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Ana Viotti

Ana Viotti

“Língua Afiada”: ao quarto álbum, os Salto chegaram mais longe

Um disco pop onde cantam a vida bela e incerta, alegre e triste. Luís Montenegro e Guilherme Tomé Ribeiro falam-nos de maturidade, experimentação e de Marvila, dias antes de uma nova digressão.

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Às vezes é preciso saber despir-se dos artifícios para comunicar melhor. Quando isso acontece, geralmente dá-se um fenómeno muito especial, que no caso da música poderíamos chamar de sinceridade autoral. É nesta depuração linguística que muitos artistas se reencontram com o seu centro criativo, diríamos até humano, oferecendo ao público aquilo que e quem realmente são, num determinado momento da carreira e da vida.

Luís Montenegro e Guilherme Tomé Ribeiro dir-nos-ão, numa entrevista à distância com câmaras ligadas entre o Porto e Marvila (eixo que exploraremos mais lá à frente), que isso é fruto da maturidade. “A maturidade trouxe-nos objetividade. Tocamos exatamente o que queremos”, explica Guilherme, falando de Língua Afiada, o quarto álbum de originais dos Salto.

Com 32 anos feitos e dez anos de carreira, Guilherme e Luís já não são meninos nenhuns. Já não têm aquele deslumbramento de querer experimentar todos os sintetizadores que encontram à sua frente e de os enfiar aflitivamente nas suas músicas, como jovens que têm urgência de dizer ao mundo tudo o que lhes bate no peito. “Às vezes a imaturidade vem de querermos fazer muita coisa ao mesmo tempo, como no nosso primeiro álbum”. Não há nada de errado nisso. A experimentação faz parte do crescimento.

[“Afio a Língua” ao vivo:]

Os Salto, como comprova este novo trabalho, souberam crescer. Isso explica-se em parte pelo facto de tanto Luís como Guilherme terem projetos paralelos onde podem explorar as suas diferentes personalidades artísticas: o primeiro como Rapaz Ego, membro do Conjunto Cuca Monga ou até como letrista, métier que desenvolveu para Capicua, por exemplo; o segundo como GPU Panic, quer a solo, quer nas colaborações com Moullinex.

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“Temos a sorte de ter vários projetos e várias pessoas à nossa volta que saciam os nossos fetiches musicais mais experimentais”, diz Luís Montenegro, comparando-se a ele e a Guilherme com polvos, tentáculos ansiosos por tocar em tudo e em todos. A partir desse contacto com outras vozes criativas admitem ter conseguido manter o centro de Salto mais claro. “Sentimo-nos muito bem nesta fase, porque não temos a necessidade de explorar e de procurar tudo. A exploração já está a ser feita e continua a ser feita, mas à nossa volta. Salto vai ganhar muito com isso”.

Pop sem subterfúgios

“Língua Afiada” é, portanto, o resultado mais palpável deste trabalho de crescimento e exploração paralela a que os Salto – também constituídos por Filipe Louro e Gil Costa – se propuseram. É um álbum direto, sem ser óbvio, logo universal e catchy para quem o escuta pela primeira vez (bastam cinco segundos de “Afio a Língua”, faixa de entrada, para percebermos que dificilmente vamos deixar de conseguir bater o pé nos trinta minutos que se seguem). Em suma, é um disco pop.

“As nossas referências são do final dos anos 80 e início dos 90, porque é a altura que achamos mais rica. Essa foi a melhor altura da pop em Portugal. Era tudo levado muito a sério. Hoje a composição pop é mais uma sensação do que propriamente um statement musical. Não estou a dizer que é uma coisa má, só estou a dizer que não nos identificamos tanto com isso.”

“Os álbuns anteriores tinham sido muito conceptuais e neste quisemos explorar apenas o que queríamos dizer. Fomos diretos ao assunto e lapidámos este diamante que é fazermos música de que gostamos. Não o pensámos de propósito, mas acabou por tender para a pop”, analisa Luís, para Guilherme acrescentar que este é o disco “mais pop que fizemos, desde o primeiro”.

