Está de saída do cargo de secretário-geral adjunto do PS — que se extingue quando o líder do partido não é primeiro-ministro –, mas vai ser diretor de campanha de Pedro Nuno Santos na corrida ao Governo. João Torres deixa a garantia de que António Costa e novo secretário-geral “não vão fazer sombra um ao outro”.
João Torres que assegura ainda que “estruturalmente não há divergências de fundo entre António Costa e Pedro Nuno Santos” e que não existe sequer “um PS com duas visões distintas”, referindo-se às estratégias do novo secretário-geral e do candidato derrotado José Luís Carneiro, que diz ser “um militante muito importante do PS”.
Quanto às legislativas, deixa críticas ao PSD por “não ter explicado a barafunda que aconteceu nos Açores” no acordo falhado com o Chega e acrescenta que o partido liderado por Luís Montenegro tem sido incoerente a lidar” com o partido liderado por André Ventura.
[Ouça aqui o Sofá ao Rato com João Torres]
João Torres: “Não há divergências de fundo entre Pedro Nuno Santos e António Costa”
Foi convidado para ser diretor de campanha de Pedro Nuno Santos. Preocupa-o, para já, a falta de propostas concretas para o país, por parte do secretário-geral do PS?
Não creio que estejamos perante falta de propostas concretas para o país. O Partido Socialista viveu um momento totalmente legítimo de clarificação interna. Essa clarificação interna decorreu até há muito pouco tempo e o que penso ser mais importante realçar neste momento é que o PS está unido, coeso e mobilizado. Teremos no próximo fim de semana um grande momento de afirmação externa e seguramente ao longo das próximas semanas o PS terá a possibilidade de apresentar as suas propostas.
E no congresso vamos conhecer algumas bandeiras ou vamos ter já um resumo geral desse programa?
Há que aguardar pelo discurso ou pelas intervenções do secretário-geral. Há uma ideia de que Pedro Nuno Santos tem referido e que me parece ser muito importante recordar: não partimos do zero. Assumimos a governação dos últimos oito anos, assumimo-la com pleno orgulho e essa governação tem um histórico de progresso e de crescimento que os portugueses conhecem e reconhecem.
Mas há questões que têm mudado, como, por exemplo, a devolução do tempo de serviço aos professores, que tem sido uma das que foi referidas durante a campanha. Isso pode ser alvo de uma clarificação neste congresso?
As pessoas reconhecem bem o PS como o partido que garante que os salários, em particular, o salário mínimo nacional que aumenta, o salário médio que aumenta, as pensões que aumentam e para além disso há um reforço do investimento no estado social, desde logo na educação e na saúde pública, que para o PS devem permanecer públicas e sabem também que o PS consegue fazer isto preservando o rigor orçamental e a responsabilidade financeira, ao que chamamos política de contas certas.
E é por isso que ainda não detalharam esta questão da devolução dos tempos de serviço?
É conhecida a posição do novo secretário-geral do PS sobre o tema da devolução do tempo de serviço aos professores. Os portugueses percebem perfeitamente que os partidos têm, essencialmente, uma matriz de propostas políticas mas que havendo uma alteração na liderança o novo secretário-geral não pensa exatamente da mesma forma em todas as matérias. Esta é uma questão em que o novo secretário-geral do PS já tinha previamente assinalado uma posição que não é exatamente a mesma que vinha sendo assumida, mas não vemos nisso, naturalmente, nenhum problema.
Esta é só uma das questões em que Pedro Nuno Santos tem uma linha diferente de António Costa. A outra será a TAP e nessa linha de posicionamentos diferentes perante as empresas, a nacionalização do CTT será uma das medidas possíveis de um eventual governo PS liderado por Pedro Nuno Santos?
