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José Cardoso Botelho é CEO da Vanguard Properties Portugal.
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José Cardoso Botelho é CEO da Vanguard Properties Portugal.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

José Cardoso Botelho é CEO da Vanguard Properties Portugal.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

"Impossível construir casas para classe média" com impostos altos, licenciamentos morosos e custos que sobem em flecha, diz CEO da Vanguard

Promoção é sobrecarregada com impostos, licenciamentos são "complicadíssimos" e custos na construção não param de subir – o que até vai pôr o PRR em risco, avisa José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard.

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A pandemia não trouxe a correção negativa nos preços das casas que alguns vaticinaram. Pelo contrário. E também não será a guerra na Ucrânia ou o aumento da inflação que irá melhorar o acesso à habitação. A única coisa capaz de tornar os preços mais acessíveis, afirma o presidente da Vanguard Properties, é o aumento da oferta, a nova construção, algo que praticamente estagnou na última década.

Essa é a única saída, garante em entrevista José Cardoso Botelho, presidente-executivo da Vanguard Properties Portugal, promotora mais conhecida por ter comprado a Herdade da Comporta. Mas não vai haver construção para a classe média se não se acabar com a “sobrecarga” de impostos sobre a promoção imobiliária residencial e se não se tornarem mais rápidos os processos de licenciamento camarário – e, neste último ponto, o Porto está a dar cartas e Lisboa está a melhorar.

Mas há um terceiro problema: as recentes subidas dos custos na construção, que José Cardoso Botelho receia que tenham vindo para ficar, tornam muito difícil – ou “praticamente impossível” – construir casas para a classe média e média-baixa em Portugal, a valores que sejam suportáveis pelos seus níveis de rendimento, muito parcos em comparação com outros países.

E os custos mais elevados na construção levam, ainda, o presidente da Vanguard a antecipar que muitas obras públicas – incluindo as do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – vão ficar por fazer.

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Pouca nova oferta. “Já andamos a vender casas em segunda mão há muito tempo”

Salientou recentemente, numa publicação que fez numa rede social, que o principal problema do mercado imobiliário português é a falta de oferta. Para que dados costuma olhar para suportar esse diagnóstico?
Nos primeiros 10 anos do século XXI tivemos mais de 700 mil novas casas colocadas no mercado – e na segunda década tivemos pouco mais de 140 mil. Tivemos uma redução de cerca de 80% na nova oferta. No último ano, de 2021, teremos tido qualquer coisa como 33 mil milhões de euros em transações, com 205 mil casas vendidas. Ora, no mesmo ano, terão sido construídas menos de 19 mil novas casas. Há aqui um gap enorme, um gap que já vem de há muito tempo – já andamos a vender casas em segunda mão há muito tempo. E a procura nos últimos anos tem sido muito forte, diria até que é cada vez mais forte, pelo que, com uma oferta de novas casas muito incipiente, a consequência direta é, obviamente, o aumento dos preços.

Mas vale a pena voltar um pouco atrás: porque é que a construção de novas casas caiu tanto?
Nós tínhamos um conjunto de promotores fortes que já vinham dos anos 90, que praticamente desapareceu. Nestas falências grandes após a crise de 2008, muitos eram promotores com muitos terrenos e que na altura produziam muitas casas – hoje, praticamente desapareceram. Houve um interregno forte entre 2008 e 2013 e, depois, começaram a aparecer novos promotores a partir dessa altura, 2013, 2014. Só que no imobiliário tudo demora tempo – e os licenciamentos são um tema…

Já lá iremos…
Sim, até que se consiga pôr uma casa no mercado demora tempo. Para dar uma ideia, nós comprámos o edifício na [Rua] Castilho [em Lisboa] em agosto de 2016 e entregámo-lo no ano passado – e pode considerar-se um projeto rápido. Temos outros, também projetos de 2016, que ainda não começaram. Tudo aquilo que se fizer hoje só terá impacto daqui a cinco ou seis anos…

"Nós comprámos o edifício na Castilho em agosto de 2016 e entregámo-lo no ano passado – e pode-se considerar que foi um projeto rápido. Temos outros, também projetos de 2016, que ainda não começaram. Tudo aquilo que se fizer hoje só terá impacto daqui a cinco ou seis anos..."

