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JOÃO RELVAS/LUSA

JOÃO RELVAS/LUSA

Governo recua e tira subsídio aos produtores de resíduos da fatura da eletricidade

Após a preocupação do regulador sobre custos para o setor elétrico, portaria de João Galamba prolonga apoios à eletricidade produzida por resíduos, mas envia a conta para o Fundo Ambiental.

O Governo voltou a prolongar o período de subsidiação à eletricidade produzida a partir de resíduos urbanos até 2023. Mas a nova modalidade de bonificação deixará de ser suportada pelos consumidores de eletricidade como aconteceu nos últimos 16 anos, pelo menos como principal fonte financiadora. A conta passa para o Fundo Ambiental, que é financiado em parte com impostos e contribuições.

Uma portaria assinada pelo secretário de Estado da Energia, João Galamba, aprova um modelo de remuneração destas centrais, que mantém uma bonificação do preço da eletricidade até 2023, ainda que com uma rota descendente. A decisão é justificada com a necessidade de “assegurar um regime remuneratório que evite flutuações tarifárias expressivas e abruptas no setor dos resíduos”.

A remuneração garantida à eletricidade produzida a partir da incineração de resíduos — atividade desenvolvida pelas empresas Lipor e Valorsul — deveria ter terminado no início deste ano, mas o Governo prolongou por duas vezes o regime,  a última das quais em agosto invocando constrangimentos operacionais provocados pela pandemia. A extensão temporal representou custos acrescido para o sistema elétrico que durante os último 15 anos tem vindo a subsidiar esta produção, conforme alertas feitos pelo regulador da energia e que foram noticiados pelo Observador.

Governo prolonga regime favorável nos resíduos. Clientes de eletricidade vão pagar mais 17 milhões

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A intenção inicial do Ministério do Ambiente seria a de manter esta subsidiação cruzada — em que os consumidores de eletricidade subsidiavam os preços pagos pelos utilizadores finais dos serviços de tratamento de resíduos das duas empresas (habitantes das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto) — até 2023.

Pelo menos é o que transparece do parecer da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) à proposta inicial da portaria e na qual o regulador manifesta “preocupações quanto à sustentabilidade económica do setor elétrico nacional e os custos que a manutenção de tais sobrecustos com a produção de energia elétrica utilizando resíduos supõe para todos os consumidores de energia elétrica.”

No parecer com data de 12 de outubro, e que foi tornado público esta semana, a ERSE fez as contas ao impacto que teria para os consumidores de eletricidade a manutenção do subsídio nos termos que eram propostos e que previam uma eliminação progressiva da bonificação durante três anos até chegar à convergência com o mercado. A “subsidiação cruzada entre setores (eletricidade e resíduos), decorrente dos custos a suportar pelos consumidores do sistema elétrico com a redefinição da tarifa garantida aos produtores que utilizam resíduos urbanos na produção de eletricidade que, com grande probabilidade, não será inferior a 19,6 milhões de euros em 2020, 16,8 milhões de euros em 2021, 11,2 milhões de euros em 2022 e 5,6 milhões de euros”.

A ERSE  "não podia deixar de sublinhar as manifestas preocupações suscitadas pelo projeto de portaria relativamente aos impactos na sustentabilidade do sistema elétrico, aos efeitos na subsidiação cruzada adversos e contrários à eficiência económica e à manutenção de uma equilibrada ponderação de interesses dos consumidores em sectores com a mesma ou muito semelhante criticidade para os cidadãos".
Parecer do regulador da energia sobre a intenção do Governo de prolongar tarifa bonificada na produção a partir de resíduos

A soma feita de todas as parcelas daria mais de 53 milhões de euros. E uma parte dessa fatura (cerca de 16,7 milhões de euros correspondentes à extensão por duas vezes do regime em 2020) irá ainda ser suportada pelo sistema elétrico, porque a portaria só produz efeitos a partir da data de publicação, confirmou ao Observador fonte oficial do regulador da Energia.

