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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Governo limita margens das gasolineiras. Petrolíferas dizem que só mexer nos impostos baixa preços

Preços dos combustíveis em máximos de dois anos. Governo vai limitar margens das petrolíferas, mas setor diz que só a descida dos impostos baixa os preços. Uma guerra que ainda aí vem.

O Governo prepara-se para limitar administrativamente, através de portaria, a margem máxima das empresas petrolíferas na comercialização de combustíveis, gasolina e gasóleo. É a margem bruta das petrolíferas que mexe significativamente no preço dos combustíveis? O que justifica uma intervenção do ministro do Ambiente desta dimensão, comparável à decisão do governo socialista de António Guterres, em 2000 e 2001, quando congelou os preços dos combustíveis?

Ouça aqui a entrevista do ministro Matos Fernandes no jornal das 18h.

Matos Fernandes: “Gasolina desceria 9,6 e gasóleo 1 cêntimos”

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João Matos Fernandes anunciou esta intenção no parlamento, no âmbito de uma audição regimental, mas contou desde logo com um ambiente favorável para divulgar a medida. Na manhã do mesmo dia, a Entidade Nacional Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE) – uma empresa pública tutelada pelo ministério do Ambiente – divulgou um estudo que apontava, precisamente, as margens das gasolineiras como o principal fator para a subida dos preços dos combustíveis desde 2019. As primeiras notícias sobre o estudo da ENSE apanharam em cheio a audição de um outro ministro, o da Economia, mas Pedro Siza Vieira – confrontado pelo PSD sobre a componente fiscal da gasolina e do gasóleo – remeteu para o o seu colega, afirmando apenas que o Governo estava “preocupado com a subida dos preços”.

O que diz a ENSE? O estudo da entidade comparou as margens brutas médias do litro de gasolina e de gasóleo em 2019 (pré-pandemia) e em 2020 com as margens médias dos primeiros seis meses de 2021. E concluiu que, num litro de gasolina, a margem média das gasolineiras era de 18 cêntimos em 2019 e de 24 cêntimos em 2021 (um aumento, portanto, de seis cêntimos). No caso do gasóleo esse aumento médio era de dois cêntimos. Este ano, o preço médio de venda ao público de um litro de gasolina está nos 1,58 euros e o de gasóleo está nos 1,40 euros.

A análise da ENSE confirma ainda que os preços médios de venda ao público estão em máximos de dois anos, em todos os combustíveis. Um litro de gasolina custa atualmente, em média, 1,71 euros, enquanto o de gasóleo ronda os 1,51 euros.

Preços altos da gasolina e gasóleo? Culpa é das margens das gasolineiras, diz ENSE

“Esta subida é mais justificada pelo aumento dos preços antes de impostos e das margens brutas do que pelo aumento da fiscalidade”, conclui a entidade. Ou seja, em traços largos, a ENSE considera que, se os preços dos combustíveis na bomba estão a bater recordes, a culpa não é dos impostos, mas sim do aumento da margem das gasolineiras.

A ENSE baseia a sua conclusão no facto de, nos últimos dois anos, não ter havido aumentos significativos na carga fiscal aplicada sobre os combustíveis. Houve um aumento na taxa de carbono fixada anualmente pelo Governo, que se traduz num acréscimo de 0,1 cêntimos por cada litro de gasolina ou gasóleo. Mas foi só.

Atualmente, cada litro de gasolina inclui um valor fixo de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) de 66,8 cêntimos (que, por sua vez, inclui o adicional da taxa de carbono, que este ano é de 5,4 cêntimos por litro). No gasóleo, o ISP é de 51,3 cêntimos (dos quais 5,9 são da taxa de carbono). No final de todo este cálculo, o Estado ainda cobra 23% de IVA sobre cada litro vendido de gasóleo e de gasolina.

Ou seja, as contas feitas pela própria ENSE indicam que a fiscalidade representa quase 65% do preço de cada litro de gasolina e quase 58% do preço de cada litro de gasóleo.