Preços mais altos. “Isto não é bom para todos mas também não é mau para todos”

Mas, voltando à recuperação pós-crise, como começou essa recuperação?
Na altura da crise, muitas empresas de construção faliram, houve muitas obras que ficaram paradas. A banca cortou o crédito, quer à promoção quer à própria compra e por isso é que se diz que o mercado retomou uma rota de crescimento com o golden visa [vistos gold], que começou no outono de 2012. A partir de 2013, 2014, começou a ver-se uma procura por clientela estrangeira, não só devido ao golden visa mas também outros programas como o Residente Não Habitual (RNH) e, depois, mais tarde, também os clientes portugueses.

Os portugueses também começaram a comprar mais?
Sim, e isso é um tema que também é pouco falado. Costuma dizer-se que só os estrangeiros compram, mas 89% das transações feitas no ano passado foram por portugueses, segundo os dados do INE e do Confidencial Imobiliário. Há muitas pessoas que falam do problema do acréscimo de preço do imobiliário mas não podemos esquecer que há muitas pessoas, nomeadamente muitos portugueses, que apesar de tudo não se podem queixar porque metade do seu património, ou mais, é composto por imóveis. Vemos bastantes casos de pessoas que tinham moradias e que, entretanto — por exemplo porque já têm a família “resolvida” e precisam de casas mais pequenas –, compram apartamentos ou vão viver para fora de Lisboa e vendem os seus ativos em Lisboa. Enfim, ficam com maior opção do que tinham no passado e os seus ativos valorizaram-se fortemente. Obviamente que isto não é bom para todos mas também não é mau para todos – e, depois, do ponto de vista do país, o imobiliário tem sido um contribuinte líquido muito relevante, muito maior do que as pessoas normalmente pensam.

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Mas, se o aumento da oferta é o fator decisivo para que haja maior acesso à habitação e preços mais acessíveis, que perspetivas existem para que a oferta aumente nos próximos anos?
Nós temos condições para que isto possa mudar relativamente rápido. Por um lado, temos investidores interessados em investir em Portugal – nunca houve tantos investidores qualificados disponíveis para apostar neste país. Sem dinheiro, sem capital, não há promoção imobiliária. O maior desafio é o licenciamento – continua a ser um problema, que se agravou muito nos últimos anos. Demora licenciar um edifício, licenciar um loteamento é um processo complicadíssimo, normalmente, por isso mesmo havendo dinheiro não se consegue pôr no mercado mais casas. Ou se cria no imobiliário um sistema de Via Verde… como já se criou noutros domínios com muito sucesso.

Recado para as câmaras. Promotores “não são inimigos, trabalhamos todos para o mesmo”

E que outros desafios existem?
O RGEU (Regulamento Geral das Edificações Urbanas), o código que rege este setor, faz agora 70 anos. Isto não é normal. E cada câmara municipal tem o seu processo específico de entrega de projetos e de aprovação, o que significa que não há um processo comum, o que obriga a que se tenha pessoas com experiência em cada uma das câmaras com que se trabalha, porque a filosofia e o processo de cada câmara é diferente – o que acarreta complexidade, custos, demoras… Sem resolvermos o problema do licenciamento eu diria que será impossível haver mais oferta, e sem haver mais oferta não conseguiremos nunca ter casas mais baratas.

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Não vê melhorias na relação com as câmaras?
Há algumas edilidades que têm vindo a melhorar. Nós não temos projetos no Porto mas, com base no que dizem pessoas que têm investimentos no Porto, a relação entre a câmara e a promoção é francamente positiva, rápida e há vontade de resolver os problemas e despachar os processos em tempo útil.

E em Lisboa?
Na atual vereação… Já vem, de alguma forma, da anterior, alguma reorganização dos serviços e vi com alguma satisfação que ainda recentemente numa semana houve quatro processos que estavam pendentes e foram resolvidos. Fico com a ideia de que quer o presidente [da câmara] quer a responsável pelo urbanismo estão, de facto, com vontade de fazer com que o processo de licenciamento seja mais rápido e, sobretudo, mais transparente. Por vezes havia falta de comunicação entre a câmara e os proponentes. É preciso que as pessoas das autarquias percebam que as empresas e as pessoas [requerentes] não são inimigos, estamos todos a trabalhar para o mesmo: uma cidade não se faz sem investimento, sem promoção imobiliária, por isso é preciso por vezes uma forma diferente de falar com as pessoas e estimulá-las a investir, porque o capital é algo que circula com muita facilidade e hoje está em Lisboa mas, se não for atendido ou não for dada a devida resposta em tempo útil, pode movimentar-se para outro local.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Pandemia não fez cair preços. “E ainda bem, para o país e para o património das pessoas”

