O Governo vai jogar o seu futuro de médio-prazo em duas etapas: primeiro, tentar que o Orçamento do Estado seja aprovado; segundo, caso haja um chumbo, rejeitar demitir-se. Segundo explicaram destacados dirigentes sociais-democratas ao Observador, a AD até tem feito “aproximações informais” a dirigentes do PS, embora não ao nível dos líderes, para tentar “criar pontes” para a viabilização do orçamento. Caso isso não seja possível, o Executivo admite governar em duodécimos, acompanhando as declarações de Cavaco Silva ao Observador sobre esse eventual cenário: “Não será um grande drama”.
As últimas declarações de Pedro Nuno Santos — que admitiu viabilizar um OE se o PS não for ignorado e descartou que medidas-bandeira da AD sejam “linhas vermelhas” — até aumentaram a confiança em São Bento de que o Orçamento passe. “Está tudo em aberto no sentido de haver uma aprovação”, diz fonte social-democrata ao Observador. Que logo modera o otimismo: “Está em 50/50 de probabilidades porque ainda falta muito tempo, mas há sinais positivos”. Fonte parlamentar vai ainda mais longe e diz ao Observador estar “absolutamente convicto” de que é possível aprovar o orçamento e promete “compromisso e diálogo” com o PS.
Um outro dirigente social-democrata admite que “há setores do PS que querem e estão a criar pontes, mas também há outros que defendem o contrário e querem eleições”. A mesma fonte, envolvida na estratégia da AD, tem a consciência de que “a liderança socialista ainda não tomou uma decisão”. Isso, a juntar com “qualquer pequeno evento político que possa levar todos a subir a parada [na altura do debate do orçamento]”, faz com que “até ao fim possa tudo derrapar”. Já com o Chega o diálogo tem sido mais complicado e o caminho está muito estreitado, admitem dirigentes sociais-democratas ouvidos pelo Observador.
Governo que prefere duodécimos a fugir (e a razão de Cavaco Silva)
A ideia de governar em duodécimos nem sequer é uma novidade no Executivo, como Observador avançou em abril. Mas, agora que se aproxima o período da discussão orçamental, Luís Montenegro voltou a repetir, perante o Conselho Nacional, que só sai caso seja aprovada uma moção de censura ao Governo.
Governo admite cenário de duodécimos, mas não quer dar trunfos a Pedro Nuno
Perante os conselheiros, Luís Montenegro meteu Marcelo Rebelo de Sousa ao barulho. Lembrou que “na tomada de posse do 24º Governo” chamou “a atenção do País e do mais alto magistrado da Nação, o Presidente da República, com sentido de lealdade institucional e frontalidade política, que a não rejeição do Programa de Governo no Parlamento, que iria ocorrer uns dias depois, só podia significar que o Parlamento dava condições ao Governo para executar o seu programa.” Ao Presidente e aos restantes partidos políticos, relembrou, já afirmou também que “saído do Parlamento sem a aprovação da moção de rejeição do seu programa, o Governo só deve cessar funções quando as forças políticas que obtêm a maioria para isso necessária aprovarem uma moção de censura.”
O primeiro-ministro avisou até que “estas coisas não são ditas por acaso”, nem “são um repente que sai naquele dia.” São sim, acrescenta, “uma fundamentação muito forte.” E para o caso de não ficar claro o que estava a dizer, voltou a repetir mais para o fim do discurso: “Nós governamos em diálogo, em negociação, mas sem deturpar as orientações principais da nossa política (…) foi isso que dissemos ao senhor Presidente da República e aos senhores deputados quando dissemos: ‘Não rejeitam o programa? Então deem-nos condições para executar as suas linhas principais’.”
Nesse mesmo dia, Luís Montenegro também disse duas vezes que preferia ir embora do que estar a governar com o programa dos outros. Esta declaração pode indicar, precisamente, o contrário: que o primeiro-ministro admite sair caso não consiga aprovar medidas fundamentais que estavam no programa (e, no plano fiscal, por exemplo, o orçamento é importante). Mas a primeira hipótese — que representa uma imagem de “resiliência”, de “não abandonar o país” e de não se demitir — prevalece sobre as restantes.
A posição de não-demissão é válida mesmo em caso de o Presidente da República decidir dissolver a Assembleia da República. Fonte da AD lembra ao Observador o “precedente mais próximo, 2021, em que António Costa não se demitiu”. Ora, Luís Montenegro, mesmo com o chumbo do Orçamento e consequente marcação de eleições, também não se demite. Por duas razões: a não demissão fará com que fique em plenitude de funções (e não em gestão, o que a demissão do Governo implicaria); e para não dar a ideia de que vai embora perante a primeira grande adversidade. Em coerência, Montenegro não vai sair do cargo pelo próprio pé. Se quiserem, que o derrubem: “Se isto não passar de um jogo, então tenham a coragem de deitar abaixo o Governo”, disse.
É certo que, para dirigentes da AD ouvidos pelo Observador, é “desejável que haja orçamento”, uma vez que o chumbo implicaria “continuar a governar com um Orçamento que não é o seu”. Mas outra das fontes aproveita de imediato para fazer propaganda com esse eventual cenário: “A prova que o Governo consegue fazer coisas com um orçamento que não o seu é que foi isso que fez nestes primeiros 100 dias”.
Sobre a entrevista de Cavaco Silva ao Observador, que disse que “não seria um drama não haver orçamento aprovado”, as opiniões já não são tão consensuais. Um dos dirigentes da AD ouvidos pelo Observador diz que “um grande drama não é, porque Portugal tem tudo preparado na lei para essa situação, não é como outros países em que não podem fazer nada sem a aprovação do Orçamento”. Ainda assim, admite que seria “uma limitação complicada, principalmente em matérias orçamentais”. Uma outra fonte, recusa sequer dizer se concorda com a análise de Cavaco Silva, limitando-se a dizer: “O PSD tudo fará para que o orçamento seja aprovado”.