O livro “67 Vozes por Portugal — A Grande Oportunidade” propõe reflexões sobre o “futuro do país”, através de textos inéditos assinados por personalidades de diferentes áreas: Adriano Moreira e Afonso Reis Cabral, José Avillez e Pedro Abrunhosa, Isabel Stilwell e Ricardo Mexia, por exemplo. A análise sobre o país é feita tendo em conta o final do pico da pandemia e os tempos próximos, entre “os desafios e as responsabilidades”.
O Observador publica um excerto do livro: o texto de Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares contra a Fome e do Banco Alimentar contra a Fome de Lisboa, que defende que “gerar riqueza e fomentar empresas fortes é a única forma de reduzir a pobreza”.
“Vivemos tempos desafiantes. Nada faria prever que, de forma brusca e inesperada, enfrentaríamos uma crise desta dimensão e abrangência, com impactos no Mundo inteiro, que se refletem inevitavelmente numa recuperação de Portugal.
Sou por natureza otimista e acredito que conseguiremos dar a volta à crise. O caminho não será fácil, mas é determinante que, coletivamente, acreditemos; que, com lideranças fortes e empenhadas no bem comum, concretizemos a recuperação de Portugal.
Esta é talvez, aliás, uma grande oportunidade.
Assim saibamos encontrar as nossas maiores forças, recuperar o que de bom temos, inovar, puxando pelo que construímos para que em conjunto, de forma planeada e articulada, consigamos não só resistir à crise que nos assola, mas também evitar uma depressão coletiva que só nos poderá empobrecer ainda mais. Depressão no plano económico e no plano social: há que reencontrar o orgulho e a confiança no nosso país, que, com tanto passado, tem certamente muito futuro.
Aliás, a crise atual não fez mais do que trazer à luz as inúmeras fragilidades e precariedades de uma economia que carece de robustez, dependente de políticas e de modelos que não são definidos com sentido estratégico, mas sim com o prazo de uma legislatura. Saberemos resistir a soluções que no curto prazo parecem boas mas que se esgotam em si mesmas sem gerar futuro?
Saberemos perceber que gerar riqueza e fomentar empresas fortes e reprodutivas, geradoras de emprego, é a única forma de reduzir a pobreza que se transmite de geração em geração, atingindo hoje um quinto dos Portugueses, privando-os de liberdade? Saberemos reduzir a dependência do Estado a que nos habituámos, privilegiando a gestão eficiente, lutando contra o desperdício de recursos humanos e materiais, valorizando o mérito? Saberemos investir numa educação de qualidade, desde que é iniciado o percurso educativo, não padronizando por baixo, mas exigindo a todos os alunos uma participação plena e inclusiva, com currículos adaptados às capacidades e aos interesses, mas adequados à procura do mercado de emprego? Saberemos recuperar a confiança dos Portugueses na coisa pública, incentivar a participação cívica e cidadã, a corresponsabilidade?
Só com emprego qualificado e bem remunerado poderemos gerar o dinamismo da economia que gera riqueza e, em simultâneo, contribuir para o desenvolvimento do país, permitindo o desenvolvimento pessoal e gerando um sentimento de felicidade individual que se reflete a vários níveis. Devemos apostar nos setores nos quais nos diferenciamos já hoje, na riqueza natural do nosso território, atraindo, com propostas inovadoras e de qualidade, cidadãos de outros países que buscam algumas das respostas que Portugal pode oferecer com qualidade e diferenciando-se de outros mercados, e alargando, assim, o nosso mercado interno. Certamente que, logo que recuperada a confiança na circulação de pessoas, o setor do turismo poderá ser uma boa alavanca, mas não é o único. Atrair talento, incentivar os jovens a criar, dando-lhes oportunidades que hoje encontram no estrangeiro – e não falo só na União Europeia –, financiar projetos inovadores, recuperar a oferta de produtos e serviços permitindo o acesso a linhas de crédito incentivadoras da economia, fomentar o emprego e a atração por zonas hoje despovoadas, com base num plano estratégico para Portugal, no qual as pessoas sejam o centro dos processos e respeitando o ambiente, permitirá gerar riqueza de longo prazo.
