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epaselect epa09678248 Wind turbines stand next to the lignite-fired power plant Neurath operated by German energy supplier RWE near Grevenbroich, Germany, 11 January 2022. The German Federal Ministry for Climate Protection, Environment and Energy (BMU) is calling for immediate climate protection measures. One key point is the reform of the Renewable Energy Sources Act. To ensure that significantly more electricity is generated from wind and solar energy in the future, it is planned to increase the corresponding tender volumes. In addition, it is necessary to reconcile the expansion of wind power with the protection of species. According to the ministry, the targets set by the previous black-red-led government for this year will be missed by a wide margin, and next year will also be difficult.  EPA/SASCHA STEINBACH
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SASCHA STEINBACH/EPA

SASCHA STEINBACH/EPA

Guerras, pandemias e a economia. Porque é que o clima nunca será uma prioridade?

O clima é apontado pelos decisores políticos como uma prioridade de topo — mas as urgências mundiais, das guerras às pandemias, sobrepõem-se sempre. Poderá o clima alguma vez ser uma prioridade?

Quando, em 2019, António Guterres foi capa da revista Time devido aos esforços da ONU na luta contra as alterações climáticas, o secretário-geral das Nações Unidas deixou claro que o combate ao aquecimento global era, para a humanidade, “a luta das nossas vidas”. Guterres viria a repetir o apelo dois anos depois, durante a COP26, em Glasgow, a cimeira da ONU que foi apontada pela comunidade científica como uma das últimas oportunidades para os decisores políticos reverterem um rumo que parece cada vez mais irreversível para o planeta Terra.

A perspetiva de Guterres teve eco na esfera política portuguesa. Em 2018, num discurso no Parlamento, o primeiro-ministro António Costa declarou que “as alterações climáticas constituem o mais importante desafio político, social e económico do século XXI”.

Estas declarações dos líderes políticos globais sobre a urgência do combate às alterações climáticas, classificando-o como “a luta das nossas vidas” e apontando-o como a prioridade número um do planeta, têm vindo a repetir-se com uma frequência crescente, mas só raramente são acompanhadas de um empenhamento de recursos proporcional à dimensão das palavras. Basta lembrar, por exemplo, a última campanha eleitoral, nas semanas anteriores às legislativas de 30 de janeiro: o “mais importante desafio político, social e económico do século XXI” esteve praticamente ausente do debate político.

"As alterações climáticas constituem o mais importante desafio político, social e económico do século XXI."
António Costa

A razão é simples: há prioridades mais urgentes. Com efeito, as alterações climáticas são provavelmente a maior ameaça à vida humana no planeta, mas os seus efeitos fazem-se sentir a médio e longo prazo. Como a política económica esbarra no dilema clássico de dar resposta a necessidades ilimitadas com recursos limitados, é natural que os poucos recursos sejam canalizados para os problemas mais urgentes no curto prazo — sobretudo num sistema político baseado em ciclos de quatro ou cinco anos, nos quais os responsáveis públicos buscam a reeleição pela via da popularidade da sua governação entre os eleitores de hoje.

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A pandemia da Covid-19 será um exemplo paradigmático: após vários anos a combater o uso de plásticos descartáveis (incluindo o fim das palhinhas na União Europeia), o planeta não hesitou em regressar a esses produtos, desde embalagens de take-away às máscaras descartáveis, para se proteger do vírus — mesmo que isso tenha representado um aumento drástico da quantidade de resíduos produzidos no mundo. A ONU também não teve dúvidas em adiar um ano a decisiva COP 26 e vários governos baixaram impostos ambientais para ajudar os cidadãos a pagar os combustíveis que subiram em flecha. Perante um problema urgente, a preocupação dos cidadãos com a crise ambiental baixou — tal como acontecera noutros momentos da história recente, como o período pós-recessão em 2009.

Com o pico da crise pandémica superado e a COP 26, no final do ano passado, a dar o mote para uma revisão anual das metas climáticas dos países signatários do Acordo de Paris, a expectativa era a de que 2022 viesse a ser um ano de grande dedicação ao combate climático. No entanto, a história tinha outro destino reservado para o planeta: a guerra da Rússia contra a Ucrânia assumiu, naturalmente, o protagonismo da agenda mundial e, mesmo tendo a transição energética um papel relevante no conflito, dificilmente o clima se assumirá como prioritário neste contexto. Em Portugal, por exemplo, a Assembleia da República não teve dúvidas em adiar um debate sobre a seca para dar prioridade à discussão sobre o conflito na Ucrânia.

