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Jay Rayner vai dar uma palestra no Melting Gastronomy Summit, no Porto, no dia 14 de novembro.
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Jay Rayner vai dar uma palestra no Melting Gastronomy Summit, no Porto, no dia 14 de novembro.

LEVON BISS

Jay Rayner vai dar uma palestra no Melting Gastronomy Summit, no Porto, no dia 14 de novembro.

LEVON BISS

Jay Rayner: "Num restaurante não me importo de não ser surpreendido, só quero é comer bem"

O autor da frase é o homem que há mais de 20 anos avalia restaurantes para o jornal britânico The Guardian. Em novembro vem falar ao Porto, mas antes disso o Observador foi conhecê-lo melhor.

Só uma coisa: é possível que eu tenha de me ausentar por uns cinco minutos porque tenho um tipo no andar de baixo a fazer uns arranjos, é provável que tenha de lhe ir pagar daqui a bocado. Se pudesses colaborar era ótimo!

Depois das apresentações formais foi isto que disse ao Observador o britânico Jay Rayner. De voz robusta e com um ligeiro sibilar mais acentuado nas palavras com a letra “S”, o célebre crítico gastronómico do suplemento The Observer (na versão domingueira do The Guardian) pediu paciência mas nem foi preciso interromper a conversa de quase uma hora que surge no seguimento da edição do seu novo livro, “My Last Supper: One Meal, a Lifetime in the Making”, e da sua iminente vinda a Portugal para falar na grande conferência Melting Gastronomy Summit, evento que decorre entre os dias 14 e 16 de novembro, no Porto, e onde grandes nomes do mundo da comida e derivados (como este Jay, que fala logo no primeiro dia do certame) vão dar a conhecer os seus projetos, ideias e histórias.

A de Jay — ou James, como aparece no seu cartão de identidade –, começa com alguma influência da sua mãe, Claire, também ela jornalista. Quando no final dos anos 80 termina a sua formação na Universidade de Leeds (estudou política) segue para a redação do The Guardian e é lá que faz a sua carreira toda, praticamente. Aos poucos foi gravitando em redor do mundo da gastronomia até que agarrou o lugar de crítico gastronómico que mantém há praticamente 20 anos. A sua escrita mordaz e altamente bem humorada — sobre um restaurante indiano em Londres escreveu, por exemplo, “O Al Mahara está para o bom gosto como o Adolf Hitler está para a paz no mundo” — foram chave para um sucesso que o transportou para outras plataformas como a rádio, os espetáculos ao vivo, os podcasts, a escrita de ficção e até os concertos de jazz com o seu Jay Rayner Quartet.

Uma das suas primeiras obras chama-se “The Ten (Food) Commandments”, é um apanhado sobre as regras que devemos seguir em tudo o que tenha a ver com a alimentação, e é precisamente esse trabalho que vem apresentar ao Porto. Neste livro estreou-se a sugerir receitas e no final da conversa que pode ler nas linhas que se seguem até chegou a dar uns conselhos sobre a melhor forma de fazer uma delas, um guisado de porco e chouriço: “Deves ter de juntar mais um pouco de farinha ou deixar reduzir mais um bocado. Tens de experimentar, tenho a certeza que vai ficar do caraças!”

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A obra "The Ten (Food) Commandments" foi um dos primeiros grandes sucessos de Rayner e vai estar na base da apresentação que fará no Porto, a 14 de novembro, no Melting Gastronomy Summit.

Levon Biss

Já tomou o pequeno-almoço?  
[risos] Sabes, as pessoas têm uma visão caricatural de alguém com o meu trabalho. Não como só cisnes assados! Eu não estou constantemente obcecado com todas as refeições que faço. Comi umas torradas e um café, e tu?

