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James Martin pertence à Companhia de Jesus desde o final da década de 1980

Getty Images

James Martin pertence à Companhia de Jesus desde o final da década de 1980

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James Martin: “Não há ninguém mais marginalizado na Igreja de hoje do que as pessoas LGBTQ”

Amado por uns, odiado por outros, James Martin é um dos padres mais controversos do universo católico: defende que as pessoas LGBTQ têm um lugar na Igreja e tem o Papa Francisco do seu lado.

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James Martin é um dos padres católicos mais controversos dos Estados Unidos. Muito próximo do Papa Francisco, este jesuíta de 61 anos está há vários anos no espaço público global. É autor de vários livros, muitos deles editados em português, um dos editores da revista America, presença frequente nos meios de comunicação americanos e globais e, desde 2017, consultor do Vaticano para as questões da comunicação. Mas foi o seu apoio à inclusão das pessoas LGBTQ na Igreja Católica, cuja doutrina considera a homossexualidade como uma “desordem”, que o tornou uma figura de proa da Igreja contemporânea.

Amado por uns e odiado por outros, James Martin transformou-se num dos símbolos mais visíveis da profunda divisão cultural em que está mergulhada a Igreja Católica dos dias de hoje, especialmente nos Estados Unidos. Desde 2016, ano que ficou marcado pelo massacre de 49 pessoas numa discoteca habitualmente frequentada pela comunidade LGBTQ em Orlando, na Flórida, o sacerdote tornou-se um defensor público da aproximação entre a Igreja e as pessoas LGBTQ — especialmente aquelas que, sendo católicas, se sentem excluídas da sua própria Igreja.

O seu trabalho, que inclui palestras, livros, celebrações e uma dinâmica pastoral própria para o acolhimento de pessoas LGBTQ em Nova Iorque, onde vive, atraiu uma chuva de críticas e transformou-o no alvo preferido do movimento radical ultraconservador. Martin chegou mesmo a ser classificado como “herético” pelo cardeal Gerhard Müller, um dos rostos mais célebres do conservadorismo católico da atualidade. Mas, apesar das críticas e da onda de ódio nas redes sociais, o posicionamento de Martin tem sido reiteradamente validado pelo Vaticano e pelo próprio Papa Francisco: em 2018, o sacerdote foi convidado a discursar no Encontro Mundial das Famílias de Dublin (evento oficial promovido pelo Vaticano sobre a família); mais recentemente, a propósito do lançamento do portal Outreach, o Papa Francisco enviou duas cartas manuscritas a Martin apoiando o seu trabalho junto das pessoas LGBTQ.

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Em 2017, James Martin lançou o livro Building a Bridge, um longo ensaio sobre como a Igreja deve mudar para não excluir as pessoas LGBT. Esse livro, numa edição revista e aumentada, chegou este mês a Portugal, com o título Construindo uma Ponte, com a chancela da editora Paulinas. Também este ano, chegou a várias plataformas de streaming o filme “Building a Bridge“, um documentário produzido por Martin Scorcese que acompanha o trabalho do padre James Martin e inclui entrevistas a católicos LGBTQ, teólogos que acompanham o debate académico sobre o tema e até críticos de James Martin.

Numa entrevista esta semana ao Observador a partir de Nova Iorque, James Martin explicou como a tímida reação da Igreja Católica ao massacre de Orlando o impeliu a adotar uma posição pública em defesa do lugar das pessoas LGBTQ na Igreja e sublinhou que a doutrina católica não se resume ao Catecismo da Igreja Católica — pelo contrário, resume-se ao exemplo de Jesus Cristo, que se abeirou dos marginalizados. “E não há ninguém mais marginalizado na Igreja de hoje do que as pessoas LGBTQ”, considera Martin.

Embora afirme que nenhum Papa fez mais por esta comunidade do que Francisco, o padre americano duvida da possibilidade de uma alteração da doutrina num futuro próximo. Diz, porém, que não há ninguém que esteja em total conformidade com a doutrina católica — e que, por isso, não faz qualquer sentido colocar o foco nas pessoas LGBTQ e considerá-las como a personificação do pecado. O problema, diz, “é que a Igreja não conhece as pessoas LGBTQ. Não as conhece na sua complexidade, nas suas vidas.”