Portugal é o único país europeu em que os preços das casas subiram mais de 6%, em todos os anos desde 2016, de forma consecutiva, apontou a Comissão Europeia num relatório de finais de novembro onde falava em “sobrevalorização”. Faz sentido falar nisso?
Não. É interessante que as pessoas falam quando o mercado sobe mas não falam quando desce. As pessoas esquecem-se do que aconteceu em 2009, 2010, 2011, 2012, etc. O imobiliário português perdeu muito valor, perdeu mais de 30%, quase 40%, entre 2008 e 2014. O que estamos a fazer é recuperar uma situação do passado. Mas se olhar para os números da transação média em Portugal vai verificar que em 2012 já andávamos, em termos unitários, na ordem dos 124 mil euros por fogo vendido e no ano passado andámos perto dos 160 mil. Não foi um crescimento como as pessoas pensam: o que aconteceu foi que, a partir de 2015, Portugal passou a ser procurado por um tipo de cliente que no passado só procurava, por exemplo, locais como a Quinta do Lago, que há muitos anos tinha valores de transação muito acima do que havia até mesmo em Lisboa. Lisboa passou a ter, a partir de 2015/2016, uma procura por um cliente internacional, mais sofisticado, com maior poder de compra e que veio para viver. Isso fez com que se criasse um tipo de produto que no passado não existia. É como os carros: a Mercedes vende carros de 25 ou 30 mil euros mas também tem carros de 300 mil euros ou mais. E em Portugal, sobretudo em Lisboa, não tínhamos as gamas altas – mas passou a haver. Ou seja, há, de facto, valores hoje de venda muito superiores ao passado porque, também, são produtos diferentes – não é uma questão de ter o mesmo ativo a vender-se por um preço mais alto.

Ao contrário do que muitas pessoas vaticinaram, o mercado imobiliário não sofreu impacto da pandemia. Até porque a pandemia fez manter as taxas de juro baixas mais tempo, sendo isso um dos grandes impulsionadores dos preços. Surpreendeu-o que os preços não tenham corrigido?
Por acaso houve [no início da pandemia] um artigo publicado num jornal que dizia qualquer coisa como “vai cair tudo a pique”. Insurgi-me contra esse texto porque não achei que o texto tinha fundamento…

Era um artigo especificamente sobre o mercado imobiliário?
Era, uma das expressões que usava era “acabou a festa”. Como se tratasse de uma “festa”. E escrevi um texto em que critiquei violentamente esse artigo e, passado este tempo todo, tudo aquilo que esse artigo dizia não se concretizou. E ainda bem para o país, porque se tivesse acontecido aquilo que ali se dizia, havia um conjunto de consequências gravíssimas.

Quais?
Uma é que as pessoas que compraram casas, se as casas passassem a valer menos, metade, as garantias que concederam ao banco passariam a valer metade – o que significa que as pessoas podiam ser obrigadas pelos bancos a reforçar garantias. As chamadas margin calls, como se diz, são uma coisa que não tem graça nenhuma. Segundo, significava que mais de metade do património evaporava-se… Penso que [aquele texto] um comentário feito no calor da situação, nada daquilo aconteceu. A procura manteve-se forte, houve algum decréscimo no número de transações mas o valor continuou muito elevado – e é normal que tenha havido menos transações porque havia uma impossibilidade de deslocação das pessoas.

Por causa das restrições pandémicas…
Sim e esta legislação que vai entrar em vigor, finalmente, no final deste mês, que prevê que passe a ser possível fazer escrituras à distância, foi um tema que defendemos porque fazia todo o sentido facilitar as escrituras e as procurações à distância. Se é verdade que a maior parte das pessoas compra casas em planta, sem as ver, numa casa construída é diferente – é difícil alguém comprar uma casa já construída sem ir lá ver. Foi por isso que houve menos negócios, porque as pessoas não podiam mostrar e ver as casas.

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Mas os preços não caíram…
Não, porque os preços cairiam só se houvesse um forte acréscimo na oferta, que não aconteceu, ou uma forte redução na procura, que também não aconteceu. As taxas de juro continuaram baixas e, portanto, o investimento imobiliário continuou a ser um investimento interessante.