Ser pop não significa ser redundante nos processos. “Isto não é um disco chapa cinco, é muito rico. É capaz de ser dos mais ricos mesmo”, aponta Luís. Os arranjos são complexos, orquestrados, com passagens rítmicas, harmónicas e melódicas originais e, ainda assim, fáceis de entranhar. Um pouco à imagem do melhor que se fazia nos anos 80 – entre Carlos Paião, Jáfu’mega, Táxi e até José Cid – e o nos anos 90, com Clã a assumir-se como clara referência (quem começou a trautear o “GTI” no início de “Cidade Farta” ponha a mão no ar).

[ouça o álbum “Língua Afiada” na íntegra através do Spotify:]

“As nossas referências são do final dos anos 80 e início dos 90, porque é a altura que achamos mais rica. Essa foi a melhor altura da pop em Portugal. Era tudo levado muito a sério. Hoje a composição pop é mais uma sensação do que propriamente um statement musical. Não estou a dizer que é uma coisa má, só estou a dizer que não nos identificamos tanto com isso”, refere Luís Montenegro, lembrando que, no final das contas, a vontade de fazer música vem sempre do desejo de se quererem divertir.

“Allegro ma non troppo”

Numa leitura mais sensorial e imediata, Língua Afiada parece um álbum alegre e pululante, às vezes até pueril. Luís e Guilherme brincam com sons de ferrinhos, flautas de bisel, xilofones, tudo instrumentos que em crianças muitos de nós manuseámos nas aulas de música da primária e do ciclo.  Contudo, basta uma escuta mais atenta, colada às letras, para perceber que também há espaço para o choro e para o sofrimento. É nesta dicotomia que a trama do disco se enriquece.

“É muito raro alguém fazer música editada que não tenha, em algum momento, um toquezinho de sofrimento ou de purga. Aqui temos isso assumido, mas também toda uma alegria boa de viver. Não quisemos separar o positivo do negativo, porque a vida é isso tudo ao mesmo tempo”, explica Guilherme.

"Nada a Perder" escavaca numa alma arrastada, “se o peso é grande, maior a passada”; "Terra de Ninguém" pergunta se “estará na hora de irmos? / Ou ficamos aqui a ver o país a arder outra vez?”; "Erva Daninha" debate-se com as pontas que é preciso colher e deixar florescer.

Por isso é que temos estrofes como o pré-refrão de “Afio a Língua”, onde a dor e a alegria estão a saltitar de mãos dadas:

“Bom em queda livre
Agarro o que conseguir apanhar
Caio a fundo e recomeço com amor”

E letras como “Bem Dormidas”, canção que até parafraseia Vinícius de Moraes no verso “Tomara que se arrependam” – o poeta que nos explicou que é melhor ser alegre do que ser triste, mas que sem tristeza não se faz um samba, não – e que fala de alguém que quer aprender a viver bem com o que tem e não ser o primeiro “a descobrir por inteiro” que também veio para sofrer.

“Nada a Perder” escavaca numa alma arrastada, “se o peso é grande, maior a passada”; “Terra de Ninguém” pergunta se “estará na hora de irmos? / Ou ficamos aqui a ver o país a arder outra vez?”, ao mesmo tempo que se mostra sem medo de crescer; “Erva Daninha” debate-se com as pontas que é preciso colher e deixar florescer; e “Aos 30”, com o seu teclado sincopado e o baixo cheio de personalidade que poderiam ter sido tirados de um bom genérico de TV dos anos 80, desabafa a vontade de “não ser obra acabada”, chegada agora a idade da maturidade. Depois deste disco, dizem, nunca mais vão fazer outro igual.