Uns cereais de pequeno-almoço manhosos e um café, também…
Aí está, normalmente costumam ser cereais manhosos com leite. [risos]

Agora mais a sério: acha que hoje as pessoas estão mais preocupadas em ir a restaurantes da moda sem ligar muito ao facto de eles serem bons ou não?
Acho que não. Só posso falar da perspetiva britânica, mas não me parece que as pessoas para quem eu escrevo queiram desperdiçar dinheiro, ele não é infinito e comer fora, pelo menos no Reino Unido, pode sair muito caro. Há sempre exceções, claro, mas regra geral, as pessoas que me leem estão-se nas tintas para o que está na berra, preferem saber o que é bom. O meu trabalho é precisamente isso, descobrir o que é bom. É óbvio que existe toda uma indústria de relações públicas associadas à restauração, é assim em todas as cidades e elas têm sempre algo para nos vender, é certo. Agora, não acho que as pessoas queiram ir a algum lado só porque esse sítio é “fixe”. Na verdade, as que de facto querem, são pessoas tenebrosas! Porque raio é que alguém iria querer estar na companhia delas? Tem tudo a ver com dinheiro, sobre como vais gastar o teu orçamento para comer fora, se o vais aplicar em algo que vale a pena.

"O verdadeiro problema é quando a industria da restauração se envolve demasiado, ao ponto de pagar a esses tais 'influencers', com dinheiro ou com refeições de borla, pedindo em troca uma opinião completamente despida de crítica."
Jay Rayner

Falava do papel das agências de comunicação e relações públicas no mundo da restauração. A par desse tipo de negócio, que cada vez cresce mais, também aumentam os chamados “instafoodies” ou influencers gastronómicos. O que acha do trabalho que eles fazem?
Bem, antes de mais não chamaria “trabalho” àquilo que eles fazem. Não tenho qualquer problema com o facto das pessoas terem hobbys. Se há quem goste de andar pela cidade a tirar fotografias ao seu jantar, ótimo! Nos últimos meses aderi finalmente ao Instagram e vou pondo para lá as fotos que tiro sempre que vou fazer uma crítica — servem só para me lembrar de alguns pormenores, nada mais. Algumas delas são terríveis, péssimas fotografias, mesmo. Eu publico-as na mesma para que se percebe que esse é aspeto real da comida, que é aquilo que vais ter quando não te dás ao trabalho de subir para cima de uma cadeira e fotografar a coisa como deve ser. O verdadeiro problema é quando a industria da restauração se envolve demasiado, ao ponto de pagar a esses tais “influencers”, com dinheiro ou com refeições de borla, pedindo em troca uma opinião completamente despida de crítica. Contudo, não os considero um desafio para aquilo que faço, de maneira nenhuma. Limito-me a fazer o meu trabalho e confio que haja pessoas lá fora que consigam perceber a diferença entre um instagramer ridículo e uma opinião razoável e fundamentada.

E qual é a sua opinião sobre as redes sociais no geral?
Qualquer pessoa que queira recusar as redes sociais é um idiota e fará a mesma figura que alguém que esteja à frente do mar a exigir às marés que não estejam sempre a mudar. As redes sociais existem, não há volta a dar. É preciso é confiar no bom gosto e no senso do consumidor.

Mas por exemplo, toda esta exposição extra do trabalho dos cozinheiros pode fazer com se torne ainda mais importante a noção de novidade, é preciso haver sempre algo de novo para as pessoas fotografarem e partilharem…
Quando vou a um restaurante não me importo de não ser surpreendido, só quero comer bem. O verdadeiro problema surge quando as agências de comunicação obrigam os seus clientes, os restaurantes, a fazerem pratos “instagramáveis”. Não sei se isso acontece aí em Portugal mas suspeito que sim. Isso é demasiado desesperado. Mas lá está, apesar de parte de mim desejar que pudesse ser diferente, eu não vou negar a existência das redes sociais porque atrás desses posts existem pessoas, cozinheiros que querem fazer algo. Não me parece que alguém queira entrar no ramo só para pregar uma partida, dar a entender que o consumidor vai receber uma coisa mas depois dar-lhe outra. Os restaurantes são negócios muito, muito difíceis de gerir, tento nunca me esquecer disso. Claro que há sempre aqueles espaços super comerciais que nos fazem coçar a cabeça a pensar sobre qual será a motivação deles. Mesmo assim, a maioria das pessoas só querem abrir um bom restaurante e conseguir fazer com que os clientes não venham só uma vez mas várias.

