— “Bom dia. Estou a ligar porque queria pedir algumas informações sobre um cidadão português. Um antigo banqueiro que foi detido num hotel de Umhlanga.”
— “Como é que ele se chama?”
— “João Rendeiro.”
— “Ah, sim! O tipo português. Está aqui, sim.”
— “E seria possível ter algumas informações sobre como ele se encontra? Eventualmente, fazer-lhe uma ou duas perguntas…?”
— “Ah, não. Ele está na zona das celas e eu não consigo levar o telefone até lá”
[Ouvem-se vozes ao fundo]
— “Senhor, desculpe. A única pessoa que pode falar com o detido é o advogado. Para obter mais informações, tem de ligar para o nosso responsável de Relações Públicas. Tem aqui o número.”
O Observador manteve diálogos muito semelhantes, em momentos distintos, de forma quase casual, com dois elementos daquela esquadra da zona norte de Durban. E, em ambos os casos, o resultado foi o mesmo: há um cidadão português, ex-banqueiro, naquelas instalações, detido desde a manhã de sábado — o momento em que João Rendeiro foi apanhado pela Polícia sul-africana, às 5h da madrugada no local e o antigo líder do BPP ainda estava de pijama no resort de luxo onde se hospedava há cerca de três semanas.
Ao Observador, o porta-voz da Polícia sul-africana recusou-se depois a dar qualquer informação concreta sobre a localização do antigo banqueiro. “Não revelámos em que esquadra ele está detido por razões de segurança”, justificou o brigadeiro Vish Naidoo, quando confrontado com as questões sobre a localização de Rendeiro, e remeteu quaisquer outros esclarecimentos para o comunicado divulgado logo na manhã de sábado. O documento anunciava que Rendeiro, um cidadão “condenado por fraude e procurado pelo Governo português”, tinha sido “detido em Umhlanga Rocks, a norte de Durban, KwaZulu-Natal”, nessa mesma manhã de sábado.
“Elementos da Interpol em Pretoria, atuando ao abrigo de um Alerta Vermelho da Interpol, identificaram a localização do indivíduo em Umhlanda Rocks, onde foi detido às 7h desta manhã”, acrescentava ainda o comunicado então divulgado, sem mais detalhes.
Mas nem uma palavra sobre o paradeiro atual
Nesse comunicado, não era revelado o local para onde João Rendeiro tinha sido levado depois de ter sido detido: Durban North, de onde sairá na manhã desta segunda-feira para o tribunal onde será ouvido por um juiz que lhe decretará as medidas de coação.
Depois da detenção, a viagem desde o hotel em que Rendeiro estava hospedado até à esquadra de Durban North terá sido rápida. Aquelas instalações da Polícia ficam apenas a cerca de 4,4km do Forest Manor Boutique House — o hotel de luxo em que o banqueiro ficou hospedado nas últimas semanas —, uma distância que não demora mais de cinco minutos a percorrer de carro.
A esquadra de Durban North, localizada no meio de um bairro residencial com várias mansões, tem dois agentes à porta de entrada, segundo a Lusa, e apesar de começar a centrar atenções de jornalistas, as autoridades têm pedido que não haja filmagens nas proximidades.
Ao Observador, o porta-voz da Polícia alegou questões de “segurança” para não detalhar o local exato em que o ex-líder do BPP se encontra. Existe perigo para a integridade física de João Rendeiro? Ou o risco a acautelar será de outra ordem — de fuga? As autoridades sul-africanas temem que João Rendeiro possa ter um plano para voltar a escapar à Justiça? Como? Corrompendo elementos dos serviços policiais do país? Nada, o porta-voz remeteu-se ao silêncio perante qualquer questão.
O diretor da Polícia Judiciária portuguesa, Luís Neves, contudo, nas várias entrevistas que deu ao longo de sábado, após a conferência de sempre em que deu detalhes da detenção, afirmou em vários momentos que Rendeiro era uma pessoa com muitos meios financeiros à disposição. Deixando a ideia que isso lhe permitia movimentar-se e registar-se de forma oculta na África do Sul.
A verdade é que, segundo fontes das forças de segurança sul-africanas, aquela esquadra é o local para onde são habitualmente transportadas todos os que são detidos naquela zona da cidade.
A Esquadra de Durban North é composta por um complexo de edifícios térreos, a poucas centenas de metros da zona costeira, situada num complexo habitacional daquela zona da cidade onde João Rendeiro foi detido na madrugada de sábado. Dali até ao Tribunal de Verulam Magistrates’ Court, em Verulam, arredores de Durban, são cerca de 18,3 km de distância, aproximadamente 20 minutos de carro (e, curiosamente, a apenas 9km do aeroporto internacional de King Shaka). É naquele tribunal que, de acordo com o porta-voz da Polícia sul-africana, Rendeiro será ouvido esta segunda-feira, para que lhe sejam aplicadas medidas de coação, enquanto decorre o processo de tentativa de extradição do antigo banqueiro para Portugal.
A Polícia Judiciária — que contou com o apoio das autoridades sul-africanas para a localização e detenção de Rendeiro — vai sensibilizar a Justiça do país para que sejam aplicadas medidas restritivas da liberdade, alegando o “risco enorme” de que, mais uma vez, o ex-líder do BPP possa engendrar um plano de fuga.
“É preciso ter alguns cuidados, mas isto não é uma favela”
A detenção foi feita ainda durante a madrugada. Como o Observador escreveu, o antigo banqueiro estava de pijama quando os elementos da Polícia sul-africana chegaram ao hotel e bateram à porta do quarto. Rendeiro teve tempo para fazer a barba e vestir-se — optou por uma camisa cor de rosa — antes de ser encaminhado para a esquadra.