“Concursos desertos” nas obras do PRR? “Certamente muitas obras não se vão executar”

Quando se fala em subida dos preços das matérias-primas, escassez de mão-de-obra, temos o Plano de Recuperação e Resiliência com muita obra para executar… Como é que isto vai poder fazer-se tudo?
Um dos grandes desafios que temos, enquanto país, é sermos capazes de construir a obra pública e a privada que vai estar a concurso – e de uma forma que se encaixe nos preços. Com a legislação que temos na contratação pública de obra… vai haver provavelmente bastantes obras que não se vão fazer porque havendo esta dificuldade em garantir preço, mesmo a curto prazo, e sendo tão difícil a nossa legislação nessa matéria… A retificação e alteração de preços, o reequilíbrio financeiro, é um tema de tal maneira complexo – incluindo ter a aprovação do Tribunal de Contas – que muitas empresas de grande dimensão a nível da construção, exceto obras muito emblemáticas, eu diria que vai certamente muitas obras que não se vão executar.

Concursos desertos?
Sim, é bem provável. Aliás, já tem acontecido muito. E enquanto houver esta dificuldade nas cadeias logísticas e nos preços é muito difícil uma empresa ir para uma obra a garantir o preço fixo. E, por vezes, um preço fixo tem de ser garantido durante vários anos.

E concursos desertos incluindo nas obras associadas ao PRR?
Também, também. Acredito que sim, desde logo temos aqui um problema de oferta – provavelmente o que vai ter de acontecer é que vamos ter muitas empresas estrangeiras que virão para Portugal tentar ganhar algumas dessas obras, nomeadamente empresas espanholas. Não é necessariamente algo muito bom para nós, mas provavelmente é isso que vai acontecer. E outras [obras] vão ficar desertas simplesmente porque os preços não são realistas.

“Praticamente impossível produzir casas” que a classe média possa comprar

E na obra privada?
Aí, eu diria que pode haver dois cenários. Quem está a produzir casas para o segmento médio ou médio/baixo, eu diria que vai ser um problema, porque os custos… nós já temos uma fiscalidade tão elevada, um licenciamento tão moroso e tão complexo, que se torna virtualmente impossível, se houver um acréscimo de preços na ordem dos 15% e 20% – que é o que está a acontecer – torna-se praticamente impossível produzir casas para serem vendidas a um preço que o mercado compre. E o mercado da classe média compra o quê? Compra as casas que resultam quase de uma fórmula aritmética que é saber quanto é que as pessoas ganham, quantos anos os bancos financiam, qual é a taxa de esforço… e está feita a conta. Portanto, se tiver que lhe vender uma casa acima de determinado preço, já sabe que não tem financiamento – já sai fora das contas e provavelmente não vai promover esse produto enquanto as cadeias logísticas não estabilizarem e, de alguma forma, voltem aos preços antigos. Embora eu tenha dúvidas que vão voltar, alguma vez, aos preços anteriores.

"Quem está a produzir casas para o segmento médio ou médio/baixo, eu diria que vai ser um problema, porque os custos... nós já temos uma fiscalidade tão elevada, um licenciamento tão moroso e tão complexo, que se torna virtualmente impossível, se houver um acréscimo de preços na ordem dos 15% e 20% – que é o que está a acontecer – torna-se praticamente impossível produzir casas para serem vendidas a um preço que o mercado compre."

A Vanguard em Portugal é muito associada ao setor de luxo mas na Suíça não é assim, têm muita promoção para a classe média, incluindo o arrendamento. Porque é que essa componente não existe em Portugal, pelo menos para já?
O direito à habitação é um direito constitucional mas é justamente sobre a habitação que incidem mais impostos. Se fizer uma loja de luxo na Avenida da Liberdade, pode deduzir o IVA. Mas se fizer um edifício de apartamentos em Odivelas tem de pagar 23% de IVA e não o pode deduzir – é um custo efetivo. Isto não faz sentido nenhum. Estamos a sobrecarregar com impostos a construção de casas mas se fizermos um hotel, uma loja, um centro logístico ou um centro de escritórios o IVA é dedutível nas rendas. Temos, por um lado, uma fiscalidade elevada – que nas nossas contas, em geral, representa qualquer coisa como 40% do preço de custo. Temos o tema do licenciamento grave, temos um projeto em Lisboa – na Marechal Gomes da Costa – que era o nosso primeiro projeto para fazer casas para a classe média, e hoje em dia estou em crer que mesmo que tudo corra bem daqui para a frente, até que consigamos entregar as casas ao cliente final passará qualquer coisa como oito anos.

