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A ideia
O iPhone nasceu da ideia de criar um tablet. Contudo, Steve Jobs, o carismático mentor daquele que se viria a tornar um dos dispositivos tecnológicos mais importantes das últimas décadas, rapidamente transformou o conceito e mudou o azimute: passar a experiência de utilização de um computador para um dispositivo pequeno capaz de caber no bolso.
Concretizar o iPhone implicava fazer coisas que nunca ninguém tinha feito. Por um lado, otimizar a tecnologia touch screen (que já estava em desenvolvimento) e, por outro, pegar no sistema operativo do Macintosh (OS X) e melhorá-lo até ser capaz de funcionar num hardware tão pequeno.
Era um passo com muitos riscos e não havia margem para erro, porque a Apple não tinha um plano B caso o projeto falhasse. Isto porque a ideia de substituir o teclado físico pela ponta dos dedos ia completamente contra a corrente dominante. Tony Fadell, o líder da equipa que desenhou o iPhone, contou à CNN que a decisão de abdicar das teclas a favor de um ecrã tátil foi a decisão derradeira. A equipa sabia que o teclado virtual não seria tão bom como o físico, mas conseguiram ver as vantagens para o desenho das aplicações e para a utilização geral.
Tony Fadell explica que, a dada altura, teve de ser feita a opção de seguir por um de dois caminhos: dar continuidade à tecnologia que todos diziam ser a melhor (o teclado físico), ou livrar-se dela. Steve Jobs optou pela segunda.
A Apple já tinha passado por esse processo de invenção disruptiva, com o Macintosh e com o iPod. Além da visão, a determinação do diretor executivo da Apple foi decisiva. Steve Jobs reuniu os melhores engenheiros que durante mais de dois anos se envolveram num trabalho envolto num grande secretismo, um comportamento típico da indústria onde o segredo é a alma do negócio e a surpresa é o elemento chave que garante a antecipação de um produto face à concorrência.
O iPhone tinha tudo para se tornar um fracasso. Andy Grignon, um dos engenheiros que fez parte da equipa que desenhou os primeiros protótipos daquilo que viria a ser iPhone, recorda o tremendo desafio técnico que foi levar a cabo o projeto. Isto porque, conceptualmente, o iPhone foi totalmente desenhado de raiz, o que exigiu ultrapassar obstáculos a cada passo. Não existia nada assim, não se tratava de introduzir modificações em algo que já existia, o iPhone foi inventado do nada.
A Keynote
A apresentação de Steve Jobs realizada no dia 9 de janeiro de 2007, na conferência MacWorld no Moscone Convention Center em São Francisco, ficará para a história. O diretor da Apple começou por dizer que aquele era um momento que aguardava há dois anos e meio, porque “de vez em quando aparece um produto revolucionário que muda tudo” e que “a Apple é uma afortunada por ter tido a hipótese de lançar dois destes produtos”. Em 1984 apresentaram o Macintosh, que “não mudou apenas a Apple, mas toda a indústria dos computadores” pessoais e em 2001 o iPod, que “não mudou apenas a forma como consumimos música, mudou toda a indústria da música”.
A sequência de repetição que se seguiu levou a audiência ao rubro. “Isto não são três dispositivos separados, são um só”.
Foi uma apresentação com a graça e entusiasmo que se conhecia do comunicador que era Steve Jobs. A habilidade com que explicava as ideias que tinha — e que hoje também nos parecem simples — convenceram praticamente todos os entusiastas de tecnologia, ainda que quase ninguém, nomeadamente aqueles que o construíram, fossem capazes de antever o alcance da revelação.
A primeira ideia era poderosa: era preciso revolucionar a interface do utilizador, ou seja, o modo como o utilizador comunicava com o sistema operativo. Naquele tempo a BlackBerry e a Nokia dominavam o mercado dos smartphones, eram dispositivos grandes ocupados em metade por um teclado físico.
Para a Apple, “o problema são os teclados físicos”, porque as teclas fixas eram as mesmas para todas as aplicações. “E se aparecer uma ideia nova seis meses depois, já não dá para alterar as teclas. Isto assim não funciona porque os botões e comandos não podem ser modificados.”