Em linha com pareceres anteriores, a ERSE  “não podia deixar de sublinhar as manifestas preocupações suscitadas pelo projeto de portaria relativamente aos impactos na sustentabilidade do sistema elétrico, aos efeitos na subsidiação cruzada adversos e contrários à eficiência económica e à manutenção de uma equilibrada ponderação de interesses dos consumidores em sectores com a mesma ou muito semelhante criticidade para os cidadãos”. Argumentos que terão convencido o Governo a alterar o projeto de regime transitório sobre o qual foi emitido este parecer.

Regulador da água questiona incentivo que não chega a todo o país

A versão final da portaria, publicada a 15 de outubro, faz eco da preocupação transmitida pelo regulador da energia, de que a “subsidiação cruzada entre os dois distintos não potencia a racionalidade e eficiência económicas”. E apesar de não abdicar de manter os apoios a estes produtores até 2023, defende uma solução que “garanta, simultaneamente, a sustentabilidade económica e social dos custos assumidos pelo sistema elétrico”. Questionado pelo Observador sobre a mudança no financiamento dos incentivos às empresas de resíduos, fonte oficial do Ministério do Ambiente e Ação Climática (MAAC) não respondeu.

Já o regulador da água e resíduos, que não foi ouvido pelo MAAC sobre esta alteração questiona a criação de um incentivo que abrange apenas as regiões servidas pela Valorsul e pela Lipor. Em resposta ao Observador, fonte oficial da ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços da Água e Resíduos) avisa ainda que no caso da Valorsul  já tinha sido prevista uma “redução da tarifa da energia verde que estas portarias vieram alterar”, pelo que não haverá a estabilidade tarifária referida na portaria,

“O aumento previsto nestas portarias tem como resultado um incremento das receitas adicionais da Valorsul, que terá que  ser posteriormente devolvido, o que, ao contrário do que diz o preâmbulo da portaria, não vai estabilizar tarifas, antes pelo contrário vai fazer descê-las (na região abrangida pela Valorsul) para compensação dos valores recebidos a mais em 2020. Por outro lado, não se entende a criação de um incentivo que apenas abrange a região da Valorsul e a da LIPOR, e não todo o país”.

Não pagam os clientes de eletricidade para já…. mas pagam os contribuintes, pelo menos em parte

O diploma diz de que o sobrecusto representado por esta bonificação da tarifa será “tendencialmente suportado por mecanismos de financiamento externo ao sistema elétrico, visando-se, dentro do possível, a neutralidade financeira deste mecanismo para os consumidores de eletricidade”. Apesar desta salvaguarda, não fecha a porta a que parte dos custos dessa medida ainda venha a onerar os consumidores de eletricidade.

Segundo a portaria caberá à ERSE calcular a diferença entre a tarifa fixada para a eletricidade produzida a partir dos resíduos, com base na bonificação estabelecida no diploma e na quantidade de energia produzida pelas centras incineração, e o preço de mercado.

A conta será depois remetida e, suportada, pelo Fundo Ambiental, entidade tutelada pelo Ministério do Ambiente e Ação Climática, à qual caberá transferir a verba a receber pelo comercializador de último recurso. Mas transferência será feita “em função da dotação orçamental anualmente definida para este efeito até ao dia 31 de dezembro do ano seguinte a que se referem os valores”, mas admite também que o “eventual remanescente venha a ser suportado pelo sistema elétrico”.

As principais receitas do Fundo Ambiental resultam da venda de licenças de CO2 a indústrias poluantes

SASCHA STEINBACH/EPA

Até lá, a ordem dado ao comercializador, que presta o serviço universal, é para celebrar contratos de compra e venda de energia elétrica com os centros abrangidos por este diploma. Ainda que o sistema elétrico venha ser poupado, a verdade é que a compensação devida às gestoras de resíduos será suportada, pelo menos em parte, pelos contribuintes e pode até disputar as receitas que até agora têm beneficiado o sistema elétrico.