Uma vez que, ao longo da história humana, os momentos de tensão e conflito se vão suceder ilimitadamente, é difícil antever um futuro em que o combate às alterações climáticas seja efetivamente a prioridade número um do planeta. Será a prioridade apenas nos momentos de paz e tranquilidade mundiais. É, com efeito, a luta das nossas vidas — a menos que haja uma luta mais urgente a travar.

Como a guerra deixa o ambiente para segundo plano

Não é difícil chegar a uma resposta imediata para a pergunta “porque é que o clima não é uma prioridade?” Porque há, justamente, outras prioridades que se sobrepõem à ação climática — necessidades mais prementes e imediatas que levam as sociedades a relegar para segundo plano a luta contra as alterações climáticas e a destruição do ambiente. Quando um país mergulha numa recessão económica, a recuperação das finanças públicas torna-se prioritária. Quando um país entra em guerra, quase todos os recursos são canalizados para os esforços diplomáticos e militares. Quando o planeta se vê confrontado com uma pandemia de dimensões globais, como sucedeu com o novo coronavírus, o combate sanitário transforma-se na prioridade número um.

Se é verdade que as alterações climáticas são a maior ameaça coletiva à sobrevivência da humanidade no planeta Terra, é igualmente verdade que essa ameaça é frequentemente apontada para um futuro relativamente distante para que as sociedades de hoje a sintam como uma verdadeira urgência. As perigosas consequências da subida do nível médio das águas do mar, a grande crise que afetará países costeiros como Portugal, são remetidas habitualmente para a segunda metade do século. As mudanças climáticas relacionadas com a transformação dos hábitos agrícolas, a saúde humana e a própria habitabilidade do planeta são frequentemente pensadas a médio prazo, atiradas para dentro de 50 anos. E, apesar de algumas consequências já se fazerem sentir (basta olhar para o impacto que a seca anormal está a ter na agricultura portuguesa este ano), o discurso em torno do aumento da temperatura média do planeta centra-se quase sempre em previsões até ao ano 2100 — é, aliás, esse o arco temporal considerado nas políticas públicas implementadas para cumprir as metas do Acordo de Paris.

Zonas ribeirinhas inundadas e um aeroporto “insensato”. O que significa o aumento do nível do mar em Portugal e no mundo

Para a maioria das pessoas, a materialização de um problema dentro de 20, 30 ou mesmo 80 anos dificilmente é enquadrável no conceito de “emergência”. As consequências mais dramáticas das alterações climáticas serão provavelmente sentidas apenas pelos filhos, netos ou bisnetos dos atuais decisores políticos e da maioria dos cidadãos em idade ativa. Até lá, qualquer situação de crise será inevitavelmente classificada como mais urgente, pelo que não haverá problema em sacrificar o combate às alterações climáticas, luta entendida como de longo prazo, em benefício da resposta a uma crise entendida como de curto prazo. Por exemplo, logo em 2020, quando a indústria automóvel se viu inesperadamente confrontada com uma crise sem precedentes motivada pela pandemia, o governo chinês ponderou afrouxar as exigências ambientais impostas ao setor, de modo a ajudar os fabricantes a ultrapassar a crise. Mais recentemente, para combater a enorme subida do preço dos combustíveis que se traduziu numa crise social, vários governos mundiais — incluindo a Coreia do Sul e Portugal — decidiram baixar os impostos específicos sobre os combustíveis fósseis (habitualmente usados para punir o recurso a energias não-renováveis e para financiar a transição energética) de forma temporária. A mensagem foi clara: o clima é importante, mas a crise social e económica é mais urgente.

No início do ano, repetiram-se os apelos de nível global para que 2022 fosse um ano de “recuperação para o nosso planeta, com compromissos climáticos que correspondam à escala e à urgência da crise”, como disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, na sua mensagem de ano novo. Na política portuguesa, a maioria dos partidos políticos incluíram compromissos climáticos nos seus programas, mas o debate público em torno do ambiente dura pouco tempo. Falar do clima resulta em sound bytes apelativos (sobretudo para a juventude), mas não se traduz em políticas prioritárias — porque, simplesmente, há outras prioridades.