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O padre James Martin durante uma intervenção no Encontro Mundial das Famílias de 2018, em Dublin, com a presença do Papa Francisco

PA Images via Getty Images

“Pareceu-me que, até na morte, esta comunidade era invisível para a Igreja”

É conhecido em todo o mundo como um padre pró-LGBTQ, um grande apoiante da comunidade LGBTQ, alguém que tem lutado por direitos e dignidades iguais dentro da Igreja Católica. Mas foi sempre assim? Pergunto isto porque a doutrina católica ainda discrimina as pessoas LGBTQ — e o padre Martin foi educado dentro dessa doutrina. No passado, foi mais ortodoxo? Como chegou até aqui?
Bom, eu ainda sou ortodoxo. Não estou a desafiar nenhum ensinamento da Igreja. É importante começar por dizer isso. A minha formação jesuíta também me levou a contactar com as pessoas que estão nas margens, desde as pessoas sem-abrigo aos membros de gangues de rua, aos refugiados e aos prisioneiros. Uma das prioridades para os jesuítas é caminhar com os excluídos. Mas só depois do massacre na discoteca Pulse, em 2016, é que eu senti o convite para tornar um pouco mais público o meu apoio às pessoas LGBTQ. Por isso, ainda sou ortodoxo e tradicional — porque acho que a ortodoxia é estar junto de Jesus, que está junto daqueles que estão nas margens.

Tanto no livro como no filme, fala desse massacre que aconteceu em Orlando, na Flórida, em 2016, como um momento definidor para o seu pensamento sobre a Igreja as pessoas LGBTQ. O que é que aconteceu para o fazer pensar assim?
Na altura, foi o maior tiroteio de massas na história dos Estados Unidos. Foram mortas 49 pessoas. Ao mesmo tempo, senti que a resposta dada pela maioria dos líderes católicos, incluindo alguns dos bispos, foi verdadeiramente inadequada. Muitos bispos não disseram absolutamente nada. Dos poucos que disseram, apenas meia dúzia usou as palavras “gay” ou “LGBTQ”. Pareceu-me que, até na morte, esta comunidade era invisível para a Igreja. Isso encorajou-me a tentar chegar até ela, a construir pontes entre a comunidade LGBTQ e a Igreja institucional.

"Apenas meia dúzia [de bispos] usou as palavras 'gay' ou 'LGBTQ'. Pareceu-me que, até na morte, esta comunidade era invisível para a Igreja."

O simples facto de os bispos não terem usado as palavras “gay” ou “LGBTQ” foi um sintoma de que a Igreja não reconhecia a sua existência?
Sim. Não apenas o uso da palavra, mas também o facto de tão poucos bispos terem sequer dito alguma coisa. Foi o maior tiroteio de massas na história dos EUA! Surpreendeu-me verdadeiramente que, à exceção de uns poucos bispos, tenha havido tão pouca compaixão dirigida à comunidade.

Em maio deste ano, o Papa Francisco respondeu por escrito a algumas perguntas que o padre Martin lhe enviou acerca das pessoas LGBTQ na Igreja. Ele diz que uma Igreja “seletiva”, uma Igreja de “puro sangue”, não é a Santa Madre Igreja, mas uma seita. Acredita que, no que toca às pessoas LGBTQ, a Igreja, ou parte dela, se comporta mais como uma seita do que como Igreja?
Bem, essa é uma pergunta mais eclesiológica e eu não sou propriamente um teólogo. Diria que gosto da imagem que o Papa Francisco apresenta da Igreja enquanto “hospital de campanha”, que tenta chegar às pessoas que foram feridas. E as pessoas LGBTQ estão literalmente feridas — não nos podemos esquecer da enorme violência que lhes é dirigida, da quantidade de crimes de ódio, por exemplo. Como sabe, em alguns países uma pessoa pode ser executada por ser gay ou por se envolver em relações com pessoas do mesmo sexo. Eles sofrem dessa forma, mas também sofrem dentro da Igreja. Por isso, penso que a imagem da Igreja que chega até eles como hospital é, para mim, uma imagem melhor do que a ideia de uma seita fechada e pura. Porque, no fim de contas, quem de nós não é pecador? Todos nós somos pecadores. Gosto muito mais dessa imagem.

