Naquela manhã de quarta-feira, a dentista Luana Camaro, de 28 anos, achava que a sua vida iria mudar. Passara, finalmente, a noite em casa de uma amiga, ao fim de seis meses a tentar pôr termo ao seu casamento com Marco. Chegou à clínica de que era proprietária, em plena baixa lisboeta, e ainda atendeu um cliente. Seria o princípio de uma nova vida. Até que Marco chegou. Pediu para conversarem. Ela acedeu. E já mais ninguém viu Luana com vida. Foi a 18ª mulher morta às mãos do marido em 2014. O crime aconteceu um dia depois de o Ministério Público de Lisboa anunciar que, nos primeiros três meses do ano, recebeu uma média de 25 queixas diárias por violência doméstica.
“Ela queria separar-se dele desde o Natal”, diz ao Observador uma ex-colega de trabalho de Luana. “Mas ele não aceitava o fim da relação”.
Ele, Marco, 38 anos e segurança em discotecas, conheceu Luana, dez anos mais nova, no Brasil. Casaram quando ela tinha 21 anos, mas ele ainda esperou que ela acabasse o curso em medicina dentária. Depois vieram para a Europa. Viveram em Londres, mas foi em Lisboa que acabaram por se estabelecer. Viviam num condomínio de luxo em Odivelas.
Antes de ser proprietária de uma clínica dentária no coração da baixa de Lisboa, Luana trabalhou noutras clínicas. “Uma mulher vistosa, que usava decotes e sapatos altos. Mas todos os momentos livres do dia, as horas de almoço, os tempos sem consulta, estava com ele dentro do consultório”, diz uma outra colega de trabalho. Amante de culturismo, como ele, andava há meses a dizer que o melhor era divorciarem-se. “Na clínica todos viam como ele a tratava. Ela nunca fez queixa à Polícia, mas ele era uma pessoa intratável. E muito ciumento. Talvez por ela ser mais nova”, diz a amiga.
Contactada pelo Observador, a PSP confirma. “Não havia qualquer queixa por violência doméstica, mas o suspeito em causa era alvo de várias queixas por agressão, enquanto segurança de discoteca”.
Terça-feira Luana disse basta. Fez a mala e saiu da casa que partilhava com Marco para ir dormir a casa de uma amiga e colega de trabalho, também dentista. Ainda antes de o dia nascer publicou no Instagram uma frase que indicava que a sua vida estava a mudar. “Não tenha medo da mudança. Coisas boas se vão para que outras melhores possam vir”, dizia.
Estava na clínica a atender um cliente quando Marco chegou e disse que queria falar com ela. A assistente pediu-lhe que esperasse o fim da consulta. Ele acedeu. Assim que Luana fechou a porta “ouviu-se muito barulho”. No consultório todos pensavam que estavam a discutir, sem prever o pior. Minutos depois ele abandonou as instalações. E os colegas entraram na sala. Encontraram-na morta, vítima de golpes de arma branca.
Na rua, dois polícias que patrulhavam a pé a Rua Augusta aperceberam-se do barulho. Subiram ao primeiro andar do nr. 220. Entraram na clínica. Acabaram por deter Marco na rua. Ele não tinha saído dali.
Marco foi esta quinta-feira ouvido em tribunal. O juiz de instrução determinou que ficasse em prisão preventiva enquanta aguarda o desenrolar do processo.
Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), no ano passado o crime de violência doméstica aumentou 2,4%. Trinta mulheres e dez homens morreram às mãos dos seus companheiros (mais três do que em 2012).
As autoridades receberam 22. 247 participações em 2013, mais 681 do que no ano anterior. E os distritos onde se registou o maior número de casos de violência doméstica foram Lisboa (5.885), Porto (5.142) e Setúbal (2.380).
Quando apresentou os resultados do RASI, o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, Antero Luís, mostrou-se preocupado com o aumento deste tipo de crime. “É muito difícil fazer prevenção no contexto policial”, aadmitiu. “Ou os casos estão sinalizados e há prevenção a montante da atividade policial, ou então é muito difícil fazer prevenção em crimes desta natureza”.
A violência doméstica assume natureza de crime público, pelo que não depende da queixa crime da vítima. Qualquer pessoa que tenha conhecimento do crime, pode denunciá-lo às autoridades.