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Meses antes de se ouvir sequer falar em Covid-19, nem em Reguengos de Monsaraz nem no resto do mundo, desapareceram do salão do Lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS), naquela localidade alentejana, os dispensadores onde os quase 90 utentes tinham água sempre à disposição. “Não sei se era por ser muito caro ou não, mas a dada altura retiraram esses garrafões”, contou ao Observador uma funcionária do lar que, por medo de represálias, não quis ser identificada.
“A partir daí os velhotes que estavam melhores e ainda conseguiam andar passaram a ir buscar água em garrafinhas a uma torneira que há no quintal. Os que não conseguem pedem aos colegas, que umas vezes lhes dão, outras não”, revela a trabalhadora, pouco surpreendida com os resultados da auditoria da Comissão Regional do Sul da Ordem dos Médicos (OM) à atuação dos responsáveis do lar durante o surto de coronavírus que começou a 18 de junho no edifício da Rua da República e se alastrou depois à comunidade.
Ao todo, 80 utentes (de um total de 84) e 26 trabalhadores do lar ficaram infetados — 16 idosos acabaram por não resistir, bem como uma funcionária e um motorista da Câmara Municipal, alheio à instituição. De acordo com Filipa Lança, a responsável pela auditoria, ao contrário do que se poderia prever, a maioria dos pacientes não morreu de pneumonia provocada pela Covid-19, mas de desidratação e agravamento das doenças crónicas de que já padecia — “Foram referenciados ao hospital já numa fase tardia. [Morreram] por descompensação das suas patologias crónicas de base agravadas por estados de desidratação”, disse em entrevista à SIC.
A funcionária ouvida pelo Observador confirma e assegura: o problema não é sequer de agora. “A desidratação não aconteceu em dois dias, já vinha de trás, uma pessoa não chega a esse estado num dia. Se aos que estão ali no salão muitas vezes não lhes dão água, imagine aos que estão nos quartos e não têm como sair de lá. É o ‘já venho’. E depois nunca mais aparecem”, revela, resguardada de olhares indiscretos num apartamento pedido emprestado de propósito a um amigo, a escassos metros do lar da Fundação.
Maria Rosa só tinha um rim a funcionar, deu entrada no hospital em estado de desidratação
Foi num estado avançado de desidratação que a avó de Leonardo Pereira, infetada com Covid-19, deu entrada no Hospital do Espírito Santo, em Évora, no final de junho. “Tinha 71 anos e era uma pessoa doente, só tinha um rim a funcionar, fazia hemodiálise e precisava muito de beber água. Os médicos perguntaram como era possível uma pessoa daquela idade, com os problemas que tinha, chegar desidratada daquela maneira”, conta o neto ao Observador, revoltado e ao telefone desde Safara, onde mora, a cerca de 30 quilómetros de Barrancos e da fronteira com Espanha.
Durante cerca de um mês, Maria Rosa Aleixo, que se mudou para o lar da Fundação há cerca de dois anos, esteve internada, ventilada e em coma induzido. Depois, começou a melhorar: “Os últimos três testes que fez já deram negativo, os médicos disseram que ela talvez pudesse sair em breve. Depois apanhou uma bactéria e morreu, no dia 29 de julho”, recorda Leonardo, que esta quarta-feira resolveu criar um grupo no Facebook para reunir “familiares, funcionários e amigos” do lar da Fundação e exigir “justiça”.
“A minha avó era doente mas de cabecinha estava bem, queixou-se várias vezes de serem 23h e ainda não ter comido, e dizia que algumas funcionárias eram arrogantes, que não a tratavam bem”, acusa. “Quando veio tudo à tona e se começou a falar, tivemos informações de pessoas que trabalhavam lá, que nos contaram que as pessoas contaminadas continuaram a partilhar o espaço e as casas de banho com as não contaminadas. Queremos responsabilizar o lar e levar isto avante, até ao fim.”
