Depois de um primeiro dia inteiramente dedicado a compromissos oficiais, o Papa Francisco começou esta quinta-feira a centrar-se na sua grande prioridade nesta JMJ em Lisboa: a juventude. O seu primeiro grande discurso do Papa aos jovens em Portugal aconteceu na Universidade Católica Portuguesa, perante quase 7 mil pessoas, maioritariamente jovens estudantes da UCP, mas também professores e investigadores. Antes, o Papa ouviu um discurso da reitora da UCP, Isabel Capeloa Gil, e os testemunhos de quatro jovens. Francisco falou em espanhol, citando vários autores portugueses.

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“Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Obrigado, senhora Reitora, pelas suas palavras. Afirmou que todos nos sentimos ‘peregrinos’, é uma palavra bonita cujo significado merece ser meditado. Literalmente, significa deixar de lado a rotina habitual e pôr-se a caminho com um intento, que pode ser o de um passeio pelos campos ou ir mais além dos nossos confins habituais; seja como for, deixando o espaço de conforto pessoal rumo a um horizonte de sentido. Na imagem do ‘peregrino’, espelha-se a condição humana, pois todos somos chamados a confrontar-nos com grandes perguntas para os quais não basta uma resposta simplista ou imediata, mas convidam a realizar uma viagem, superando-se a si mesmo, indo mais além. Trata-se dum processo que um universitário compreende bem, pois é assim que nasce a ciência. E de igual modo cresce também a busca espiritual (…).

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Desconfiemos das fórmulas pré-fabricadas, das respostas que nos parecem ao alcance da mão, extraídas da manga como se fossem cartas viciadas de jogar; desconfiemos das propostas que parecem dar tudo sem pedir nada. A desconfiança é uma arma para poder caminhar em frente.

Vemos numa parábola de Jesus que só encontra a pérola de grande valor quem a procura com sabedoria e iniciativa, quem dá tudo e arrisca tudo o que tem para a possuir. Procurar e arriscar: eis os verbos dos peregrinos.

Pessoa diz, de modo atormentado mas correto, que ‘ser descontente é ser homem’ (Mensagem, O Quinto Império). Não devemos ter medo de nos sentir inquietos, de pensar que tudo o que possamos fazer não basta. Neste sentido e dentro duma justa medida, ser descontente é um bom antídoto contra a presunção da autossuficiência e o narcisismo. O ser incompleto carateriza a nossa condição de indagadores e peregrinos, pois, como diz Jesus, estamos no mundo, mas não somos do mundo.

Somos chamados a algo mais, a uma descolagem sem a qual não há voo. Portanto, não nos alarmemos se nos encontramos intimamente sedentos, inquietos, incompletos, desejosos de sentido e de futuro, com saudades do futuro. Não se esqueçam de manter viva essa memória do futuro.

Não estamos doentes, mas simplesmente vivos! Preocupemo-nos antes quando estamos prontos a substituir a estrada a fazer por qualquer estação de serviço que nos dê a ilusão do conforto; quando substituímos os rostos pelos ecrãs, o real pelo virtual; quando, em vez das perguntas lacerantes, preferimos as respostas fáceis que anestesiam.

Amigos, permiti dizer-vos: procurai e arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes e os gemidos dolorosos.

[Neste momento, o Papa fez um desvio do discurso que tinha preparado para fazer uma referência aos muitos conflitos no mundo para classificar o tempo de hoje como uma “terceira guerra mundial aos pedaços”, uma expressão que Francisco tem usado desde há vários anos.]

Mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início dum grande espetáculo. Por isso sede protagonistas duma ‘nova coreografia’ que coloque no centro a pessoa humana, sede coreógrafos da dança da vida. As palavras da senhora Reitora serviram-me de inspiração sobretudo quando afirmou que ‘a universidade não existe para se preservar como instituição, mas para responder com coragem aos desafios do presente e do futuro’. A autopreservação é uma tentação, um reflexo condicionado pelo medo, que nos faz olhar para a existência de forma distorcida. Se as sementes se preservassem a si mesmas, desperdiçariam completamente a sua força geradora e condenar-nos-iam à fome; se os invernos se preservassem a si mesmos, não existiria a maravilha da primavera. Por isso, tende a coragem de substituir os medos pelos sonhos: não sejam administradores de medos, mas empreendedores de sonhos!

