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“A mente de um engenheiro, a curiosidade de mil gatos e a humildade para continuar a aprender.” A descrição é de Tony Blair, o antigo primeiro-ministro do Reino Unido, para acompanhar o perfil de Larry Ellison, o fundador da Oracle, na lista de 100 pessoas mais influentes da revista Time.
Ellison, que completa este sábado 80 anos, é uma das presenças com maior longevidade em Silicon Valley, com um legado de quase cinco décadas. A relevância do berço de onde saíram muitas das inovações que mudaram o mundo deve-se à Oracle, a tecnológica de software para empresas que fundou em 1977. O que começou por uma ideia para revolucionar as bases de dados é hoje uma empresa muito diferente, com presença na cloud e que até beneficia da expansão da inteligência artificial (IA) generativa.
Mesmo que já tenha ultrapassado a idade da reforma, continua a ser o diretor de tecnologia da Oracle e o presidente do conselho de administração. Até 2014 era o CEO, mas decidiu entregar as chaves do reino a Safra Catz, uma das principais executivas da empresa. Continua a ser o principal acionista da Oracle, com uma participação de 42%, que também lhe confere a fatia de leão da fortuna estimada de 151 mil milhões de dólares (137,46 mil milhões de euros). O suficiente para ocupar o sexto lugar da lista dos mais ricos da Bloomberg, logo atrás de um dos seus principais rivais dos anos 90: Bill Gates, o homem forte da Microsoft.
Larry Ellison não dá sinais de querer afastar-se do mundo dos negócios. Tem investimentos na Salesforce, na Tesla e várias apostas no mundo do imobiliário, incluindo na ilha de Lanai, no Havaí, onde é dono de 98% do território e onde mora permanentemente desde 2020. É na ilha que tem dois luxuosos resorts. Esta semana, foi conhecido mais um investimento imobiliário de Ellison: o Eau Palm Beach Resort & Spa, uma propriedade de 309 quartos em Manalapa, a poucos quilómetros de Mar–a-Lago. Fora dos EUA, tem uma propriedade no Japão.
Ellison é o que se pode chamar de self-made man e já conseguiu criar a sua própria dinastia de negócios: o filho, David, é o CEO da Paramount Global após a aquisição feita pela Skydance Media. A filha, Megan, é a fundadora da Annapurna Pictures e produtora de filmes como “Her”, “American Hustle” e “Phantom Thread”. Tem ainda mais dois filhos pequenos, de relações mais recentes.
Lawrence Joseph Ellison nasceu a 17 de agosto de 1944, no Bronx, em Nova Iorque. Filho de uma mãe solteira, Florence Spellman, apanhou pneumonia quando tinha nove meses. Quase morreu e a mãe enviou o pequeno Larry para casa dos seus tios, em Chicago, a quase 1.300 quilómetros de distância — Lillian e Louis Ellison adotaram o sobrinho-neto. Louis Ellison era um imigrante russo que recebeu o sobrenome quando chegou a Ellis Island, uma das principais portas de entrada nos Estados Unidos para muitos imigrantes.
Durante anos, Larry Ellison não soube que era adotado. Aliás, só conheceu a mãe em adulto, aos 48 anos, depois de contratar um detetive privado. Já era um dos homens mais ricos dos EUA quando isso aconteceu — comprou uma casa à mãe na Califórnia e pagou os estudos da irmã que nem sabia que tinha. Nunca chegou a conhecer o pai biológico, que seria descendente de italianos.
A infância, passada num apartamento no bairro de classe média de South Side, terá sido marcada pela tensão com o pai Louis, que trabalhava na área do imobiliário até perder tudo durante a Grande Depressão. “Ele tinha o respeito pela autoridade que é próprio dos imigrantes, aquele tipo de aura de nunca questionar a autoridade”, explicou Larry Ellison à Vanity Fair, quando tinha 52 anos. “Ele dizia que em alguma altura eu iria ter de me conformar.”