Jay Rayner tem já no seu currículo mais de 10 obras publicadas, trabalhos principalmente de não-ficção ligados ao mundo da comida.

Bella West

E há aspetos negativos nas rede sociais?
Claro. Vê-las como prejudiciais à indústria da restauração é que acho ser redutor. Aquilo que fará um restaurante funcionar é ele próprio. Se algum empresário da restauração viesse ter comigo a perguntar dicas para uma estratégia de redes sociais eu só diria para não exagerar ou empolar. Basta ser ele próprio — não vai ser um post que torna o teu produto melhor. É o mesmo comigo! Eu faço espetáculos ao vivo — tenho o Melting Gastronomy Summit, como bem sabes — e nunca os conseguirias tornar melhores se me fiasse apenas numa boa estratégia de redes sociais.

Como costuma escolher os restaurantes que avalia?
Isto é um trabalho de escrita, não de comida. A minha função é descobrir algo sobre o qual me apetece escrever,  alguma coisa que me permita desenvolver 11 mil palavras. Não tem de ser uma coisa nova, já fiz críticas sobre espaços que existem há séculos (mas vá, não vamos exagerar, é claro que a maior parte da vezes são coisas recentes). Regra geral, o que eu me tento perguntar é “o que é que acabei de avaliar e o que vou querer fazer a seguir”. Gosto de variar no estilo de restaurante para não ser tudo igual, semana sim semana não. Preciso de uma história diferente, de um preço médio diferente, de uma localização diferente. Isto é um trabalho de jornalismo, não estou a vender restaurantes mas sim jornais — ou o equivalente digital dos mesmos. É isso que procuro. Obviamente que as minhas fontes, como as de qualquer jornalista, são variadas: estou no Twitter e muita gente aleatória aconselha-me coisas, subscrevo a várias newsletters sobre o tema, até recebo e-mails de leitores a aconselharem-me a ir ali ou aqui. O meu trabalho é depois analisar isso. Eu não vou à procura de um sítio mau.

Então e depois, quando chega ao restaurante, como é que escolhe o que vai comer? 
Não tenho quaisquer pré-requisitos no momento da escolha. Eu escrevo sobre quanto prazer é que o teu dinheiro te vai poder proporcionar, por isso há coisas que logo à partida nem entram em consideração. Se uma ementa tiver um bife com batatas fritas é certo que não vou pedir isso — há em todo o lado, de uma forma ou outra, é demasiado comum. Se existir alguma coisa que pareça complicada ou estranha é provável que vá por aí. No geral acho que tento apenas tomar o pulso do restaurante, perceber aquilo que os seus proprietários e cozinheiro estão a tentar ser e identificar a raiz que atravessa a ementa. Isto para que quando estiveres a ler consigas ter ruma sensação fidedigna da experiência. É engraçado porque há quem queira vir comigo quando vou a um restaurante sobre o qual vou escrever e eu nunca me canso de explicar que não há absolutamente nada para ver! [risos] É só um homem de meia-idade, com o rabo numa cadeira, a ler uma ementa, a fotografar algumas coisas e a ter uma conversa normal com a pessoa com quem está a comer. É só isso. O que depois tento fazer é apresentar as minhas ilações de uma forma interessante.

E porque acha que as críticas boas são sempre menos populares que as más? Acha que é aquele fascínio mórbido que nos faz sempre querer olhar para um acidente que acaba de acontecer?
Exatamente… Mas atenção, gosto sempre de dizer isto: ganhei alguma reputação à conta das críticas negativas mas a verdade é que elas representam menos de um quinto das críticas que escrevo. Eu não ando à procura delas, eu procuro ativamente fugir de situações dessas, na verdade. Agora não há como negar que uma experiência negativa é sempre mais interessante de ler. Se perguntares a um amigo como foram as férias dele e a resposta for “o avião saiu a horas e o hotel era muito agradável”, a conversa fica por aqui. Se ele te disser que o avião quase caiu e o hotel era um antro de malucos de certeza que vais ter muito mais interesse em ouvir o que ele tem para dizer. Experiências negativas são tão mais interessantes que até o vocabulário que podes utilizar aumenta. Ao mesmo tempo acho que as pessoas ao lerem uma experiência menos boa quase que se sentem vingadas por todas as experiências merdosas que já tiveram (podes utilizar a palavra “terríveis” se os teus leitores não gostarem da palavra “merdosas”).