À universidade que se comprometeu a formar as novas gerações, seria um desperdício pensá-la apenas para perpetuar o atual sistema elitista e desigual do mundo com o ensino superior que continua a ser um privilégio de poucos. Se o conhecimento não for acolhido como uma responsabilidade, torna-se estéril.

Se quem recebeu um ensino superior – que hoje, em Portugal e no mundo, continua a ser um privilégio –, não se esforça por restituir aquilo de que beneficiou, significa que não compreendeu profundamente o que lhe foi oferecido. No Génesis, as primeiras perguntas que Deus faz ao homem são: «Onde estás?» (3, 9) e «Onde está o teu irmão?» (4, 9). Ponhamo-nos a pergunta: Onde estou? Permaneço fechado no meu mundo ou abraço o risco de sair das minhas seguranças para me tornar um cristão praticante, um artesão de justiça e beleza? E perguntemo-nos ainda: Onde está o meu irmão? Experiências de serviço fraterno como a ‘Missão País’ e muitas outras, que nascem no meio académico, deveriam ser consideradas indispensáveis para quem passa por uma universidade.

Com efeito, o título de estudo não deve ser visto apenas como uma licença para construir o bem-estar pessoal, mas como um mandato para se dedicar a uma sociedade mais justa e inclusiva, ou seja, mais avançada. Disseram-me que a vossa grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, em entrevista que é uma espécie de testamento, à pergunta ‘o que gostaria de ver realizado em Portugal neste novo século?’, respondeu sem hesitar: ‘Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres’ . Dirijo agora a mesma pergunta a vós, caros estudantes, peregrinos do saber: Que quereis ver realizado em Portugal e no mundo? Quais mudanças, quais transformações? E como pode a universidade, especialmente a Católica, contribuir para isso?

Beatriz, Mahoor, Mariana e Tomás, agradeço os vossos testemunhos. Em todos havia um tom de esperança, uma carga de entusiasmo realista, sem queixumes nem escapadelas idealistas. Quereis ser «protagonistas da mudança», como disse a Mariana. Ao escutar-vos veio-me ao pensamento uma frase do escritor Almada Negreiros, que talvez vos seja familiar: «Sonhei com um país onde todos chegavam a Mestres» (A Invenção do Dia Claro). Também este idoso que vos fala sonha que a vossa geração se torne uma geração de mestres: mestres de humanidade, mestres de compaixão, mestres de novas oportunidades para o planeta e seus habitantes, mestres de esperança.

Como alguns de vós sublinharam, devemos reconhecer a urgência dramática de cuidar da casa comum. No entanto, isso não pode ser feito sem uma conversão do coração e uma mudança da visão antropológica subjacente à economia e à política. Não podemos contentar-nos com simples medidas paliativas ou com tímidos e ambíguos compromissos.

Neste caso, ‘os meios-termos são apenas um pequeno adiamento do colapso’. Trata-se, pelo contrário, de tomar a peito o que infelizmente continua a ser adiado: a necessidade de redefinir o que chamamos progresso e evolução. É que, em nome do progresso, já abriu caminho muito retrocesso. Vós sois a geração que pode vencer este desafio: tendes instrumentos científicos e tecnológicos mais avançados, mas, por favor, não vos deixeis cair na cilada de visões parciais.

Não esqueçais que temos necessidade duma ecologia integral, de escutar o sofrimento do planeta juntamente com o dos pobres; necessidade de colocar o drama da desertificação em paralelo com o dos refugiados; o tema das migrações juntamente com o da queda da natalidade; necessidade de nos ocuparmos da dimensão material da vida no âmbito duma dimensão espiritual. Não queremos polarizações, mas visões de conjunto.