À esquerda, a capa da edição portuguesa do livro "Construindo uma Ponte" (Paulinas, 2022). À direita, o cartaz do filme "Building a Bridge"

“Só as pessoas LGBTQ são destacadas das outras como pecadoras”

Pegando nisso que está a dizer, no prefácio da edição portuguesa do seu livro, o padre António Pedro Monteiro diz algo muito interessante: o foco no sacramento da confissão em toda esta situação das pessoas LGBTQ é uma forma de tratar estas pessoas como crianças. A Igreja perdoa atos sexuais fortuitos que sejam confessados, mas pune as pessoas que vivam numa relação madura — e que se vêem obrigadas a viver escondidas. Isto leva-nos à ideia de pecado. No seu livro, diz que ser LGBTQ não é pecado. Mas pode ser confuso ler isto quando olhamos para a doutrina da Igreja. Porque é que ser homossexual haveria de ser um pecado?
O simples facto de se ser uma pessoa homossexual não é um pecado. Nem o Catecismo diz isso. Imagine um adolescente de 15 anos que é gay, que nunca teve quaisquer relações sexuais e não é casado: não está a pecar. É muito importante dizer isto. Agora, a doutrina da Igreja também diz que envolver-se em relações sexuais quando se é gay é um pecado — e a Igreja é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas, para mim, o ponto é que há muitas pessoas cujas vidas não se adequam integralmente aos ensinamentos da Igreja. Por exemplo: nos EUA, 80% dos casais heterossexuais consideram que usar contracetivos não é um problema. É uma enorme percentagem de pessoas que não estão em conformidade com os ensinamentos da Igreja. Mas ninguém diz que os casais heterossexuais são pecadores e não deviam estar na Igreja. Sessenta por cento dos jovens universitários dos EUA são sexualmente ativos. Isto também é contra os ensinamentos da Igreja e ninguém os rotula como pecadores que não deveriam estar na Igreja. Só as pessoas LGBTQ são destacadas das outras como pecadoras. Esse é o problema. Somos todos pecadores, nenhum de nós está em conformidade total com os ensinamentos da Igreja, mas só as pessoas LGBTQ é que têm a sua vida analisada ao microscópio.

Por exemplo, no livro menciona que muitas pessoas homossexuais foram despedidas de escolas católicas nos EUA e acrescenta que, sendo assim, seria preciso despedir muito mais pessoas, que também não cumprem algum elemento da doutrina da Igreja. Na sua opinião, porque é que há um foco excessivo neste assunto como o grande tema divisivo?
Essa é uma pergunta muito boa. Diria que há duas razões. A primeira é a homofobia. Não podemos subestimar a quantidade de homofobia que existe no nosso mundo e também, infelizmente, na nossa Igreja. É homofobia simples. Em segundo lugar, se olharmos para aqueles dois exemplos — casais heterossexuais que usam contracetivos e jovens sexualmente ativos —, a Igreja conhece estas pessoas. A Igreja conhece os casais, conhece os jovens. Por isso, quando a Igreja se aproxima delas, entende-as como seres humanos completos e complexos, que estão a fazer o seu melhor, nas suas consciências, para seguir os ensinamentos da Igreja e para seguir de acordo com o Evangelho. Por isso, não dizemos que os casais não devem estar na Igreja, que os jovens não devem estar na Igreja, que estas são populações pecadoras. Porque as conhecemos. O problema é que a Igreja — e aqui incluo muitos bispos, padres e líderes católicos — não conhece as pessoas LGBTQ. Não as conhece na sua complexidade, nas suas vidas. Uma das coisas que tento fazer é convidar a Igreja a conhecê-las como pessoas, como seres humanos com consciência. Não estou a dizer que essas pessoas não estão contra os ensinamentos da Igreja. Muitas estão — tal como estão muitos casais heterossexuais. Quando olhamos para a diferença no tratamento, é muito surpreendente.

