Acabados de aterrar, Rui Rocha e João Cotrim Figueiredo juntam-se a Nuno Morna à entrada do Mercado dos Lavradores, no Funchal, para dar início ao dia preenchido com várias ações de campanha e à última visita até às eleições antecipadas do próximo domingo. Mais ou menos à mesma hora, sai uma comitiva do Chega, desta vez sem André Ventura, mas com o candidato Miguel Castro e vários deputados regionais. Cruzam-se a meio caminho, nem se falam, muito menos trocam cumprimentos. Os liberais que estavam sentados numa esplanada a beber cerveja ali se mantêm e a comitiva do Chega segue para o mesmo mercado onde minutos antes eram os liberais a distribuir brindes e beijinhos.
É a reta final da campanha para umas eleições antecipadas provocadas pela queda do Governo Regional da Madeira, em que os dois partidos ambicionam crescer, principalmente à custa do PSD e de Miguel Albuquerque, que se candidatou após uma demissão e que tem surgido cada vez mais isolado — ainda que haja trocas de galhardetes de todos os lados para ver quem acusa mais o outro de se querer colar ao PSD e ao PS. Na rua, Chega e IL procuram mostrar que são diferentes do partido que está há 48 anos no poder, ainda que há oito meses ambos se tenham mostrado disponíveis para dialogar. Agora, com Albuquerque como arguido, a distância para ser melhor conselheira, bem como as promessas de não-acordos.
Até porque os “zangados” com Miguel Albuquerque estão nas mesmas ruas em que se multiplicam os apelos à mudança. É o caso de Otávia Nunes, que utiliza a palavra “zangada” e conta que ainda é militante do PSD, mas “tenciona desistir do PPD” — não por ninguém, “mas por livre vontade”. Em poucos minutos falou com a comitiva da IL e do Chega. Trocou palavras com Rui Rocha, que brincou a dizer que nos últimos meses “passou mais tempo na Madeira do que em casa”, ouviu João Cotrim Figueiredo e viu Miguel Castro sentar-se à sua mesa. “Tenho uma coisa para lhe mostrar”, diz, enquanto vira o telemóvel e mostra que tem um panfleto com a cara de André Ventura exposto junto a uma floreira em casa. Com o microfone ligado já não confirma a versão, até porque “André Ventura não é o Santo António para estar num altar”, ainda que deixe escapar que “gosta e está de acordo com o que ele diz”. O voto, esse, é secreto e não está decidido.
À passagem da comitiva do Chega, há quem pergunte por onde anda André Ventura (“ouvi dizer que está na Madeira e ainda não o vi”) — que não só está na Madeira como vai ficar até ao fim da campanha. Já na da Iniciativa Liberal estão todos por ali — apesar de presidente e ex-presidente acabarem muitas vezes à procura de Nuno Morna, que parece elétrico, de um lado para o outro, a aproveitar todos os minutos disponíveis para entrevistas ou conversas. Apesar das atenções estarem centradas na Madeira, com Cotrim Figueiredo como candidato há espaço e tempo para os dois temas. E até para se ouvir o que não se quer.
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De mão esticada e sorriso no rosto, José Figueiredo chega-se a Cotrim Figueiredo para lhe dar os parabéns pela “excelente prestação” nos debates. O ex-líder liberal retribuiu o sorriso, apela ao voto, mas não é suficiente: “Não vou votar em si, já escolhi o meu candidato”. A cruz no boletim de voto vai mesmo para o Chega. “Olhe que na Europa é tudo muito diferente”, afirma o cabeça de lista liberal, que prossegue com explicações sobre as europeias, que entra na conversa sobre o adversário, mas no final fica tudo na mesma: “Se votasse por pessoas até votava em si…”
Nem todas as conversas vão no mesmo sentido. O “senhor Reis” é ex-combatente, tem queixas e “só há um partido que fala nos ex-combatentes” e “não [quer] esse partido”. “Queremos que se lembrem de nós e dos retornados, o que ficou lá, as marcas. Não queremos fortunas. E agora ainda querem recompensar o nosso bandido”, afirma, enquanto Nuno Morna tira do bolso o telemóvel para lhe mostrar que a IL vai apresentar uma proposta para os ex-combatentes. Cotrim despede-se com um “tem o coração no sítio certo, não quer votar ali [Chega], vote aqui” e uma palmada no ombro de Morna.
À saída e à entrada do Mercado dos Lavradores é Isabel Pereira, a florista mais antiga da ilha, que vai fazendo de anfitriã, trata “todos por igual”, dá “abraços, beijos e deixa qualquer um entrar”. Todos fazem questão de ali parar e quando viram costas, a florista conta uma história que resume o espírito de campanha: “Alguém do PPD veio dizer-me que me viu agarrada ao Cafôfo. Só lhe disse: ‘Está com ciúmes, também quer um abracinho?’”