Num mundo continuamente ferido por conflitos armados internacionais e crises globais, é difícil que o clima se assuma como a prioridade central da cooperação mundial. Se 2022 poderia vir a ser o ano da recuperação climática (a COP 26 adiou para novembro deste ano a apresentação de novas metas climáticas globais), a guerra entre a Rússia e a Ucrânia está a tomar o protagonismo da agenda política internacional, deixando para trás as prioridades climáticas — uma realidade que não é nova no plano global.

15000000 t

De petróleo que foram despejadas no oceano Atlântico devido aos destroços da II Guerra Mundial. Muitos deles vão continuar a poluir o oceano durante anos a fio.

2 %

De todas as emissões de dióxido de carbono associadas a combustíveis fósseis do ano de 1991 foram provocadas pela Guerra do Golfo.

44 %

De todas as florestas do Vietname foram destruídas pelo “agente laranja” lançado pelas forças armadas dos EUA.

Basta, por exemplo, no número de vezes que o acesso ao petróleo, o principal combustível fóssil, há muito associado ao aquecimento global, foi o motivo central de guerras internacionais. Por outro lado, nos momentos de guerra, as partes em conflito não olham a custos — incluindo ambientais — para levar a cabo as hostilidades. Estima-se, a título de exemplo, que a Guerra do Golfo, em 1991, tenha estado na origem de 2% de todas as emissões de dióxido de carbono associado aos combustíveis fósseis nesse ano. A poluição causada pelos incêndios nos poços de petróleo acelerou significativamente o degelo nos glaciares do Tibete, uma relação de causa-efeito que a ciência já estabeleceu. Como explica o climatologista britânico Eoghan Darbyshire, investigador do observatório britânico do Conflito e Ambiente, há outros episódios da história contemporânea que mostram como os esforços de guerra deixaram para trás qualquer preocupação ambiental. Um exemplo paradigmático ocorreu na guerra do Vietname, quando os Estados Unidos usaram o “agente laranja” sobre as florestas da região. O produto tinha como objetivo corroer a extensa cobertura florestal, que os vietcongues usavam para se esconder. Além de ter deixado sequelas na saúde de milhões de vietnamitas (com os efeitos a sentirem-se até aos dias de hoje), estima-se que o “agente laranja” tenha sido responsável pela destruição de até 44% das florestas vietnamitas, com a consequente libertação em massa de dióxido de carbono.

Poucas guerras terão tido, contudo, o impacto ambiental da Segunda Guerra Mundial, o maior conflito armado do século XX. As bombas atómicas lançadas pelos EUA sobre o Japão em 1945 causaram, além de dezenas de milhares de mortes e problemas de saúde que se prolongaram pelas gerações até aos dias de hoje, uma destruição incalculável de habitats naturais e de fauna e flora japonesa. No Ocidente, os destroços da guerra marítima no Oceano Atlântico deixaram mais de 15 milhões de toneladas de petróleo no fundo do mar. A maioria desse petróleo ainda está contido nos tanques das embarcações afundadas e vai poluir o oceano durante anos a fio, à medida que as embarcações se vão deteriorando.

“Os conflitos armados são uma dupla ameaça para as alterações climáticas. Se estamos em guerra, provavelmente estamos a criar mais emissões de gases com efeito de estufa e, ao mesmo tempo, não estamos focados nos esforços para reduzir as emissões”, explica ao Observador o tenente-general britânico Richard Nugee, que lidera o departamento de sustentabilidade do Ministério da Defesa do Reino Unido e que foi responsável pelo desenho da política climática das forças armadas britânicas. “Há todo o tipo de motivos para evitar conflitos armados. Os efeitos da guerra no clima são mais um desses motivos.”

Richard Nugee, que ao longo da carreira militar desempenhou vários cargos de topo nas forças armadas britânicas, esteve destacado no Iraque e no Afeganistão e sublinha que é necessário ter “uma visão realista” sobre o impacto ambiental de uma guerra. “As forças armadas estão lá por um motivo: para proteger os interesses de uma nação e para serem tão capazes quanto possível”, considera Nugee. As práticas militares podem ser, na medida do possível, mais sustentáveis, “desde que isso não comprometa a nossa capacidade de derrotar os nossos adversários”. “Se não os derrotarmos, não estamos a fazer o que devíamos”, destaca o militar.