"Não dizemos que os casais não devem estar na Igreja, que os jovens não devem estar na Igreja, que estas são populações pecadoras. Porque as conhecemos. O problema é que a Igreja — e aqui incluo muitos bispos, padres e líderes católicos — não conhece as pessoas LGBTQ. Não as conhece na sua complexidade, nas suas vidas."

No seu ministério, fala habitualmente com muitos católicos LGBTQ e com as suas famílias. O que é que ouve mais? O que é que as histórias destas pessoas contam sobre os seus conflitos interiores com a Igreja?
Na maioria das vezes, “porque é que a Igreja me rejeita?”, “porque é que o meu pároco me trata como um leproso?”, “porque é que ouço estes comentários odiosos dos bispos?”, “porque é que só se focam em mim como alguém que não está em conformidade com a doutrina da Igreja?” e, na verdade, “onde está a minha casa na Igreja?” Não podemos subestimar a dor que as pessoas LGBTQ sentem na sua própria Igreja. É muito triste. Conheço pessoas LGBTQ que encontraram uma paróquia ou uma diocese que as acolheu. Mas para a maioria das pessoas LGBTQ em todo o mundo, e particularmente em lugares como a Europa de leste, a África subsaariana ou a América Latina, é um lugar onde se sentem como leprosos.

Quando lemos o Catecismo da Igreja Católica, vemos frases como “os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados”, que “não podem, em caso algum, ser aprovados”, ou ainda que “compete a cada um, homem e mulher, reconhecer e aceitar a sua identidade sexual”. Isto significa, claramente, que a Igreja rejeita formalmente estes atos. Pergunto-lhe diretamente: considera que a doutrina da Igreja no que toca às pessoas LGBTQ deveria ser formalmente mudada?
Novamente, quero ser muito claro: não estou a desafiar a doutrina da Igreja. Mas temos de ser claros sobre o que é a doutrina da Igreja. A doutrina da Igreja não é simplesmente o Catecismo. A doutrina da Igreja é Jesus — e o modo como ele se aproxima das pessoas que estão nas margens. Quando olhamos para a doutrina da Igreja, temos de nos lembrar de que, além do Catecismo, a doutrina da Igreja é fundamentalmente uma pessoa. A doutrina da Igreja é um encontro com o mistério de Cristo. Por isso, também é sobre como Cristo se abeira daqueles que estão nas margens. Como se abeira do centurião romano, que nem é judeu. Como se abeira da mulher no poço, que tem um passado sexual muito irregular. Como se abeira de Zaqueu, o cobrador de impostos, que provavelmente tinha sido ostracizado pela sua comunidade. Isto também é a doutrina da Igreja. Novamente, não estou a desafiar o Catecismo, mas estou a convidar as pessoas a verem a doutrina da Igreja como, muito mais fundamentalmente, Jesus.

Mas quando diz algo assim, que a doutrina da Igreja é a pessoa de Jesus Cristo, imagino que ouça com frequência a seguinte pergunta: porque é que a doutrina da Igreja Católica tem alguma coisa a ver com o que as pessoas fazem no quarto?
Penso que é importante que o Catecismo ensine sobre as relações humanas, sobre o amor e sobre o casamento. Essa é uma parte muito importante da vida humana. Não é surpreendente para mim. Até Jesus ensinou sobre o casamento. Ensinou sobre o divórcio. O que estou a tentar dizer é que o Catecismo não é a soma total da doutrina da Igreja. A soma total da doutrina da Igreja é uma pessoa. E quando falamos da doutrina da Igreja temos de nos lembrar de Jesus, que está vivo e ativo através do Espírito Santo no nosso mundo. Não estou a desafiar o Catecismo, mas estou a desafiar as pessoas a verem a doutrina da Igreja como algo mais profundo do que um livro: é uma pessoa.

"Não estou a desafiar a doutrina da Igreja. Mas temos de ser claros sobre o que é a doutrina da Igreja. A doutrina da Igreja não é simplesmente o Catecismo. A doutrina da Igreja é Jesus — e o modo como ele se aproxima das pessoas que estão nas margens."

