ação de Lula enquanto Presidente. É papel dos juízes do Supremo tecerem considerações políticas sobre a realidade no Brasil?
Há uma discussão enorme sobre isto. Houve uma sobrecarga das atividades do Supremo Tribunal Federal. E acabámos por nos envolver em atividades de desenhos institucionais da política. Para vocês terem uma ideia, o impeachment da Presidente Dilma Rousseff dependia de uma lei. E esta lei praticamente não podia ser votada, porque a lei do impeachment vem dos anos 50. Nós acabámos por colmatar as lacunas. Não era o nosso papel. E acho que agora temos de fazer um pouco uma reversão, uma prática de self-restraint [auto-contenção]. Contesta-se muito hoje o próprio STF graças também às intervenções que fez no sistema político.

Mas no entanto houve declarações sobre o PT e sobre a ação de Lula, ontem no plenário…
Isso são análises que se fazem sobre esse contexto, que é o contexto que estamos a discutir.

O senhor juiz até disse que o PT era responsável pelo “germe da violência” que existe no Brasil.
Sim. Porque esse era o tipo de prática política. O Lula é um homem de diálogo — eu convivi com ele também na presidência do Supremo — e se não fosse um homem de diálogo nem sequer teria chegado à presidência da República. Se vocês olharem a trajetória de Lula da Silva, é uma trajetória de ambiguidades. Como bom líder (ele é uma pessoa carismática, é um líder) e faz o discurso para esse modelo basista. Mas dialoga muito bem e isso já o fazia como líder com o empresariado. Tanto é que teve o cuidado de lançar como seu vice-presidente um grande empresário de Minas Gerais, José de Alencar. Mas, ao mesmo tempo, em momentos de fúria ou de dificuldade, ele dizia: “Vou colocar o Exército do Stédile”. O que é que é o ‘Exército do Stédile’? O MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, liderado por João Pedro Stédile]. Que pode funcionar, às vezes não funcionou, mas pode funcionar como uma milícia.

"A Procuradoria passou a achar-se acima do Bem e do Mal."

E agora o Brasil está de volta a esses tempos, é o que quer dizer?
Agora estamos mais nesses tempos. Percebam essas ambiguidades.

Voltemos à juíza Rosa Weber. Durante a semana houve muita especulação em torno do voto dela na imprensa. E nesses artigos ela era descrita como “incógnita”, mas também como “discreta”. E essa discrição que lhe era atribuída muitas vezes surgia em tom de elogio. Este não é de todo o seu perfil. Porque prefere ter um estilo mais vocal?
Nós temos vários modelos de juízes e temos uma Corte muito diferente. Eu fui assessor jurídico do Governo desde 96, pelo Fernando Henrique Cardoso. Até 2000. Depois fui advogado-geral da União, num período de muito conflito. Todas aquelas questões de privatizações e tudo o mais, com manifestações. Eu era a voz jurídica do Governo. E fazia todos esses embates, inclusivamente demarcava as relações com o PT. E foi nessa condição que fui para o Supremo Tribunal Federal. Fui presidente do Tribunal num momento tenso, 2008-2010. Até brincava com as pessoas, quando me perguntavam sobre o meu “projeto”: “Ah, vai ficar quanto tempo no Tribunal?’ Eu dizia: ‘Não sei, estimo que 12 anos”. Já estou há 15.

Mas perguntavam-lhe quando é que ia sair do Tribunal para depois entrar na política?
Ou qualquer outra atividade.

Não quer entrar para a política?
Não, não. Às vezes eu dizia-lhes em tom de brincadeira, mas com viés de seriedade: “Eu tenho um compromisso com o PT”.

Qual é?
Enquanto eles estiverem aí, eu estarei aqui.

Por isso é que por vezes foi chamado de “líder da oposição”…
E em alguns momentos, quando Lula por exemplo gozava de 80%, fui talvez a única voz no Brasil que se levantou para apontar problemas do PT. Problemas institucionais. Por exemplo, quando Lula decide eleger Dilma num dedaço e começa a cometer uma série de abusos, se você olhar nos jornais brasileiros, ninguém falou nada. Eu falei. O presidente do Tribunal dizia “isto não pode ocorrer”.

Por isso agora leva a mal ser apelidado de “comparsa” de Lula?
Claro que não posso ser. Não posso ter nada com o PT. Não tenho. As pessoas sabem que não tenho, é água e óleo. Dialoguei com ele, conversei com ele, enquanto presidente do Supremo negociei salários de juízes com ele… Também tivemos conflitos, mas sempre dentro do plano político. E o presidente do Supremo precisa de vocalizar determinadas situações.

Gilmar Mendes viaja frequentemente para Lisboa. Nalgumas ocasiões, foi filmado a ser insultado por outros brasileiros

Sobre a delação premiada na Operação Lava Jato: acha que é um instrumento que tem sido bem ou mal utilizado? Tem-se abusado dele nesta investigação?
Tenho a impressão que é difícil dizer. Vocês não têm isto em Portugal, mas se vocês acompanharem, isto é sempre polémico onde se pratica. Nos Estados Unidos também há discussão e há hoje uma crónica e uma doutrina muito crítica em relação a isto. No Brasil é uma iniciativa de combate à corrupção, no contexto dos ganhos que nós tivemos nessa área. Acho que é um instrumento efetivo. Se está a ser bem utilizado em todas as hipóteses, já há dúvidas. É claro que como podem imaginar, também na perspetiva jornalística, é um pouco o dilema do prisioneiro que se coloca: como é que vou reagir às perguntas de um investigador? Ele pode levar-me para determinadas situações. Há casos de pouca transparência, abusos. Mas podemos negar a efetividade? Não. Porque foi algo que permitiu esse amplo leque… Ninguém sabia no Brasil. Imaginava-se muita coisa, mas ninguém podia imaginar que a Petrobrás ia ser transformada no “caixa” do sistema político eleitoral brasileiro. O que é a Lava Jato, basicamente? É um sistema de lavagem de dinheiro em que recursos da Petrobrás, a partir de contratos aparentemente regulares, eram vertidos para doações de campanha ou a partidos ou a suportes ao sistema político de alguma forma…

… ou para um triplex no Guarujá.
Que deve ser o menor de tudo, neste contexto. Isto é extremamente complexo. Ninguém imaginava isto.