Outros familiares de utentes que também perderam a vida em consequência do surto de Covid-19 no lar, contactados pelo Observador, recusaram falar, uns por ainda não terem “dados concretos” sobre o que realmente aconteceu, outros por receio de represálias. “Há um clima de receio e de medo em Reguengos, é um ambiente quase feudal, em que o presidente da Câmara controla tudo e as pessoas não querem falar”, explica uma habitante, também ela sob anonimato, confirmando a existência de uma espécie de síndrome da terra pequena. “À boca pequena há um julgamento público, mas ninguém quer dar a cara e falar. Toda a gente tem alguém que trabalha na Câmara, na Junta de Freguesia, na Misericórdia ou na Fundação. Têm medo de perder o emprego.”
“Não recebemos formação, absolutamente nada”
“O mal ali é que há muitas funcionárias que já têm muitos anos de casa e só estão à espera da reforma, não têm amor nenhum pelos velhotes, não querem saber. Fazem-se muitas coisas que deviam dar direito a processo e despedimento, mas nada acontece. E os responsáveis não querem saber”, acusa e exemplifica a funcionária do lar que acedeu falar com o Observador, contando os casos da colega que higieniza os tampos das mesas de cabeceira com a mesma esfregona com que lava o chão e da empregada de limpeza que usa as camas dos utentes para ler cartas de tarot a clientes por telefone.
Se a situação do lar, paredes meias com uma unidade de cuidados continuados, também pertença da FMIVPS, já era “caótica”, garante, ficou ainda mais quando a 18 de junho, uma quinta-feira, ficou a saber-se que havia um primeiro caso de infeção pelo novo coronavírus dentro da instituição.
Em plena pandemia, e meses depois de ter sido exigido pela Direção Geral de Saúde às instituições a elaboração e apresentação de um plano de contingência para lidar com o vírus, os funcionários do lar da Fundação, como ali é conhecido, não só não tinham conhecimento do documento nem de normas específicas para lidar com os utentes, como nem sequer eram obrigados a utilizar máscaras e outros equipamentos de proteção individual. “Não recebemos formação, absolutamente nada”, conta ao Observador outra funcionária, entretanto dispensada, que ainda assim faz questão também de manter o anonimato.
“No fim de março, quando se soube que havia casos em Reguengos, tivemos uma reunião de emergência, houve uma modificação dos horários, explicaram-nos que ia existir uma sala de isolamento — um cubículo autêntico, no rés do chão, onde cabia uma pessoa e um funcionário, mais nada —, e disseram-nos que íamos ter proteção. Davam-nos uma máscara descartável cirúrgica para dois dias, quando devia ser para quatro horas, e muitas colegas nem a usavam. Não punham máscaras, não trocavam de luvas quando tratavam dos utentes e lhes faziam as higienes, houve ali muita negligência”, acusa.
Alguns quartos, descrevem ambas as funcionárias, chegavam a albergar seis utentes, três camas de um lado, outra três do outro, sem espaço sequer para mesas de cabeceira pelo meio. Apesar de não terem ar condicionado e das temperaturas elevadas que a partir da primavera se fazem sentir naquela zona do Alentejo, os funcionários estavam proibidos de abrir janelas — medida que a DGS recomenda para ventilar divisões e diminuir o risco de infeção. “Fomos ameaçados várias vezes, se abríssemos as janelas éramos despedidos. Era um calor insuportável — chegavam a estar 40ºC — e um cheiro horrível — são idosos, fazem as necessidades ali —, portanto abríamos à mesma”, conta a ex-funcionária.
“Entretanto fizeram obras e compraram ventoinhas, uma para cada quarto”, explicaria mais tarde a funcionária que ainda trabalha no lar. Mas, de acordo com as autoridades de saúde, a utilização deste tipo de equipamentos, que “promove a movimentação de massas de ar”, pode aumentar o risco de propagação do novo coronavírus.
Contactado pelo Observador, José Calixto, presidente da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz e, por inerência de funções, da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, recusou prestar quaisquer declarações, explicando estar a aguardar “o acesso a alguns documentos, nomeadamente o relatório da OM (que desconhecemos por completo)” e remetendo para o comunicado divulgado na passada terça-feira pela FMIVPS.
