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O diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), Gonçalo Lobo Xavier, fala durante uma entrevista à agência Lusa, na sede da APED, em Lisboa, 07 de abril de 2021. O diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) defendeu, em entrevista á Lusa, a venda dos autotestes covid-19 nos supermercados e hipermercados, salientando que o setor quer estar "na parte da solução". (ACOMPANHA TEXTO DA LUSA DO DIA MANUEL DE ALMEIDA
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Gonçalo Lobo Xavier é diretor-geral da APED.

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Gonçalo Lobo Xavier é diretor-geral da APED.

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Governo discutiu corte no IVA dos alimentos para 3%. Distribuição contraria Medina e diz que iria baixar preços

O diretor-geral da APED classifica como "injusta e desmerecida" a declaração do ministro das Finanças, segundo o qual a baixa do IVA dos alimentos poderia beneficiar os acionistas da distribuição.

O Governo teve em cima da mesa o cenário de redução do IVA para metade num cabaz de alimentos essenciais para combater o impacto da inflação nas famílias. E chegou a discutir a hipótese com as grandes empresas de distribuição. O diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) confirmou ao Observador que houve conversações técnicas com o Executivo sobre a possibilidade de baixar o IVA de um cabaz de alimentos tidos como essenciais. Não para zero por cento, como deu a entender o ministro das Finanças na apresentação do Orçamento, mas para 3% (metade da taxa reduzida de 6%).

Gonçalo Lobo Xavier afirma que o setor via com bons olhos esta redução de impostos, porque seria benéfica para o consumidor, e assegura que as empresas iriam baixar os preços finais na proporção do corte fiscal, ao contrário da tese defendida por Fernando Medina. Em entrevista ao Observador, o ministro das Finanças explica porque optou por dar mais rendimentos em vez de baixar o IVA dos alimentos (medida já seguida noutros países europeus). Para Medina, a medida não dava garantias de que os preços baixassem e de que o dinheiro chegasse a quem mais precisa, podendo, no limite, ficar nos bolsos dos acionistas das empresas de distribuição.

Entrevista a Medina. IVA dos alimentos não baixa porque dinheiro pode ir parar a acionistas de grupos de distribuição e não a quem precisa

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O dirigente da APED contraria esta declaração, que qualifica de “manifestamente injusta, desmerecida e até incongruente com a realidade”, destacando o que o retalho alimentar tem feito nos últimos tempos para tentar mitigar os efeitos da inflação e do aumento dos custos dos fatores de produção. “Mesmo num plano teórico, desculpar-se que não se avançou para a medida por dizer que havia o risco do dinheiro ficar nos acionistas dos supermercados é de facto não perceber, ou não querer ver, o que se tem passado nos últimos tempos.”

Para Gonçalo Lobo Xavier, a medida ficou na gaveta por outras razões, nomeadamente devido à perda de receita. Questionado pelo Observador, o Ministério das Finanças não respondeu até à publicação deste artigo, mas o Observador sabe que poderia estar em causa uma redução da receita do IVA da ordem dos 700 milhões de euros, numa base anual.

“Era mais verdadeiro dizer que fizeram as contas e chegaram à conclusão que, do ponto de vista do equilíbrio financeiro não seria exequível. Seria mais justo dizer isto do que pôr o ónus no nosso setor. Certamente que o motivo dito pelo ministro, de que o dinheiro iria para os acionistas, é que não foi de certeza”.

O diretor-geral da APED confessou surpresa por estas declarações que, no seu entender, ignoram o que se tem assistido nos últimos tempos, que é um aumento dos custos de produção superior em termos de proporção ao aumento dos preços. “E isso acontece porque os retalhistas têm amortecido esse aumento dos custos de produção, não aumentando as margens e, em muitos casos, diminuindo as margens, precisamente para manter preços mais baixos ao consumidor” e também, reconhece, porque “há uma concorrência enorme que vai beneficiar os consumidores, no final do dia”.

"Fazer um exercício teórico sobre a redução do IVA num cabaz de bens essenciais e invocar que não se avança porque a medida beneficia os acionistas é uma declaração injusta, desmerecida e não há nada que a possa sustentar que esse risco fosse verdade". 
Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED

Gonçalo Lobo Xavier adianta também que nunca ouviu falar de uma redução do IVA para a taxa zero que Fernando Medina, em resposta a uma pergunta, admitiu ter sido ponderada, e indica que pelos contactos mantidos com o setor terá sido ponderada “uma taxa mais reduzida para esses produtos” de 3%.

Os associados da APED, que reúne os grandes grupos de retalho alimentar e não só, mostraram disponibilidade para colaborar na medida que, garante, não iria “beneficiar o retalhista. Ao invés, era uma medida que do ponto de vista da economia poderia beneficiar o consumidor, porque baixando o IVA, o preço iria baixar na mesma proporção”. E quanto à afirmação de Medina de que não tinha garantia de que essa descida acontecesse, sublinha que isso seria algo que não se podia equacionar porque existe concorrência e sobretudo porque existe a Autoridade da Concorrência. “Somos dos setores mais escrutinados e estamos confortáveis com isso”. Mas o mercado funciona, acrescenta.

Confrontado com o que aconteceu em outro setores como a restauração, quando o IVA baixou — numa primeira fase os operadores ficaram com a margem sem baixar preços que só vieram a cair mais tarde — Lobo Xavier responde que isso é da responsabilidade desses setores. E reafirma: “Fazer um exercício teórico sobre a redução do IVA num cabaz de bens essenciais e invocar que não se avança porque a medida beneficia os acionistas é uma declaração injusta, desmerecida e não há nada que a possa sustentar que esse risco fosse verdade”.