E na Suíça, como é?
Na Suíça há duas coisas importantíssimas. Uma é que os bancos na Suíça investem a longo prazo. Não é possível fazer casas para a classe média com financiamentos de curto prazo – ou se consegue um financiamento a 20 ou 30 anos na banca portuguesa, a taxa fixa, ou se não for assim torna-se impossível. Em Portugal, se tentar hoje dizer a um banco que precisa de um financiamento a 30 anos dizem logo que não. No máximo admitem fazer um leasing a 20 anos, ou coisa parecida. Na Suíça isso existe, até existe a possibilidade de pagar no final, por exemplo, 40% do financiamento.

E qual é a segunda diferença?
É o poder de compra das pessoas. Nós em Portugal infelizmente, se incluirmos nas nossas contas o ano de 2020, tivemos um crescimento médio do rendimento de 0,3% nos últimos 20 anos. Temos uma falta de poder de compra tremenda. Nós ganhamos pouco, o rendimento per capita cresceu muito pouco, o PIB cresceu muito pouco e, portanto, temos de facto as casas mais caras mas também temos de lembrar que quando fazemos as casas temos muita inflação importada – não produzimos ferro, produzimos pouco aço, os preços dos cimentos são internacionais, muitos equipamentos que usamos são de marcas internacionais e, portanto, não podemos achar que é cortando nos custos da construção que chegamos lá. O país é que tem de crescer mais.

"Temos uma falta de poder de compra tremenda. O País tem de crescer mais", diz José Cardoso Botelho.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Em alturas de maior inflação, “o imobiliário costuma ser beneficiado”

Vimos que a pandemia não levou a uma correção nos preços das casas mas, nesta fase, com as taxas de juro a parecerem estar a caminho de subir, será este fator que pode induzir alguma correção nos preços da habitação em Portugal? Sabemos que as taxas de juro baixas não só estimulam a compra a crédito (devido às prestações mais baixas) mas também tornam o imobiliário mais apetecível como alternativa de investimento e aplicação de poupança…
A equação é complexa. Primeiro, Portugal continua a ser um país muito atrativo para quem quer cá residir. Há muita gente que quer viver em Portugal e não precisa de crédito. Quando há um aumento na inflação, pelo menos até níveis razoáveis, o imobiliário costuma ser beneficiado. Ainda há pouco tempo Elon Musk dizia que nas alturas de inflação elevada comprava mais ações e imóveis – concordo com ele. As pessoas estão a comprar mais imóveis e é uma forma de tentar proteger os seus capitais da inflação.

Esta guerra… já está a sentir alguns impactos diretos ou indiretos?
Fazemos muita venda direta e temos um sistema interno bastante sofisticado, diria eu, de avaliação da procura. E quando começou a guerra, de facto verificámos nos primeiros dias uma redução significativa do número de pedidos mas depois, tal como foi na pandemia, está a regressar à normalidade. No início da guerra houve, certamente, uma maior apreensão por parte das pessoas.

Está a falar dos estrangeiros…
Estrangeiros e portugueses. Havia, inclusivamente, pessoas que tinham reuniões marcadas ou visitas que pediram para adiar. Tiveram medo que isto pudesse alastrar, digo eu. Mas as pessoas também percebem que as oportunidades não esperam por elas e, portanto, acabam por querer avançar. E, lá está, à medida que vão ouvindo que a taxa de inflação vai subindo, vão percebendo que estão a perder dinheiro todos os dias.

"Quando começou a guerra, de facto verificámos nos primeiros dias uma redução significativa do número de pedidos mas depois, tal como foi na pandemia, está a regressar à normalidade. as pessoas também percebem que as oportunidades não esperam por elas."