“Como é que vamos resolver isto?” Nas palavras de Steve Jobs tudo parecia simples. Esta limitação já tinha sido resolvida nos computadores, onde havia sido criado um ambiente de trabalho onde se podia pôr o que se quisesse. E também já existia uma maneira de controlar esse ambiente: com um apontador a que se chamou rato.
O iPhone iria seguir esse conceito, seria um telefone sem teclado físico, “um ecrã gigante. Mas como é que vamos comunicar com ele? Vamos usar uma caneta stylus, certo? Não. Ninguém quer uma caneta. Yuck!. Vamos usar o melhor apontador do mundo, aquele com que todos nascemos: os dedos”, afirmou o CEO da Apple. A tecnologia que permitia esta utilização chama-se ecrã multitátil (multi-touch) e está hoje omnipresente em todos os smartphones.
Em cima disso, o software, descrito por Steve Jobs como “5 anos à frente de qualquer outro telefone”, tinha por base o sistema operativo OS X, que já se conhecia do Mac, ou seja, transportava para o iPhone não só a estrutura de segurança mas também a estética e, claro, as aplicações.
Vale a pena ver ou rever os minutos iniciais da keynote de Steve Jobs, em janeiro de 2007:
Deslizar o dedo para desbloquear o ecrã, abrir uma aplicação com um simples toque e carregar no botão “home” para voltar ao ecrã inicial, fazer “scroll” (deslizar) para correr uma página, playlist ou álbum de fotografias, fazer zoom numa fotografia com o movimento de afastar os dedos, tudo ações que se tornaram banais mas que, naquela altura, precisaram de uma demonstração cuidada, porque tudo era novo.
A “demo” (demonstração) começou pelo que as pessoas conheciam melhor: o iPod, que a partir daqui dispensava a “click wheel” (a roda) para passar a ser manipulada com ponta dos dedos. Depois, seguiram-se a aplicação de chamadas, contactos, calendário, fotografias, e de cada vez Steve Jobs arrancou muitos aplausos.
O iPhone foi o primeiro telemóvel a incluir um browser completamente funcional e uma aplicação de email com “rich HTML”, tecnologia que permite ter imagens e texto complexo no corpo do email, o que aproximava a experiência móvel da que conhecemos dos computadores. Basicamente, foram passos que justificavam a expressão que se tornou corriqueira no meio tecnológico: “Internet in your pocket”, que significa “Internet no seu bolso”, que é o que cada smartphone, na prática, permite.
A ela podemos acrescentar a expressão “mapa no seu bolso”: o Google Maps passou a estar no smartphone, um avanço que veio alterar completamente a maneira como nos guiamos pelo mundo. Os mapas de papel ainda não desapareceram, mas tal como outras coisas, deixaram há muito de ser norma.
O iPhone tornou-se o grande negócio da Apple, que só no segundo trimestre deste ano rendeu 53.2 mil milhões de dólares — para comparação, o iPad gerou receitas de 3.9 mil milhões e os computadores 5.8 mil milhões. Só a engenharia que resultou da pesquisa e desenvolvimento que deu origem ao iPhone valeu à Apple o registo de mais de 200 patentes, trunfos que são usados na “guerra” de patentes que faz circular milhares de milhões de dólares na indústria tecnológica, todos os anos.
Steve Jobs terá percebido aquilo em que o iPhone se haveria de tornar, não foi por acaso que nesse dia a empresa mudou de nome: de Apple Computer, Inc. mudou para Apple Inc., para refletir a diversidade de produtos que faziam além dos computadores, com o iPod à cabeça. E a partir de 29 de junho, o iPhone.
Como era o primeiro iPhone
As imagens onde se vê a mão de Steve Jobs a demonstrar as novidades do novo aparelho têm de ser vistas em perspetiva: hoje o primeiro iPhone parece-nos incrivelmente lento e básico, mas em 2007 era uma máquina incrível, do tamanho da novidade.
As características técnicas eram, à época, dignas de nota. O ecrã tinha umas estonteantes 3,5 polegadas e “alta resolução” com 160 ppi (480×320), 11,6 mm de espessura e 135 gramas. A câmara frontal tinha 2 megapíxeis (dois), bateria com uma autonomia de 5 horas para chamadas, vídeo e Internet e 16 horas para ouvir música. Estava disponível com duas capacidades de armazenamento: 4 e 8GB e custavam, respetivamente, 499 e 599 dólares.
