Durante a Idade Média e o Renascimento, o chamado Mundo Islâmico esteve em íntimo contacto com a Europa. Apesar da designação, não se tratava de um mundo unificado: abrangia o Médio Oriente, o Norte e a Costa Oriental de África, a Pérsia, a Índia, as ilhas que hoje formam a Indonésia. No século XVI, correspondia a duas grandes correntes religiosas, o Islão Sunita e o Islão Xiita e a três grandes impérios, o Otomano (Mediterrâneo), o Safávida (Pérsia) e o Mogol (Índia), também designados por “impérios da pólvora” por terem sido estabelecidos pelo uso de armas. Todos eles foram, individualmente, mecenas das artes e deixaram obras que nos ajudam a compreender melhor as suas épocas.
O importante espólio de arte do Mundo Islâmico da coleção do Museu Calouste Gulbenkian abrange diferentes origens e categorias, como a cerâmica, os têxteis e a arte do livro. Alguns exemplares constituem marcos artísticos de enorme relevância histórica.
É o caso de uma taça cerâmica Minai, decorada com cenas da corte persa e datada do final do século XII, representando um príncipe rodeado por jogadores de polo. A execução é primorosa e revela uma técnica, também ela, de enorme sofisticação para a época: a do reflexo metálico. É uma peça cozida duas vezes, a primeira a alta temperatura com um vidrado utilizado à base de óxido de estanho. Depois de ser pintada com óxidos metálicos e enxofre, a peça era novamente cozida, mas a baixa temperatura, criando uma película que cobre o vidrado e cujo efeito dá origem à designação “reflexo metálico”.
Nas obras de cerâmica da época é também possível apreciar o uso da caligrafia, que surge geralmente sob a forma de versículos do Alcorão. O Museu Gulbenkian tem vindo a desenvolver, nos últimos anos, o projeto “O Poder da Palavra”, convocando especialistas, estudiosos e membros da comunidade islâmica, na organização de pequenas exposições nas galerias do museu, em torno de temas muito diversos, em que a palavra é protagonista.
Um exemplo do uso da escrita na cerâmica está presente noutra peça da coleção: um nicho de oração persa, em faiança pintada, produzido em Caxã no século XIV, durante a dinastia Ilkânida. Uma das suas funções era orientar, no momento da oração, os fiéis na direção de Meca, algo que foi respeitado no projeto museográfico original do Museu Gulbenkian e que ainda hoje se verifica.
Podemos igualmente encontrar inscrições no notável conjunto de vidros mamelucos do século XIV, constituído por sete lâmpadas, duas garrafas e um vaso, produzidos no Egito ou na Síria durante o período de regência (1250-1517) da dinastia mameluca, uma casta de escravos militares que ascenderam ao poder. Executada em vidro esmaltado e dourado, com grande qualidade técnica, esta técnica viria a inspirar a produção vidreira de Veneza, mais um testemunho dos intercâmbios culturais proporcionados pela Rota da Seda e pelas ofertas entre embaixadas.
Ainda no campo da cerâmica, há outra peça que merece menção especial: o jarro de jade branco que pertenceu ao sultão timúrida Ulugh Beg, neto de Timur, o grande conquistador mongol do século XIV. A propriedade é revelada por uma inscrição em escrita tuluth no gargalo, a que se juntam inscrições dos seus sucessores mogóis, o que comprova a sua relevância como tesouro dinástico.
Não se pode falar em arte no Mundo Islâmico sem mencionar os têxteis. Calouste Gulbenkian era conhecedor e tinha um gosto particular por tapetes, tendo reunido, uma coleção única, constituída por 85 exemplares. No próximo ano, o Museu Calouste Gulbenkian publicará um catálogo com os contributos de especialistas internacionais que estão, atualmente, a estudar esta vertente da coleção. A coleção integra ainda um núcleo muito significativo de sedas produzidas nos principais centros do Império Otomano.
Outra área de interesse do colecionador pelas artes do Mundo Islâmico, foram os livros. O espólio do Museu reúne, entre outros, antologias de poesia, manuscritos do Alcorão, textos científicos e encadernações sumptuosas. Uma das suas peças literárias mais marcantes é a obra-prima “Antologia do Sultão Iskandar”, que foi um importante mecenas persa. Trata-se de um manuscrito produzido em Chiraz (1410-1411) onde impressionam as miniaturas de página inteira, as iluminuras decorativas e os textos poéticos, históricos e científicos.
Outra das obras literárias da coleção remete ao país de origem do colecionador, a Arménia. Trata-se de uma bíblia manuscrita e iluminada, decorada com folha de ouro e rica paleta cromática, produzida em 1623, em Constantinopla, a capital do Império Otomano.