António Costa e Pedro Nuno Santos são socialistas, são militantes do Partido Socialista e tal como os demais militantes partilham uma mesma visão para o país e, já agora, para a Europa e para o mundo. Qualquer tentativa de mostrar divergências de posição ou de posicionamento político, mesmo perante casos concretos, são, do meu ponto de vista, muito artificiais. Teremos de aguardar pelas intervenções do novo secretário-geral do PS no congresso. Não me parece que do ponto de vista estrutural haja nenhuma divergência de fundo entre Pedro Nuno Santos e António Costa. Muito pelo contrário. Os dois são rostos visíveis de um Governo que salvou uma companhia aérea nacional. Em relação à TAP, do ponto de vista do esclarecimento público e da clareza política, há uma pergunta que nunca foi respondida, que é o que teria feito, em idênticas circunstâncias, o maior partido da oposição. E isso é algo que nenhum de nós sabe responder, nem os próprios. No Partido Socialista temos um património que é o da preservação da companhia aérea nacional.
Sobre os CTT, surgiu uma a notícia nos últimos dias, do Jornal Económico, que dá conta da compra pela Parpública de ações, depois de um despacho do ministro das Finanças, João Leão. Acha que este caso deve ser esclarecido e consegue perceber porque é que a Parpública fez isto sem publicitar a compra?
A única coisa que me ocorre comentar sobre essa matéria é que quando o Estado opera determinado tipo de transações seguramente que o faz num contexto de mercado. E, ao fazê-lo num contexto de mercado, deve fazê-lo preservando e salvaguardando o interesse público e tenho a certeza absoluta de que o interesse público foi salvaguardado. E tenho a certeza absoluta também, ou se quiser, a convicção de que se essa operação não foi tornada pública da forma mais evidenciada possível no momento em que aconteceu, também para preservar exatamente o mesmo princípio, o interesse público. É normal e natural que assim seja. Não conheço o caso em pormenor e em detalhe.
Futuro do PS. “Todos os socialistas terão um grande orgulho em poder contar com António Costa”
O João Torres já foi secretário de Estado, é agora secretário-geral adjunto do PS, vai ser diretor de campanha nas legislativas. Caso vençam, ambiciona vir a ser um ministro do governo de Pedro Nuno Santos?
Essa questão é absolutamente extemporânea. Já estou na condição cessante de secretário-geral adjunto do PS.
Esse modelo vai manter-se com o Pedro Nuno Santos?
É um órgão do partido que só existe quando o secretário-geral do PS é simultaneamente o primeiro-ministro. Tecnicamente esse cargo já não existe e só voltará a existir quando o secretário-geral do PS voltar a ser em simultâneo o primeiro-ministro de Portugal. Mas sim, fui secretário de Estado, assumo agora com muita motivação esta responsabilidade de dirigir a campanha do PS nas eleições legislativas de 10 de março. As questões sobre o meu futuro são absolutamente secundárias e diria mesmo, com respeito pela questão que colocou, são extemporâneas neste momento. Não são questões que me preocupam a mim, nem devem preocupar o PS. Todos os militantes do PS têm a obrigação de estar focados em dar o seu contributo para que o PS vença as eleições. E é também isso que eu fiz ao aceitar este convite para diretor de campanha.
E já conversou com António Costa para contar com ele na campanha? Vai querê-lo quase em permanência porque conseguiu a última grande vitória eleitoral do PS?
O próprio secretário-geral do PS já teve a oportunidade de falar com António Costa. Existiu um momento simbólico de transição de pasta no Largo do Rato e António Costa tem sido muito claro em relação a essa matéria, ao dar nota de que estará disponível para ajudar o partido em todos os momentos e em todas as circunstâncias. Por isso, não tenho a mais pequena dúvida em afirmar que António Costa é um grande ativo para o PS e, seguramente, todos os socialistas terão um grande gosto e um grande orgulho em poder contar com a sua participação na campanha eleitoral.
Mas uma presença muito assídua de António Costa na campanha não poderá, de alguma forma, fazer sombra a Pedro Nuno Santos?
