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“Em meados dos anos 50, a ordem política era um acordo frágil e os seus limites foram repetidamente testados e, por vezes, quebrados. Na primeira metade da década de 1960, tinham sido completamente ultrapassados.” Esta é uma das frases que está na introdução do livro The Shattering: America in the 1960’s (sem edição em português), escrito pelo historiador norte-americano Kevin Boyle, especialista no passado do seu país ao longo do século XX e professor na Universidade de Northwestern.
A década de 1960 é frequentemente invocada como uma era de caos na História recente dos Estados Unidos. Um Presidente e um candidato irmãos mortos a tiro, um levantamento geracional contra a guerra do Vietname que gerou movimentos terroristas, uma luta pelos direitos civis dos afro-americanos marcada por episódios de violência, que levou ao assassinato de Martin Luther King. Boyle decidiu debruçar-se sobre esse momento neste livro, onde coloca três eixos sociais no centro: a guerra no Vietname e o papel da América na ordem internacional, a questão racial e a revolução sexual. São eles, diz, os temas “voláteis” que agitam toda uma década. E que, acrescenta agora o historiador ao Observador, continuam a ser os temas que marcam os Estados Unidos de hoje em dia e, em particular, uma campanha eleitoral que ficará para sempre marcada pela tentativa de assassinato de Donald Trump.
A violência política regressou com toda a força ao país, argumenta Boyle. E, desta vez, há circunstâncias que classifica como ainda mais “perigosas”: por um lado, o facto de os partidos — com particular ênfase nos republicanos pós-Trump — terem deixado de agir como “barreiras de segurança”; por outro, porque o ecossistema mediático de hoje é completamente diferente de um tempo em que “só existiam três canais de televisão”.
Kevin Boyle reflete sobre isso e muito mais nesta conversa. Marca a invasão ao Capitólio como um dos momentos de maior violência política da História recente do país — não descura que foi “fomentada por políticos” e aponta como os laços próximos entre os manifestantes, para lá da ideologia, também têm um papel na violência de massas. Considera que Donald Trump tem mais em comum com o democrata George Wallace — o homem conhecido pelo discurso onde disse “Segregação hoje, segregação amanhã, segregação para sempre!” — do que com Barry Goldwater ou Richard Nixon. Defende que o Partido Republicano de hoje se transformou de tal forma que nunca mais volte ao que era. Mas também não poupa os democratas, pelo papel que considera terem na polarização atual.
Independentemente de toda a turbulência da década de 60, afirma esta historiador, os Estados Unidos vivem hoje um momento com potencial ainda mais explosivo. “É uma tendência assustadora que uma minoria crescente de americanos comece a ver a violência como uma solução legítima para o que se passa na vida pública”, afirma. “É assustador e ainda mais numa sociedade que está pejada de armas. Temos uma combinação de motivação e oportunidade.”
Biden tem tentado moderar a retórica nos últimos dias, e Trump já prometeu um discurso de estadista para a convenção desta quinta-feira. Mas o historiador Boyle é cético de que isto dure. “Para baixar o tom da política americana, não basta um discurso — e um só político não chega.”
As pessoas têm tendência a achar sempre que vivem na pior era de todas ou, pelo menos, na mais caótica. Por isso, parece-me apropriado perguntar a um historiador, que olhou para o período turbulento nos Estados Unidos do final dos anos de 1950 até ao início de 1970, se acha que há paralelos entre essa convulsão e o momento que o país vive agora? Houve a invasão do Capitólio; agora a tentativa de assassinato de um candidato. O período de paz social das últimas décadas está a acabar?
Essa é uma excelente questão. Há muitos… Eu não diria paralelos com os anos 60, diria que há continuidade com os anos 60. Não quer dizer que há uma linha direta. Mas muitos dos assuntos que eram tão voláteis nessa altura continuam a ser voláteis nos EUA do presente, sob formas diferentes. Sem dúvida, a questão mais volátil nos anos 60 era a questão racial: é um problema na História norte-americana desde sempre. E acho que continuamos a lidar com ela de forma muito profunda. Há apenas quatro anos, tivemos o maior movimento de protesto de toda a História americana depois do assassinato de George Floyd — as manifestações de 2020, só naquele ano, foram maiores do que as manifestações dos anos 60. E a questão racial continua a ser central nesta campanha presidencial, não tanto focada na questão das relações entre negros e brancos, mas ligada à imigração, um tema-chave para a campanha dos republicanos seja imigração legal ou ilegal e a transformação da identidade racial da América — que é a parte não dita, mas que está lá. Portanto a raça continua a ser central.
