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Jancis Robinson sobre o vinho português: "Tenho uma queda natural pelos menos reconhecidos"

A "crítica e jornalista de vinhos mais respeitada no mundo" esteve três dias em Portugal. Numa entrevista de 20 minutos disse que os nossos vinhos têm potencial e que "está tudo a melhorar".

Por delicadeza, perguntamos se quer um café. Jancis Robinson abana a cabeça e atira um sonoro “não”. Como é muito cedo para propor um copo de vinho, seja ele tinto ou branco, arrancamos para a entrevista. Jancis encosta-se num dos cadeirões do café do Sheraton Hotel, em Lisboa, e abre um sorriso. Temos 20 minutos.

O nome da inglesa de 67 anos pode ser pouco conhecido, mas ganha algum fascínio se começarmos por contar que é, desde há alguns anos, a conselheira oficial de vinhos da rainha de Inglaterra. Jancis Robinson já foi, inclusive, considerada pela Decanter a “crítica e jornalista de vinhos mais respeitada no mundo”. Um título seguramente poderoso.

Com um percurso de mais de 40 anos — e com um currículo carregado de obras tão reconhecidas como o livro “The Oxford Companion to Wine”–, a crítica esteve em Portugal a convite da Revista de Vinhos para, numa conferência exclusiva, discursar sobre “os 10 vinhos portugueses que mais a impressionaram na última década”, uma forma de assinalar os 10 anos de colaboração com a Essência do Vinho. Da lista constam nomes como Luis Pato Vinha Barrosa 2005 (Bairrada), Quinta dos Roques 2007 (Dão) e Barbeito Ribeiro Real Tinta Negra Lote 1 20 Years (vinho da Madeira).

O Observador falou com a britânica à margem do evento, numa conversa que nos levou às primeiras memórias vínicas de Robinson e, também, ao panorama do vinho em Portugal: “Acho que tenho uma queda natural pelos menos reconhecidos [“underdogs”, em inglês]. Consigo ver que Portugal tem muito potencial, e que está tudo a melhorar, mas ainda não está entre os países mais conhecidos pelo vinho”.

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"Muitas pessoas têm aquele vinho que acende a chama. Comigo foi um tinto da Borgonha, um Chambolle-Musigny Les Amoureuses de 1959, sendo que o provei em 1970 ou 1971. Era um vinho tão etéreo que percebi que em causa não estava apenas uma recompensa sensorial, mas também uma recompensa intelectual."

Comecemos pelo início. Qual é a primeira memória relacionada com o vinho?
Foi com a minha avó. Estava a passar uns dias com ela no sul de Inglaterra e, durante um almoço de senhoras, provei um welschriesling esloveno. Era um produto de uma marca muito conhecida, chegava às docas de Londres em grandes quantidades, cheio de enxofre e de açúcar. Dava mesmo um mau nome ao vinho. Mas era tudo o que tínhamos na altura, isto nos anos 1960 (nasci em 1950, pelo que era uma jovem adolescente). Este foi o primeiro vinho que me lembro de provar.

Imagino que não tenha gostado…
Eu gostei da ideia do vinho. No geral, a qualidade era muito pior do que é hoje. Quando cheguei a Oxford, apenas um em dois vinhos era tecnicamente correto.

Na altura já sabia o que era um “vinho tecnicamente correto”?
Só sabia se [um vinho] cheirava horrivelmente mal, e que era preciso arrefecê-lo muito para que ficasse bebível, ou se tinha um cheiro limpo.

Quando foi que percebeu que gostava mesmo de vinho, que este podia ser o seu futuro?
Tive uma experiência seminal em Oxford. Muitas pessoas têm aquele vinho que acende a chama. Comigo foi um tinto da Borgonha, um Chambolle-Musigny Les Amoureuses de 1959, sendo que o provei em 1970 ou 1971. Era um vinho tão etéreo que percebi que em causa não estava apenas uma recompensa sensorial, mas também uma recompensa intelectual — havia ali muito para estudar [na altura estava a estudar Matemática e Filosofia em Oxford].

Jancis Robinson foi a primeira pessoa, fora do trade, a ser “Master of Wine”, em 1984. © Divulgação

Foi a primeira pessoa, fora do trade, a ser “Master of Wine”, em 1984. Muito do que estudou, então, estará, por estes dias, desatualizado? Quer dizer, o panorama vinícola está em constante mutação…
Na altura a grande vantagem, para qualquer pessoa em provas para o título “Master of Wine”, era o facto de que todo o vinho australiano saber a vinho australiano e de todo o vinho da Califórnia saber a vinho californiano. Hoje em dia, há tantas pessoas a usar a mesma receita e é muito mais difícil distinguir os vinhos. Por exemplo, é difícil dizer, atualmente, de onde veio um determinado chardonnay.

Isso fez com que o seu trabalho ficasse mais difícil?
Sim.