“Temos de ser capazes de compensar e de reduzir as nossas emissões, mas elas não vão ser zero. Neste momento, com a tecnologia atual, não é possível. Os tanques de combate não vão ser alimentados por energias renováveis no futuro mais próximo”, continua Richard Nugee, acrescentando que tal não poderia suceder sem riscos acrescidos para as vidas humanas. “Eu estive no Iraque e no Afeganistão. Se tivéssemos dado aos afegãos painéis solares em vez de geradores a gasóleo, não teríamos conseguido reduzir a cadeia logística de modo a salvar vidas.”

Audience at Buckingham Palace

O tenente general Richard Nugee desenhou a política climática do Ministério da Defesa britânico

Getty Images

“Se estivermos efetivamente em guerra, no conflito em si, no campo de batalha, as alterações climáticas não vão ser uma prioridade. Estamos lá para salvar vidas, para ganhar o combate. A curto prazo, isso é mais importante”, resume Nugee. “Os conflitos são inevitáveis. Temos de os conseguir reduzir ao mínimo, mas temos de ser realistas.”

Apesar de esta distinção entre o urgente e o importante, assente na tensão entre o curto e o longo prazo, parecer evidente, o militar, que desenhou a política climática das forças armadas britânicas, diz que a política de defesa de qualquer país não pode continuar a ignorar os efeitos das alterações climáticas no mundo, uma vez que o clima é um dos fatores que no futuro mais contribuirão para a necessidade de mobilização das forças armadas. “Há os riscos diretos das alterações climáticas, que advêm do facto de haver partes do mundo que se podem tornar inabitáveis. Isso vai conduzir a determinados movimentos e migrações”, explica Nugee. “A pobreza que é motivada pela perda do sustento, nomeadamente agrícola, torna as populações mais suscetíveis a grupos terroristas e gangues — e o ambiente torna-se mais perigoso.”

Por outro lado, aponta o britânico, “há o perigo de a água passar a ser usada como arma e bem negociável” entre povos. “Já o vemos acontecer em partes do mundo em que há escassez de água para a agricultura, o que conduz a tensões”, sublinha. Finalmente, o necessário abandono gradual do petróleo enquanto fonte primordial de energia tem potencial para motivar um “realinhamento das alianças mundiais, em que o grande ativo deixa de ser o petróleo, mas alguns materiais raros, como o lítio, ou a capacidade de o processar” para a produção de baterias. “Isto conduzirá a grandes mudanças geopolíticas.”

Pandemia fez disparar resíduos plásticos

Naturalmente, os picos de tensão e conflito na política mundial não se resumem a guerras armadas. Uma pandemia global tem um efeito semelhante, obrigando os governos de todo o mundo a centrarem a maioria dos seus recursos no combate à doença. Foi o que aconteceu durante a pandemia da Covid-19. A crise sanitária tornou-se no centro da atuação política em todo o planeta e os esforços de combate às alterações climáticas ficaram para segundo plano. O exemplo mais óbvio prende-se com a poluição, nomeadamente com o consumo de plásticos de uso único.

“A pandemia do coronavírus promoveu uma mudança sem precedentes nos hábitos de consumo, especialmente porque os confinamentos contribuíram para um aumento das compras online e dos serviços de entrega. Uma das consequências é o aumento substancial da produção de resíduos de plástico, que pode minar os esforços para reduzir a poluição de plástico”, escreveu um equipa de investigadores portugueses e internacionais, num estudo preliminar publicado em 2021.

50 %

Das casas aumentaram o uso de embalagens de plástico para alimentação durante o período da pandemia.

33,5 t

De dióxido de carbono emitido para a atmosfera por cada tonelada de máscaras descartáveis (incluindo produção, transporte e tratamento dos resíduos).

7600000 t

De resíduos plásticos associados à pandemia da Covid-19 produzidos até agosto de 2021 em todo o mundo.

