[Este artigo faz parte da série de nove trabalhos “Os candidatos vistos à lupa” que o Observador irá publicar até ao dia das eleições]

A Iniciativa Liberal fez questão de deixar os objetivos para as eleições legislativas bem claros: cinco deputados entre Lisboa e Porto e a possibilidade de eleger em mais três círculos eleitorais (Braga, Aveiro e Setúbal). Em pouco mais de dois anos, os liberais têm como objetivo passar de um deputado único — o primeiro da história do partido — para um grupo parlamentar.

Muitos dos nomes mais influentes (embora seja uma influência silenciosa) partido estão nas listas, em particular daqueles que trabalharam nos últimos dois anos no Parlamento. Mas há também pessoas desconhecidos na política nacional, com o partido a fazer gala de ter “anónimos” nas suas listas. Por falar em anónimos, o próprio Tiago Mayan Gonçalves era “anónimo” quando foi escolhido para candidato presidencial e, a partir daí, tornou-se num dos rostos mais conhecidos do partido. Eleito presidente da junta de freguesia Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde pelo movimento de Rui Moreira chegou a admitir ao Observador, na Convenção liberal, em meados de dezembro vir a ser candidato a deputado. Quando as listas saíram percebeu-se que não seria. Os escolhidos foram outros.

Lisboa. A troika parlamentar e um gabinete (cheio) de lugares

Se a escolha de João Cotrim Figueiredo para cabeça de lista por Lisboa (o próprio) era óbvia, as de Carla Castro e de Rodrigo Saraiva também não são surpreendentes para quem acompanha de perto o dia-a-dia do partido. Os dois estavam nas listas a Lisboa nas últimas legislativas, em segundo e quarto, respetivamente, mas muito mudou. São os dois braços de que Cotrim não quis abdicar: Carla Castro é a mulher dos dossiês difíceis, da teoria, da parte técnica; Rodrigo Saraiva é a comunicação e a ligação ao partido

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Cotrim Figueiredo e Rodrigo Saraiva dividem o mesmo gabinete. Tudo passa por ali, do mais político ao mais pessoal. É a relação mais forte do líder liberal dentro da Assembleia da República. Mas os três passam a maior parte do tempo juntos.

A Iniciativa Liberal traçou como objetivo de eleger três deputados em Lisboa. Caso o objetivo seja atingido, João Cotrim Figueiredo, Rodrigo Saraiva e Carla Castro serão os deputados liberais pelo círculo da capital. Os dois nomes que se seguem são Bernardo Blanco e Leonor Dargent, que são também membros do gabinete da IL na Assembleia da República. Ou seja: o top 5 da lista por Lisboa é o gabinete de Cotrim.

João I, o deputado

VI Convenção da Iniciativa Liberal - IL. O partido reúne em convenção no Centro de Congressos de Lisboa. Intervenção de João Cotrim de Figueiredo, presidente do partido. Lisboa, 11 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

João Cotrim Figueiredo foi o primeiro deputado do partido na Assembleia da República. Escolhido para encabeçar a lista por Lisboa nas legislativas de 2019, o liberal estava longe de imaginar a mudança radical que iria acontecer nos anos que se seguiram. Em pouco tempo passou de um liberal sem partido a representante único da IL no Parlamento. Ao ser eleito começou a pressão interna para que fosse líder, o que o então presidente em funções aceitou com naturalidade. Ao não ser eleito no Porto, Carlos Guimarães Pinto abandonou a presidência da IL e deixou o caminho aberto para a liderança de Cotrim Figueiredo.

Não faltam na vida de Cotrim elementos para pintar um perfil de um self made liberal. O líder da IL faz questão de lembrar que entrou no mercado de trabalho aos 15 anos, a ajudar num negócio familiar criado pelo bisavô. Durante um mês andou porta a porta a vender os cabides da marca Manequim. Seria apenas o início de uma vida ligada aos negócios, a maior parte em cargos de liderança.

Estudou na Escola Alemã de Lisboa e foi na London School of Economics que tirou o curso de economia. De regresso a Portugal, tirou um MBA em Administração, Negócios e Marketing na Universidade Nova de Lisboa. A partir daí marcou presença em várias áreas: administrou a Compal durante seis anos, três dos quais a desempenhar funções também na Nutricafés.