Depois nos anos 60 tínhamos a questão do papel dos EUA no mundo, relacionadas com a guerra [do Vietname]. Esta primavera tivemos os protestos contra a guerra de Israel em Gaza que se tornará um tema ainda maior.
Na convenção democrata, por exemplo?
Sim. E não quero estar sempre a falar no meu livro, mas o outro grande tema que abordo nele é a revolução sexual. O livro acaba precisamente com o Roe v. Wade [o caso do Supremo Tribunal que legalizou a interrupção da gravidez em todo o país], um sinal da grande transformação dos anos 60 e início dos anos 70. E, claro, esse é um tema incrivelmente volátil nos EUA de hoje. Portanto os assuntos que dividiram a política dos anos 60 nunca desapareceram. E acho que assistimos a uma continuidade nisso e na intensidade da política americana. Mas também acho que, em alguns aspetos, este é um momento ainda mais perigoso para os EUA do que os anos 60 foram.
Antes de ir aí, o que acha que explica o facto de esses assuntos terem acalmado durante os anos 80, 90 e 2000? Se continuavam sob a superfície, porque é que emergiram novamente agora e não antes? Houve a guerra do Iraque, houve questões raciais… O que há de diferente agora que trouxe todos os fantasmas à tona?
A guerra, a raça e a sexualidade nunca desapareceram, mas não eram questões tão intensas nesse período. O contexto político da América mudou muito radicalmente nos últimos dez anos, pelo menos. Uma peça central dessa transformação é que nos anos 60 os dois maiores partidos políticos atuavam como uma espécie de barreiras de proteção às formas mais extremas de política. Era difícil para um político como, por exemplo George Wallace, nos anos 60, furar essa barreira formada pelos partidos. O Partido Republicano já não serve como barreira. É o partido desses assuntos: da política populista, das propostas que eram uma franja radical nos anos 60.
É um fenómeno que começou apenas com Trump ou vem de trás? Antes do MAGA tivemos o Tea Party.
Como quase todas as mudanças, foi gradual. Era possível vê-lo a crescer em movimentos como o Tea Party e ainda não lidámos totalmente com as consequências da crise financeira de 2008, que deixou uma grande parte da sociedade americana a sentir-se ainda mais marginalizada em termos económicos. Isso acelerou estas mudanças. E depois há uma grande mudança que é o sistema de comunicação, hoje em dia as ideias voam de forma muito mais livre do que na altura antes da internet e das redes sociais. Nos anos 60 só havia três canais de televisão! Esse mundo morreu. E isso criou várias dinâmicas complicadas.
No seu livro, quando descreve o assassinato de John F. Kennedy, aponta muitas características — um frenesim mediático, um atirador solitário, as teorias da conspiração — que voltaram a acontecer agora no ataque a Trump. Diria que a diferença é que agora isto acontece em esteróides, por causa dos canais de televisão de 24 horas e das redes sociais?
Parece-me uma excelente forma de colocar a questão. Os rumores tornam-se loucos. O assassinato de John Kennedy é uma ótima comparação, de certa forma. Ninguém sabe ao certo todas as verdades do caso Kennedy, certamente não sei, mas muita gente já escreveu sobre isso. Um dos grandes problemas do governo na altura foi não admitir que as forças de segurança cometeram uma série de erros e depois tentaram encobri-los, o que permitiu às teorias da conspiração proliferarem. E estamos a assistir a algo um bocadinho semelhante agora.
Crê que isso pode ser contido com estes anúncios de investigações? Ou as coisas mudaram tanto que, mesmo que as autoridades façam tudo certo daqui para a frente, continuará a haver dúvidas?
Haverá sempre uma sombra de dúvida. Não há forma de conter o mundo das redes sociais que gera as teorias da conspiração. Não sei como é possível contê-lo, ninguém descobriu como fazê-lo ainda, pelo menos nos Estados Unidos.
Falava há pouco desta transformação do Partido Republicano e de como deixou de ter barreiras de segurança. Mas nos anos 60 surgiu Barry Goldwater — e muitos comparam Trump a ele. O Kevin prefere mais a comparação com Richard Nixon. Porquê?