Não foi o que aconteceu. Tal como muitos outros fundadores de grandes tecnológicas, Ellison não terminou os estudos — encaixa-se a conhecida expressão “college dropout”. Fez um ano na Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, até que quando a mãe adotiva, Lillian, morreu, durante o segundo ano de faculdade, Ellison desistiu do curso. Mais tarde, tentou voltar à universidade, mas aguentou apenas um semestre.
O movimento hippie dava os primeiros passos. Ellison já tinha estado na Califórnia e visto o movimento em pessoa. Já de regresso a casa do pai, em Chicago, e sem o pilar de apoio da mãe, continuava a pensar na viagem. “O meu pai começou a beber e portanto saí. Não era muito divertido estar ali”, disse em entrevistas, anos mais tarde.
Em 1966, quando tinha 22 anos, mudou-se para a Califórnia. Fez a viagem de vários quilómetros ao volante de um vistoso Ford Thunderbird turquesa descapotável, um carro que acreditava que podia dar boa impressão na sua nova vida. Fixou-se em Berkeley, perto do que mais tarde se tornaria Silicon Valley.
Os primeiros tempos na Califórnia foram marcados por vários emprego, a tirar partido das competências na área de computação que aprendeu no liceu e na curta experiência universitária. Trabalhou em empresas como o Wells Fargo até à tecnológica Amdahl, que instalava as “mainframe” para os computadores que ocupavam salas inteiras (é uma subsidiária da Fujitsu desde 1997). Embora os dias fossem marcados por longas horas de trabalho e com um divórcio após um casamento de apenas dois anos, Ellison prosperou. Ainda não tinha chegado aos 30 anos e já tinha casa própria, um carro desportivo e o primeiro barco.
Da revolução das bases de dados, que começou com um projeto na CIA, até aos primeiros milhões
Ellison conjugou a vida profissional com algumas aulas na universidade de Berkeley. Arranjou um emprego numa empresa chamada Ampex, que se dedicava a construir bases de dados para a agência norte-americana CIA. O norte-americano era já visto como um programador conhecido dentro da empresa e, até hoje, pouco se sabe sobre o que é que fez concretamente para a CIA.
A CIA é ainda hoje cliente da Oracle. Por isso, quando fala desse tema, Ellison põe um travão à própria personalidade. Normalmente, gosta de dar nas vistas com anúncios e declarações públicas apenas para obter uma reação. “Ainda fazemos muitos negócios com eles. Não quero receber uma chamada a meio da noite”, disse à Vanity Fair em 1997, para pôr fim à conversa.
Com o engenheiro Bob Miner (1941-1994), Ellison recrutou o matemático Ed Oates para fundar o que se tornou a Oracle. Ellison e companhia inspiraram-se nas teorias de bases de dados relacionais do cientista Edgar F. Codd, da IBM. Ou seja, uma forma de os computadores da altura conseguirem armazenar e aceder a informação mais depressa. O trio usou dois mil dólares para fundar a empresa — hoje em dia, o equivalente a mais de 10.370 dólares (cerca de 9.438 euros), e apresentou a ideia de software à CIA.
“Quando as pessoas começam a dizer-te que estás doido, podes estar perto da inovação mais importante da tua vida”, disse anos mais tarde Ellison sobre aqueles tempos. Mas também admitiu que houve alguma “ingenuidade” do trio a achar que seria um processo rápido, principalmente quando o dinheiro para manter a pequena empresa a funcionar estava a chegar ao fim.
“Foram meses e meses de processo de contratação. Estávamos a ficar sem dinheiro”, relatou Ellison. Também estava a tornar-se difícil para Ellison manter o estilo de vida dispendioso: “Eu estava a viver em Woodside e a construir outra casa. Não conseguia cumprir com os pagamentos da hipoteca. O Bank of America ia ficar com ambas casas”, relatou. O colapso financeiro de Ellison não se concretizou por muito pouco: o dinheiro da CIA chegou a tempo de salvar a empresa e os investimentos pessoais. Rapidamente ganharam mais um cliente, a Força Aérea dos EUA.