Mais tarde dedicou-se à banca, onde geriu a Privado Holding  (detentora do BPP), cargo que assumiu já depois da saída de João Rendeiro — que fez uma gestão ruinosa. Passou ainda pelo mundo dos media, onde foi ser diretor-geral da TVI, ainda antes de presidir o Conselho Diretivo do Turismo de Portugal. Cotrim Figueiredo fez ainda parte da equipa que contribuiu para a realização da WebSummit em Portugal.

Sobra pouco tempo para hobbies e paixões fora da política. Ainda assim, o amor ao Benfica nunca foi um segredo, bem como a paixão pelas motas e pelo desporto, com preferência por corridas matinais e jogos de padel. É leitor compulsivo e apaixonado por fotografia. Agora, como está muitas vezes com as lentes apontadas a si, faz questão de saber qual a marca da máquina de quem o fotografa e de dizer qual a que usa.

Carla Castro, a cara da IL no Infarmed

VI Convenção da Iniciativa Liberal - IL. O partido reúne em convenção no Centro de Congressos de Lisboa. Entrada em palco de Carla Castro. Lisboa, 12 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Até integrar a equipa da Iniciativa Liberal no Parlamento, em 2019, Carla Castro não tinha qualquer experiência política. Trabalhava numa seguradora e nos últimos anos era subdiretora para a área digital. Desde que a IL tem um lugar no Parlamento, Carla Castro tornou-se na segunda cara mais conhecida do partido, ao ter acompanhado ou substituído João Cotrim Figueiredo em situações específicas ao longo destes anos — desde reuniões do Infarmed a audiências oficiais — e ao ser porta-voz dos liberais por várias vezes.

No partido é conhecida como uma “formiga de trabalho”, uma “espécie de operacional” capaz de seguir “todos os dossiês”. Na IL reconhecem-lhe a capacidade de gerir os temas mais sensíveis e complexos. Prova do algodão: no fim de semana da Convenção da IL, acabou por ser uma das oradoras mais aplaudidas.

Carla Castro coordena o gabinete de estudos da IL e foi a grande responsável pelos documentos de trabalho elaborados pelos liberais nos últimos anos. Foi exatamente esse cargo que lhe permitiu conhecer bem a realidade interna do partido e contactar com muita gente, gerindo quem faz o quê dentro do gabinete e escolhendo as pessoas para cada função.

Rodrigo Saraiva,  o homem da comunicação com passado no PSD VI Convenção da Iniciativa Liberal - IL. O partido reúne em convenção no Centro de Congressos de Lisboa. Entrada em palco de Rodrigo Saraiva. Lisboa, 12 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Rodrigo Saraiva é fundador da Iniciativa Liberal e um dos grandes responsáveis pela chegada de nomes que contribuíram para o crescimento do partido, desde logo o próprio João Cotrim Figueiredo. Além de ser uma figura central no Parlamento, é igualmente na estrutura do partido.

“É um exemplo, nunca o senti a pôr o interesse pessoal à frente do projeto, é raríssimo”, admitiu uma das pessoas que trabalha diretamente com o chefe de gabinete. Um liberal “sem vícios” e que preenche os “ideais de quem não está no partido para tentar fazer política”.

Rodrigo Saraiva também tem os seus vícios, mas não são políticos. É amante do Belenenses — que diz ser a “paixão de uma vida” — e faz questão de acompanhar jogos no estádio sempre que possível. Outro dos maiores vícios do fundador da IL é a comida. É mesmo um foodie e, nesse ramo, criou o Eat Out, um evento gastronómico que tinha como conceito reunir chefs e restaurantes conceituados em espaços inusitados.

Se na IL muitos se gabam de não terem experiência política e de terem “saído do sofá” para combater aquilo que acham estar errado, Rodrigo Saraiva não é uma dessas pessoas. Fez percurso entre os sociais-democratas, foi secretário-geral da JSD e vereador da Câmara de Lisboa no tempo de Carmona Rodrigues.

O consultor de comunicação, formado em Marketing e Publicidade, já ia nas listas por Lisboa em 2019, em quarto lugar, e é agora um dos “elegíveis” da Iniciativa Liberal, sendo mais um dos membros do gabinete que pode passar a estar sentado no plenário na próxima legislatura.

Porto. O antigo líder volta a tentar o que falhou em 2019

A aposta da Iniciativa Liberal no Porto foi clara: ir buscar Carlos Guimarães Pinto ao passado (recente) do partido e trazer Patrícia Gilvaz, como sinal de renovação. Têm os dois perfis completamente diferentes. De um lado um candidato mediático e economista reconhecido, que foi ex-presidente do partido. Do outro, uma jovem que ainda aguarda a conclusão do estágio de agregação à Ordem dos Advogados.