O Jay também escreve ficção e um dos seus livros, o “The Apologist”, conta a história (na primeira pessoa) do crítico gastronómico Marc Basset que, ao perceber que uma crítica negativa que escreveu levou ao suicídio de um chef, começa a pedir desculpa a todas as pessoas a quem fez mal na vida. Já alguma vez sentiu que devia pedir desculpa a algum chef ou dono de restaurante a quem tenha dado uma crítica negativa?
Não. Não porque eu não trato das minhas críticas de forma leviana, tenho muita noção do poder de uma publicação como a The Observer. A minha crítica menos lida, online, recebe umas 85 mil pageviews, já tive algumas que chegaram aos 2.8 milhões, muitas vezes andam nas centenas de milhar. Isto é imensa gente, tens de ter muita certeza do que fazes quando escreves uma crítica negativa, ser muito responsável. Se pensaste muito bem em tudo e aplicaste o rigor inerente do trabalho jornalístico (muito antes de escrever sobre restaurantes fui jornalista normal), não deves ter nada que pedir desculpa.

Mas nunca se enganou?
Uma vez, só. Não foi uma crítica muito má mas escrevi sobre um restaurante indiano chamado Dishoom. Eu subestimei aquilo que eles faziam lá, dei uma bocado a entender que seria uma coisa do género “está cá hoje mas amanhã não”, e estava redondamente errado — disse-lhes exatamente isso.

"Falámos há pouco sobre os problemas com 'influencers' e redes sociais e há um ponto muito crítico neste universo que é a disseminação de absolutas balelas sobre pseudo-medicamentos, bem-estar e essa treta toda. Deixa-me completamente louco as pessoas que dizem coisas como "tens de comer muitos mirtilos porque eles afastam o cancro". Que estupidez."
Jay Rayner

Então o Marc Basset não tem nada a ver com o Jay Rayner…
Há muitos pormenores autobiográficos nesse livro, não haja dúvida disso, mas não te vou dizer quais são. Um romance na primeira pessoa tem sempre muito a ver com o narrador. Há muitos elementos da minha vida (principalmente de quando era mais jovem) nessa história. Eu vou dizer que é uma mistura de pormenores pessoais com escrita muito boa [risos]. Livrei-me de muita bagagem pessoal nesse livro, digamos assim.

O que motiva alguém a escrever os 10 mandamentos da comida? 
Aquilo é mais uma junção de dez ensaios sobre assuntos que eu acho interessantes e que não tinham tamanho suficiente para, cada um deles, dar origem a um livro. Um dos problemas de escrever um livro é escolher um tema que consiga sustentar uma obra inteira, isso é difícil. Mesmo assim isso não quer dizer que não haja assuntos que mereçam ser “arejados” num formato mais extenso. O “The Ten (Food) Commandments” era para ter 22 mil palavras mas acabou por ter 50 mil — cada um dos temas que abordei merecia isso. Eles estão também muito detalhados, senti desde o início que queria que fossem o mais factuais possível. Se fores a ver aquele que diz que não devemos confundir alimentos com medicamentos, há lá muita pesquisa. Já os apresentei ao vivo duas vezes, esta no Porto será a terceira, e estou muito curioso para ver como é que o público do Melting Gastronomy vai reagir, tendo em conta a quantidade de nacionalidades que por lá vão andar. [risos] Os meus pontos de referência são naturalmente britânicos, apesar de muitas coisas desse trabalho serem universais (o tema do desperdício alimentar, por exemplo). Ao mesmo tempo nesse livro tive a oportunidade de me estrear a escrever receitas e isso foi muito divertido.

