5, 4, 3, 2, 1: palmas e tequila para todos. Quando o relógio digital da parede se aproxima dos 00:00, a música – sempre latina – dá lugar à agitação do tradicional The Mexican Hat Dance. O staff agarra as garrafas de tequila e corre para distribuí-la pelos copos de shot que, nas mesas do Guaka, são tão essenciais como a faca ou o garfo. A “fiesta” desta bebida destilada proveniente de Jalisco, a 65 quilómetros de Guadalajara, acontece de 45 em 45 minutos. “Às vezes de 30 em 30, de 10 em 10. Se tiverem sorte, até de 5 em 5 minutos”, conta-nos a mentora do mais recente restaurante mexicano de Lisboa, Jaqueline Sotto-Mayor. “Depende do ambiente. Na prática é quando nos apetece e quando sentimos que temos tudo sobre controlo. É o momento da casa e mobiliza a sala toda e, por isso mesmo, nada pode falhar. Fiesta é fiesta de 45  em 45 minutos. Isso é mais do que certo.”

A história

Em Faro desde 2017 e no Porto desde 2020, o Guaka – de guacamole – aterrou em Lisboa no fim de novembro, depois da viagem de Jaqueline ao México, sensivelmente cinco meses antes. “Fui oito dias e acabei por ficar quinze, tal como aconteceu com o meu irmão, antes de abrir o primeiro espaço no Algarve”, compara a gerente que fez questão de expôr no restaurante todos os elementos de decoração que trouxe do país de Frida Kahlo.

Das caveiras pintadas à mão, aos ponchos, passando pelos sombreros e pelos mini cactos, tudo é “made in México”. Na parede do relógio digital que concentra todas as atenções, o boneco de madeira também vem de lá. “Chamamos-lhe Guakito porque é uma espécie de mascote. Está ali e parece que manda nisto tudo a tocar viola naquela postura dele. Veio diretamente das pirâmides de Chichén Iztá e é o mestre da casa”, resume a Sotto-Mayor que trouxe o Guaka para Praça das Flores, no coração do Príncipe Real. Morada da avó e da própria Jaqueline, a escolha deste bairro lisboeta foi uma “feliz coincidência”. Morada do antigo Frei Contente – outra vítima da pandemia – o espaço que já era restaurante antes da guinada mexicana foi “a oportunidade que faltava para trazer o Guaka para o porto de abrigo” dos Sotto-Mayor.

Lá dentro, na cozinha, quem dita as regras é Márcio Pereira, o chef brasileiro do interior de São Paulo. Nenhum dos outros três elementos – subchefe, ajudante e copeiro – é mexicano, mas os elogios aos sabores tradicionais daquele país têm sido mais que muitos. O segredo está na Química, com maiúscula. Formação inicial e atividade profissional do emigrante de 36 anos, esta ciência exata ajuda a explicar o sucesso dos tacos, quesadillas e do chili do Guaka. “Penso que, no final de tudo, a cozinha e a Química são áreas que se tocam. As misturas, as soluções… você vai descobrindo uma coisa ou outra, a ligação perfeita, a acidez necessária e vai tendo mais ou menos deste ou daquele ingrediente. Além disso, um emigrante tem de dar um jeito e esse foi o meu”, enquadra o paulista que impõe cantoria e “ muita risada” no templo onde se preparam, entre tantas outras especialidades, as fajitas e as enchiladas.

O espaço

Da porta para dentro, o objetivo do Guaka é promover uma “verdadeira ideia de México”, numa experiência capaz de deixar para trás Lisboa ou qualquer outra referência geográfica. Nas palavras de Jaqueline Sotto-Mayor “só o humor e descontração” o permitem. O facto da clientela se apoderar naturalmente dos chapéus tipicamente mexicanos e dos ponchos que o restaurante faz questão de expôr nas paredes, acrescenta, é “prova provada” do espírito festivo inerente.