Características do atual iPhone 7 Plus
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- Ecrã de 5,5 polegadas, resolução de 1920×1080 píxeis a 401 ppi
- Câmaras grande angular e telefoto de 12 MP
- Gravação de vídeo 4K
- Memória: 32, 128 e 256 GB
- Peso: 188 gramas
- GPS e bússola digital
- Wi‑Fi, rede móvel 4G e microlocalização iBeacon
A primeira geração do iPhone tinha também “outras coisas que não se viam” (palavras de Steve Jobs): sensor de proximidade, sensor de luminosidade, acelerómetro, Wi-Fi e Bluetooth (v. 2.0). As ligações de dados davam-se via GSM + Edge. Em 2007 já existia rede móvel 3G mas Steve Jobs justificou a decisão (bastante criticada) com a disponibilidade internacional.
Contudo, além do 3G, havia outras coisas que o primeiro iPhone não tinha: flash, câmara frontal (a câmara das selfies), não gravava vídeo, não permitia o envio de mensagens multimédia nem tinha a função copiar/colar. A atualização do software ou a sincronização de música exigia a ligação ao iTunes e não havia App Store — a loja de aplicações só haveria de surgir um ano mais tarde, em julho de 2008.
Quando voltamos às primeiras análises feitas há 10 anos, é claro que os analistas ficaram convencidos, mas não pouparam críticas ao arrojo. A inovação foi disruptiva, mas faltavam aspetos fundamentais, dificilmente justificáveis pelo preço que se pedia, nomeadamente a ausência de ligação de dados móveis por rede 3G e a ausência de mensagens multimédia.
Como apontava a CNET na análise da primeira geração do iPhone: “É digno de nota não pelo que faz, mas como o faz.” Nem tão pouco se adivinhava a revolução que vinha a caminho, começando pelas pessoas que fizeram o iPhone.
O que é que mudou?
Numa palavra: tudo.
Do ponto de vista tecnológico, o iPhone (dispositivo e conceito) mudou a forma como comunicamos e consumimos informação. Dinamizou um mercado que já representava quase mil milhões de dispositivos — atualmente, é esse o número de iPhones vendidos — forçando outras empresas não só a entrar no jogo, com a seguir-lhe as pisadas. Exemplo disso foi o Android.
O sistema operativo da Google já estava a ser desenhado, mas teve de voltar à mesa de trabalho após o anúncio do iPhone, já que estava a ser desenvolvido com base num teclado físico. Só em setembro de 2008, ou seja, um ano e três meses depois do lançamento do iPhone, saiu no mercado o primeiro smartphone Android — hoje é o sistema operativo mais utilizado no mundo.
Na economia também mudou muita coisa e não foi só o negócio das máquinas, o iPhone abriu a caixa de pandora para outro fenómeno: as aplicações móveis (apps). Em 2008 a App Store abriu com “apenas” 500, hoje tem mais de dois milhões — a loja de aplicações para Android (Google Play) já se aproxima dos 3 milhões. E com as aplicações surgiram indústrias inteiras, algumas a valer muitos milhões — a Uber é o derradeiro exemplo.
Socialmente, o iPhone (conceito) mudou a forma como comunicamos e consumimos informação. Existem atualmente 2.32 mil milhões de utilizadores de smartphone, 30% da população mundial transporta a “Internet no bolso”, com tudo o que de bom e menos bom isso representa.
Para começar, mudou profundamente a forma como trocamos informação. As redes sociais são, talvez, o melhor exemplo, foi a mobilidade que lhes deu o grande empurrão. Não será especulação dizer que o Facebook, por exemplo, dificilmente teria a dimensão que tem hoje (2 mil milhões de utilizadores mensais) se não fossem os smartphones. Depois, as plataformas de troca de mensagens, com o WhatsApp à cabeça, já com mais de mil milhões de utilizadores ativos.
Os smartphones mudaram também, e muito, o modo como acedemos à informação. Para o ilustrar não precisamos de estatísticas externas: cerca de 60% do tráfego diário do Observador tem origem em smartphones e tablets, um valor que tem crescido de forma progressiva ao longo dos últimos três anos.
A frase foi proferida por Steve Jobs na apresentação do iPhone, no dia 9 de janeiro de 2007: “Apple reinvents the phone” (a Apple reinventa o telefone). Mais do que isso, mudou o mundo.