Então acha que a delação premiada é um mal necessário?
Nem usaria a expressão “mal”. É um instrumento de investigação.

Mas com as suas fragilidades?
Com as suas fragilidades. E precisa de mais transparência e de mais controlo. O episódio que deitou mais luzes sobre a delação premiada foi o episódio envolvendo os açougueiros, o conglomerado de carnes JBS — exatamente contra o Presidente Temer — em que a Procuradoria concedeu benefícios de isenção, portanto de imunidade, para todos os casos em que estavam envolvidos estes Joesley, Wesley [irmãos Batista, delatores na Lava Jato que conseguiram alguns dos melhores acordos com as autoridades], esses homens do JBS. Bom, a lei é muita clara e esta é uma questão de legalidade aritmética: a lei diz que não se pode conceder o benefício máximo para quem comete o crime de chefia de quadrilha ou de organização criminosa. Eles assumiam-se como chefes de quadrilha! Não obstante, foram beneficiados com o benefício máximo. Porquê? Porque a Procuradoria passou a achar-se acima do Bem e do Mal.

Estamos a falar de promiscuidade, portanto?
Sim, falta de transparência.Temos de olhar para isto com muito cuidado, porque o procedimento é pouco transparente. Talvez seja difícil não ser transparente, até porque é sigiloso. Mas o sistema de supervisão é muito complicado e difícil de controlar. Por exemplo, temos o caso de um ex-senador que foi líder do Governo de Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Machado, que estava numa empresa subsidiária da Petrobrás, a Transpetro, e obteve isenção para si e para os seus filhos, que acumularam património em Londres. Em suma, já temos a esta altura um caldo de cultura que vai ter que levar necessariamente à revisão da própria lei. Há uma disputa entre a Polícia Federal e o Ministério Público, para ver quem faz a delação. Tudo isto terá que ser definido. Mas é inegável que houve progresso.

"Na Lava Jato há casos de pouca transparência, abusos. Mas podemos negar a efetividade? Não. Porque foi algo que permitiu esse amplo leque… Ninguém sabia no Brasil. Imaginava-se muita coisa, mas ninguém podia imaginar que a Petrobrás ia ser transformada no “caixa” do sistema político eleitoral brasileiro."

Está a falar de instituições. Falemos de outra: a imprensa. Ontem, na sessão do STF, disse que os media no Brasil têm uma postura “opressiva” e “chantagista”. Não será isto apenas o escrutínio que é necessário fazer por parte do jornalismo ou acha que essa linha foi ultrapassada?
Eu tenho a impressão de que em alguns casos há exageros. Não sei se já viram o debate das transcrições [de escutas entre Michel Temer e Joesley Batista, no caso da JBS, que terão sido manipuladas], sobre o que o Presidente Michel Temer disse. A Globo até hoje não se afasta da versão que deu, embora seja uma transcrição falsa. Que tipo de combinações se fazem em casos destes? Isto tem a ver com o furo jornalístico ou já tem algo mais?

Mas ontem, sentado no STF, disse que os media são opressivos, referindo apenas uma peça que foi feita quando foi insultado aqui em Lisboa. Não é um risco termos uma personalidade de uma instituição tão importante como o STF a criticar a criticar de forma generalizada os media?
Mas eu especifiquei. No caso de Lisboa, por exemplo, o Globo estampa um artigo que dizia: “O que você faria se encontrasse o ministro Gilmar nas ruas de Lisboa?”. E porquê? Porque eles sabem que eu adoto uma posição crítica em relação ao resultado que eles imaginam. Eu sou um crítico da Lava Jato, eles não querem críticos da Lava Jato. Então “Delenda Gilmar” [expressão inspirada na frase ‘Delenda Cartago’ usada pelo Império Romano e que significa ‘destrua-se Cartago’]. Essa é a questão. Eu sou um crítico dos privilégios da magistratura. No Brasil o Judiciário tem o modelo de autonomia financeira, eles fazem o seu próprio orçamento e administram. Há aqui um campo de abusos. Eu sou crítico disto. Se o Judiciário brasileiro hoje fosse administrado, usando a expressão do Hayek, no deserto do Saara daqui a pouco faltaria areia [a frase original é atribuída a Milton Friedman]. Portanto aquilo que a Folha de S. Paulo disse, dos penduricalhos, a coisa dos feriados, férias em dobro… Tudo isto é verdade. Mas por que é que a Folha de S. Paulo decide fazer este artigo na semana do julgamento?

Sente-se pressionado?
É isso. Eu louvaria o artigo, elogiaria o artigo, acho importante denunciar esses abusos. E tenho dito que este modelo de autonomia que se criou e que foi bom no início, hoje é inadministrável e fragiliza-nos. Agora, quando os media os usam nestas circunstâncias, usam para um determinado fim.

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