Enquanto Carlos Guimarães Pinto parecia a escolha óbvia para o partido no Porto, o segundo lugar para Patrícia Gilvaz surpreendeu até a própria. A liberal foi uma das escolhas nos núcleos do Porto e tornou-se a aposta da comissão executiva pela competência que tem demonstrado na coordenação do núcleo de Matosinhos.

Carlos Guimarães Pinto, o ex-líder

Carlos Guimarães Pinto é um repetente no primeiro lugar das listas da Iniciativa Liberal pelo Porto. A grande diferença está no facto de atualmente estar afastado (porque assim quis) da vida interna do partido e de já não ser líder. Mas a convicção do ex-presidente da IL é que não podia recusar: passado tão pouco tempo das últimas eleições e tendo dado a cara por este partido, como seria possível dizer que não?

O ex-líder liberal saiu do partido depois das eleições legislativas de 2019, em que a IL elegeu pela primeira vez um deputado. Tudo fazia prever que esse primeiro deputado fosse Carlos Guimarães Pinto, pelo crescimento do partido no Porto, mas o círculo de Lisboa acabou por levar a melhor. E o liberal achou que seria “negativo para um partido tão pequenino” que existissem dois centros de poder. Afastou-se para dar o palco todo a Cotrim.

Carlos Guimarães Pinto foi diretor executivo do Instituto Mais Liberdade, é investigador na área da economia internacional e professor universitário. Durante mais de uma década foi consultor de estratégia de gestão e trabalhou no estrangeiro, nomeadamente com autoridades governamentais de várias partes do mundo.

Antes de chegar ao mundo da política, muitos lhe seguiam os passos por aquilo que escrevia no blogue Insurgente. Foi uma espécie de montra que o levou a dar nas vistas entre os liberais que estavam a iniciar a caminhada dentro da IL. Depois de Miguel Ferreira da Silva ter deixado a liderança do partido, numa fase difícil para a IL, Carlos Guimarães Pinto surge quase como uma boia de salvação, pelas mãos de Rodrigo Saraiva, mas também de Miguel Rangel, João Serrenho e Nuno Santos Fernandes, que na altura tentavam manter de pé o projeto.

O desafio foi aceite e o auge da IL, até aquele momento, foi atingido com Guimarães Pinto ao leme: a eleição de um deputado. O liberal, doutorado em economia, nunca se afastou da política nem do comentário político, escreve regularmente para órgãos de comunicação social e é autor de vários livros.

Patrícia Gilvaz, a jovem quase advogada

Aos 24 anos, Patrícia Gilvaz é a escolha para número dois da Iniciativa Liberal para as eleições legislativas, a seguir a Carlos Guimarães Pinto. É uma das jovens que conseguiram um lugar nas listas liberais — e não foi um lugar qualquer — e é vista como uma das grandes apostas nacionais do partido, até porque a IL deixou os objetivos bem definidos e a eleição de dois parlamentares no Porto é um deles.

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, ainda aguarda a conclusão do estágio de agregação à Ordem dos Advogados. O convite deixou-a “muito surpreendida”. Os amigos e profissionais liberais que se têm cruzado com a jurista falam numa “força de trabalho gigantesca”.

Natural de uma pequena freguesia de Matosinhos, Perafita, estudou grande parte da vida lá, até ao momento em que foi fazer o secundário para Matosinhos e, mais tarde, o ensino superior no Porto, sempre em escolas públicas e desde cedo percebeu que o sucesso seria uma consequência do esforço. Ainda antes da faculdade começou a trabalhar num part time na restauração — que mantém até hoje — para ajudar a pagar os estudos. E no final da licenciatura teve de optar por não tirar o mestrado por questões financeiras.

Tesoureira da Associação de Estudantes e mais tarde presidente, sem militância partidária, reparou nos cartazes da IL nas eleições europeias e quis saber mais. Desde que se tornou membro do partido, teve uma ascensão interna muito rápida. Hoje, é já uma das coordenadoras do núcleo de Matosinhos e foi cabeça de lista para a Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Perafita, Lavra e Santa Cruz do Bispo.