Com perto de 400 garrafas vazias de Corona — a popular cerveja mexicana –, o candeeiro que ilumina o espaço à média luz é uma réplica dos que também podemos encontrar nos outros dois restaurantes do grupo, “embora digam que este é maior”. Sempre cheio e com fila à porta, o “espaço que se pensou para todos” — turistas incluídos — funciona por turnos. São três de duas horas cada: das 18h às 20h, das 20h às 22h e das 22h até à 00h. Há 60 lugares à disposição e uma sala interior, mais privada, pensada para acolher grandes grupos. Chegar sem reserva pode significar voltar para trás, especialmente ao fim de semana. Tentar marcar mesa no próprio dia também pode ser um tiro no escuro. Quem consegue tem pelo menos duas horas “à mexicana” pela frente.

Entre o requinte e o modelo de taberna com a cozinha e a garrafeira à vista — sem esquecer, claro, a carta de bebidas anunciada nas tabuletas de madeira — o Guaka faz questão de ter gravados na parede as impressões de quem por lá passa. Escritos a marcador, para quem quiser ler ou acrescentar, combinam com o espírito dos graffitis mais profissionais que os irmãos Sotto-Mayor fizeram questão de trazer do Algarve. Caveiras, alusões aos rituais indígenas das celebrações do dia de los muertos, cactos e motivos florais vão da sala à casa de banho. “Algo más?”, destaca-se, a vermelho, no tal livro de elogios sem páginas. Churros de alfarroba e o Chimichanga de cheesecake de morango — que é como quem diz uma tortilha de trigo com o tal cheesecake, gelado e crumble de morangos desidratados — são as sobremesas sem vestígio sem picante. Tanto o Dulce de Tres Leches com bano de crema como a Torta de chocolate explosivo trazem uma espécie de tubinho caliente, vulgo picante, para acrescentar a gosto.

A comida

Pensada numa escala de “nada, pouco ou muito picante”, a ementa oscila entre português e castelhano. As sobremesas que apresentámos no parágrafo anterior, por exemplo, são Postres, enquanto as entradas que vamos agora detalhar são Antojitos. Como não poderia deixar de ser, o Guacamole tradicional é o primeiro da carta. Para preparar o estômago para os sabores mexicanos também se serve o picadinho de tomate, cebola, coentros e sumo de limão, Pico de gallo, acompanhado pelos triângulos de milho frito que por aquelas bandas se chamam totopos. Para partilhar, o Especial totopos junta guacamole, nata acida, queijo cheddar e cremoso, pickle de cebola roxa, jalapenos e coentros.

Tacos, quesadillas e fajitas apresentam-se com os mais variados ingredientes, entre o peixe e a carne, com opções que podem ou não ser picantes. Favorito do chef, o Taco carnitas, por exemplo, inclui carne de porco cozinhada a baixa temperatura, sumo de citrinos, coentros e um toque de guacamole. Mais pedido da casa o de camarão junta ao marisco couve roxa, molho de manga guacamole, nata acida e coentros. São três por prato: “aqui as pessoas jantam, não petiscam. São pratos a sério, não servimos dois mini taquinhos”, resume a gerente. Especialidades da casa o Chili, as Enchiladas de pollo – frango em português — os Huevos rancheros e os Tacos de batata doce, feijão preto e abacate prometem a tal viagem transatlântica à primeira dentada. Para “los niños” há menu especial com um Burrito de frangos. O único mojito da casa também só se serve aos menores de 12 anos, sem álcool, claro.

Para lá dos shots de tequila, o Guaka é especialista em Margaritas e só serve cerveja Corona, sem abrir espaço a imitações. Voltando à bebida da casa, há Margaritas clássicas de lima e Margaritas frozen de morango, ananás, maracujá ou manga. Para beber e ficar com a sensação que não bebeu assim tanto, as chamadas Bulldogs Margaritas são servidas com uma garrafa de coronita — uma mini Corona — no copo, para ir adicionando à medida de cada gole.

“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos (e renovados) restaurantes.