Não sei se a presença será ou não muito assídua mas há algo de que ninguém tem qualquer dúvida: António Costa é um militante do PS, é primeiro-ministro em funções, é um apoiante do Partido Socialista e estará, seguramente, ao lado do PS na campanha eleitoral. Essa ideia de que as pessoas fazem sombra umas às outras, os portugueses não deixam de compreender bem o papel de cada um e não parece haver qualquer risco de um fazer sombra ao outro ou vice-versa porque os portugueses, que são quem vai votar e quem vai eleger uma nova composição da Assembleia da República, sabem bem qual é a responsabilidade que cada um tem neste momento.
Quem também vai estar ao lado de Pedro Nuno Santos é o José Luís Carneiro. Já chegaram até a acordo para apresentar listas conjuntas neste Congresso. Que papel é que vê para José Luís Carneiro no PS? Vai ser, por exemplo, candidato a deputado?
José Luís Carneiro é um militante muito importante do Partido Socialista. É um militante importante, não apenas porque se candidatou à liderança do PS, já o era antes. É um ministro da Administração Interna penso que, consensualmente, reconhecido como extraordinariamente competente. Terá que lhe perguntar a ele, ao próprio, quais são as suas intenções e quais são as suas disponibilidades. O PS conta, evidentemente, com José Luís Carneiro, como conta com muitos outros quadros políticos que são absolutamente fundamentais para o desafio do próximo dia 10 de março e para aquilo que vai seguir ao dia 10 de março, em que nós esperamos voltar a revalidar a confiança que os portugueses depositaram em nós no ano de 2022.
Há este entendimento entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro para as listas conjuntas, mas esse acordo existe também para a adoção de propostas que foram feitas pelo José Luís Carneiro nesta corrida interna do PS, nomeadamente o Fundo Medina?
O PS é um só. Essa ideia de que havia duas visões, ou dois programas muito distintos um do outro, é uma ideia que não tem correspondência com a realidade. O programa eleitoral do Partido Socialista está a ser preparado na sequência das moções, e neste caso da moção de orientação política de que foi primeiro subscritor o secretário-geral eleito, Pedro Nuno Santos, e não há qualquer razão para entendermos que não é possível fazer aproximações em relação a algumas matérias. Essa não é uma questão crítica porque o PS é um partido único e coeso e não há nenhuma divergência que deva ser especialmente sanada e que tenha resultado da campanha eleitoral interna do Partido Socialista.
PSD. “Nunca explicaram devidamente a barafunda nos Açores com o Chega”
Quanto ao adversário do PS nestas eleições, que vai ser o PSD, porque é que apesar das garantias de Luís Montenegro, o PS insiste que o PSD vai acabar por fazer um acordo com o Chega?
Olhamos para o histórico e olhamos para aquilo que aconteceu na região autónoma dos Açores. A questão não tem que ver com nós duvidarmos da palavra de este ou daquele agente político. No caso do líder da oposição aquilo que aconteceu nos Açores é algo que o PSD nunca explicou devidamente. Justamente por nunca se ter demarcado daquilo que aconteceu, da barafunda que ali foi criada e que vai levar também à realização de eleições para a Assembleia Legislativa dos Açores, os portugueses não têm razões para estarem descansados quanto às reais intenções e tentações do PSD de se aliar ao Chega. Não respondo apenas com retórica política. Respondo com o histórico de uma situação e de uma circunstância muito concreta que aconteceu no nosso país.
Mas o PS não contribui para isso ao dizer que não viabiliza um governo de maioria relativa do PSD? Não contribui para manter essa suspeição da necessidade do apoio do Chega?
Os partidos devem ser muito claros ao dizer com quem estão disponíveis para falar. O PS estabeleceu uma doutrina, já nem é da última campanha eleitoral, mas ficou mais clara, quando dissemos que entre o Partido Socialista e o Chega há uma linha vermelha que nos separa.
Mas o PSD diz o mesmo
Essa forma tão clara de demarcação não parece que seja uma evidência do lado do PPD/PSD e, se diz o mesmo, não faz o mesmo. Há uma profunda incoerência do PSD em relação à forma como lida com o Chega e a prova disso mesmo é o que aconteceu na região autónoma dos Açores.