Na carta que o Papa lhe enviou, agradece-lhe por tudo o que tem feito, o que foi lido como uma clara mensagem de apoio ao seu trabalho de aproximação entre a Igreja e as pessoas LGBTQ. Mas o padre Martin também se tornou, nos últimos anos, um dos alvos favoritos dos meios católicos conservadores nos EUA. Sente-se um peão nesta guerra cultural? A partir da Europa, a ideia que subsiste é a de uma Igreja Católica muito dividida nos EUA.
Infelizmente, está dividida. Custa-me ver que muita da divisão vem de uma rejeição daquilo que o Papa Francisco está a fazer. Mesmo entre algumas pessoas que estão em posições de autoridade na Igreja. Creio que é o reflexo de uma divisão cultural mais ampla. Uma das histórias que gosto de referir é a história de Zaqueu, no evangelho de Lucas. Zaqueu era o chefe dos cobradores de impostos e seria ostracizado pela maioria das pessoas da cidade. Quando Jesus passa pela cidade, vê Zaqueu a trepar uma árvore e convida-o para a sua casa. Uma das minhas frases favoritas, e esta é uma citação de Lucas, é a seguinte: “Ao ver isto, todos murmuravam, dizendo: ‘Entrou para se hospedar junto de um homem pecador’.” Dirigir a misericórdia às pessoas que estão nas margens sempre enfureceu algumas pessoas. Enraivece-as. Vimo-lo no tempo de Jesus e vemo-lo no nosso tempo. Por isso, o facto de estarmos a tentar estender misericórdia, acolhimento e caridade às pessoas LGBTQ enfurece muitas pessoas. Nada disso é surpreendente para mim. Aconteceu com Jesus, porque é que não haveria de acontecer connosco?

“É importante que a Igreja compreenda o quão marginalizadas estão estas pessoas dentro da Igreja”

Na sua opinião, porque é que esta divisão dentro da Igreja Católica volta uma e outra vez aos mesmos assuntos “quentes” de sempre? As pessoas LGBTQ, o aborto, a eutanásia. O excesso de foco nestes tópicos não pode levar ao esquecimento de assuntos que são muito importantes para a Igreja, como a pobreza, os migrantes, etc.?
Essa é uma ótima questão. Todos esses assuntos que mencionou são extremamente importantes. E não tenho a certeza dos motivos. Alguns deles têm a ver com o sexo, que é um lugar em que as pessoas estão muito vulneráveis e, muitas vezes, atinge uma parte muito vulnerável de si próprias. Talvez seja por isso que as emoções sejam tão intensas. Mas penso que com as pessoas LGBTQ existe mesmo uma forma de demonização do outro que conduz as pessoas para o “nós” e o “eles”. Mas, para Jesus — novamente, isto é a doutrina da Igreja — não há “nós” e “eles”. Há apenas “nós”. Jesus fala sobre a criação de uma comunidade e, especialmente, sobre aproximar-se daqueles que estão nas margens. E não há ninguém mais marginalizado na Igreja de hoje do que as pessoas LGBTQ. Isso é claro.

"Infelizmente, [a Igreja] está dividida. Custa-me ver que muita da divisão vem de uma rejeição daquilo que o Papa Francisco está a fazer."

Mas parece-lhe que, do ponto de vista da Igreja, tratar as pessoas LGBTQ com compaixão, respeito e sensibilidade (como diz o Catecismo) também pode ser uma forma de infantilização? Não é uma forma de tratar estas pessoas como pessoas que estão à margem, em vez de as tratar como iguais?
Percebo. Estas pessoas são iguais. Esse é um bom ponto. Penso que uma das principais perceções, para mim, é a de que Jesus conduz os discípulos para as margens e depois é lá que está o centro. É ali o novo centro. O Papa Francisco está sempre a encorajar-nos a ir para as periferias — e é para lá que Jesus vai continuamente. Vemo-lo múltiplas vezes com pessoas que estão doentes, que estão possuídas ou que são vistas como o outro, como diferentes. Essa é uma grande parte do seu ministério. Até a história do bom samaritano é uma história sobre como alguém de um grupo étnico odiado ajudou alguém. Uma das principais ideias da história do bom samaritano é que a salvação do homem moribundo à beira da estrada depende da pessoa que ele considera ser o outro, que ele considera ser diferente. A questão, para nós, na minha opinião, é: quem é o outro, nas nossas vidas, de quem a nossa salvação depende? Penso que são as pessoas nas margens.