O estudo, que incluiu respostas oriundas de 41 países, concluiu que o uso de embalagens plásticas descartáveis para alimentação aumentou em 50% das casas. O uso de sacos de plástico descartáveis aumentou em 35% das casas e, sem surpresas, o uso de máscaras descartáveis foi o que aumentou em mais casas: em 66% das casas. “Mais de metade dos consumidores inquiridos assumiram que o seu consumo aumentou, sublinhando o aumento do uso de embalagens de plástico e de sacos de plástico de uso único”, escreveram os cientistas.

A própria produção de máscaras descartáveis, que atingiu nesta fase máximos históricos por motivos óbvios, está associada a grandes quantidades de emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. Segundo a Agência Europeia do Ambiente, produzir, transportar e tratar os resíduos associados a uma tonelada de máscaras descartáveis provoca a emissão de 14 a 33,5 toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera. Só entre abril e setembro de 2020, nos primeiros meses da pandemia, a AEA estimava que o consumo de máscara descartáveis na União Europeia tinha levado à emissão de 2,4 a 5,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono.

Mas o maior problema ambiental diretamente causado pela pandemia prende-se precisamente com a poluição dos oceanos causada pelos resíduos plásticos. Um estudo mais recente, com dados atualizados até agosto de 2021, calculou que até àquele mês já tinham sido produzidas cerca de 7,6 milhões de toneladas de resíduos plásticos associados à pandemia com origem em 193 países. Destas, cerca de 23,5 mil toneladas foram despejadas no oceano através dos rios, representando cerca de 1,5% de todos os resíduos plásticos depositados no oceano neste período da pandemia.

An obviously worn-out mouth and nose protection mask lies

A pandemia originou toneladas de resíduos plásticos

KONTROLAB/LightRocket via Getty

Estes impactos profundos da pandemia no ambiente estão estudados e quantificados — mas foram, genericamente, aceites durante o período da pandemia. A nível global, a resposta ao novo coronavírus foi entendida como uma urgência inadiável que implicava sacrifícios para as pessoas, como os confinamentos, e para o planeta. Aliás, este impacto nem foi, numa fase inicial, particularmente relevado, uma vez que os confinamentos globais e a paragem da indústria fizeram as emissões de dióxido de carbono cair a pique, criando inclusivamente a ideia de que a pandemia poderia ser boa para o ambiente. A realidade apressou-se a desmentir essa ideia. No verão de 2020, as emissões de dióxido de carbono já estavam a regressar aos valores normais e o debate teria de centrar-se noutra questão: é possível recuperar da crise económica causada pela pandemia sem agravar a crise ambiental?

“Se precisamos de comer, não nos preocupamos com a poluição”

Uma guerra, um período de tensão geopolítica ou uma pandemia global são situações com um elevado potencial para relegar as preocupações climáticas para segundo plano. Mas o grande fator que contribui para a desvalorização da ação climática, de acordo com cientistas do departamento de ciência política da Universidade do Connecticut, nos EUA, é a economia. Os humanos tendem a preocupar-se, essencialmente, com as suas próprias condições de vida. Se elas estiverem em risco, há menos disponibilidade para uma preocupação séria com as alterações climáticas, entendidas como um problema mais abstrato do que as dificuldades económicas do momento. Por outras palavras, com a carteira vazia ou sem emprego, dificilmente nos preocuparemos com o clima.

"O clima é um assunto que fica em pano de fundo, ao contrário do que acontece com a proteção do ambiente no geral. É um problema de longo prazo, que pode facilmente ser sacrificado se tiver de ser, se houver preocupações mais urgentes."
Lyle Scruggs

O estudo, coordenado pelo investigador norte-americano Lyle Scruggs, foi publicado em 2012, na sequência da grande crise económica de 2008-2009, e partiu da análise de um grande conjunto de dados de inquéritos de opinião, realizados ao longo dos anos por diferentes empresas de sondagens, sobre a preocupação dos cidadãos com as alterações climáticas. A grande conclusão do estudo foi a de que a grave crise económica fez baixar a preocupação dos cidadãos norte-americanos e europeus em relação ao clima. Além disso, escreveram os cientistas, “as condições do mercado de trabalho parecem ser mais importantes a afetar a preocupação do que a cobertura noticiosa”, os argumentos dos negacionistas da ciência climática ou as mudanças meteorológicas de curto prazo.

