As grávidas vão ter de ligar sempre para a linha SNS Grávida antes de se deslocarem a uma urgência hospitalar e, mesmo que recorram à urgência sem nenhum tipo de referenciação, passam sempre primeiro por uma triagem feita um enfermeiro especialista — o objetivo é que, nas situações menos graves, não seja necessário serem vistas pelo médico obstetra de serviço. Também será criada, na área pediátrica, a linha SNS Criança, exatamente com a mesma intenção da linha das grávidas — retirar os doentes não urgentes dos hospitais.
Assim, os utentes que sejam triados — quer presencialmente, quer ao telefone — como não urgentes serão reencaminhados para uma consulta aberta nos centros de saúde ou hospitais do SNS. No caso das crianças, vão ser mesmo criados (no tempo do pico das infeções) dois Centros de Atendimento Clínico (CAC), em Lisboa e no Porto.
Estas são algumas das principais novidades da apresentação do Plano de Reorganização das urgências pediátricas e obstétricas, apresentado esta terça-feira no Ministério da Saúde, em Lisboa.
Governo atua em três ‘frentes’ para evitar que urgências fechem
Esta reorganização das urgências obstétricas e pediátricas vai avançar, em forma de projeto-piloto por um período de três meses, em três regiões do país, onde escasseiam os profissionais: Lisboa e Vale do Tejo, Península de Setúbal e Região Oeste. “Consideramos que é um grande avanço neste domínio, que já tardava e que precisamos de concretizar a bem da saúde, das grávidas, das crianças e dos adolescentes”, disse a ministra antes da apresentação do plano de reorganização das urgências, admitindo que poderá ser alargado, posteriormente, ao resto do país. Ana Paula Martins disse que nunca escondeu que a resposta dada às grávidas e às crianças “não tem sido a melhor”.
O Governo espera aliviar a pressão a que estão sujeitos os serviços de urgência hospitalares e assim evitar os encerramentos alternados de serviços que se verificam há mais de dois anos. Para isso vai atuar em três ‘frentes’: através do encaminhamento das grávidas e crianças para outras respostas programadas, como as consultas nos centros de saúde; através da redução do número mínimo de médicos escalados nos serviços de urgência (uma mudança que já teve luz verde da Ordem dos Médicos); e, por último, da atração dos recursos humanos (nomeadamente médicos) que saíram para o privado ou para empresas prestadores de serviços e da fixação dos profissionais que trabalham no SNS. “Queremos evitar o encerramento de serviços ou a sua rotatividade, que tanta ansiedade trazem às nossas utentes e às nossas crianças”, salientou a Ana Paula Martins.
[Já saiu o quarto episódio de “A Grande Provocadora”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de Vera Lagoa, a mulher que afrontou Salazar, desafiou os militares de Abril e ridicularizou os que se achavam donos do país. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts e no Spotify. E pode ouvir aqui o primeiro episódio, aqui o segundo e aqui o terceiro.]
No que diz respeito às crianças, vai ser criada em breve uma linha dedicada, designada por SNS Criança e Adolescente, que “vai ter capacidade de identificar o problema” e “marcar uma consulta nos centros de saúde”, retirando das urgências os casos menos graves. As consultas abertas poderão ser realizadas num período de até 24 horas (no caso das crianças triadas com pulseira verde) ou num período mais alargado, de 48 a 72 horas, no casos das triadas com pulseira azul. “Temos de retirar da urgência pediátrica os azuis e verdes e encaminhá-los para os cuidados de saúde primários”, defendeu o presidente da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente, Alberto Caldas Afonso.
Lisboa e Porto recebem dois novos Centros de Atendimento Clínico, desta vez para crianças
Nas urgências devem ser apenas vistos os casos encaminhados por outras unidades hospitalares, pelos médicos assistentes e pelo INEM. Ou os casos graves, triados com pulseiras amarela, laranja ou vermelha.
No caso das crianças que se desloquem diretamente às urgências de alguns hospitais de Lisboa e Porto e forem triadas com pulseira azul ou verde, haverá uma resposta mais imediata: os Centros de Atendimento Clínicos (CAC). Os pais ou tutores serão aconselhados a levar a criança ou adolescente aos CAC. Em Lisboa, esta resposta ficará localizada no Hospital da Cruz Vermelha e irá receber as crianças enviadas pelos hospitais Santa Maria, Dona Estefânia e São Francisco Xavier — as unidades cujas urgências pediátricas estão normalmente sob maior pressão. Outros hospitais poderão, no entanto, associar-se e encaminhar crianças para o CAC.
“Em Lisboa, o local foi mais difícil de encontrar”, mas “dá garantias” para realizar o trabalho necessário, disse Caldas Afonso, avançando que irão iniciar-se as negociações para operacionalizar o processo. Segundo o presidente da Comissão criada pela ministra no último verão, nos CAC haverá sempre um pediatra na equipa e enfermeiros, preferencialmente, com experiência em saúde infantil.
Já no Porto, o CAC pediátrico vai funcionar no Hospital da Prelada, onde já funciona o CAC de adultos, que tem “excelentes condições” e irá receber as crianças reencaminhadas pelo Hospital de Santo António e pelos hospitais de Matosinhos e de Gaia. O presidente da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, Criança e Adolescente disse que o objetivo é que o CAC esteja a funcionar antes do pico das infeções respiratórias do inverno.