Mas não lhe parece que há um risco ao comparar as pessoas LGBTQ com as pessoas à margem, como os doentes, os toxicodependentes. Estou a lembrar-me de um caso polémico aqui em Portugal, em que a antiga presidente da Associação dos Psicólogos Católicos deu uma entrevista em que disse publicamente que ter um filho homossexual “é como ter um filho toxicodependente”. Estas comparações não são injustas para as pessoas LGBTQ?
Sim, absolutamente. Esta é uma analogia imperfeita. Quando as comparo a Zaqueu, não é porque as pessoas LGBTQ devam ser destacadas por serem pecadoras, é porque somos todos pecadores. Quando digo que estão à margem como os leprosos, não é porque estejam doentes. Esse é um ponto muito importante. É uma analogia imperfeita. Do mesmo modo, é importante que a Igreja compreenda o quão marginalizadas estão estas pessoas dentro da Igreja. Estes são os exemplos que encontramos nos evangelhos e serão sempre imperfeitos. Por vezes, tem razão, as pessoas LGBTQ dizem-me que não gostam de ser comparadas a pessoas que são vistas como estranhas ou diferentes. E isso é verdade. Eles são filhos amados por Deus como qualquer outra pessoa. Mas penso que é importante usar estas histórias para ilustrar como Jesus se abeira de pessoas que se sentem, digamos, ignoradas, rejeitadas ou excluídas. Talvez esta seja a melhor maneira de o dizer.

Pessoas que foram postas de lados, marginalizadas, pela própria Igreja.
Precisamente.

"Building A Bridge" Premiere - 2021 Tribeca Festival

O padre James Martin na estreia do filme "Building a Bridge", em junho de 2021, no festival de cinema de Tribeca, em Nova Iorque

Getty Images for Tribeca Festiva

É por isso que diz que é à Igreja que cabe a tarefa de começar a construir a ponte?
Sim. Na primeira edição do meu livro, usei a imagem da ponte — que, novamente, também é uma analogia ou uma metáfora imperfeita — e muitas pessoas LGBTQ criticaram-me, legitimamente, dizendo que as vias de trânsito nessa ponte não são iguais e que não eram elas que tinham de se aproximar da Igreja, porque tinha sido a Igreja a marginalizá-las. Por isso, alterei-o na edição revista e aumentada [a edição que agora é editada na tradução portuguesa]. Cabe à Igreja aproximar-se, mostrar respeito, compaixão e sensibilidade.

Com base nos seus contactos regulares com o Papa Francisco, parece-lhe que ele está a dar os passos mais importantes na história da Igreja para incluir as pessoas LGBTQ na Igreja?
Sem dúvida. O Papa Francisco fez mais pelas pessoas LGBTQ que qualquer Papa antes dele. Foi o primeiro Papa de sempre a usar a palavra “gay” em público. As suas palavras mais famosas são “quem sou eu para julgar?” e foram ditas acerca de pessoas homossexuais. Disse aos pais para não excluírem os filhos homossexuais da família. Nomeou cardeais, arcebispos e bispos que são muito mais acolhedores das pessoas LGBTQ. Tem amigos homossexuais, nomeou um homem assumidamente homossexual para uma comissão pontifícia. Apoia pessoas como eu, mas também pessoas como a irmã Mónica Astorga, na Argentina, e como a irmã Jeannine Gramick, nos EUA, que trabalham com pessoas LGBTQ. Ele não mudou a doutrina da Igreja, mas seguramente mudou o rumo da conversa. E mudar o rumo da conversa é mudar a Igreja.

E acredita que poderá haver mudanças futuras na doutrina da Igreja, por exemplo, para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Ou está fora da equação?
Penso que ainda estamos no princípio. Ainda estamos a tentar ouvir as pessoas LGBTQ. Esse é o primeiro passo. Não creio que vá mudar, mas a mudança que espero é que comecemos a ouvir estas pessoas e esta comunidade, a ouvir as suas experiências, e comecemos a refletir sobre o que é preciso mudar.

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