Se apenas for privilegiado o investimento em infraestruturas, algumas das quais até sem utilidade real, continuaremos a empobrecer, a delapidar o pouco que ainda existe, a perder capital humano valioso, a formar quadros para emigrarem em busca de melhores oportunidades de carreira e melhor remuneração, a negar um futuro a Portugal. Envelheceremos e empobreceremos tristemente sós.
Temos de conseguir contrariar a noção de cidadania hoje prevalecente, cujo apanágio é a desresponsabilização individual na construção do coletivo e a desconsideração da política, no que ela tem de mais nobre enquanto serviço, por exemplo, refletida na conivência geral e instituída com a fuga ao fisco.
À questão de como se recupera Portugal, respondo que só com um plano verdadeiramente estratégico, corajoso, que rompa com tabus e reconheça que só a riqueza pode reduzir a pobreza; investindo na educação plena e exigente, desde o início da escolaridade, premiando o mérito; promovendo a democracia e a liberdade, sem clientelismos nem oportunismos; reduzindo o papel do Estado na economia, conferindo a garantia integral dos direitos consagrados na Constituição para os cidadãos e valorizando as empresas e a iniciativa privada; alterando o sistema de segurança social, insustentável, para que não falte a quem realmente precisa; valorizando a inovação e promovendo a criação de empresas, seja por via fiscal, seja com incentivos que premeiem o desenvolvimento regional e a proteção do ambiente. O envelhecimento da população é uma realidade que tem de ser encarada com realismo, pelo reflexo inevitável que tem na economia, mas também nos Orçamentos do Estado, com peso crescente das pensões que, com o modelo atual, estão condenadas; a transmissão intergeracional da pobreza, o conformismo com uma vida em dependência, seja de subsídios, apoios ou esquemas, sem a ambição de uma ascensão que eleve socialmente, seja na própria geração, seja nas seguintes.
O setor social tem hoje um papel extraordinariamente importante, pelas caraterísticas da população. É reconhecido pela Comissão Europeia como instrumento de coesão social e pode gerar muito mais emprego se o modelo for bem pensado.
Em Portugal, a rede de respostas sociais está bem implantada no terreno e tem um profundo conhecimento das necessidades. Todavia, é demasiado dependente do Estado e não há uma cultura de autonomia.
Existem poucos recursos humanos e financeiros disponíveis, escasseia a capacidade de gestão nas respostas sociais, há muito desperdício de recursos, demasiada dependência do Estado, grande parte dos recursos humanos estão focados nos processos, esgotados em questões burocráticas e em questões legais, deixando para último lugar as pessoas e o acompanhamento integral de cada situação, com o objetivo de promover autonomias e quebrar ciclos de pobreza.
É imprescindível a criação de respostas integradas, sustentadas, com equipas especializadas, com estabilidade para essas equipas, com financiamento adequado e pagamentos atempados. O atual modelo de financiamento de projetos, muitos dos quais com um período demasiado curto, não gera mudança real e origina frustrações.
O combate à pobreza deve ser encarado como investimento público e não como mera despesa pública. A elaboração de métricas e indicadores hoje inexistentes permitirá o acompanhamento dos resultados.
Seria importante definir um plano estratégico global com vários eixos, avaliar quais as respostas existentes que se justificam, promover a integração das mesmas, e, sendo necessário, criar novas respostas, sempre integradas e articuladas com as anteriores, formar equipas para mudança de foco e de olhar, priorizando a pessoa no cerne das decisões; financiar os programas de forma estruturada e bem comunicada, exigindo avaliação. Olhar para as redes sociais e os diversos participantes como parceiros, ouvindo-os de forma efetiva como atores relevantes e sem um olhar condescendente, criando vínculos, responsabilidades e envolvendo os parceiros nas soluções, pois quem está no terreno tem maior conhecimento da realidade.
Pensar a política social como um todo, com o foco no indivíduo, e definir uma estratégia nacional de longo prazo. A transferência para as autarquias de várias respostas sociais, em vez de as reforçar, enfraquece-as, reduzindo a qualidade dos cuidados prestados e contribuindo para uma dependência da política que reduz a liberdade.
Talvez esta seja realmente uma oportunidade para recuperar Portugal e envolver os Portugueses, restaurando a confiança e o orgulho no que coletivamente conseguimos empreender.”