Veja as imagens do hotel de luxo onde João Rendeiro foi detido
Nas semanas anteriores, foi por Umhlanga Rocks que o ex-banqueiro passou a maior parte do seu tempo. A última localização, onde acabaria por ser detido, foi um luxuoso hotel, o Forest Manor Boutique Guest House, a dois minutos a pé da linha de costa, entre a Umhlanga Beach e a Glenashley Beach.
Aquela zona é descrita ao Observador como uma zona de acesso restrito, ao estilo de uma zona balnear de luxo como Vilamoura, no Algarve. Antiga vila piscatória, a transformação de Umhlanga Rocks para aquilo em que hoje se tornou teve início por volta do ano 2000. “Começou a ser reformulada, foi construído ali o maior centro comercial do hemisfério sul, com as maiores lojas de luxo, um parque aquático no interior”, conta Michael Gillbee, uma jornalista de nacionalidade portuguesa e sul-africana que se estabeleceu há algumas décadas no país. “A imagem que Portugal tem da África do Sul não corresponde inteiramente à realidade. E, em particular nesta zona, isto não é uma favela, não é um bairro de lata, muito pelo contrário”, acrescenta. “Há os hotéis, a marina, muitos iates e pessoas com muito, muito dinheiro, mas não precisas de andar de chapéu e disfarçado. Há crime, mas não se anda sempre a espreitar por cima do ombro.”
Em Durban ocorreu nos últimos anos um fenómeno idêntico ao de outras cidades do país: os bancos, as seguradoras e outras empresas do setor do serviços começaram a afastar-se dos grandes centros urbanos e a aproximar-se de zonas urbanisticamente menos densas. A forte presença de empresas de segurança privada, por um lado, e os grandes condomínios fechados, por outro, garantem a sensação de segurança que permite que ali se concentrem esses negócios e elementos dos estratos mais elevados da população.
Passos seguidos há várias semanas
Era nessa realidade que Rendeiro se movia até ter sido detido. Na entrevista que deu à CNN, o antigo banqueiro foi extremamente cauteloso em relação a quaisquer detalhes que pudessem revelar a sua localização — mesmo os meios usados para a realização dessa entrevista estavam protegidos por sistemas de encriptação que impediam identificar a origem da localização. Mas Rendeiro admitiu que saía à rua, que ia ao ginásio, à praia, e que até já tinha falado português no tempo em que estava instalado no local atual. E, neste ponto, falou verdade, já que a praia era mesmo ali ao lado e há muitos portugueses na zona.
Rendeiro foi detido de pijama e foi para a prisão de camisa cor-de-rosa
Há semanas que a PJ e a congénere sul-africana estariam a seguir de perto os passos de Rendeiro. Ainda esta semana, o diretor nacional da Polícia portuguesa, Luís Neves, disse que havia “tempo” e “paciência” dos inspetores para deter o antigo banqueiro. De acordo com o diretor da Polícia Judiciária, que deu uma conferência este sábado para apresentar mais detalhes sobre esta operação internacional de caça ao homem, João Rendeiro chegou à África do Sul a 18 de setembro, quatro dias depois de ter saído do Reino Unido — o seu primeiro destino após a fuga de Lisboa, de avião.
Pouco depois, há cerca de um mês, conseguiu obter uma autorização de residência no país através de um investimento (género visto gold). Era por ali que, acredita a PJ, o ex-banqueiro pretendia instalar-se “nos primeiros tempos”. Para isso, terá contado com algum “apoio pessoal” — eventualmente, um amigo local —, sendo que a Judiciária acredita que Rendeiro estaria confiante na ideia de que, “através de algum investimento”, pudesse “pensar que tinha a possibilidade de não ser extraditado” de volta para Portugal.
Primeiro, as medidas de coação. Logo a seguir, a extradição
Esse processo tem início assim que estiverem concluída a definição das medidas de coação a aplicar neste caso. Primeiro passo: ser presente a um juiz, que vai determinar se o antigo banqueiro fica, ou não, em prisão preventiva. A seguir, Portugal vai apostar na diplomacia judiciária para conseguir que o português seja entregue às autoridades nacionais.
“Há possibilidade de extraditar esta pessoa”, assegurou o diretor na PJ, aos jornalistas. “Se e quando for extraditado, será para cumprimento de pena porque há decisões que já transitaram em julgado e o condenam a prisão efetiva”, acrescentou Luís Neves. Recorde-se que Rendeiro tem por cumprir uma pena de prisão de cinco anos e oito meses, num processo judicial que já transitou em julgado e que diz respeito a um caso de falsificação de contabilidade no banco de dirigiu durante longos anos, o Banco Privado Português.
Diretor da PJ acredita que João Rendeiro vai levantar entraves à extradição
De uma coisa, Luís Neves estará convicto: depois de ficar “surpreso” com a detenção por parte das autoridades policiais de Durban, Rendeiro vai continuar a resistir e usará todos os meios para não regressar a Portugal. “Admito que possam ser suscitadas algumas dificuldades de entrave”, disse o responsável máximo da PJ, em entrevista à CNN.
Ainda assim, Luís Neves mostra-se convicto de que o desfecho do processo passará por aí e João Rendeiro será entregue às autoridades nacionais. Daqui a quanto tempo? Ninguém pode determinar com exatidão.
Mas, mesmo com a oposição do ex-banqueiro — uma possibilidade que, a acontecer, pode resultar num processo mais demorado —, o desfecho poderá não tardar mais que oito meses. É essa a convicção do advogado Paulo Saragoça da Matta.