No texto, a instituição garante ter elaborado, já no final de março, um Plano de Contingência Covid-19, recorda que “ficou quase sem recursos humanos disponíveis pelo que teve que recorrer à Autoridade Municipal de Proteção Civil, a qual solicitou a ajuda das Forças Armadas Portuguesas” e assegura que “fez tudo o que estava ao seu alcance e dentro das suas competências” para “salvar vidas humanas, numa crise de saúde pública que assumiu contornos absolutamente dramáticos”.
Infetados para um lado, não infetados para o outro — com uma casa de banho partilhada no meio
Seriam umas 11h00 da manhã do dia 18 de junho quando todos os funcionários do lar foram chamados ao pátio exterior do edifício, de dois pisos. “Até aí só usava máscara quem queria. Avisaram-nos para pormos as máscaras e disseram-nos que o corona nos tinha batido à porta, que uma idosa tinha dado positivo. Descobriram por acaso, a senhora caiu e foi para o hospital, foi lá que lhe fizeram o teste”, recorda a funcionária do lar.
“Logo nesse dia à tarde todos fizemos testes; os resultados começaram a chegar no dia seguinte de manhã: havia 12 funcionários positivos, que foram mandados para casa. Os que estavam negativos, começaram a abandonar o barco, muitos entraram em pânico e pediram baixa. Um ou dois dias depois já só estávamos 10 a trabalhar, uns 20 foram embora. A partir daí foi o terror.”
Tal como os funcionários, também os utentes começaram a testar positivo, cada vez mais e mais. Sem plano de contingência, os poucos funcionários que restavam receberam uma lista com os nomes dos infetados: “Tínhamos de tentar agilizar os quartos. Tínhamos de pôr quatro utentes com Covid num quarto e no outro três utentes sem Covid. O problema é que a casa de banho, que estava no meio, era comum, e eles continuaram a usá-la”, revela a trabalhadora. “Aquilo é um prédio antigo, com uma escada a meio e dois lances de quartos para cada lado, com portas de batente, que não trancam, portanto os que conseguiam andar andavam sempre de um lado para o outro, infetados e não infetados. Temos um casal, em que o marido estava com Covid e ela não, o marido ia à da mulher e ela ia à dele, aquilo era ali um grande namoro, mas nós não podíamos fazer nada, não tínhamos gente para os controlar.”
Estes relatos vêm confirmar as informações que constam do sumário executivo da auditoria da Ordem dos Médicos, a que o Observador teve acesso, e que explica que ao longo dos três dias que levou a ser feita a testagem da totalidade dos utentes e dos funcionários, “os potencialmente infetados conviviam e partilhavam espaços, corredores e casas de banho” — o que terá contribuído para o rápido disseminar do vírus pelo lar.
Há mais: se antes do surto muitas vezes, sobretudo aos fins de semana, já eram os auxiliares de ação direta ou até os funcionários da cozinha ou do refeitório quem tinha a responsabilidade de preparar e dar a medicação aos utentes, acusam funcionária e ex-funcionária do lar, com a multiplicação dos casos de infeção essa tarefa passou a ser da sua estrita responsabilidade. Isto quando os remédios necessários estavam disponíveis: “Às vezes não havia medicação. Não iam buscar à farmácia, não sei. Os velhotes acabam de jantar e não sabem dizer se comeram ou arroz ou massa, mas sobre os medicamentos sabem tudo, dizem logo: ‘Falta o vermelho!’”, revela ao Observador a funcionária ainda em funções.
A versão é corroborada pelo sumário da auditoria da Ordem dos Médicos, que explica que os recursos humanos disponíveis no lar “foram insuficientes para a prestação de cuidados adequados no Lar (mesmo antes da crise de Covid-19)” e acrescenta que “vários doentes estiveram alguns dias sem as terapêuticas habituais, por falta de quem as preparasse ou administrasse, sendo que houve casos de preparação e administração de fármacos por pessoal sem formação de enfermagem”.