No caso da Obstetrícia e da Ginecologia, a grande novidade é que as grávidas e outras mulheres com patologia ginecológica vão ter sempre de ligar para a linha SNS24 (no caso das grávidas, escolhendo a opção respetiva) antes de se dirigirem às urgências hospitalares. Caso seja triada com a pulseira verde (pouco urgente) será encaminhada para uma consulta aberta hospitalar no período de 24 horas. Se for triada com pulseira azul (não urgente) será enviada para uma consulta aberta nos cuidados de saúde primários no dia útil seguinte ou para uma consulta normal.
Grávidas que se desloquem à urgência sem referenciação, serão observadas por um enfermeiro especialista
No caso de a grávida se dirigir pelo próprio pé à urgência será aconselhada a ligar para a linha SNS 24. Caso recuse, será observada por um enfermeiro especialista em enfermagem de saúde materna e obstétrica (EESMO), explicou Caldas Afonso. Caberá a esse profissional decidir se a grávida deve ser encaminhada para a consulta aberta, no dia seguinte, ou se deve ser vista na urgência por um obstetra. As grávidas e mulheres com patologia ginecológica só poderão aceder diretamente à urgência, sem nenhuma pré-triagem, em três situações: através de referenciação (com carta de um médico ou de um enfermeiro especialista em saúde materna e obstétrica), em situação de emergência ou numa situação em que corram risco de vida.
O coordenador do plano salientou ainda que é preciso retirar das urgências obstétricas cerca de 45 a 50% das situações que não são consideradas urgentes e que estão a condicionar os recursos humanos. “São situações muito simples (…) que não faz sentido que vão consumir recursos humanos mais diferenciados que têm que estar vocacionados para aquilo que é a missão daquela unidade, dar a melhor assistência a quem vai ter o seu filho”, defendeu o pediatra, que é também diretor do Centro Materno-Infantil do Norte.
Com o encaminhamento de casos não urgentes para os centros de saúde e para consultas abertas nos hospitais, será possível também diminuir o número de elementos necessários em cada escala dos serviços de urgência — o que, permitirá manter abertas algumas urgências de Obstetrícia e Ginecologia e também de Pediatria que têm vindo a fechar (nem sempre de forma programada) por falta de recursos humanos.
Presente na conferência, o presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia, Diogo Ayres de Campos, destacou a importância da Linha SNS Grávida para orientar também as mulheres com queixas ginecológicas agudas para locais onde podem ter atendimento “a tempo e horas”, naquele dia ou no seguinte, “sem a necessidade de uma quantidade muito grande de médicos estar constantemente nas urgências, às vezes, a resolver situações que não necessitavam de ser ali avaliadas”.
A reorganização das urgências “vai permitir que as equipas sejam mais curtas, haja menos médicos envolvidos”, sublinhou, acrescentando que a diminuição do número de médicos escalados (a que a Ordem dos Médicos já deu luz verde, no caso da Obstetrícia, em situações de falta de recursos) “implica a colaboração com os enfermeiros especialistas”. “Esperamos, assim, ter mais urgências abertas”, referiu Caldas Afonso.
SNS vai pagar mais por hora extra aos obstetras e pediatras. Incentivos às equipas também avançam
Ao mesmo tempo que o Governo tenta retirar os doentes não urgentes dos serviços de urgência, está a ser preparado um plano para atrair e fixar os profissionais especialista em Obstetrícia e Pediatria no SNS. Como o Observador tinha avançado na semana passada, os obstetras que aceitem fazer horas extraordinárias nos serviços de urgência do SNS vão ser compensados com um reforço do valor pagos por cada hora de serviço já a partir de janeiro.
SNS. Governo vai pagar mais aos obstetras por horas extra e alarga incentivos financeiros às equipas
Esta terça-feira, Caldas Afonso explicou que esse incentivo também vai ser alargado à Pediatria, embora não tenham sido ainda avançados valores. O responsável admitiu que o SNS se debate com uma carência de profissionais nestas áreas. “Há pouco recursos humanos, mas com a proposta que estamos a trabalhar vamos ser muito competitivos e os colegas que saíram para o privado vão voltar para o setor público”, sublinhou.
“Haverá um melhor pagamento das horas extra, que queremos implementar”, disse Diogo Ayres de Campos. “Temos de valorizar o compromisso para quem faz urgências”, sublinhou Caldas Afonso.
Para além disso, o Ministério da Saúde prepara-se também para criar um pacote de incentivos — com base num conjunto de indicadores — a atribuir às equipas obstétricas (constituídas por obstetras, pediatras, anestesistas, enfermeiros e auxiliares). O modelo vai ser semelhante ao que já existe nas Unidades de Saúde Familiares modelo B, em que os médicos de família têm um incentivo associado ao desempenho, baseado em indicadores. Na Obstetrícia, também “haverá uma série de indicadores que, sendo atingidos, permitem majorar o vencimento” dos profissionais.
O presidente da Comissão Nacional da Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente disse ainda que este grupo de trabalho teve o cuidado de “partilhar as propostas [agora apresentadas] com todos os Conselhos de Administração das Unidades Locais de Saúde”, envolvendo diretores dos serviços de Pediatria e Ginecologia e Obstetrícia e dando-lhes tempo para receber as suas sugestões e comentários para melhorar a proposta. “A maioria [das sugestões] fazia sentido, o que mostra que as pessoas estão motivadas, e estão refletidas no documento”, afirmou.