"Acho que nos anos 1990 havia uma má tendência no vinho, no sentido em que todos estavam a tentar fazer o mesmo tipo de vinho, a seguir a mesma receita, a retirar todas as castas autóctones ou a plantar castas internacionais. Acho que neste século vimos o pêndulo mudar. Agora, todos celebram o que torna as castas especiais e todos tentam que o vinho expresse não só país ou a região, mas também, e cada vez mais, aquela pequena vinha ou até aquele bloco daquela pequena vinha."

Mas é uma coisa boa ou má?
Acho que nos anos 1990 havia uma má tendência no vinho, no sentido em que todos estavam a tentar fazer o mesmo tipo de vinho, a seguir a mesma receita, a retirar todas as castas autóctones ou a plantar as castas internacionais. Acho que neste século vimos o pêndulo mudar. Agora, todos celebram o que torna as castas especiais e todos tentam que o vinho expresse não só país ou a região, mas também, e cada vez mais, aquela pequena vinha ou até aquele bloco daquela pequena vinha. Atualmente, acho que o vinho está num bom lugar.

Há poucos dias, em conversa com um produtor português, falou-se como outros países e outras regiões de vinho são conhecidos e conhecidas por determinadas castas. Em Portugal, a variedade é tanta que isso é impossível. Deveríamos tentar ser conhecidos pelos blends?
Eu sei que houve uma altura em que os produtores de vinho tinham muita inveja da Argentina por o país ter a casta malbec e da Nova Zelândia por ter sauvignon blanc, mas acho que, hoje em dia, nenhum país se deve agarrar a um único cartão-de-visita. Hoje, particularmente os consumidores mais jovens, querem variedade — não estou a falar de castas, mas sim de escolhas diferentes. Se Portugal conseguir oferecer isso, acho que fica numa posição forte.

E acha que Portugal deve tentar vender-se ao mundo enquanto país ou ir região a região?
Acho que fazê-lo enquanto país é o primeiro passo, inevitavelmente. O facto de vocês terem uma grande variedade de castas é uma mais-valia.

Segundo a Revista de Vinhos, Jancis é responsável por ter colocado os tintos portugueses, de 1999 a 2012, no “pódio mundial em termos de pontuações médias gerais”, considerando artigo escrito no conceituado “Financial Times”, onde é colunista. O ano passado, em entrevista ao Expresso, chegou a dizer que é “uma grande adepta do vinho de mesa português”.

É conhecida a boa relação que Jancis tem com o vinho português. Como está essa mesma relação?
Acho que tenho uma queda natural pelos menos reconhecidos [“underdogs”, em inglês]. Consigo ver que Portugal tem muito potencial e que está tudo a melhorar, mas ainda não está entre os países mais conhecidos pelo vinho. E é óbvio que adoro a paisagem e as castas indígenas. No JancisRobinson.com tentamos cobrir o mundo inteiro, pelo que temos de partilhar as tarefas e temos vários especialistas, incluindo a Julia Harding, que é uma especialista em vinho português. Infelizmente não estou tão atualizada como ela.

A Decanter chegou a chamá-la “a crítica e jornalista de vinhos mais respeitada no mundo”. Ficou surpreendida?
Lembro-me dessa citação. Fiquei muito contente. Para ser honesta, não me recordo exatamente de quem a escreveu. Foi escrita há algum tempo. Fiquei muito surpreendida porque não escrevo para a Decanter e, de certa forma, eles estavam a dizer coisas muito boas sobre um rival — o JancisRobinson.com acaba por ser um rival da Decanter.com. Mas se eu for cínica em relação a isso, coisa que é uma característica minha, poderia dizer que, talvez, eles tenham escrito isso numa altura em que viam no Robert Parker o seu maior rival e, então… não sei, não sei…

Li que, em tempos, teve um certo desentendimento com o crítico Robert Parker por causa de um vinho…
Isso são águas passadas, mesmo. Honestamente, está tão ultrapassado e foi há muito tempo, em 2004. Desde então, fizemos as pazes [“we kissed and made up”, em inglês].

Tendo em conta títulos como o da Decanter, alguma vez se sentiu temida pelas pessoas na área do vinho?
As pessoas são sempre simpáticas. Espero que não me temam. Às vezes, quando me perguntam se tenho uma responsabilidade terrível, isto é, o poder de lançar ou destruir um vinho, digo sempre: “Há 40 anos que digo que o riesling é a melhor uva branca no mundo e que adoro vinho alemão e, no entanto, as vendas decresceram…” Não devo ser assim tão poderosa.

Mas certamente que tem influência…
Talvez. Acho que uma coisa que me difere dos outros wine writers — e isto pode não ser uma coisa boa — é o facto de publicar as minhas notas de prova à medida que vou provando o vinho. Nunca volto atrás, nunca as altero. Escrevo as notas para os consumidores, definitivamente, para os meus leitores, e não para ser citada. Talvez seja por isso que não são notas de prova assim tão elegantes. Algumas vezes não são notas muito entusiasmantes, conseguem ser muito críticas. Mas acho que, face a alguns escritores, às vezes é difícil perceber se eles gostam ou não do vinho porque é só uma longa lista de sabores.

