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Uma imagem da série "The New Look" onde se pode ver o famoso conjunto Bar Suit a desfilar na Sorbonne
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Uma imagem da série "The New Look" onde se pode ver o famoso conjunto Bar Suit a desfilar na Sorbonne

Roger DO MINH

Uma imagem da série "The New Look" onde se pode ver o famoso conjunto Bar Suit a desfilar na Sorbonne

Roger DO MINH

Guerra, paz e Alta Costura na Paris dos anos 1940: um retrato da resistência da moda na série "The New Look"

Um elenco de luxo, onde se inclui Nuno Lopes, conta como a Alta Costura ultrapassou a II Guerra Mundial e Christian Dior se tornou ícone. É uma “série sobre sobrevivência", diz o ator.

A 4 de agosto de 1955, Christian Dior era já um nome maior da moda francesa e, em plenas férias escolares do verão, o grande auditório da universidade parisiense Sorbonne encheu com cerca de quatro mil pessoas que se juntaram para ouvi-lo dar a conferência “The Aesthetics of Fashion”. É precisamente com a ida histórica de Dior à universidade que a série “The New Look” arranca, um conjunto de 10 episódios que retratam como a Alta Costura passou pela ocupação nazi em Paris e no pós-guerra, através das vidas de Christian Dior e Gabrielle Chanel, as personagens principais. O ator Nuno Lopes, que entra na série como Cristobal Balenciaga, disse ao Observador que se trata de uma “série sobre sobrevivência e sobre resiliência” e também “sobre o poder transformador da criação numa sociedade destruída pelo fascismo e pela guerra”. Os três primeiros episódios de “The New Look” chegaram à plataforma de streaming Apple Tv+ no passado dia 14 de fevereiro e a série promete surpreender.

A sala “assava como uma praia ao sol dos projetores”, contava o Le Monde na edição do dia a seguir à conferência de Dior na Sorbonne, e a “multidão” era composta “na sua maioria por estudantes estrangeiros do curso de civilização francesa” e muitos seriam norte-americanos. No palco, aconteceu um “duelo filosófico sobre a moda”. Christian Dior, aguardado por fotógrafos, juntou-se no palco à professora Cappelle de Menou. “A moda”, disse o criador francês, “traduz, através do vestuário e dos adornos, a diversidade do comportamento humano”, citava o jornal. Além de ouvir, os presentes tiveram também oportunidade de ver as obras de Dior, uma vez que desfilaram vários modelos de coleções passadas, entre eles o Bar Suit, de 1947.

Nas cenas de “The New Look” que recriam este momento a anfitriã de Dior diz que se trata do primeiro designer de moda nos 700 anos da Sorbonne e é possível ver-se, não só a azáfama daquele dia, como perceber-se como naquela altura ele era já uma figura incontornável na moda. “Foi mágico quando filmámos o primeiro desfile na Sorbonne, tínhamos todos lágrimas nos olhos e parecia mesmo que estávamos em 1955 no desfile”, disse ao Observador a figurinista da série, Karen Muller Serreau, a quem coube a difícil tarefa de recriar os looks Dior desta cena e também de criar todo o guarda-roupa desta série e já lá iremos mais à frente.

Ben Mendelsohn interpreta Christian Dior e Juliette Binoche dá vida a Gabrielle Chanel

Roger DO MINH

Contudo, quem espera ver uma série pautada pelo movimento das saias rodadas, rolos de ricos tecidos a serem desenrolados e uma sucessão de mulheres bonitas com luxuosos looks vai ter uma surpresa, esta série vai muito além da beleza visual da moda. Christian Dior e Gabrielle Chanel são as personagens principais que nos levam à boleia das suas vidas pessoais durante o tempo em que Paris esteve ocupada pelas tropas nazis durante a II Guerra Mundial e pelo início do pós-guerra. Sabe-se pela história de vida de cada um deles, bem como as das suas marcas, que viveram experiências bem diferentes em tempos difíceis.