Marvila, o vinho que os Salto engarrafam

Curiosamente, foi com Língua Afiada que Guilherme e Luís voltaram a escrever um disco a dois. Isso só tinha acontecido no álbum homónimo de estreia, em 2012. Não foi uma decisão estratégica, embora se tenha tornado evidente há medida que o processo de composição avançava: “Foi numa fase em que estivemos os dois em Lisboa, com estúdio em Marvila. Estávamos os dois a perceber o que cada um estava a fazer nos diferentes projetos e enquanto Salto também. À medida que as ideias iam nascendo, íamo-las trabalhando e a malta mais à distância deixou que isso fosse acontecendo, porque perceberam que estava a acontecer de uma forma natural e que fazia todo o sentido”, refere Guilherme.

“Sentimo-nos muito bem nesta fase, porque não temos a necessidade de explorar e de procurar tudo. A exploração já está a ser feita e continua a ser feita, mas à nossa volta. Salto vai ganhar muito"

Ana Viotti

Nesta história a dois, há uma terceira personagem a destacar: Marvila. “Marvila é muito importante, até mais importante do que Lisboa”, defende Luís, que, ainda assim, faz questão de sublinhar que mesmo vivendo na capital, eles não seriam o que são se não fossem do Porto. Porém, em Marvila os Salto encontraram “um núcleo com uma sinergia muito grande”, integrando-se numa comunidade onde também residem Moullinex, Xinobi ou Hugo Valverde, responsável pela mistura de Língua Afiada.

“É impossível não valorizarmos imensamente o que aqui temos. Nós já tivemos estúdios no STOP, já tivemos salas de ensaio em casa do Luís, na Maia, já demos imensas voltas no Porto, mas aqui criou-se uma dinâmica muito orgânica. Marvila é uma grande casa para nós”, afirma Guilherme.

Lá gravaram parte do terceiro álbum e este último na totalidade, sendo o primeiro trabalho editado pelos amigos de longa data Cuca Monga. Não foi a amizade que ditou a colaboração, ressalva Luís (que já fazia parte da editora enquanto Rapaz Ego), mas sim a ética e o método de trabalho. “É malta que trabalha o dia inteiro a pensar em música, a gerir carreiras e a construir catálogos. Mais do que ser uma editora, é um caminho que pode deixar muito legado”. A aproximação foi “completamente sinergética”, dizem-nos, confiantes de que a relação ajude a fazer crescer a editora e os Salto também. Possivelmente de peito aberto, incerto, para o que aí vem, como escrevem em “Terra de Ninguém”.

“Como já temos alguns álbuns, começa a ser difícil encaixar isto em alinhamentos que não sejam muito grandes. De repente podes fazer asneira, porque queres tocar tudo e pode ficar uma miscelânea”. Mas não é isso que Guilherme e Luís nos prometem. Eles dizem que tudo está “mais apuradinho” e é com esse refogado gostoso – ou estrugido, honrando as raízes portuenses – que nos querem deleitar.

O que aí vem, para já, é uma digressão de quatro datas que dá o pontapé de saída onde tudo começou, no Plano B: “Curiosamente foi o sítio onde lançámos o primeiro álbum”. O concerto do Porto está marcado para esta sexta-feira, dia 21 de outubro. Seguem-se a Fábrica da Musa, em Lisboa (5 de dezembro), o Salão Brasil, em Coimbra (2 de dezembro) e o Bang Venue, em Torres Vedras (16 de dezembro).

O alinhamento passará a pente fino Língua Afiada, deixando espaço para algumas canções dos trabalhos anteriores. “Como já temos alguns álbuns, começa a ser difícil encaixar isto em alinhamentos que não sejam muito grandes. De repente podes fazer asneira, porque queres tocar tudo e pode ficar uma miscelânea”. Mas não é isso que Guilherme e Luís nos prometem. Eles dizem que tudo está “mais apuradinho” e é com esse refogado gostoso – ou estrugido, honrando as raízes portuenses – que nos querem deleitar.

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