Banca. “Aquilo que vemos nas audições parlamentares, nada daquilo se está a passar hoje”

Já falámos um pouco sobre a banca, mas voltando ao tema: vê os bancos disponíveis para financiar a promoção?
A banca evoluiu de forma extraordinária. Aquelas histórias horríveis que se ouvia no passado em que alguém tinha o dinheiro na conta antes sequer de o financiamento ser pedido, esse tipo de negócio desapareceu. As pessoas podem estar descansadas porque não vão existir, na minha opinião, mais situações desse género. Aquilo que vamos vendo nas audições parlamentares, nada daquilo se está a passar hoje em dia – e ainda bem. Hoje, para se obter um financiamento de um banco português é preciso apresentar um business case, um plano de negócios bem estruturado em que, ao contrário do passado, o promotor tem de colocar capital próprio. Já não é como dantes, em que às vezes 100% da compra do terreno era com dinheiro do banco, 100% da construção era com dinheiro do banco, às vezes até mais do que 100%. Ou seja, se corresse mal o banco ficava com o problema, se corresse bem o promotor ficava com o lucro.

“Juros baixos são maus para os jovens que não têm pais ricos”

É nesse contexto, também, que a banca exige mais capital, entradas iniciais volumosas, a quem compra – o que é muitas vezes um entrave sobretudo para os jovens, que não conseguem comprar casa no início da vida, sobretudo com os preços mais elevados… Que solução pode haver para esse problema?
Nós em Portugal, comparativamente com países como a Holanda ou até Alemanha, logo na fase inicial da vida… por regra, um jovem casal tem a mania de comprar casa. O que às vezes é um erro, porque a família muitas vezes cresce e depois a casa já não é ajustada e, depois, se se quer trocar de casa e se está num momento de descida não consegue vender porque fica agarrado ao preço que pagou pela casa. Muitas vezes, o arrendamento é uma solução. O problema, em Portugal, é que fizemos tantas alterações na legislação do arrendamento que cria um problema que é: como os bancos não financiam operações de longo prazo, os financiadores típicos de operações de build to rent são os fundos, como fundos de pensões. E quando um fundo vem a Portugal e fala com advogados, quando pergunta como é a legislação do despejo, como é a legislação do arrendamento, quantas vezes foi alterada ao longo do tempo…

Quantas vezes foi alterada?
Em 10 anos foi alterada 11 vezes e está-se sempre a proteger o inquilino, mesmo aquele que não cumpre porque não quer – há muitos casos desses. O Estado é que tem de intervir em situações de pessoas que precisam, em determinado momento, não deve ser o promotor. Os promotores e os proprietários já foram fustigados durante dezenas e dezenas de anos, com rendas baixíssimas e quase impossibilitados de despejar pessoas que não pagavam a renda. A consequência é que ficámos com as nossas cidades totalmente delapidadas, sem investimento nenhum. Chegámos a ter prédios perto da Avenida da Liberdade, com quase cinco mil metros quadrados, que recebíamos 50 contos de renda por mês (quando havia sub-arrendatários que ganhavam 450 contos por andar). Isto é que levou a que os edifícios tenham ficado no estado em que ficaram. Portugal não é, pura e simplesmente, fiável para os fundos investirem em habitação. E por isso é que, apesar de se falar muito, eu não conheço nenhuma operação em Portugal em curso, com dimensão, de build to rent – e isso é um problema. Com estas alterações sucessivas de legislação, não vejo que seja muito fácil termos em Portugal fundos de pensões a investir.

Clientes russos? "Muito poucos – e são pessoas normais, não são oligarcas"

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A Vanguard diz ter “muito poucos” clientes russos – e “são pessoas normais, não são oligarcas”.

José Cardoso Botelho lembra que “a comunidade russa nunca foi muito relevante em Portugal porque os russos gostam de três ou quatro horas de viagem, no máximo. E Lisboa está a cinco horas e meia ou seis horas de avião”.

Além disso, “curiosamente, sendo um país onde faz muito frio [a Rússia], eles acham por exemplo que a nossa água [do mar] é muito fria. E preferem países do Mediterrâneo”.

José Cardoso Botelho lançou no ano passado uma empresa de exportação de vinhos portugueses para a Rússia, em conjunto com a mulher, que é russa. O negócio “estava a correr muitíssimo bem” mas “agora deu-se esta situação, portanto os pontos de venda que iam abrir estão parados e os que estavam abertos estão a funcionar mas não temos feito mais nenhuma importação de vinhos”.

“Não nos parece fazer sentido ter mais nenhum tipo de negócio enquanto esta situação permanecer”, diz José Cardoso Botelho, acrescentando que “temos 22 trabalhadores na Rússia, que dependem de nós, estamos a pagar-lhes… e vamos gerindo a situação à vista”. “Temos pena mas mais pena tenho do que está a acontecer ao povo ucraniano”, remata o CEO da Vanguard.