O negócio descolou, muito graças a uma política de vendas agressiva. Ellison era o maestro: contratou um grupo de jovens consultores para vender a base de dados da empresa, onde imperava um estilo de vida faustoso. O parque de estacionamento da Oracle era ocupado por Porsches e BMW, mas quem não cumprisse os ambiciosos objetivos de vendas estava fora. Ellison chegava à empresa num Ferrari vermelho e, num só dia, chegou a acumular três multas por excesso de velocidade, todas passadas pelo mesmo polícia. Afinal, tinha cada vez mais dinheiro para gastar e gostava disso: durante anos, só assinou correspondência com tinta verde, a cor do dinheiro.
Até que a euforia dos anos 80 acabou. Larry Ellison começou a ser alvo de críticas: passava cada vez menos tempo no escritório. Deixava figuras importantes à espera só porque tinha conhecido uma mulher atraente num voo. Também se tinha envolvido num investimento nos media, a revista Buzz, que o levava a passar muito tempo em Hollywood. “Estava a apreciar a novidade de ser uma celebridade.” Era o exemplo do CEO “playboy”, que na década de 90 chegou a ir a tribunal defender que não forçou o despedimento de uma executiva da empresa quando esta passou a ser a sua ex-namorada.
Na altura, dizia-se que era habitual Ellison chegar meia hora atrasado às reuniões. Os produtos da Oracle chegavam com falhas ao mercado e os vendedores e executivos eram descritos como “arrogantes” — podiam andar de Jaguar e ter uma boa prestação no campo de golfe, mas estavam pouco interessados no ponto fulcral do trabalho — os clientes — relatava a imprensa da época.
Houve um momento de viragem, num dia em que os resultados financeiros da Oracle dececionaram os analistas e o próprio CEO. “Fiquei ali, em casa, e vi o valor das ações todo o dia, a descer, descer, descer, descer. Depois pensei no que tinha de fazer.” A resposta? Despedimentos e assumir ao mercado que a Oracle “era gerida por adolescentes.” “E isso incluía-me a mim”, admitiu. Podia saber muito de bases de dados, mas reconheceu que na altura não percebia muito de finanças nem sobre o que era necessário para manter uma empresa com a dimensão da Oracle. Teve de voltar a focar-se no trabalho para dar a volta ao que poderiam ser tempos negros para a tecnológica.
Uma personalidade aguerrida e com muita vontade de falar dos rivais
Em pleno pico do domínio da Microsoft nos computadores, na década de 90, e antes do megaprocesso de Concorrência, considerou Bill Gates um rival. Em privado, segundo perfis da altura, Ellison usava linguagem “colorida” para falar sobre o dono da Microsoft, ainda que em público fosse mais diplomático. “Não odeio o Bill, ele é ok”, disse à Vanity Fair. “Sempre nos demos bem”, garantia, afirmando logo a seguir que Gates “não se sente como um homem articulado e isso incomoda-o”, alegando que o executivo se sentiria “em desvantagem em debates públicos” e evitaria falar nos mesmos eventos que Ellison.
Mas em 1995 estiveram os dois no mesmo evento da indústria em Paris. Toda a atenção dada à Microsoft e ao Windows 95, o sistema operativo da altura, fez o copo de Ellison transbordar e o CEO da Oracle passou ao ataque. Apresentou ao mercado o conceito de NC (network computer), uma versão simplificada de um computador pessoal que armazenava os ficheiros na rede em vez de num disco rígido. Foi o desafio mais claro de Ellison a Gates, ainda que a aventura do NC tenha tido vida curta.
Se Gates era um rival, Steve Jobs, que morreu em 2011, era um amigo próximo. Na primavera de 1997, Ellison até quis recorrer à Apple para ir atrás da Microsoft. Na altura, Jobs não estava na tecnológica e Ellison até vaticinou que a Apple não sobreviveria sem o seu principal executivo. O CEO da Oracle surpreendeu ao anunciar as intenções de uma oferta hostil para ficar com a empresa e restituir Steve Jobs ao cargo de CEO. Primeiro contou à imprensa e só depois é que ligou a Jobs. “Não, estás a brincar, não fizeste isso. (…) Falaste do meu nome? Diz-me que não mencionaste o meu nome”, terá respondido Steve Jobs, segundo um relato de Ellison.