Para além disso, acrescentam ambas as fontes ouvidas pelo Observador, tanto o pessoal da cozinha e do refeitório, como os auxiliares de ação direta receberam instruções verbais para fazer outro tipo de trabalho de enfermagem, como mudar pensos, algálias e até sondas de alimentação. “Havia pessoas com sonda que com a aflição às vezes arrancavam aquilo tudo. Durante o dia, se houvesse alguma situação grave, chamávamos as enfermeiras dos Cuidados Continuados — que também nem sempre vinham, aquilo são dois mundos à parte. Mas à noite ou aos fins de semana não havia alternativas, tínhamos de ser nós. Sondas nunca fiz, fazia-me muita impressão, mas algálias sim”, diz a trabalhadora entretanto dispensada. Apesar das tentativas de contacto, por telefone e e-mail, por parte do Observador, Augusto Santana de Brito, o responsável pela Autoridade Local de Saúde do ACES Alentejo Central, também não se mostrou disponível para prestar esclarecimentos.
Mila trabalhava no refeitório mas “fazia o que era preciso”. Morreu a 1 de julho
Três ou quatro dias depois de ter sido confirmado o primeiro caso de infeção, não consegue precisar bem, chegaram ao lar os reforços da Cruz Vermelha Portuguesa, conta a funcionária que aceitou falar ao Observador. Só nessa altura, em que foi montada uma tenda no pátio da instituição, em frente à zona do refeitório, é que os poucos trabalhadores ainda no lar receberam fatos completos de proteção e informação sobre como se equiparem, no ginásio, e retirarem todo o material, no final de cada turno, já na tenda.
Também foi nesse dia, recorda, que surgiram fitas verdes e vermelhas no chão, a marcar os circuitos — limpo e sujo — que deviam ser utilizados pelos funcionários. “Até chegar a Cruz Vermelha e as outras empresas que nos foram ajudar, a limpeza era igual. Só nessa altura é que nos disseram que tinha de ser tudo lavado com lixívia todos os dias e que os utentes tinham de tomar banho diariamente também, só mudar a fralda não chegava”, conta a trabalhadora.
Mesmo assim, apesar de todas as alterações, alguns problemas mantiveram-se: “Havia um carrinho com papas e leite, com que fazíamos a distribuição das refeições nos quartos, que era o mesmo que ia para a parte positiva e para a negativa. Só há um elevador no lar, que pertencia à zona suja, para passarmos para a parte limpa tínhamos de usar as escadas, mas o carrinho tinha de ir por dentro”. Para além disso, conta ainda a funcionária, o pessoal era tão escasso que não foi repartido em equipas: “Todos fazíamos tudo e tratávamos todos os doentes, positivos e negativos, sempre com o mesmo macacão vestido”.
Apesar de ter sido contratada para trabalhar no refeitório e, entre outras coisas, assegurar a lavagem das loiças, Ludmila Istratuc, tal como os outros colegas, também “fazia o que era preciso” no lar. Moldava, de 42 anos, era uma das funcionárias mais queridas pelos idosos, conta ao Observador, no seu consultório, no centro de Reguengos de Monsaraz, a prima Cornélia Cojocaru. “Dizia que estava sempre com a mão a tremer, a tentar não se enganar nas doses de medicação que tinha de dar aos utentes”, recorda a médica dentista.
“Trabalhava lá há quase 8 anos e há mais de duas semanas antes de ser confirmado o primeiro caso que nos contava que os velhotes estavam doentes mas que não eram isolados dos outros. Tinham febre, tomavam ben-u-ron, passava, e ficavam todos juntos”, revela Cornélia Cojocaru, em Portugal há 15 anos. “Sei que é a nossa palavra contra a deles, podem dizer que são acusações que não têm base. A verdade é que ela já não está viva, não pode contar mais nada”, lamenta.
Terá sido logo a 19 de junho que Mila, como era carinhosamente tratada, testou positivo para o novo coronavírus. Dia 21 foi hospitalizada e colocada em coma induzido, depois de ter ligado para a Linha Saúde 24, a queixar-se de dificuldade em respirar. Dia 1 de julho, já o marido, Adriano, e os filhos, dois rapazes de 17 e 16 anos e uma menina, de apenas 5, tinham também testado positivo, morreu.