“A Gallup Organization tem feito regularmente várias questões sobre o assunto, algumas delas anualmente desde a década de 1990. A questão mais comum é sobre o quanto as pessoas se preocupam com o aquecimento global. Desde que a pergunta foi feita pela primeira vez, em 1989, a percentagem de pessoas que dizem estar ‘muito’ preocupadas teve o seu valor máximo no topo do ciclo económico, isto é, em 2001 e em 2008”, escrevem os cientistas. Depois desses picos, quando as economias ocidentais entraram em crise, a preocupação dos cidadãos com o clima desceu.

Em sentido contrário, outra pergunta comum em questionários confirma a tendência de menor relevância atribuída ao clima em situações de aperto económico. “A percentagem de norte-americanos que concordam que a gravidade do aquecimento global é habitualmente exagerada pelos meios de comunicação social aumentou dramaticamente depois de 2008: de 25% para 41% em 2009 e para 48% em 2010”, diz o estudo coordenado por Scruggs. “Os inquéritos à disponibilidade do público para sacrificar o desenvolvimento económico em benefício de maior proteção ambiental (como a mitigação das alterações climáticas) sugere que a preocupação ambiental está inversamente relacionada com a saúde da economia. Por exemplo, à medida que o desemprego aumenta, as pessoas dão menos prioridade à proteção ambiental.”

Em entrevista ao Observador, o investigador que coordenou o estudo explica que esta alteração nas prioridades “não é uma resposta psicológica incomum” para os cidadãos. “O clima é um assunto que fica em pano de fundo, ao contrário do que acontece com a proteção do ambiente no geral. É um problema de longo prazo, que pode facilmente ser sacrificado se tiver de ser, se houver preocupações mais urgentes. É uma das razões pelas quais as grandes recessões económicas afetam as prioridades das pessoas”, diz Lyle Scruggs. “Tende não apenas a afetar as prioridades, mas também as crenças.”

Automobilistas portugueses abastecem em Espanha para fugir aos preços altos dos combustíveis em Portugal e vão abastecer a Espanha, onde a diferença pode chegar aos 36 cêntimos por litro, em Ayamonte, Espanha, 17 de outubro de 2021. (ACOMPANHA TEXTO). LUÍS FORRA/LUSA

A recente escalada no preço dos combustíveis levou o Governo a baixar o ISP

LUÍS FORRA/LUSA

“As pessoas não entendem bem a ciência básica por trás das alterações climáticas, a física. Ninguém questiona a lei da gravidade durante uma crise económica, porque percebemos relativamente bem a gravidade. Mas, se não percebemos bem alguma coisa, fica mais fácil mudar a opinião sobre o assunto”, explica o cientista. “Quando há questões económicas prementes contra mudanças que seriam benéficas para combater as alterações climáticas. É mais fácil dizer ‘vamos agora parar esta alteração do sistema energético’ para criar mais empregos agora, mesmo que seja menos benéfico para o clima.”

Um exemplo claro ocorreu recentemente em Portugal, quando o Governo determinou a descida temporária do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos para atenuar o impacto da subida dos preços dos combustíveis na carteira dos portugueses. A decisão, tomada em outubro de 2021 e prolongada recentemente até 30 de abril, é um claro exemplo de como uma preocupação económica urgente se sobrepôs a uma preocupação ambiental de longo prazo. “Portugal ou outros países podem cortar os impostos ambientais, que se aplicam aos combustíveis fósseis, para evitar que as pessoas estejam a pagar muito pelos combustíveis. Mas reduzir os impostos aumenta o incentivo ao uso dos combustíveis fósseis. Os impostos ambientais têm um duplo benefício: reduzem o incentivo ao uso dos combustíveis fósseis e financiam a transição energética. O que explica que sejam reduzidos é o facto de ser uma decisão de curto prazo”, analisa Lyle Scruggs. “O ambiente é o depósito onde se acumulam, para o futuro, as más decisões.”

“Mas não é irracional que os indivíduos ou os governos o façam”, remata o investigador. “A curto prazo, se precisamos de comer, não nos preocupamos com os efeitos a longo prazo da poluição.”