Obrigado, Tomás, por nos teres dito que ‘não é possível uma verdadeira ecologia integral sem Deus, que não pode haver futuro num mundo sem Deus’. Também eu gostaria de vos dizer: tornai credível a fé através das vossas escolhas. Porque se a fé não gera estilos de vida convincentes, não faz levedar a massa do mundo. Não basta que um cristão esteja convencido, deve ser convincente; as nossas ações são chamadas a refletir a beleza jubilosa e simultaneamente radical do Evangelho.

Além disso, o cristianismo não pode ser habitado como uma fortaleza cercada de muros, que ergue baluartes contra o mundo. Por isso, achei tocante o testemunho de Beatriz, quando disse que é precisamente ‘a partir do campo da cultura’ que se sente chamada a viver as Bem-aventuranças. Em cada época, uma das tarefas mais importantes para os cristãos é a de recuperar o sentido da encarnação. Sem a encarnação, o cristianismo torna-se ideologia; é a encarnação que permite maravilhar-se com a beleza que Cristo revela através de cada irmão e irmã, cada homem e mulher.

É interessante que, na vossa nova cátedra dedicada à «Economia de Francisco», tenhais acrescentado a figura de Clara. De facto, é indispensável o contributo feminino. Aliás vê-se, na Bíblia, como a economia familiar está em grande parte na mão da mulher. É ela a verdadeira «governante» da casa, com uma sabedoria que não visa exclusivamente o lucro, mas o cuidado, a convivência, o bem-estar físico e espiritual de todos, bem como a partilha com os pobres e os estrangeiros. Abordar os estudos económicos com esta perspetiva é entusiasmante, tendo em vista devolver à economia a dignidade que lhe compete, para que não caia como presa do mercado selvagem e da especulação.

A iniciativa do Pacto Educativo Global e os sete princípios da sua arquitetura incluem muitos desses temas, desde o cuidado da casa comum à plena participação das mulheres, à necessidade de encontrar novas formas de entender a economia, a política, o crescimento e o progresso. Convido-vos a estudar o Pacto Educativo Global e a apaixonar-vos por ele. Um dos pontos que trata é a educação para o acolhimento e a inclusão. Não podemos fingir que não ouvimos as palavras de Jesus no capítulo 25 de Mateus: «era estrangeiro e recolhestes-me» (25, 35). Acompanhei emocionado o testemunho de Mahoor, quando lembrou o que significa viver com o «sentimento constante de ausência de um lar, da família, dos amigos, (…) de ter ficado sem teto, sem universidade, sem dinheiro, (…) cansada, exausta e abatida pela dor e pelas perdas». Disse-nos que reencontrou a esperança porque alguém acreditou no impacto transformador da cultura do encontro. Sempre que alguém pratica um gesto de hospitalidade, desencadeia uma transformação.

Amigos, sinto-me feliz por ver-vos uma comunidade educativa viva, aberta à realidade, com o Evangelho que não se limita a servir de ornamento, mas anima as partes e o todo. Sei que o vosso percurso engloba diversos âmbitos: estudo, amizade, serviço social, responsabilidade civil e política, cuidado da casa comum, expressões artísticas… Ser uma universidade católica significa antes de mais nada que cada elemento está em relação com o todo e o todo revê-se nas partes. Assim, ao mesmo tempo que se adquirem competências científicas, vai-se amadurecendo como pessoa, no conhecimento de si mesmo e no discernimento do próprio caminho. Então avante! Uma tradição medieval conta que quando os peregrinos se cruzavam no Caminho de Santiago, um saudava o outro exclamando ‘Ultreia’ ao que este respondia ‘et Suseia’. Trata-se de expressões de encorajamento para prosseguir a busca e o risco da caminhada, dizendo a si mesmo: ‘Vamos, ânimo, segue em frente!’ Isto é o que vos desejo também eu, de todo o coração.”