Barry Goldwater era, para a sua altura, um conservador profundo, que estava descoordenado do mainstream do seu próprio partido. O facto de ter conseguido a nomeação em 1964 foi uma oportunidade daquelas que só acontece uma vez. Mas era um conservadorismo de caráter tradicional: um governo mais pequeno e menos intervencionista, oposição ao sindicalismo, oposição aos apoios sociais e um lutador vigoroso da Guerra Fria. Hoje em dia, não é essa a política de Donald Trump. Creio que a melhor comparação com os anos 60 é George Wallace. Esta é uma pessoa que, durante a sua carreira, puxa pelos medos raciais que existem nos EUA, que considera que o lugar que os EUA devem ocupar no mundo é oposto ao que defendiam Richard Nixon e Barry Goldwater (ambos defensores de que os EUA deviam estar envolvidos nas questões externas, em plena Guerra Fria). A ideia de ‘América Primeiro’ é completamente diferente.
E é oposta à tradição do Grand Old Party, de envolvimento na ordem mundial?
Meu Deus, sim! Isto é a antítese do partido de Barry Goldwater, de Ronald Reagan e até de Richard Nixon. Nixon sempre foi uma figura complexa, mas nas questões raciais tentou agradar a ambos os lados: por um lado defendeu uma política de “Lei e Ordem”, mas também foi Nixon que criou a Affirmative Action como política nacional dos EUA. Foi a administração Nixon que tentou aplicar o fim da segregação nas escolas do sul, com muito mais vigor do que outros antes dele. Portanto falar de Nixon é sempre complexo, que tipo é este? Esta política é uma política à George Wallace, muito mais do que a política tradicional republicana que dominou a segunda metade do século XX e os primeiros dez, quinze anos, do século XXI.
Acha que o facto de J.D. Vance ter sido o escolhido para candidato a vice-presidente reforça esse corte?
Absolutamente. A escolha de Donald Trump de Mike Pence em 2016 era uma tentativa de aplacar as forças poderosas dentro do Partido Republicano. J.D. Vance não é isso, é uma escolha que reafirma o controlo total de Donald Trump sobre o Partido Republicano.
Há uma possibilidade de o partido regressar ao que já foi? Porque hoje parece que Ronald Reagan, George W. Bush e até John McCain, que concorreu com Sarah Palin, não se inseririam de todo neste GOP.
Sem dúvida. Mitt Romney também não. O que está a descrever mostra que é provável que o velho Partido Republicano tenha desaparecido. George W. Bush normalmente estaria nesta convenção, se fosse uma convenção do velho Partido Republicano. Mitt Romney estaria lá. Mitch McConnell foi vaiado na convenção e ele está de saída do cargo, é uma figura muito mais tradicional. Essa ala do partido nem sequer lá está.
Essa é uma grande diferença dos anos 60, a transformação de um dos partidos do sistema. Isso pode estar a contribuir para acicatar as tensões? A violência pode ressurgir de uma forma ainda pior?
Donald Trump tem contribuído para o escalar da violência, com o caso mais gritante a ser o 6 de janeiro. Dito isto, quero deixar claro que não há qualquer justificação para a violência contra Donald Trump ou qualquer outra figura política. Não há racionalização possível, não há justificação possível para isso. Mas estamos a assistir a um momento em que o nível de violência dentro da política americana já acelerou. Gabby Giffords foi atingida a tiro há dez anos. Steve Scalise foi atingido a tiro durante um treino de basebol. E não acho que devamos separar a violência política contra figuras públicas — que é completamente inaceitável — da violência política que é exercida sobre cidadãos comuns. Um atirador entra numa loja e mata o empregado porque quer iniciar uma guerra racial — isso é tanto uma forma de violência política como a tentativa de assassinato de um candidato a Presidente.
Como é que acha que o Partido Democrata tem contribuído para isto? Perante Trump como adversário, mantém a postura de barreira ou houve uma mudança?
É uma pergunta complicada. Acho que o Partido Democrata manteve-se como uma barreira aos piores aspetos desta transformação política de que estamos aqui a falar, mas a linguagem política tem-se tornado mais afiada, mais polarizadora. Não ao mesmo nível, nem de perto. E, para ser honesto, acho absurdo as pessoas tentarem fazer um assunto da expressão de Joe Biden de “colocar Trump na mira”. É só um soundbyte que já foi usado muitas vezes na política. Para mim foi mais preocupante o que aconteceu na passada sexta-feira. Biden foi a um comício em Detroit, antes do ataque, e foi perturbador ver a multidão a dizer “Lock him up!” sobre Trump [adaptando o cântico “Lock her up!” usado pelos apoiantes de Trump em 2016 para Hillary Clinton]. E Biden a dizer que os media estão a tentar afastá-lo da corrida e a multidão vaiar os media. É a uma escala mais pequena, mas é à mesma adotar aquilo que Trump tem feito nos seus comícios desde 2016, e isso é reduzir tudo ao denominador comum mais baixo. Os democratas aí não estão a cumprir os seus deveres de barreira que são tão necessários na política americana.