Os liberais que deram nas vistas nas redes sociais

A Iniciativa Liberal é muitas vezes descrito como “o partido do Twitter” — até pelos próprios e a expressão até surge na moção estratégica com que João Cotrim Figueiredo foi a votos. Essa descrição vai muito além da brincadeira. De facto, os liberais usam muito as redes sociais, nomeadamente os tweets, e pode-se dizer que há carreiras políticas construídas atrás de um ecrã.

Se o ex-presidente do partido era um dos mais conhecidos nomes do blogue Insurgente, associado à direita, há muito mais — tanto no mundo dos blogues como nas redes sociais. É quase um barómetro para medir liberais, um passo antes da assinatura de várias fichas de membro.

Rui Rocha, cabeça de lista por Braga, e Cristiano Santos, número um por Aveiro, são conhecidos por terem uma marca forte nas redes sociais e por transmitirem a mensagem liberal desta forma, muito antes de estarem ligados ao partido. A comunicação, as redes sociais e o Twitter são um selo da IL que o partido quer manter e continuar a fazer crescer — à frente e atrás do ecrã. Aliás, mesmo a presença de várias pessoas de marketing e publicidade na IL, como é o caso de Joana Cordeiro, denota que esse é uma das apostas do partido.

Rui Rocha, o candidato Braga

Rui Rocha, o cabeça de lista de Braga pela Iniciativa Liberal tem 51 anos, é licenciado em Direito e tem feito carreira como gestor de recursos humanos, atualmente a trabalhar como diretor de recursos humanos das marcas de têxtil da Sonae.

Assíduo no Twitter e com o humor como arma, foi a “intensa” atividade em blogues, redes sociais e até como colunista que chamaram a atenção de um dos homens fortes da IL que o recrutou. O percurso profissional deu nas vista, mas também o facto de ser descrito como alguém “muito eficaz”, com “raciocínio rápido” e “capaz de perceber o que é preciso fazer em casa ocasião”. A capacidade de comunicação é apontada como uma das suas maiores qualidades: “Transmitir coisas complicadas de forma simples.”

Nos últimos dias, o membro da comissão executiva da IL tem aparecido mais a representar o partido em questões oficiais, desde reações à reunião do Infarmed e até ao Conselho de Ministros, um caminho que começa a ser feito com o intuito dos liberais conseguirem eleger um deputado fora dos dois grandes círculos eleitorais e com Braga a ser uma forte aposta.

Cristiano Santos, o enfermeiro da Feira

Cristiano Santos tem 36 anos e é enfermeiro especialista em saúde mental e psiquiatria no Hospital São João no Porto. Vive em Santa Maria da Feira e é candidato pela Iniciativa Liberal a Aveiro, pela segunda vez. É dos repetentes destas eleições legislativas depois de já ter sido cabeça de lista em 2019.

Tal como muitos dos liberais que foram chegando à IL, também Cristiano Santos tem uma marca forte nas redes sociais e na blogosfera, onde sempre teve uma ativa participação cívica. No partido há alguns anos, foi coordenador do núcleo de Aveiro e tem agora o mesmo cargo em Santa Maria da Feira.

Joana Cordeiro, Setúbal

Joana Cordeiro é outra repetente enquanto candidata da Iniciativa Liberal às eleições legislativas. A grande diferença está no casamento com o partido: em 2019 foi como independente, agora é membro da IL.

Cabeça de lista por Setúbal — um dos três distritos (fora Lisboa e Porto) em que a IL está a investir com o intuito de eleger um deputado —, a gestora de marketing licenciou-se no ISCTE. Com 37 anos, viveu sempre na Margem Sul do Tejo, entre o Seixal e Almada, é descrita como “organizada” e por não ter grande pudor em dizer quando discorda. Com um pormenor: “Ela própria se questiona a si própria, reinventa-se”, conta um amigo e colega de trabalho.

Nuno Garoupa, Fora da Europa

Nuno Garoupa é uma grande aposta da IL para as eleições antecipadas, o nome mais conhecido [exceção para o deputado único] do leque de candidatos e um homem que é uma voz permanente à direita, sempre muito crítico do sistema e da forma como partidos como PS e PSD governam.

Apesar da pouca possibilidade de eleição pelo círculo eleitoral Fora da Europa, os liberais consideram que o posicionamento de Garoupa é uma “tomada de posição simbólica” e um “sinal” da força e crescimento da IL.

Mais do que isso, o partido muitas vezes depara-se com a frustração de não conseguir levar para a política pessoas anónimas ou não com responsabilidade e profissionais conceituados, que acreditam nos valores liberais mas não na política.