Apesar de não terem avançado muito no debate técnico, os operadores deram toda a informação pedida para se escolher um cabaz de produtos essenciais — no essencial, seria muito semelhante ao proposto pela associação de defesa dos consumidores DECO — que pudesse passar a pagar a taxa mínima. Foram ainda dadas sugestões de incluir produtos que hoje pagam taxa normal porque são transformados, mas têm grande importância para a alimentação das famílias, como o feijão enlatado.

“Não houve nada que contribuísse para um aumento extraordinário de lucros”

Na conversa com o Observador, Lobo Xavier defende o setor dos que o acusam de estar a acumular lucros extraordinários à custa da subida dos preços e da inflação. Um cenário que rejeita liminarmente. “Não podemos atribuir ao setor da distribuição alimentar ou não alimentar aumentos extraordinários. Porque não o são”, ressalva. A subida dos lucros de grupos de distribuição como a Sonae ou a Jerónimo Martins nos últimos trimestres é justificada pelo responsável com os “resultados decorrentes da operação”, nomeadamente da inflação, do turismo e de “alguma estabilidade que houve após a abertura da economia”.

Cabaz Observador. Preços não dão tréguas face a abril e há produtos a encolher

“Não houve aqui nenhuma commodity a baixar o preço de repente. Não houve nada que contribuísse para um aumento extraordinário de lucros. Sendo o alimentar um negócio de volume com margens baixas, não houve nada que se alterasse. Não aumentámos as margens, aumentámos a venda final, que nem se traduziu em maior volume de vendas“, resume. Ou seja, o setor atribui a subida dos resultados das empresas ao aumento dos preços dos produtos na origem.

“Com o aumento dos custos dos fatores de produção, e com os aumentos que a produção agrícola e indústria estão a transmitir no seu preço de venda à distribuição, é evidente que o preço final ao consumidor tem de aumentar”. Ainda assim, sublinha, “nos últimos meses, comparando com outros países, o aumento dos preços é inferior à média europeia, porque os retalhistas portugueses estão a assimilar este crescimento de custos e não estão a aumentar a margem”, assegura Gonçalo Lobo Xavier.

O setor já está, aliás, preocupado com os efeitos do desenrolar da crise inflacionista no próximo ano. O INE confirmou esta semana que a inflação de setembro foi de 9,3%, “e vários economistas são unânimes em dizer que, porventura, ainda não atingimos o pico”. O porta-voz da APED afirma que “o comportamento do consumidor está muito errático” por via da incerteza na economia, e tem procurado cada vez mais as promoções. E a diminuição do consumo já se sentiu em setembro e outubro, adianta.

"A perspetiva para o próximo ano é muito cinzenta. A diminuição dos rendimentos das pessoas é uma realidade que vai ser já refletida nos orçamentos das empresas para o próximo ano."
Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED

É que apesar de um dos focos do OE ser o reforço de rendimentos, a APED não tem como certo que isso aconteça. “Do ponto de vista das empresas, sejam da distribuição ou da indústria, face à previsível manutenção dos custos de contexto e dos custos dos fatores de produção, com a energia à cabeça, esperamos um 2023 com um consumidor com escassos recursos, que vai traduzir-se em perdas ou estagnação para as empresas“.

OE 2023 poderia ter “algum arrojo”

Era uma das medidas mais desejadas pelas empresas, e a APED, representada na concertação social pela CIP, não era exceção. A descida do IRC até pelo menos 17% originou uma polémica dentro do Governo, com o ministro da Economia a defendê-la e o restante corpo do Governo a rejeitá-la, e acabou por não ser incluída no Orçamento. Uma prova da falta de “arrojo” do Executivo na preparação do documento, na visão da APED.

“Esta proposta de OE para 2023 é apresentada num contexto difícil e com perspetivas difíceis, quer de inflação quer da instabilidade vivida decorrente da guerra na Ucrânia. Isso tem consequências e obriga a uma grande prudência. Julgo que é unânime dizer que é um OE relativamente prudente. Não podemos é deixar de dizer que, dentro da prudência poderia haver algum arrojo para fazer face aos desafios da realidade específica da economia portuguesa. E isso não parece que seja muito visível”, atira Lobo Xavier. Para o porta-voz da APED, Portugal tem “uma carga fiscal inusitada para os valores de crescimento que a economia apresenta“.

O líder da APED elogia, ainda assim, “o mérito” do acordo de rendimentos alcançado na concertação social, que teve “aspetos bastante positivos”, mas no OE, a associação não vê “grandes novidades do ponto de vista de ajudar as empresas a crescer num contexto difícil”.

Dando como exemplo a proposta do Executivo para reduzir o IRC das empresas que aumentem salários, e que cumpram uma série de outros requisitos, Lobo Xavier sublinha que “no plano teórico tudo é viável”, mas no prático não é bem assim. “Infelizmente estamos num contexto em que a economia portuguesa não está a crescer, e o cidadão comum vai ter um rendimento disponível cada vez mais baixo, mesmo com as medidas que estão inseridas nesta proposta de orçamento, em matéria de descida de escalões de IRS e as bonificações nos juros”.

Com os níveis de confiança dos consumidores a baixar e a inflação a subir — Lobo Xavier considera a previsão do Governo de 4% “otimista” — “inserir medidas de majoração e valorização para as empresas que vão aumentar salários e não tributar os seus lucros, é uma combinação que dificilmente ocorrerá, porque as empresas não estão em fase de crescimento, ao contrário do que se possa pensar e que é muitas vezes propalado por analistas”, conclui o responsável.

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