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Christian Dior viu a sua irmã, Catherine, ser capturada, torturada e enviada para o campo de trabalho de Ravensbruck por ser membro da resistência francesa enquanto ele desenhava para o costureiro Lucien Lelong. Viria a lançar a sua própria marca com um desfile a 12 de fevereiro de 1947 que marcou um ponto de viragem na moda, que ficou cunhado com a expressão “New Look” e no qual apresentou também um perfume, Miss Dior, em homenagem à sua irmã. Gabrielle Chanel, por seu lado, era 22 anos mais velha que Dior e era já uma criadora consagrada e figura célebre quando se viu alegadamente envolvida numa teia de relações com o regime nazi. Fechou a sua maison de moda durante a guerra e viria a instalar-se na Suiça durante um longo período, só voltando a fazer um desfile a 5 de fevereiro de 1954 para assinalar a reabertura da marca, em Paris.

A série “‘The New Look’ explora as histórias por trás das histórias”, explica o criador da série, Todd A. Kessler, em comunicado da Apple Tv+ sobre a série. “Por muito que estes designers se tenham tornado ícones a nível mundial, as histórias das suas origens são experiências muito pessoais profundas de identidade e sobrevivência já que viveram na extremamente desafiante época da II Guerra Mundial e da ocupação de Paris pelos nazis”, continua Kessler. “O que nós retratamos na série clarifica que não há um roteiro para as provações e atribulações que estas pessoas enfrentaram em termos de como sobreviveram e o que consideraram ser importante na sua identidade e pelo que foram confrontadas.”

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Todd A. Kessler é, podemos apropriadamente dizer, o “costureiro” desta série e conta que o seu fascínio pelo tema começou quando, em 1997, leu sobre as celebrações dos 50 anos da maison Dior no New York Times e percebeu que houve um momento na história em que os grandes nomes da Alta Costura não só se cruzaram, como se conheciam e conviviam. Ficou interessado e achou que havia ali material para um filme ou uma série. Contudo, só há cerca de sete anos se cruzou com livros sobre Dior, como a sua autobiografia “Dior and I” e com a biógrafa Marie-France Pochna autora de “Christian Dior: Destiny”, que lhe abriu caminho para a maison Dior e os arquivos da marca. “Daquele momento negro na história, Christian Dior abriu caminho através da beleza ao lançar a sua primeira coleção em 1947 e ajudou a devolver vida e vitalidade a um mundo dizimado e reacendeu a luz que é o espírito humano.”

Kessler, que já escreveu e produziu séries de sucesso como “Os Sopranos” (1999), “Sem Escrúpulos” (2007) e “Bloodline” (2015), é o criador desta série e participa ainda na produção e na realização, onde se junta a Julia Ducournau, Jeremy Podeswa e Helen Shaver. Para escrever o argumento, Kessler teve a ajuda de Caroline Bongrand que, além de argumentista, é autora com livros publicados sobre Dior e foi editora chefe da revista L’Officiel. A série é composta por 10 episódios com cerca de uma hora cada um. Os primeiros três episódios chegaram à Apple Tv esta quarta-feira, dia 14 de fevereiro, e os restantes serão lançados ao ritmo de um por semana até ao dia 3 de abril.