O desafio das medidas a longo prazo

Outro motivo pelo qual as alterações climáticas tendem a aguentar pouco tempo no topo das prioridades políticas relaciona-se com a curta duração dos ciclos eleitorais. Combater as alterações climáticas implica tomar decisões que produzem efeitos a longo prazo — mesmo que, no curto prazo, sejam relativamente impopulares, como o aumento do preço dos combustíveis fósseis, a redução das importações alimentares, entre outras decisões. Mas um ciclo eleitoral curto tende, naturalmente, a punir os políticos que optem por medidas impopulares a curto prazo. Por outras palavras, um político tem mais sucesso nas próximas eleições se fizer a sua campanha em torno de soluções para problemas atuais e não em torno de ações de longo prazo.

O vice-presidente da Comissão Europeia Frans Timmermans, que tem a pasta dos assuntos climáticos no executivo de Bruxelas, falava disso mesmo em entrevista ao Observador no ano passado. “O que se passa na política é que, quando temos objetivos a longo prazo, objetivos que são mais longos do que o tempo entre eleições, objetivos que têm a ver com o modo como sobrevivemos enquanto humanidade, não podemos depender do que decidimos apenas para hoje”, disse Timmermans.

Frans Timmermans. Manter aumento de temperatura abaixo dos 2ºC “vai ser muito difícil, mas temos de tentar”

Foi esse um dos grandes motivos que levaram a União Europeia a criar a Lei Europeia do Clima, um documento legislativo que consagra no ordenamento jurídico europeu os objetivos climáticos da UE. “Temos de decidir hoje dar passos consistentes entre hoje e 2050. É por isso que precisávamos da Lei do Clima. Ao mesmo tempo, ela também nos dá o conforto de que, quando estamos envolvidos noutros assuntos — uma pandemia, um desafio geopolítico, algum outro desastre natural… pode acontecer alguma coisa que exija toda a nossa atenção política e todo o nosso tempo —, como os objetivos estão consagrados na lei, eles não mudam.”

“Eu estou na política há 30 anos, sei que, se somos distraídos, se a nossa atenção é atraída por outro lugar qualquer, arriscamos sempre baixar a guarda noutros assuntos”, acrescentou Frans Timmermans.

Para o militar britânico Richard Nugee, a tensão entre os problemas do clima e os outros desafios que surgem perante os decisores políticos representa um clássico problema de “urgente versus importante”. “A longo prazo, as alterações climáticas vão causar muito mais danos ao mundo do que a pandemia. Mas é nessa escala temporal, para muitas pessoas. Os governos de hoje têm de lidar com os problemas de hoje”, considera Nugee. “Para os governos de hoje, parar os conflitos na Europa é muito mais importante do que as alterações climáticas; a pandemia é um assunto muito mais importante do que as alterações climáticas.”

Lyle Scruggs, que estudou o impacto da economia na preocupação dos cidadãos com as alterações climáticas, concorda. “Os governos tentam não negligenciar as políticas de longo prazo enquanto reagem a curto prazo. Os políticos falam habitualmente das alterações climáticas nas campanhas, mas não fazem a campanha cavalgar em cima disso. Dizem que é preciso fazer alguma coisa quanto a elas, mas não apresentam medidas concretas, porque muitas dessas medidas parecem sempre caras, contra o crescimento económico”, explica Scruggs, acrescentando que “o crescimento não é necessariamente construir mais coisas ou aumentar a população”, mas sim “melhorar o bem-estar do conjunto de pessoas que existem”.

Para Scruggs, a melhor maneira de “enquadrar as medidas de combate às alterações climáticas como populares no curto prazo é tentar acentuar os benefícios de curto prazo”, por exemplo, lembrando que “criar uma nova infraestrutura energética cria empregos”. No caso concreto da atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia, defende o investigador norte-americano, é fundamental “enfatizar a segurança dos fornecimentos de energia”.

“Se houver menos dependência da Rússia devido ao gás, é menos provável que uma entidade externa perturbe o abastecimento”, diz Scruggs, defendendo que este é um motivo de curto prazo para que os países europeus apostem nas energias renováveis, se tornem menos dependentes da Rússia e, por isso, tenham mais margem de manobra para aplicar sanções a Moscovo. “Podemos imaginar que os países, se dependessem mais de energias renováveis, que são mais domésticas, estariam menos dependentes da Rússia.”

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