O Fundo Ambiental tem como principal receita os proveitos com os leilões das licenças de CO2, cujo produto tem sido em parte canalizado para abater a dívida tarifária da eletricidade em benefício dos preços. Mas também é financiado por taxas ambientais e impostos que penalizam emissões de gases, como o imposto sobre produtos petrolíferos aplicado a combustíveis usados pela indústria ou o adicional de CO2 cobrado em alguns impostos.

A proposta de Orçamento do Estado prevê que este organismo venha a ser integrado com outros fundos que recebem também contribuições e impostos como é o caso do Fundo para a Sustentabilidade do Sistema Elétrico, que recebe uma parte das contribuições extraordinárias pagas pelas empresas de energia, e o Fundo Florestal Permanente, financiado com recurso a um adicional cobrado no imposto sobre os combustíveis.

Faz sentido subsidiar esta eletricidade? Os argumentos a favor e contra

Segundo o regime transitório agora aprovado, a geração de eletricidade a partir da incineração de resíduos vai receber a totalidade da remuneração ainda este ano — os valores históricos apontam para um patamar de 88 euros por megawatt/hora, quase o dobro do preço médio de mercado registado em 2019. Em 2021 serão 75% desse valor, 50% em 2022, 25% em 2023 até convergir para preço de mercado em 2024.

As bonificações a esta forma de que produção de eletricidade são justificadas ao abrigo da Produção em Regime Especial que se aplica à energia renovável, incluindo nesta classificação a geração elétrica a partir do biogás e a que resulta de aterros sanitárias e da valorização em centrais da incineração dedicada de resíduos urbanos feita na Valorsul (empresa do grupo privado EGF que abrange concelhos da Grande Lisboa) e na Lipor (empresa detida por municípios que opera no Grande Porto).

Processo de tratamento de resíduos nas instalações da Valorsul, em São João da Talha,

Processo de tratamento de resíduos na Valorsul

MÁRIO CRUZ/LUSA

Esta solução, de acordo com dados avançados pela Lipor, permite desviar resíduos da deposição em aterro onde constituem uma relevante fonte de emissão de gases de efeito estufa. Ainda segundo dados enviados ao Observador pela empresa responsável pelo processamento dos resíduos do norte do país, a Lipor só coloca cerca de 3% dos seus resíduos em aterro.

A informação remetida por fonte oficial da Lipor desvaloriza ainda o peso desta forma de produção de eletricidade nos custos totais da Produção em Regime Especial (cuja tarifa é garantida nos preços eletricidade). E assegura que os beneficiários desta tarifa mais favorável acabam por ser os cidadãos dos concelhos da grande Lisboa e do grande Porto que pagam taxas mais baixas pelos resíduos.

Zero contesta incentivos à queima de resíduos

Mas para a associação ambientalista Zero, este é um “benefício perverso a uma indústria que desinventiva políticas de redução, reutilização e reciclagem” porque se trata de uma tecnologia que exige grandes quantidades de resíduos para ser viável. Num comunicado em que critica a decisão do Governo, a Zero assinala “que os sistemas de gestão, como a Valorsul e a Lipor, que são responsáveis pela queima de cerca de 20% dos resíduos do país, veem agora prolongada a bonificação da tarifa sobre a energia que vendem à rede.”

Para a Zero, trata-se de “um exemplo claro de mau uso de recursos públicos (mesmo que agora se procure minimizar os impacto financeiro para todos os consumidores do país – que, ao longo de muitos anos, pagaram na sua conta da eletricidade para que as tarifas na Valorsul e na Lipor fossem mais baixas)”. E perante a justificação de que a bonificação faz sentido porque a atividade produz energia renovável, a associação contrapõe: “O facto é que uma boa parte dos resíduos incinerados não são eles próprios renováveis, pelo que a sua queima não deve ser considerada como tal.”

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