Uma imagem da cena do desfile de Dior na Sornonne
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Ben Mendelsohn e John Malkovich nos papéis de Christian Dior e Lucien Lelong
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Juliette Binoche e Emily Mortimer numa cena como Coco Chanel e Elsa Lombardi
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O ator australiano Ben Mendelsohn interpreta um tímido e trabalhador Christian Dior que tem de lidar com a preocupação pela irmã e com os dilemas de começar o seu próprio negócio. Juliette Binoche dá corpo e alma a Gabrielle Chanel numa fase da vida em que, apesar de ser uma criadora de moda consagrada e personalidade de renome, vive num desassossego provocado por lutas, tanto pela sobrevivência como pela independência financeira, mas sempre com o seu característico estilo. O elenco conta ainda com Maisie Williams no papel de Catherine Dior, a irmã de Dior que integra a resistência francesa e acaba por ser apanhada pelos nazis e levada para um campo de prisioneiros na Alemanha onde a sua vida é levada ao limite. John Malkovich apresenta-se como Lucien Lelong, o costureiro para quem Dior trabalhava e também o presidente da Chambre Syndicale da Alta Costura parisiense, a autoridade que regulava a indústria da moda. Terá sido Lelong que não permitiu que o regime Nazi levasse a Alta Costura para Viena como pretendia.

Outra importante figura do enredo da época foi Carmel Snow, a diretora da revista Harper’s Bazaar norte-americana detinha um enorme poder na divulgação do trabalho dos costureiros e é dela a expressão “New Look”. Depois da destruição da guerra, Snow foi a Paris em busca do próximo grande nome que iria revolucionar a moda. Nos acontecimentos da vida real, sabe-se que se sentou na primeira fila do desfile de lançamento de Christian Dior e ficou de tal forma impressionada que no final felicitou o costureiro com a expressão: “É uma grande revolução, querido Christian! Os seus vestidos têm tanto um New Look!”. A veterana Glenn Close foi a escolhida para dar vida a Carmel Snow nesta série. Aparecem ainda personagens tão incontornáveis como os costureiros Pierre Balmain e Pierre Cardin e Madame Zehnacker, a mulher que na teoria era a diretora do estúdio de design de Dior, mas na prática era quem mantinha o atelier Dior organizado e a funcionar com grande admiração do costureiro.

Maisie Wiliams como Catherine Dior; Glenn Close como Carmel Snow; John Malkovich como Lucien Lelong; uma cena em que Dior e Lelong estão num bar com Pierre Balmain e Jacques

Roger DO MINH

Outro dos sonantes nomes da moda da época que ganha vida na série é Cristobal Balenciaga que e quem interpreta o costureiro espanhol é o português Nuno Lopes. O ator conta que foi num projeto que promove encontros entre atores e diretores de casting que conheceu duas das responsáveis pela escolha dos atores para a série. Uma propôs-lhe fazer duas self tapes com duas cenas. Nuno Lopes recorda que foi a sua interpretação numa cena em que Balenciaga partilha com Dior um pedaço de chocolate suíço (uma preciosidade nas circunstâncias da época) e brinda com o doce ao fim da guerra que conquistou o realizador Todd A. Kessler e o levou a escolhê-lo.

“Acho que não é uma série sobre moda, exclusivamente, embora se passe no backstage da Alta Costura francesa, não é uma série sobre guerra, embora se passe durante a ocupação nazi. É uma série sobre as consequências disso e sobre como reagimos a isso e como a criação pode ter uma importância tão grande nessa reação.” Balenciaga também passou pela ocupação de Paris e todos os constrangimentos que a guerra impôs, como por exemplo a falta de tecidos, e pelos dilemas de fechar ou não a casa de moda, vestir ou não as mulheres dos nazis. O difícil período já aconteceu há cerca de oito décadas, mas o Nuno Lopes consegue encontrar semelhanças com a atualidade para apontar mensagens que podemos tirar da série. “No momento em que estamos com os extremos a crescer, a ameaça fascista a crescer, a guerra a voltar a assolar a Europa, parece-me que é sempre importante lembrar a consequência que esses tempos tiveram na vida das pessoas, inclusive na vida de pessoas que hoje encaramos como bem sucedida e cujo trabalho era criar através dos mais caros e belos tecidos.”