"Resta-nos (...) intervir nas margens de comercialização que, se não são abusivas, refletem pelo menos um crescimento duvidoso”
João Matos Fernandes, 14 de julho de 2021

E como é que a ENSE calcula a margem? Primeiro calcula o preço de referência de cada litro: soma o custo do produto (a que chama “cotações internacionais” dos produtos refinados) com o custo do transporte (frete), dos custos de incorporação de biocombustíveis, das reservas, da descarga e da armazenagem. A este valor acrescenta os impostos: ISP e o IVA. E depois compara com o preço médio de venda ao público. A diferença entre os dois, segundo a ENSE, é a margem bruta de comercialização.

Portanto, num litro de gasolina que vale 1,58 euros (o valor médio do litro no primeiro semestre deste ano), cerca de 1 euro e dois cêntimos são impostos; 32 cêntimos dizem respeito ao custo do produto, do transporte, da reserva, da descarga, do armazenamento e a incorporação dos combustíveis. Os restantes 24 cêntimos representam a margem das gasolineiras.

Mas o que inclui esta margem bruta? Este é o lucro das petrolíferas? Não. Como vimos acima, o preço de referência da ENSE inclui tudo até à saída do produto da instalação de armazenagem (refinaria). Tudo o que é custo no trajeto entre a refinaria e o depósito do carro do consumidor está incluído na margem bruta. Ou seja: o transporte de combustível da refinaria para o posto, a descarga no posto, a amortização do investimento feito no posto e os seus custos de funcionamento (incluindo os salários dos funcionários, licenças, manutenção) etc.

Nessa margem bruta também está a margem líquida quer dos retalhistas e dos grossistas. E é toda esta margem bruta que o Governo parece agora querer limitar através de legislação.

“A área do Ambiente e da Ação Climática proporá, ainda hoje [quarta-feira, um decreto-lei que permite ao Governo atuar sobre as margens de comercialização dos combustíveis, de forma a que o mercado de combustíveis reflita os seus verdadeiros custos”, anunciou João Matos Fernandes no parlamento, poucas horas depois de ter saído o estudo da ENSE.

HOMEM DE GOUVEIA/LUSA

A ideia, disse o ministro, é fazer refletir no preço dos combustíveis as descidas do preço das matérias-primas “para que a mesma seja sentida e apropriada pelos consumidores ao invés de apropriada pelas margens de comercialização, evitando, ainda, subidas bruscas e, potencialmente, injustificadas”. Ou seja, Matos Fernandes diz que as descidas de preço do crude não se traduzem em descidas do preço final, ou, pelo menos, são mais lentas e menos notórias do que as subidas.

“As descidas de preço do crude não são refletidas nos preços de venda ao público, ao invés da rapidez por todos sentida aquando da subida do seu preço”. É por isso que qualifica como “duvidoso” o crescimento das margens identificada pela ENSE.

Governo propõe diploma que permite limitar margens de comercialização de combustíveis para evitar “subidas duvidosas”

“Por isso, resta-nos (…) intervir nas margens de comercialização que, se não são abusivas, refletem pelo menos um crescimento duvidoso”, afirmou.

António Comprido, secretário-geral da Apetro, rejeita esta interpretação e, em declarações ao Observador, mostrou-se frontalmente contra a aplicação desta medida. “Achamos que uma intervenção administrativa num mercado concorrencial só se admite numa situação de emergência, numa situação excecional: uma crise de abastecimento, com açambarcamento ou coisas desse género. Mas não numa situação em que o mercado está a funcionar normalmente e em que a indústria não fez qualquer retração na sua oferta”.

O responsável da associação das petrolíferas acredita que “a medida é desnecessária e, pior do que isso, não vai ter o impacto desejado que é proteger os consumidores”.

"Quando desceu muito o preço e começaram a perder receita em IVA, eles aumentaram o ISP para compensar. Aí puderam mexer na carga fiscal para reduzir as perdas de receita fiscal"
António Comprido, secretário-geral da Apetro, a associação que representa as petrolíferas

E explica. “Se estamos a falar de uma margem bruta que não representa mais do que 14, 15% do valor final, não me parece que seja atuando numa coisa que vale 15% do preço que vamos resolver o problema dos 100%. Temos é de olhar para as componentes principais: a cotação [dos produtos refinados e do crude], em que não podemos fazer nada. O que resta é mexer na carga fiscal, como, aliás, o Governo fez há uns anos, mas no sentido contrário”.