Li recentemente as declarações de um investigador que nota como os estudos de opinião detetam como há pessoas dos dois lados do espectro político que agora dizem ser legítimo recorrer à violência ou para tornar Trump Presidente ou para o impedir de o ser. E muitas dessas pessoas têm armas. O clima de considerar a violência como algo justificado está a aumentar e a alastrar também aos eleitores democratas?
Também ouvi esses dados na rádio. É uma tendência assustadora, que uma minoria crescente de americanos comece a ver a violência como uma solução legítima para o que se passa na vida pública. É assustador e ainda mais numa sociedade que está pejada de armas. Temos uma combinação de motivação e oportunidade. Uma coisa é as pessoas à esquerda e à direita terem ideias extremas, isso sempre aconteceu nos EUA e em todo o mundo; a questão é quando decidem agir sobre essas ideias. E o facto de estarmos pejados de armas faz com que isso nos Estados Unidos seja muito mais fácil do que no resto do mundo industrializado. E na esquerda não há tanta gente com essas ideias, mas há e há cada vez mais gente que olha para a divisão política em termos absolutos. Portanto há medo do que possa acontecer vindo da esquerda — creio que não tanto como vindo da direita, porque na extrema-direita já há uma infraestrutura, uma rede de grupos extremistas, que a esquerda já não tem. Em tempos teve, mas já não existe. E é uma perspetiva assustadora.
Nos anos 70, Nixon falava na “maioria silenciosa”. Os EUA ainda têm uma maioria silenciosa que não está completamente imersa na polarização?
O argumento da “maioria silenciosa” apresentado por Nixon era muito interessante. Ele estava a identificar um elemento-chave da sociedade americana no final dos anos 60 e início dos anos 70. Creio que [hoje] há um grande número de americanos que não quer ver este nível de acidez e que não acredita que a solução é a violência. Mas não vejo a capacidade no sistema político de controlar aqueles que acham que a violência é uma resposta. E às vezes há momentos, como aconteceu no 6 de janeiro, em que a violência é fomentada pelos políticos. Apesar de todo o terror dos anos 60 nos EUA, nunca ninguém se aproximou de uma tentativa de por em causa uma eleição. E foi isso que aconteceu a 6 de janeiro. Foi um período curto, de apenas um dia, em que o Congresso teve de parar um processo legítimo por causa de uma multidão. Nunca tivemos nada parecido com isso no país durante a década de 60.
Escreveu um artigo sobre o ataque ao Capitólio onde argumenta que muitas vezes ignoramos o elemento social da violência, como as pessoas atuam nem sempre com base nas suas motivações ideológicas, mas por vezes influenciadas pelas suas relações pessoais. Pode explicar um pouco esse argumento e como pode fazer escalar a violência?
Primeiro queria agradecer-lhe por ter lido esse artigo, fez mesmo o seu trabalho de casa [risos]. Uma das coisas que me parece muito interessante é que temos tendência a pensar na violência como algo puramente ideológico, que as pessoas agem por causa das suas ideias. Mas há muitas pessoas — não sei quantas, ninguém sabe — que têm ideias extremistas, mas não fazem nada com elas. E um fenómeno importante da violência política é que tende a ser social. O meu argumento é que as pessoas que cometem atos violentos — não as que pensam sobre eles, os que agem de facto — tendem a fazê-lo por causa das suas relações sociais, por sentimentos de obrigação relativamente a pessoas que amam, por compromissos que têm com elas. O que tentei explicar nesse artigo é que um quarto das pessoas que foram acusadas por participar na invasão de 6 de janeiro foram acusadas juntamente com alguém com quem tinham algum tipo de relação. Um quarto! Estavam dentro do edifício do Capitólio com os seus pais, mães, irmãos, namoradas, maridos. E este é um elemento-chave da violência política, não apenas nos Estados Unidos.
Uma das coisas que me parece muito interessante nesta tentativa de assassinato de Donald Trump é que parece ser um ato solitário e que, aparentemente, nem tinha qualquer tipo de ideologia marcada. O meu palpite é que era uma espécie de lobo solitário, provavelmente ligado a uma crise mental. E esse também é um padrão da violência política, quando é cometida por uma figura solitária.