“Grandes problemas no imobiliário foram causados pelo Bloco de Esquerda”

Disse no ano passado que “ter de negociar todos os anos para passar o Orçamento” era uma “tragédia” para o imobiliário. Com maioria absoluta de um partido, neste caso o PS, fica mais fácil?
Julgo que sim, aquilo que eu me apercebo é que os grandes problemas que foram causados ao setor imobiliário foram essencialmente causados pelo Bloco de Esquerda, que tem sempre no imobiliário residencial uma fonte privilegiada até mesmo para obter receita – como, por exemplo, o Adicional ao IMI (AIMI). O AIMI é um imposto extraordinário… que a maior parte das pessoas pensa que só incide sobre os imóveis de luxo, mas afeta única e exclusivamente as propriedades residenciais, terrenos acima de 600 e tal mil euros independentemente de quantos fogos se podem fazer nesse terreno. Ou seja, se eu comprasse um terreno com esse valor, algures em Lisboa, para fazer 100 casas, ainda assim esse terreno é considerado como se fosse de luxo, portanto paga AIMI. Mais uma vez, se comprar uma loja na Avenida da Liberdade não paga AIMI. Se isto faz algum sentido, devo ser eu que sou muito estúpido. Eu acredito, sinceramente, que o PS nunca concordou com essa medida – foi obrigado, senão não passava o orçamento.

Então mas sem o BE no governo, ou a apoiar o governo, há menos risco desse tipo de medidas, na sua análise?
Eu penso que quer o PS quer o primeiro-ministro, António Costa, são conscientes da importância quer do turismo quer do imobiliário. E são conscientes de que, quando se diz que o imobiliário não traz interesse para o país –, traz sim, porque ao contrário de um investimento financeiro, que hoje está aqui mas amanhã pode estar em Londres ou Nova Iorque, os imóveis uma vez em Portugal não saem de Portugal e pagam impostos para o resto da vida. Quem tem golden visa ou RNH, tudo o que tem a ver com impostos sobre a propriedade, paga igual como os outros. Têm, no caso dos RNH, vantagens no caso dos impostos sobre o rendimento. Mas sobre o imobiliário pagam como qualquer outro português. O que estamos a fazer é aumentar a base de coleta, de forma muito significativa, além de que essas pessoas que estão cá a viver, podem até não pagar IRS elevados mas consomem – o que significa que pagam o imposto mais importante para o país que é o IVA.

As restrições aos vistos gold, que entraram em vigor no início do ano, foram oportunas?
Eu não posso concordar com nada que seja baseado em informação que não é factual. Há uma ideia de que foi o golden visa que provocou o aumento dos preços, mas quando vamos analisar factualmente os números do golden visa verificamos que isso é impossível. Por exemplo, no Porto foram concedidos cerca de 60 golden visas em cinco anos, como é que isso influenciou o preço das casas?

Foi noticiado que alguns no setor estão a “fintar” as novas restrições aos vistos gold, licenciando os imóveis para utilização turística. Sabe se isso está a acontecer?
Isso não representa o mercado. Isso fala-se relativamente a fundos de capital de risco, mas se for a verificar a dimensão desses fundos é absolutamente insípida. Isso é uma coisa de que se fala muito mas em termos de valor absoluto não tem expressão rigorosamente nenhuma.

Comporta elitista? “Queremos criar emprego e condições para que deixe de ser só um destino sazonal”

Em que ponto está o projeto na Comporta? Como estão as vendas, estão a ser sobretudo a estrangeiros, portugueses etc?
Nós na Comporta temos três projetos. Temos a Muda, que é no fim dos terrenos da Herdade da Comporta, temos o Dunas e temos o Torre que fazem parte do projeto que chamamos de Terras da Comporta. Esses, sim, no coração do Carvalhal e na freguesia da Comporta. Na Torre já vendemos as quintas todas, e vendemo-las durante a fase da pandemia. Agora estamos a preparar o lançamento da expansão da Aldeia. Fizemos toda a obra de infraestrutura, estamos só a fazer a repavimentação da via e vamos começar com as casas muito em breve, nas próximas semanas. No caso da Torre e da Dunas, lançámos nos finais de 2020/2021 as obras de infraestruturas. No caso da Dunas terminam daqui a três meses, teremos a infraestrutura integralmente feita, e no outro no final do ano. E só a partir daí é que vamos começar as vendas. Um dos campos de golfe está feito, vamos começar com o outro em breve e começar com as infraestruturas de apoio e depois as vendas. Penso que este ano provavelmente ainda não vamos fazer vendas mas será no ano que vem. Temos milhares de pedidos de informação.