“Especialista de Vinhos em 24 horas”, da editora Casa das Letras

Falando em consumidores, a Jancis escreveu, a título de exemplo, dois livros muito diferentes — The Oxford Companion to Wine e The 24-Hour Wine Expert –, para duas audiências diferentes. Acha que o vinho está numa nova fase, considerando que entre os consumidores estão gerações mais novas?
Sim. O livro The 24-Hour Wine Expert [“Especialista de Vinhos em 24 horas”, em português] foi inspirado pela minha filha mais nova, que tem agora 26 anos. Ela queria escrever um guia de vinhos para os amigos e fez uma espécie de focus group com os amigos e perguntou-lhes o que é que eles gostariam de saber. Mais tarde, conseguiu o trabalho que queria na “Vogue” e, então, não fez o livro. Basicamente usei as notas dela para o escrever. Ela lia o livro ocasionalmente e, volta e meia, dizia “Mãe, não podes usar essa palavra…”. Já me disseram que era extraordinário o facto de ter conseguido meter o The Oxford Companion to Wine naquele pequeno livro, mas não é isso de todo. São apenas os essenciais do vinho. Certamente que está direcionado a novos consumidores de gerações mais novas, mas pode ser, espero, útil para qualquer pessoa de qualquer idade.

https://twitter.com/EatalyFlatiron/status/654432038586576896

Há cada vez mais livros e artigos que tentam, de alguma forma, educar os consumidores sobre vinho. Não foi sempre assim, pois não?
Não. Sempre achei que os meus livros tentassem educar. Tento pôr algumas piadas pelo meio, caso contrário pode ficar muito aborrecido.

Tem três filhos. Gostam todos de vinho?
São duas raparigas e um rapaz. O meu filho tem três restaurantes em Londres e todos têm uma boa reputação por causa da carta de vinhos, mas eu não tenho nada que ver com isso. Honestamente, a única vez que fiz uma sugestão de um vinho, ele disse-me “Mãe, já está na lista”.

Talvez não escolha para o seu filho, mas escolhe para a rainha de Inglaterra. A rainha gosta de vinho?
Acho que ela não tem grande interesse em vinho, apenas beberica.

Há quanto tempo é que escolhe o vinho para a garrafeira da rainha?
Esqueci-me… Acho que desde 2003 ou 2005, não me lembro com exatidão. Escolho os vinhos para as pessoas que ela recebe e, claro, há um tipo de vinho servido em maiores quantidades que é relativamente acessível e destinado às grandes receções, qualquer coisa como um sauvigon blanc da Nova Zelândia. Mas escolhemos vinhos melhores para pequenos jantares e coisas assim.

Recorda-se de quando recebeu este convite? Deve ser ter sido uma honra…
Sim, absolutamente. Mas lembro-me com mais clareza quando recebi a carta a dizer que fui distinguida com o OBE [“Order of the British Empire”, distinção atribuída pela rainha Isabel II em 2004], uma honra engraçada e que temos de manter em segredo durante algum tempo.

"Acho que durante muito tempo foi difícil ser mulher no trade, nunca estive no trade. Tal como em muitas áreas, houve mulheres a fazerem uma grande parte do trabalho que nunca chegaram aos lugares de topo."

Já disse antes que em Inglaterra há várias mulheres críticas de vinho. Foi de alguma forma difícil para si, enquanto mulher, vingar neste mundo?
Escrevo todos os sábados para o “Financial Times”. A crónica de há duas semanas foi sobre ser mulher no sector do vinho, incluindo as minhas experiências enquanto wine writer. Não, não senti dificuldades em ser uma wine writer. Acho que durante muito tempo foi difícil ser mulher no trade, nunca estive no trade. Tal como em muitas áreas, houve mulheres a fazerem uma grande parte do trabalho que nunca chegaram aos lugares de topo. Mas, como digo no artigo, recentemente três grandes empresas de vinhos no Reino Unido tiveram mulheres em cargos de CEO. E houve alturas em que era benéfico ser-se mulher: quando entrei numa revista de vinho, a forma mais típica de conseguir informação era em almoços organizados e, por uma questão de etiqueta, eu era sentada junto da pessoa em destaque e o meu rival, que seria um homem, ficava na outra ponta da mesa.

Quanto tempo vai ficar em Portugal?
O meu marido também está cá. Chegámos sábado ao almoço. Passámos o domingo em Lisboa, dia em que comemorámos 36 anos de casados. Foi bom e apanhámos bom tempo. Partimos hoje à noite.

Não dá tempo para visitar adegas…
Infelizmente não. Eu tento limitar isso. Quer dizer, o meu marido escreve sobre restaurantes. Não me importo nada de ir a restaurantes com ele, mas ele não acha o mesmo de ir comigo a adegas, o que consigo compreender.

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