E Portugal? Já cá esteve alguma vez?
Tirando umas férias de verão quando era criança, nunca estive aí. Porém, na zona de Londres onde eu vivo há uma grande comunidade portuguesa e felizmente tenho bem noção de que vocês são muitíssimo mais que o frango piri-piri.

Tem alguma coisa em específico que queira muito provar?
Boa pergunta. Estaria a mentir se te dissesse que já escrevi uma lista… Acho que qualquer tradição que junte marisco e carne de porco seria sempre muito bem vinda.

Dos seus dez mandamentos tem algum que goste mais?
Dois, na verdade. Um deles é o de não confundir alimentos com medicamentos: Falámos há pouco sobre os problemas com influencers e redes sociais e há um ponto muito crítico neste universo que é a disseminação de absolutas balelas sobre pseudo-medicamentos, bem-estar e essa treta toda. Deixa-me completamente louco as pessoas que dizem coisas como “tens de comer muitos mirtilos porque eles afastam o cancro”. Que estupidez. Deu-me muito gozo mergulhar mais a fundo neste mundo e refutar uma série de ideias estúpidas com base em conhecimento científico credível. Outro que acabou por ser um desabafo divertido é o que fala sobre escolher bem as pessoas com quem comemos. Muitas vezes perguntam-me qual é o meu restaurante favorito no mundo inteiro e eu tenho sempre de explicar que isso não é assim, a tua apreciação tem sempre a ver com as pessoas com quem estavas e o teu estado de espírito nesse momento.

De um modo geral, acha que as pessoas se preocupam com aquilo que comem? 
[risos] Não posso falar pela população do mundo inteiro mas acho que é cada vez mais notório que problemas relacionados com a forma como nos alimentamos têm ganho importância na agenda pública. O problema é que de um lado temos uma série de economias emergentes que estão a levantar-se da pobreza e a transformar-se em classe média. Um dado estatístico que gosto sempre de recordar diz que no início do novo milénio 14% das classes médias do mundo viviam na Ásia e que por volta de 2050 essa percentagem subiria para 68%, fazendo com que a dieta destas pessoas se tornasse idêntica à Ocidental. Tendo em conta que nós, ocidentais, estamos a ter cada vez mais cuidado com o impacto de certas partes da nossa dieta no ambiente, é muito complicado dizer a quem agora começa a poder comer como nós fazíamos antes que não é bem assim, que não podem ter o mesmo que nós tivemos. Quero ver quem será a pessoa do Porto ou de Londres que vai voar para Xangai e dizer a uma família de classe média recém formada que não podem comer carne todos os dias porque nós já o fizemos e não é bom. Há uma divisão tremenda e, de um ponto de vista eurocêntrico ou ocidental, nós podemos dizer que sim, as questões relacionadas com a nossa dieta estão a ser muito mais debatidas. Ao mesmo tempo seríamos idiotas se não considerássemos que isso ignora uns 2,5 mil milhões de pessoas do outro lado do mundo que só agora tiveram acesso a outro tipo de comida.

"A coisa interessante do trabalho como crítico de restaurantes e facto de nós representarmos o consumidor, vivemos o produto da mesma forma que ele. Eu vou jantar fora, nada mais."
Jay Rayner

Devemos evitar ser condescendentes com este assunto, também. Preocupa-me que no meu país, pessoas com mais dinheiro dêem “lições” aos que recebem menos sobre todos os erros que fazem na sua alimentação sem sequer considerarem que o problema, nesse caso, não tem a ver com dieta mas sim com exclusão social e pobreza. Não tem a ver com as pessoas com menores rendimentos comerem o frango mau mas sim o facto de pessoas como essas não terem hipóteses de escolher melhor. Se queres ser saudável, sê rico. É tão simples quanto isso.

