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HUGO AMARAL/OBSERVADOR

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Imigração ilegal. Há "lojas de indianos" a ser exploradas por grupos criminosos

Chegam a contar-se dez lojas numa só rua, com a mesma oferta, propriedade de indianos, paquistaneses e bangladeshis. Por trás poderá estar uma rede criminosa suspeita de auxílio à imigração ilegal.

Enquanto os pequenos empresários tentam manter os seus negócios e lutam para não fechar portas, há uma área comercial que prolifera e cresce à vista de todos nos bairros históricos de Lisboa: mercearias e frutarias propriedade de cidadãos oriundos da Península Indostânica, ou seja, de países como a Índia, o Paquistão e o Bangladesh. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) já abriu vários inquéritos nalguns destes estabelecimentos comerciais e suspeita que alguns deles sejam detidos por grupos criminosos dedicados ao auxílio à imigração ilegal.

No café de Amélia (nome fictício) já se tem falado “disso”. Naquele quarteirão lisboeta nasceram sete mercearias e frutarias, uma loja de telemóveis e, mais recentemente, uma casa de chá. As frutarias e mercearias funcionam como verdadeiras lojas de conveniência, abertas em horários alargados, fins de semana e feriados e a vender um pouco de tudo, desde tabaco a bebidas, legumes e outros produtos alimentares. A aparência das lojas é sempre a mesma, no entanto os seus proprietários mudam frequentemente. Num movimento considerado “anormal” e num período de tempo que nem chega para a empresa crescer nos seus rendimentos.

O Subdiretor Central de Investigação do SEF, Paulo Baptista, conhece bem o esquema e não o considera uma novidade. “Conhecemos essa realidade, temos investigações sobre essa realidade e, em certos casos, há indícios de poder ser um esquema fraudulento para regularizar imigrantes ilegais”, disse ao Observador. O responsável afirma que o pack pago por imigrantes de países como a Índia, o Bangladesh ou o Paquistão que querem legalizar-se em Portugal chega a atingir os milhares de euros – como tem concluído através de outros processos-crime. Os imigrantes pagam um valor que inclui o transporte até ao país desejado, o contrato de trabalho e o alojamento. Tudo para um fim: obter uma autorização de residência.

Amélia não investiga nem tão pouco conhece os movimentos internacionais de imigração ilegal, mas os mais de vinte anos a servir refeições rápidas no mesmo sítio fizeram dela uma boa ouvinte. E daquele desabafo ela não esquece. “Um cliente indiano que já esteve preso por falsificação de documentos explicou-me o que acontecia. Os funcionários pagam 4500 euros por um contrato de trabalho com descontos para a Segurança Social. Algumas mercearias chegam a ter dez ou vinte funcionários. E é assim que sobrevivem”, conta.

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Há imigrantes a pagar para trabalhar para poderem obter autorização de residência.

Quando lhe contou isso, o homem tentava afastar-se dos compatriotas que abriram, precisamente no dia 31 de dezembro de 2015, uma Casa de Chá/ Snack-Bar mesmo em frente ao café de Amélia. No piso inferior do estabelecimento a oferta seria de “chás preparados à moda árabe” e de shishas para fumar. Mas, duas semanas depois das portas abertas, não foi o que o Observador lá viu. À escolha havia apenas dois aromas de chá da marca Pingo Doce. E, no final, o pedido de fatura revelou-se difícil. “Não sei se tenho papel que chegue”, disse a empregada. O talão acabou por sair, sem número de contribuinte, e do piso superior desceu um homem. “You have to buy some paper”, disse-lhe a empregada em inglês.

Nas lojas que o Observador visitou, nem sempre o pedido de fatura foi recebido com simpatia. E as respostas foram sempre idênticas:

— Não há papel.

— A máquina está avariada.

Há ainda outra coisa que distingue estas lojas das mercearias “comuns”. Os produtos que estão à venda são adquiridos em hipermercados, como o Lidl ou o Pingo Doce, onde é comum ver estes empresários a abastecerem carrinhas monovolumes da mais diversa mercadoria — detergentes, fruta, bebidas — para depois venderem a preços de margens reduzidas.