Vale a pena lembrar que Balenciaga também tem uma série com o seu nome e só dedicada aos seus 30 anos de carreira em Paris acabada de estrear no Disney + no passado mês de janeiro. A sua abordagem à moda que lhe valeu o cognome de arquiteto da moda e a sua personalidade introvertida fazem do criador espanhol, ainda hoje, um mistério e uma figura de culto. “Eu conhecia as criações e a importância que o Balenciaga teve na Alta Costura, claro. Mas desconhecia o que era a vida privada dele, o que o movia, que tipo de pessoa era”, disse Nuno Lopes ao Observador. “E, aliás, isso é provavelmente o que eu mais achei interessante nele, o facto de ser um tipo privado que evitava o reconhecimento público, não dava entrevistas, não vinha agradecer no final dos desfiles, não falava com clientes, porque queria que toda a sua atenção fosse dada às suas criações e não à sua personna.”

“A parte importante é a que não se vê, é o interior do vestido”. Os segredos da figurinista de “Cristóbal Balenciaga”

Como seria de esperar numa série sobre moda e ícones de moda, o guarda-roupa tem um papel especial. Karen Muller Serreau é a figurinista desta produção. Foi convidada para uma reunião com os produtores e explica que o seu perfil, “sendo inglesa e tendo vivido em França durante muitos anos” e sendo conhecedora da cultura francesa, terá feito a diferença. “Depois da entrevista foi-me oferecido o trabalho. Fiquei muito entusiasmada e depois assustada por vestir e recriar os grandes ícones da moda. Foi um projeto maravilhoso para guarda-roupa”, revela ao Observador. Na verdade, a figurinista teve de recriar looks que têm lugar obrigatório nos livros de história da moda, mas contou com ajuda. “A Dior abriu-nos os arquivos e trabalhou de perto connosco para os dois desfiles de moda [recriados na série]. Trabalhámos com amostras de tecido, desenhos e imprensa da época para recriar todos os vestidos nos desfiles de moda”, explica.

Ao longo da carreira nos guarda-roupas de cinema, Karen Muller Serreau participou em projetos como “Coco Avant Chanel” (2009), “Joana d’Arc” (1999) e “Prêt-à-porter” (1994). Neste projeto teve também de vestir todo um elenco de acordo com os estilos das personagens, as suas histórias e com a época retratada. Conta que recorreu a “livros de documentação, museus online” para criar e definir os figurinos. “Para o elenco principal e vestidos de moda, recriámos todos os figurinos e usámos alguns acessórios vintage estilo Chanel, não necessariamente da Chanel. Para os extras foi principalmente, vintage.”

A série “The New Look” foi filmada em Paris e é falada em inglês. O nome vem da revolucionária primeira coleção que Christian Dior apresentou em 1947, numa fria manhã de inverno, na morada que ainda hoje se mantém o centro da marca, o nº 30 da Avenue Montaigne. França vivia o pós-guerra, Paris precisava retomar o seu brilho e a moda lutava para regressar à vida. Dior tinha talento e visão, queria mudar a moda feminina e recuperar a exuberância e o ideal de beleza de outras épocas. Com o apoio do magnata dos têxteis Marcel Boussac lançou a sua marca em nome próprio e serviu a compradores e imprensa uma coleção com dezenas de looks que deixava para trás todas as restrições impostas pela guerra.

Dior definiu o que viria a ser o estilo de uma era, Carmel Snow cunhou a mudança com a expressão New Look e, como se pode comprovar, ainda hoje falamos de um acontecimento que parece ter sido bom em tudo, mas também teve as suas controvérsias. Christian Dior foi catapultado para a posição de celebridade e conquistador, levando as suas propostas muito além de França. Foi um herói improvável que arriscou tudo aos 42 anos, mas apesar da personalidade muito tímida, da superstição e de uma fortíssima concorrência alcançou sucesso como nenhum costureiro havia feito antes. Só viria a desfrutar dele durante 10 anos. Morreu em 1957 quando estava de férias em Itália, mas deixou um legado que ainda hoje se mantém fiel aos princípios do fundador e que tem histórias para muitas mais temporadas.

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