O século XIX, na Europa, é um século de progresso e transformação, marcado pela Revolução Industrial, que altera inúmeras paisagens, pela implementação de sistemas políticos representativos, em que uma parte dos cidadãos passa a participar na escolha dos governantes, e pelo desenvolvimento da imprensa, com o nascimento de grandes jornais diários e, com eles, espaços de discussões de todo o tipo de temas. O mundo da arte também não passa incólume às transformações do século, com cada vez mais artistas a contestar a tradição clássica e a experimentar novas técnicas e abordagens.

Neste período, acontece com frequência o mesmo artista ou grupo de artistas transitar de um estilo para outro e a coleção Gulbenkian permite observá-lo em primeira mão. É o caso do pintor britânico Joseph Mallord William Turner, autor de dois quadros, ambos parte do espólio do museu: “Naufrágio de um Cargueiro”, de c. 1810, e “Quillebeuf, Foz do Sena”, de 1833. Neles, vemos a passagem do clássico romântico da primeira obra, em que a figura humana é menorizada face à grandiosidade da Natureza, para um estilo mais próximo do impressionismo, com pinceladas mais livres em que as formas se vão dissolvendo, da segunda.

Joseph Mallord William Turner, Naufrágio de Um Cargueiro. Inglaterra, c. 1810. Óleo sobre tela. Museu Calouste Gulbenkian. Foto: Catarina Gomes Ferreira

A modernidade na pintura do século XIX surgiu também com um regresso ao antigo, à inocência e pureza estética que se encontrava nas grandes obras produzidas 300 anos antes, num movimento que se designou como pré-rafaelita – tomando como referência o mestre pintor renascentista Rafael. Um das figuras pré-rafaelitas foi Edward Burne-Jones, autor de “O Espelho de Vénus”, outra obra marcante deste século que faz parte da Coleção Gulbenkian, e que exemplifica na perfeição aquilo que se pretendia: evocar o passado através da harmonia estética da composição, mas conferindo também um traço de modernidade, evidenciado pela dimensão psicológica das personagens, que se apresentam enigmáticas e introspetivas.

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É igualmente curioso observar a evolução das correntes artísticas através da forma como se representaram as paisagens – uma das preferências de Gulbenkian – ao longo do século XIX. Se em “Os Pescadores”, de Constant Troyon, de meados do século XIX, vemos influências da escola holandesa e ficamos com a sensação de que podia ser uma obra produzida durante o século anterior, em “O Inverno” de Jean-François Millet, pintado em c. 1868, vemos o realismo ultrapassar as convenções da representação da vida bucólica, o chamado pastoralismo. Já “Les Bretonnes au Pardon”, de 1887, destaca-se pela forma inovadora e engenhosa como o autor, Dagnan-Bouveret, combinou o realismo fotográfico das personagens com uma paisagem impressionista.

Jean-François Millet, O Inverno. França, c. 1868. Pastel. Museu Calouste Gulbenkian. Foto: Catarina Gomes Ferreira

Outro pintor francês representado na coleção, Henri Fantin-Latour, assina duas obras também elas bastante distintas: “Natureza-Morta ou «La Table Garnie»”, de 1866, num género que vinha de séculos anteriores, mas que Fantin-Latour dominou com maestria e “A Leitura”, de 1870, um retrato íntimo e realista de Victoria Dubourg, mulher do pintor, e da sua irmã Charlotte, uma tela cheia de pormenores e sugestões de natureza simbólica e que é um excelente exemplo de como a pintura se foi transformando ao longo deste século.

Henri Fantin-Latour, A Leitura. França, 1870. Óleo sobre tela. Museu Calouste Gulbenkian. Foto: Catarina Gomes Ferreira