Nos últimos meses, o número de mercearias e frutarias tem crescido abruptamente nas ruas dos bairros históricos de Lisboa. E não só. Já se começam a fazer notar noutros concelhos. Para tal, também contribuíram as leis portuguesas. Por um lado, como sublinhou ao Observador o vereador Duarte Cordeiro com o pelouro da Economia e Inovação da Câmara de Lisboa, o Licenciamento Zero, que vem simplificar a vida aos empresários que queiram abrir um negócio. Por outro, refere o responsável pelo SEF, a própria Lei dos Estrangeiros, que dispensa os vistos de trabalho para a autorização de residência no País.

Uma das lojas em Lisboa

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Assim, qualquer cidadão estrangeiro que obtenha um contrato de trabalho e faça descontos para a Segurança Social consegue automaticamente uma autorização de residência — o que não acontece noutros países da Europa. “Temos indícios de que algumas lojas possam estar a ser usadas para esse fim”, reconhece o investigador.

“Temos indícios de que algumas lojas possam estar a ser usadas para esse fim”, reconhece o investigador.

Sempre que os serviços de fiscalização do SEF se deparam com vários contratos de trabalho em nome de uma mesma empresa, abrem um inquérito para apurar se existe, de facto, uma relação laboral, ou se é uma relação fictícia. Daí as empresas estarem frequentemente “a rodar”. Isto é, a abrir e a fechar, mas mantendo os mesmos espaços comerciais. “Temos dezenas de inquéritos decorrentes de contratos de trabalho que se concluem ser fraudulentos”, diz Paulo Baptista.

SEF já fez detenções

Ainda no início do mês de março, o SEF anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro no aeroporto de Lisboa suspeito de pertencer a um grupo criminoso, que se dedicava a transportar imigrantes ilegais para vários países europeus. O suspeito, o quarto arguido do processo, e que se encontra em prisão preventiva, regressava do Paquistão para onde tinha viajado em 2015 — altura em que foram detidos outros suspeitos no âmbito da mesma investigação.

SEF já abriu dezenas de inquéritos a empresas cujos contratos de trabalho se suspeita serem fictícios.

O SEF tem esta investigação nas mãos há cerca de dois anos, depois de esta ter sido iniciada pelas autoridades francesas, que a batizaram de “Operação Bouquet”. A investigação visava um grupo de pessoas que se dedicava ao transporte de imigrantes ilegais, maioritariamente originários da Índia, Paquistão e Bangladesh, dentro do Espaço Schengen — com vista à sua regularização, recorrendo a documentação falsa ou obtida fraudulentamente.

Mas os casos têm-se multiplicado. Foi também em circulação que a GNR de Castelo Branco deteve, em janeiro, um cidadão paquistanês e quatro indianos por imigração ilegal. Os suspeitos foram intercetados numa ‘operação stop’ e seguiam num carro de matrícula francesa. O paquistanês de 39 anos foi detido por auxílio à imigração ilegal e os quatro cidadãos de nacionalidade indiana que seguiam com ele (o mais novo tinha 19 anos e o mais velho 39) foram detidos e entregues ao SEF, por se encontrarem em situação ilegal no País.

O Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2014 já fazia referência a esta realidade no capítulo dedicado ao Tráfico de Seres Humanos e ao Auxílio à Imigração Ilegal.

“Para haver tráfico de seres humanos teria que haver exploração da vítima. Tinha que haver um aproveitamento da fragilidade da vítima, horários de trabalho desumanos, pagamentos enganosos, ameaças, espancamentos”

“É de mencionar as redes de tráfico de pessoas e de auxílio à imigração ilegal de cidadãos indostânicos, que facilitam a entrada em Schengen e a viagem para Portugal a cidadãos paquistaneses, indianos e nepaleses. Vêm de outros países Schengen ou com recurso a vistos de curta duração falsos ou emitidos com base em documentação fraudulenta”, lê-se no Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2014.

O relatório também toca na lei dos Estrangeiros para explicar como é que estes indivíduos obtêm a autorização de residência ou a sua renovação. No entanto, refere que esta concessão é, muitas vezes, baseada em “contratos fraudulentos (…) principalmente de empresas de restauração, comércio e agrícolas”. Ainda assim, refere o relatório, no ano de 2014 “verificou-se uma diminuição de cidadãos indostânicos detetados em situação ilegal” devido à diminuição da oferta de emprego.

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Vítimas ou cúmplices?

