“Boa noite, peço desculpa pelo atraso, mas é por uma boa causa. Estão 432 pessoas dentro do recinto e todas livre da Covid-19. Acho que valeu a pena estes 45 minutos de atraso. A cultura é segura!” Foi assim que Paulo Dias, presidente da Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos, subiu ao palco montado no recinto exterior do Altice Forum Braga, cenário escolhido para os dois primeiros espetáculos-piloto nos país, onde a máscara, o distanciamento e um teste negativo à Covid-19 são obrigatórios.
A mensagem foi aplaudida por 400 pessoas, que antes de se sentarem nas cadeiras com números e cores marcadas passaram por várias etapas de segurança. “Mostre o QR code do seu teste negativo”; “preciso do seu cartão do cidadão”; “posso medir-lhe a febre?”; “preciso de validar o seu bilhete”, ouvia-se numa fila que ia crescendo quando o sol se pôs, ao mesmo tempo que dividia casais cujos resultados dos testes chegavam à caixa de e-mail em tempos diferentes.
Horas antes, na zona de testagem, Matilde Neves esperava 15 minutos pela sua vez. “É o meu primeiro concerto durante a pandemia e o primeiro teste que faço à Covid-19. Estou nervosa, confesso, mas até agora sinto-me segura. O processo de agendamento foi fácil, agora é tudo feito pela internet. Não tive dificuldades, foi muito intuitivo, mas está um pouco atrasado.”
Uns metros atrás está João Peixoto, visivelmente tranquilo. “Trabalho numa clínica médica, por isso já perdi a conta aos testes que já fiz”, começa por dizer ao Observador, acrescentando que vir ao espetáculo de humor protagonizado por Fernando Rocha não estava nos seus planos. “Foi uma surpresa da minha namorada, ela tratou de tudo e só me mandou uma mensagem há pouco a dizer que tinha de passar aqui antes. Acho que se não houvesse a possibilidade de testar, nem punha cá os pés.” O resultado chega por SMS ou por e-mail, através de um QR code, em 30 minutos e caso seja negativo deverá ser apresentado na entrada do recinto.
“A intenção é mostrar à Direção Geral da Saúde que isto consegue fazer-se com segurança e replicar”, explica Paulo Dias, presidente da Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos, e promotor organizador do espetáculo, acrescentando que o modelo será reproduzido muito em breve em Coimbra, com mil pessoas em pé num espaço exterior, e em Lisboa, com mil espetadores sentados no Campo Pequeno. “Haja vontade política. Com vontade política, tudo se resolve”, concluiu.
Pode ouvir aqui a Reportagem da Rádio Observador no espectáculo-piloto de Braga:
Cruz Vermelha estuda soluções para realizar 10 mil testes num dia para um espetáculo
Gonçalo Orfão, coordenador nacional emergência da Cruz Vermelha Portuguesa, comanda as operações no espaço de testagem, num dia em que tudo depende do poder de articulação. “O grande desafio de hoje é realizar uma testagem em articulação com o sistema de bilhética, garantindo que as 400 pessoas possam entrar tranquilamente no recinto, tendo um resultado negativo à Covid-19.”
Ao comparar o bilhete, exclusivamente online, o espetador tem um teste rápido antigénico gratuito associado, devendo, no ato da compra, definir a hora a que pretende realizá-lo. “Após fazer esse agendamento, a Cruz Vermelha confirma os dados, de forma a que a pessoa seja corretamente identificada, tanto para o teste como para a entrada do espetáculo.”
Este é um processo digital que, tal como o próprio espetáculo, será testado durante dois dias e para o qual até já há ameaças de fraude. “Temos conhecimento que há várias declarações falsificadas a circular, a nossa intenção é que não exista a possibilidade de uma pessoa falsificar os resultados emitidos na declaração que permitem a sua acessibilidade ao espetáculo”, explica Gonçalo Orfão, acrescentando que é através de um QR code que o sistema informático se torna fidedigno.