Eventualmente teríamos de falar do Brexit, não é…
É uma merda, um desastre! Quem sabe em que estado vai estar o meu país quando chegar ao Porto no dia 14 de novembro. Suplico a Deus que não tenhamos saído, é tão simples quanto isso. Há um episódio do programa do Anthony Bourdain que foi gravado aqui em Londres dois ou três dias depois do referendo do Brexit em 2016. Ele pediu-me para jantar com ele e a dada altura pergunta-me sobre o que iria acontecer. A 18 ou 19 de junho de 2016 disse-lhe que não fazia ideia e hoje, três anos depois, continuo sem saber. O que sei é que é desesperadamente triste e cria problemas gravíssimos na cadeia de abastecimento de alimentos no Reino Unido. Aliás: vai ter um impacto ainda mais forte nas pessoas mais pobres do país.

O Jay também é pianista de jazz. Nunca pensou ser crítico de música? 
Eu toco música mas não tenho qualquer vontade de escrever sobre ela desse modo. Se vais ser crítico de alguma coisa tens de saber o porquê de o quereres fazer, o que vais querer retirar disso. O aspeto interessante do trabalho como crítico de restaurantes é facto de nós representarmos o consumidor, vivemos o produto da mesma forma que ele. Eu vou jantar fora, nada mais. Enquanto crítico de música não sei, limito-me a ir a um concerto e ficar na fila da frente a tomar notas… É muito diferente. Não tenho qualquer dúvida que sou muito mais feliz a fazer crítica de restaurantes e a tocar piano.

Ia precisamente perguntar-lhe se existiam alguns pré-requisitos para se ser crítico de comida.
Eu não sou um crítico de comida, sou um crítico de restaurantes — gosto de ser  muito específico em relação a isto porque eu não me limito à avaliação dos pratos mas sim de todo o restaurante. Diria que a coisa principal é ser-se capaz de escrever… Tão simples quanto isso. Muita gente diz-me que adora comer, que gostava de ter o meu trabalho e quer saber o que tem de fazer para o conseguir: digo-lhes sempre que o mais importante é escrever bem. Isto é um trabalho jornalístico, tens de ter capacidade de te exprimir. Depois, claro, também ajuda se fores ganancioso [risos]. Eu gosto de comer, sempre fui um comilão e sempre gastei do meu dinheiro para ir comer fora. No geral é isso, é preciso ter-se um entusiasmo genuíno pela comida e saber escrever bem.

Tem alguma refeição em específico de que nunca se tenha esquecido?
[risos] Não te sei responder a isso. Sou um homem de 50 e muitos anos, podia dizer-te umas 10, 15, 20, 25 refeições foram fantásticas. A ideia de reduzir tudo a uma só escolha deixa-me gelado, nunca conseguiria fazer isso.

Nunca se costumam meter consigo a dizer que aquilo que faz quase que nem é bem trabalho, é só ir comer a sítios bons? 
Sim, claro. A minha resposta costuma ser sempre “eu não sou pago para comer, sou pago para escrever”. Eles ficam sempre um pouco desmotivados. Se fosse tão fácil e se precisasse apenas de comer coisas e dizer se é bom ou não, qualquer um podia fazer isso [risos]. Gosto de pensar que o motivo pelo qual faço isto há 20 anos não tem a ver com a forma como como, ou se digo que o peixe ou a carne está no ponto ou não. O que importa é a forma de escrever, não o meu apetite.

O Jay está envolvido em imensos projetos — de vários podcasts a livros, espetáculos ao vivo e a escrita. No meio disso tudo como é que consegue encontrar tempo para cozinhar?
Acho que é só graças a uma gestão diária normal. Eu trabalho de casa, tenho filhos, uma vida familiar, não vou jantar fora todas as noites e o jantar simplesmente tem de ser feito. Cada vez tenho mais a certeza de que se alguma coisa é importante para ti, tu arranjas forma de a conseguir encaixar no teu dia-a-dia. É claro que há períodos mais complexos, acontece a toda a gente: as últimas semanas foram muito complicadas porque acabei de lançar um livro novo, tenho um novo programa ao vivo e a banda começou a ter vários concertos assim de seguida. Mesmo assim — e acho isto mesmo importante –, como todo o meu trabalho implica que dê a cara, apareça, isso pode causar a impressão de que sou mais ocupado do que as outras pessoas. Alguém que trabalhe num escritório é tão ou mais ocupada que eu.

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