“Inventaram histórias de que ela tinha asma, que tomava cortisona e até que tinha um pacemaker, mas é tudo mentira. A Mila não tinha problema nenhum, era saudável”, garante a prima. “Com a pandemia muitos foram metendo baixa e eram cada vez menos as pessoas a trabalhar, andava muito cansada, porque tinha de fazer horas extra, mas não tinha problemas de saúde. As horas ainda por cima não eram pagas, iam ser convertidas em dias de férias. Agora é que está a gozar umas belas férias”, desabafa Cornélia, num misto de revolta e comoção.
Depois, revela que o primo já contratou um advogado e que está a preparar-se para processar o Lar da Fundação. “Nunca se interessaram por ela, nem quando estava internada nem quando morreu, nem os pêsames lhe deram. Pagaram 400 euros, relativos aos dias de férias por gozar, e disseram-lhe que as contas estavam feitas. Temos de lutar agora pelos direitos dos meninos, a mãe deu oito anos da vida dela com todos os cuidados, teve de trabalhar sem condições e morreu. O lar tem de ser responsabilizado”, explica, acrescentando ainda que, apesar de se ter oferecido para assegurar todas as despesas relativas com o funeral, a Câmara de Reguengos de Monsaraz nunca se disponibilizou para pagar a fatura.
Escassas horas depois de Cornélia Cojocaru falar com o Observador, esta quinta-feira à tarde, o Conselho de Administração da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva publicou no Facebook um comunicado, em que garante ter assegurado esse mesmo pagamento e acrescenta ter-se disponibilizado para “prestar todo o apoio domiciliário que a Família considerasse necessário, que estivesse ao alcance da FMIVPS e durante o tempo que a família necessitasse (por exemplo: alimentação, lavagem de roupas, limpezas…)”. No texto pode ler-se ainda que Ludmila Istratuc “será para sempre recordada como uma das mais dedicadas e competentes trabalhadoras que alguma vez serviram a FMIVPS e os idosos que temos à nossa guarda”.
“Durante duas semanas todos os dias nos morria gente”
Mila foi a mais jovem vítima fatal do surto de Covid-19 que começou no lar da Fundação, infetou 162 pessoas em todo o município e provocou outras 17 mortes. “Perdemos os nossos, as pessoas ficaram muito consternadas, durante duas semanas todos os dias nos morria gente, foi uma coisa medonha”, contextualizou ao Observador a psicóloga Marta Prates, uma das fundadoras do grupo “Em Missão na Nossa Terra”, que logo em março reuniu uma série de voluntários, de várias áreas, para ajudar a população da cidade.
“Passei literalmente dias ao telefone, as pessoas ligavam, uma a seguir à outra. Esta situação criou uma ansiedade enorme, para além de medo da doença física, sobretudo quando começaram a ver que morriam pessoas novas e sem doença crónica, as pessoas tinham muito medo do futuro, houve negócios que fecharam e que eram o sustento de famílias inteiras, foi mesmo muito difícil”, diz a psicóloga.
No dia 3 de julho, como que para exorcizarem esse sentimento, cerca de duas dezenas de reguenguenses juntaram-se na rotunda em frente ao cemitério da cidade, com as devidas distâncias de segurança, para uma homenagem simbólica à moldava, a única funcionária do lar, num total de 26 infetados, que não resistiu à Covid-19.
Enquanto lá dentro a família de Mila, incluindo o marido e os filhos, que apesar de ainda não terem testado negativo para o novo coronavírus foram autorizados pelas autoridades locais de saúde a estarem presentes, assistiam às cerimónias fúnebres, cá fora eram libertadas dezenas de balões brancos em direção ao céu. “O pai explicou à menina que a mãe foi lá para cima, porque Deus tinha trabalho para ela, mas ela só tem 5 anos, continua a perguntar pela mãe, quer ligar-lhe para o telefone”, desabafa Cornélia Cojocaru. “É sobretudo por ela que agora temos de ter força.”