O acesso aos espetáculos é exclusivo a cidadãos residentes em Portugal com idades entre os 18 e os 65 anos, que não pertençam a nenhum grupo de risco. Também ficam de fora aqueles que tenham estado em contacto com infetados nos últimos 14 dias e que tenham estado testado positivo à Covid-19 nos últimos 90 dias.
Se durante a manhã o ambiente foi calmo, à medida que a hora do espetáculo se aproximava, a fila para a sala das zaragatoas aumentava. “Outro grande desafio é o resultado sair antes do evento começar. Tivemos a perceção de que houve um fluxo maior na fase final, o que obrigou a equipa a dar uma resposta superior para que todos entrassem a horas”, sublinha o responsável da Cruz Vermelha, revelando que num cenário de Covid-19 positivo, as autoridades de saúde serão contactadas e o espetador colocado em isolamento no seu domicílio.
Em dez horas foram testadas mais de 400 pessoas, incluindo staff e espetadores, todos os resultados foram negativos e nenhum teste foi repetido, dados que integram um relatório que já foi entregue à Direção Geral da Saúde para posteriormente ser analisado. A Cruz Vermelha está atualmente a estudar soluções para conseguir realizar 10 mil testes num dia para um espetáculo, um número que exige mais esforço e logística.
“Conseguimos fazer isto em maior escala, 400 testes num dia é algo reduzido para as nossas capacidades, mas não temos uma escala infinita, temos de ter essa noção. A partir de um determinado número, a logística começa a ser muito complicado, mas temos ainda capacidade para aumentar.” O coordenador nacional de emergência da Cruz Vermelha alerta ainda que “um teste nunca pode ser a única situação a ter em conta num evento de massas”, recordando a importância do uso de máscara e do distanciamento.
Uma noite que é também “uma esperança” para o futuro
Durante a manhã, no recinto relvado, o som da máquina de cortar a relva confunde-se com o jato das mangueiras dos funcionários da limpeza e ainda com o motor de um trator. O material chega sem pressas e a conta gotas, distribuído por várias carrinhas. São dezenas de caixas pretas com colunas, cabos de som, mesas de mistura e focos de luz. “Até às 15h temos que ter tudo pronto”, revela Paulo Dinis, da Braga Eventos, empresa responsável pelas equipas de luz e som.
Após estudar o recinto, Paulo recebeu indicações da Direção Geral da Saúde para que tudo fosse montado à prova de vírus. “O palco tem 100 metros quadrados, diria que é ideal para 8 a 9 músicos, devidamente espaçados. Analisamos todos os acessos ao palco, colocámos estrados de diferentes alturas e marcas no chão específicas, pois os instrumentos de sopro obedecem a uma distância e as guitarras a outra”, explica, adiantando que também a tenda da régie também sofreu alterações. “Se antigamente tínhamos vários técnicos e assistentes, operadores de câmaras e até a comunicação social, neste concerto teremos apenas um operador de luz e outro de som, as indicações serão feitas por intercomunicadores.”
Em ano de pandemia, a Braga Eventos, habituada a contar mais de mil ações em todo o país, viu a sua agenda ser “completamente anulada”. “Restou-nos adaptar a eventos digitais e híbridos, mas nunca parámos.” Paulo Dinis encara os espetáculos-piloto em Braga como “uma esperança”. “Estes dois concertos podem ser um upgrade para o futuro, espero que se faça um clique para a agenda cultural crescer. Precisamos de trabalhar, isto é uma esperança.”
A coordenar a equipa responsável por montar a plateia, Hélder Lobo admite que a principal preocupação é garantir a distância de dois metros entre as cadeiras e, para que nenhum centímetro seja esquecido, usa uma barra de plástico ou uma fita métrica. “Temos um limite de dez cadeiras por fila e há quatro setores sem lugares, esta parte não pode mesmo falhar.” Cada cadeira tem um número e uma cor associada, há cordas brancas que circulam as várias zonas da plateia e dispensadores de álcool gel em todas as entradas.
Hélder não esconde a alegria por voltar ao trabalho, depois de ter estado um ano e meio parado. “Todos sentimos necessidade de voltar ao passado, espero que esta noite seja um novo recomeço, um ponto zero para as pessoas começarem a viver e a ver o futuro de outra forma.”