De portugueses ou…
De todo o lado. No caso da Muda tivemos clientes de 11 ou 12 países, portugueses foram cerca de 30% das vendas. Temos polacos, canadianos, americanos, mexicanos, belgas, franceses, suíços, enfim.

Não acha que está a ficar uma zona muito elitista, sobretudo com este tipo de construção?
Nós o que estamos a fazer, em primeiro lugar, é um projeto que tem uma oferta vasta e criar condições para que aquilo deixe de ser um destino sazonal, criando emprego. Vamos criar muito emprego, vamos começar a fazer casas para as pessoas que vão para lá trabalhar, no futuro, estamos a falar de uma coisa integrada. Queremos criar uma nova centralidade no Carvalhal, que é uma zona aberta, com uma clínica de uma marca conhecida, que vem dar apoio e serviço à comunidade – não é só para as pessoas do nosso condomínio. Vai haver bares, restaurantes, supermercados, zonas culturais, vamos ter espaços para concertos ao vivo no meio da floresta, espaços de co-working. Temos uma panóplia de serviços que vão criar movimento e criar a possibilidade de as pessoas poderem lá viver o ano todo. Claro que os custos… Mas isso, lá está, temos sempre o eterno problema dos salários em Portugal serem muito, muito baixos. Qualquer coisa que se faça hoje, com alguma qualidade… Se hoje em dia quiser uma casa com qualidade, mesmo que o custo do imóvel a reabilitar ou do terreno seja a custo zero, já está fora de preço [para o comprador português]. Por isso é que temos de mudar o paradigma da nossa economia.

Ainda recentemente foi noticiado que tinha sido comprado o Parque de Campismo da Galé, que poderá ser desmantelado…
O que se está a fazer é projetos com bastante qualidade, como é óbvio, que vão criar muito emprego, que vão criar muita riqueza local, e ao contrário do que as pessoas pensam “ah vai haver construção perto das praias”. É mentira… O ordenamento não permite isso, no nosso caso em concreto não haverá nenhuma casa a menos de 1,2 km da costa, que não são visíveis da praia, que são construídas com todas as regras, com ETAR de última geração, com tratamento de água secundária, águas usadas para rega, as casas têm utilização das águas pluviais, são altamente eficientes do ponto de vista energético, com produção autónoma de energia, têm pegada de carbono neutra ou mesmo negativa (ou seja, captura CO2). No passado, toda aquela zona já teve 115 mil camas aprovadas, neste momento tem 15 mil. É 10 vezes menos mas fala-se da Comporta como se fosse uma zona que, de repente, ficaria com uma carga urbanística tremenda.

Separaram a joint venture com Amorim…
Quando fizemos a transação, a Amorim Luxury comprou três lotes para desenvolver o seu projeto hoteleiro e turístico, que se mantém e está a ser trabalhado. E, depois, tínhamos uma empresa conjunta de áreas comuns e é sobre essa que estamos a trabalhar para a separação. Ou seja, nós conseguimos fazer bem em conjunto a infraestrutura, que era o tema mais importante, que está a três meses de ficar concluída. Portanto, estando garantido que tudo o resto vai avançar, as partes estão confortáveis em ficar separadas, como no fundo já estavam – eles sempre ficaram com os seus três lotes e nós tínhamos os outros. O que estamos a fazer é que o lote comercial fica para nós, eles ficam com o apoio de praia e nós com a zona comercial e o golfe.

Mas criou-se um rumor de que teria havido zanga…
Não, são dois grupos que têm culturas diferentes, nós somos um grupo imobiliário e eles são um grupo turístico e hoteleiro e, portanto, acho que estamos bem, estamos contentes com o que temos e ambos queremos fazer projetos de exceção e ambos vamos estar contentes e muito contentes, espero eu, daqui a algum tempo.

Podem vir a fazer mais coisas em conjunto…
É possível, nunca se sabe o dia de amanhã.

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