Na altura, o CEO da Oracle acreditava que a Apple era a única empresa cool para alavancar o software do projeto NC. Steve Jobs voltou à Apple, conseguiu dissuadir Ellison da oferta hostil e nunca se cumpriu a ambição do patrão da Oracle, que quis ser presidente do conselho de administração da marca da maçã. Como o tempo revelou, o projeto dos computadores alternativos também não destronou a Microsoft. A rivalidade entre Ellison e Gates manteve-se durante anos, até que os dois foram vistos juntos em 2015, durante um torneio de ténis na Califórnia — a sorrir, bem longe da rivalidade de egos de outros tempos. Em 2021, voltaram a ser “apanhados”. O facto de Ellison ter aderido à Giving Pledge, da Fundação de Gates, e ter prometido doar até 95% da fortuna a causas solidárias, também ajudou.
Em alguns casos, Ellison não tem problemas em atirar farpas a empresas em que investiu. Em 1999, Marc Benioff, um dos seus protegidos e executivo na Oracle, decidiu sair para fundar a sua própria empresa, a Salesforce. Além da bênção de Ellison, também levou um cheque de dois milhões de dólares (1,8 milhões de euros) e a segurança de poder incluir o magnata da Oracle na lista de investidores iniciais.
A Salesforce, que ainda hoje é uma cliente da Oracle, cresceu no mercado do software empresarial baseado na cloud ao ponto de começar a incomodar a gigante de Ellison. Os primeiros sinais de afastamento surgiram quando Benioff descobriu que a Oracle estava a preparar um rival direto para o produto principal da Salesforce. De acordo com a Business Insider, tomou a iniciativa de afastar o antigo mentor do conselho de administração da Salesforce. Não correu bem: Ellison trocou-lhe as voltas e forçou Benioff a despedi-lo do “board”, mas conseguindo manter as ações na Salesforce.
A relação azedou ao ponto de Larry Ellison e Marc Benioff começarem a chocar em público. Tornaram-se frequentes as referências nas apresentações de resultados e até chegou, em 2015, a lançar o desafio à Salesforce para perceber quem conseguiria chegar primeiro ao marco de “mil milhões de dólares de receitas no negócio de software-como-serviço”.
Anos mais tarde, já com a Oracle bem ativa no mundo da computação cloud, Ellison passou a ter outros alvos, como a Amazon e Jeff Bezos. Em 2016, por exemplo, disse durante uma apresentação de resultados que a empresa “gere melhor as bases de dados do que a Amazon”, referindo-se à unidade de computação cloud Amazon Web Services.
Na vertente política, os anos mais recentes ficam marcados pelos esforços de Ellison na organização de eventos de angariação de fundos para a campanha de Donald Trump. Terá sido através dessa proximidade que, em 2020, quando o então Presidente dos Estados Unidos assinou uma ordem executiva para banir a rede social chinesa TikTok no país, a Oracle emergiu como uma das possibilidades para adquirir o negócio. Ellison não comprou a app de vídeos curtos, mas a Oracle tornou-se na parceira de referência para o armazenamento de dados do TikTok nos EUA.
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Para aproveitar a febre da IA, em abril Ellison tirou mais uma carta da manga: mais ferramentas de IA generativa para vender aos clientes. A aposta parece ter convencido, pelo menos até agora, os investidores e analistas. “Acreditamos que a Oracle está a atravessar um período de renascimento do crescimento com a sua estratégia de IA. Está bem posicionada para ser uma das principais beneficiárias da revolução da IA”, o analista Dan Ives, da Wedbush, à CNBC.
Aos 80 anos, Ellison está cada vez mais rico, muito graças à IA e às ações que tem na Tesla. Em julho, só num dia, o património do norte-americano aumentou em 14 mil milhões de dólares devido à procura por IA generativa — o maior salto diário na sua fortuna. Embora a Oracle não seja uma das empresas no pelotão da frente deste campeonato, está a beneficiar do mercado já que consegue apoiar a infraestrutura tecnológica necessária para o desenvolvimento de modelos de linguagem. A OpenAI, a dona do ChatGPT, já é cliente da companhia.