Quando se fala de crime, fala-se em vítimas. No entanto, o responsável do SEF, Paulo Baptista, encontra algumas resistências em chamar-lhes vítimas. “São pessoas interessadas neste esquema, que veem uma vantagem na legalização”, explica. E só se queixam se este processo fraudulento correr mal e não conseguirem a autorização de residência. Daí a diferença entre o crime de auxílio de imigração ilegal e o de tráfico de seres humanos. O investigador do SEF não acredita que por detrás destes esquemas de auxílio à imigração ilegal esteja o crime de tráfico de seres humanos.

“Para haver tráfico de seres humanos teria que haver exploração da vítima. Tinha que haver um aproveitamento da fragilidade da vítima, horários de trabalho desumanos, pagamentos enganosos, ameaças, espancamentos”, exemplifica.

Ameaças que, até agora, não chegaram ao conhecimento das autoridades. Ainda assim, é de referir uma das conclusões da conferência sobre Tráfico de Seres Humanos organizada pela Ordem dos Advogados: as cifras negras neste tipo de crime são enormes e nem sempre as vítimas percebem que estão a ser vítimas.

Follow the money

E o dinheiro por detrás deste negócio? Essa é uma das dificuldades com que o SEF se depara na investigação destes crimes: seguir o rasto ao dinheiro e perceber o que é que ele financia ou para onde vai. É que estas redes criminosas só usam dinheiro vivo e fogem de todo o tipo de transferência bancária, que possa ficar registada e permita mostrar às autoridades quanto dinheiro há por trás deste esquema e para onde vai. Um relatório da Europol, de janeiro de 2015, referia que o dinheiro associado ao tráfico de seres humanos é muitas vezes investido em pequenos negócios nos países de origem dos suspeitos, ou repartido e depositado em contas bancárias de familiares e, até, de identidades falsas usadas para abrir essas contas e para lavar o dinheiro.

Há várias lojas na mesma rua

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Por outro lado, também é difícil provar que, na verdade, estas lojas não têm relações laborais com os funcionários, que assim o declaram para obter documentos portugueses. É que os empresários podem sempre justificar ao SEF que assim que o funcionário obteve autorização de residência, “desapareceu”, obrigando-o a procurar um outro funcionário. E os investigadores são obrigados a procurar prova para mostrar que essa relação laboral nunca existiu e que, nalguns casos, nem sequer o funcionário em questão passou por aquele local de trabalho.

Paulo Baptista adverte, no entanto, para o facto de nem todas as lojas de propriedade de empresários oriundos destes países serem “uma fraude”. Aliás, a comunidade de imigrantes destes países já estabelecida em Portugal é “calma” e não está associada a um fenómeno criminal. E lembra que muitos destes cidadãos têm apetências para as novas tecnologias e por isso é comum abrirem lojas de telemóveis. “Há imigrantes a receber 200 euros por mês a trabalhar nestas lojas. E conseguem viver com esse ordenado, partilhando casa com outras famílias e tendo uma vida regrada. Isso não é ilegal”, ressalva.

Por outro lado, o SEF já detetou várias outras empresas — nomeadamente no ramo da construção civil — que também só são constituídas para legalizar cidadãos estrangeiros. E essa relação laboral fictícia é crime.

Lei

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O auxílio à imigração ilegal com intenção lucrativa é punível com pena de prisão de um a cinco anos. Se a vida do estrangeiro em causa for colocada em perigo, ou sujeita a “condições desumanas”, a pena pode estender-se até aos oito anos de cadeia, segundo a lei.

A PSP, segundo uma fonte da Investigação Criminal contactada pelo Observador, desconhece que possa haver uma rede criminosa por  detrás destes negócios. No entanto, há registo de alguns crimes contra alguns destes estabelecimentos comerciais. “Como ficam abertos até mais tarde e trabalham só com dinheiro, já têm sido alvo de crimes de roubo e de furto”.

Contactada pelo Observador, a ASAE refere que a fiscalização a este tipo de estabelecimentos comerciais é feita no âmbito das suas competências, à semelhança do que acontece noutra lojas “para garantir a segurança dos consumidores, a saúde pública e a leal concorrência entre os operadores económicos”. “A fiscalização acima mencionada não incide sobre um determinado tipo de mercearia, frutaria ou loja de comercialização de telemóveis mas sim no quadro de atuação decorrente de denúncias ou do plano anual de fiscalização”, refere a ASAE em resposta ao Observador.

O Observador também contactou a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), mas até ao momento não obteve qualquer resposta.

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