O “enorme aumento” de impostos no gasóleo: Estado cobra mais 9 cêntimos por litro desde 2016

E esta é uma referência direta ao adicional da taxa de carbono que o primeiro governo de António Costa – então com Mário Centeno no Ministério das Finanças – fez subir nos seus anos iniciais.

“Quando desceu muito o preço e começaram a perder receita em IVA, eles aumentaram o ISP para compensar. Aí puderam mexer na carga fiscal para reduzir as perdas de receita fiscal”, lembra António Comprido.

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Petrolíferas foram apanhadas de surpresa. E contestam validade da medida

O setor contesta as conclusões do estudo da ENSE e mesmo a necessidade e eficácia de uma regulação das margens brutas através de portaria. Para começar, o Governo não avisou as empresas do setor da sua intenção, disse o secretário-geral da Apetro.

“Não tivemos qualquer consulta prévia do Governo sobre esta iniciativa. Foi uma surpresa total. (…) Não me parece que esta seja a iniciativa acertada, por duas ordens de razões. Primeiro, porque o primeiro responsável por este aumento que temos vindo a verificar de preço reside exclusivamente nas cotações dos produtos refinados internacionais“, salienta António Comprido.

Estas cotações têm vindo a aumentar, tanto nos preços dos produtos refinados (gasolina 95 e gasóleo, que depois servem de referência), mas também do crude. Um e outro estão relacionados, mas não totalmente. “O aumento da cotação dos produtos é a principal razão, a única razão para esta espiral dos preços”, sublinhou.

"É normal que estas margens brutas – que não é o lucro - também sejam mais altas para acomodar estes custos unitários [por causa da pandemia]"
António Comprido, secretário-geral da Apetro, a associação que representa as petrolíferas

Mas o próprio António Comprido admite depois que esta não é a única razão. Os comercializadores estão a compensar, através do preço, as quebras (agravadas pela estrutura de custos fixa) que tiveram durante a pandemia.

“O que a ENSE verifica é que nos períodos de grande quebra de consumo houve uma queda dos preços de venda mais lenta do que os preços de referência. Isto é fácil de explicar em economia de mercado: este foi um dos poucos setores que não reduziu minimamente a oferta, não se fecharam postos, não se fez lay-off, não se reduziu horários, nem serviços. Manteve-se a oferta ao nível em que estava antes da pandemia”, explicou o responsável da Apetro. Uma vez que as vendas caíram durante os confinamentos e toda a estrutura de custos fixos se manteve, “também aumentaram os custos unitários”, conclui António Comprido.

Portanto, “é normal que estas margens brutas – que não é o lucro – também sejam mais altas para acomodar estes custos unitários”. Ou seja, as petrolíferas estão a refletir nos preços as perdas e os custos adicionais de não terem reduzido oferta durante a pandemia.

“Se pago a mesma renda, os mesmos salários, tenho os mesmos custos de manter o posto aberto, pago as mesmas licenças, tenho os mesmos custos de amortização de investimento, e essas coisas não variam com os volumes dos combustíveis vendidos, isso vai refletir-se. Perante uma quebra muito significativa nas vendas [que chegaram a ser de 40% nos períodos de confinamento], é natural que haja um incremento nas margens brutas”.

LUSA

A concretizar-se, trata-se de uma medida com um alcance como há muito tempo não se via no setor dos produtos petrolíferos. No início da década de 2000, o governo socialista de António Guterres adotou uma medida de grande impacto para controlar o preço dos combustíveis, face à escalada dos preços do petróleo a que se assistia na altura: congelou-os.

A medida foi negociada pelo então ministro das Finanças, Pina Moura, que teve de concertar e assinar protocolos com as petrolíferas, uma vez que o Estado se comprometeu a compensar as empresas pelo diferencial entre o preço cobrado em 2000 e 2001 (sendo que este último ano foi ano de eleições autárquicas) e o custo real. No final, o congelamento da subida dos preços da gasolina e do gasóleo acabou por custar cerca de 100 milhões de contos (aproximadamente 500 milhões) aos contribuintes portugueses.

António Comprido lembra-se bem do episódio, mas nem quer ouvir falar de algo semelhante. “Foi em tempos muito diferentes, em que os preços máximos eram tabelados e portanto eles jogaram com um fator discriminatório que podiam usar para compensar a gasolina e o gasóleo. Foi uma grande confusão e isso hoje seria impraticável”, refere apenas.

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