Gostava também de falar um pouco sobre a possibilidade de violência ligada ao Partido Democrata. Tivemos as manifestações por causa de Gaza nas universidades e, na altura, falava-se muito sobre como isso poderia contaminar a convenção de agosto, com comparações com a violência da convenção de Chicago em 1968. A tentativa de assassinato a Trump pode ter mudado esta trajetória?
Por um lado, acho importante dizer que a maioria das manifestações nos EUA são pacíficas. Protestos não levam necessariamente a violência — ao contrário do que aconteceu no 6 de janeiro, onde a linguagem desde início, com a ideia de “Stop the Steal”, que fomentava a ação. A maioria das manifestações não tem isso, mais de 90% dos protestos de 2020 não foram violentos.
Até nos anos 60, o “Verão da Liberdade” teve muitas manifestações que não se tornaram violentas.
Exatamente. Uma manifestação não leva inevitavelmente a violência. Às vezes a violência irrompe, mas é raro. Dito isto, por razões compreensíveis, as questões ligadas ao Partido Democrata deram menos nas vistas, mas vão voltar todas a emergir. Quando a convenção republicana acabar, vão todos falar da convenção democrata. E acho que vai haver muitos protestos relacionados com Gaza em Chicago. Espero que não se tornem violentos, quer do lado dos manifestantes, quer do lado da polícia. Pode haver confrontos, é uma possibilidade. A polícia tentará fazer em Chicago o que está a fazer em Milwaukee, que é criar um perímetro gigante de segurança. Se os manifestantes tentarem quebrar o cordão, isso pode ser um problema. E é possível — espero que não — que haja violência. Não apenas do lado dos manifestantes, os anos 60 também nos mostraram que às vezes a violência também é policial. Esperemos que haja cabeça fria. Agora, o que acontecerá dentro da convenção é uma questão em aberto. A candidatura de Biden é uma questão em aberto.
Na convenção de 1968 o candidato era Hubert Humphrey, porque Lyndon Johnson decidiu não se candidatar. Há umas semanas escreveu que Biden devia seguir o seu exemplo. Acha que ainda há uma possibilidade de isso acontecer?
Acho que a cada dia que passa a possibilidade é menor. Continuo a achar que ele devia fazê-lo, valha isso o que valha [risos] Mas creio que ele se mantém firme na ideia de continuar na corrida. E a única forma de ele ser substituído é se ele decidir desistir, os democratas não o vão empurrar. E ele não parece ter essa vontade.
LBJ fê-lo e mesmo isso Humphrey não venceu a eleição. Acha que isso pesa na decisão de Biden, que teme desistir e mesmo assim os democratas não baterem Trump?
Tenho a certeza que ele pensa pelo menos uma versão disso, nenhum outro candidato democrata parece mais forte do que ele. Mas suspeito que outro candidato — e Kamala Harris é a única que parece ser possível — teria um aumento nas sondagens. Se isso se manteria até ao fim da campanha, não sei. Mas creio que qualquer um teria um aumento. Se bem que talvez isso fosse verdade antes do ataque a Trump, agora não tenho tanta certeza.
Na entrevista que deu há uns dias, Biden disse que se arrependia de ter usado a expressão “na mira”. Parece haver uma tentativa de arrefecer o discurso. Trump também prometeu fazer um discurso mais moderado esta quinta-feira. Acredita que esta tentativa dos partidos de erguerem as tais barreiras se vai manter ao longo do resto da campanha?
Não. Suspeito que Trump vai fazer um discurso mais de estadista na quinta-feira. Mas acho que é uma questão de estratégia política, ele percebe que está na posição mais bem colocada nesta eleição e quer aproximar-se um pouco do centro. Foi por isso que escolheu J.D. Vance, escolheu o dragão que expele fogo do MAGA como seu aliado, para que ele garanta o apoio da base eleitoral, enquanto Trump se vira um pouco mais para o centro. Mas para baixar de facto o tom da política americana não basta um discurso — e um só político não chega. Trump está a concorrer com o apoio de um partido de sucedâneos que ainda mantêm o discurso de dragões que expelem fogo. Seja Marjorie Taylor Greene ou Matt Gaetz ou J.D. Vance. Portanto é só uma manobra política. E, uma vez mais, entendo por que Biden disse aquilo sobre “a mira”, mas é uma figura de estilo. A parte mais difícil para os democratas neste momento é que eles precisam de convencer as pessoas de que Donald Trump é uma ameaça à democracia — mas têm de fazê-lo de uma forma que não pareça que eles estão a incitar à violência. É muito difícil.