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FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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Diretora adjunta: "Quando chegámos dizia-se que a PJ não ia sobreviver mais três ou quatro meses, estava quase no ponto de ter de encerrar"

A diretora nacional adjunta da PJ Luísa Proença explica como a atual equipa tem invertido o ciclo de desinvestimento na PJ, revelando ao pormenor o estado em que encontrou a casa em 2018.

Luísa Proença é desde 2018 diretora nacional adjunta da Polícia Judiciária e é a primeira mulher a chegar a esse cargo. Recebeu o Observador no edifício sede da Polícia Judiciária para aquela que é a sua primeira entrevista e conta como continua a ter de mostrar mais por ser mulher, mesmo numa polícia que considera “moderna”.  Revela ainda detalhes que até hoje não eram conhecidos, de como a atual direção encontrou a Polícia Judiciária, onde até as empregadas da limpeza chegavam a ter de comprar os produtos para trabalhar. “Nunca quis acertar contas com o passado, não é essa a forma como estou normalmente na vida e muito menos aqui na PJ, porque vivi muito essa obsolescência ao longo dos últimos anos, mas tenho de dizer que a polícia vivia uma situação de profunda asfixia e de penúria mesmo”. Situação limite que se não fosse invertida a polícia “fechava”.

Responsável pelos fundos europeus, administração financeira e inovação, Luísa Proença explica como tem sido reconstruir uma polícia que estava no -5 — e que agora já está no 0 — sem orçamento para o investimento e com uma grande aposta sua na captação de  fundos europeus — há já unidades em que praticamente todo o equipamento tem a bandeira da União Europeia.

Quanto a colagens que foram feitas em público ao Ministério da Justiça liderado por Francisca Van Dunem — dado que regressou à PJ em 2018 depois de uma passagem pela Procuradoria-Geral da República, onde colaborava com a tutela — dispara: “Isso só entra em cabeças que gostam de explorar um assunto que não existe”.

É a primeira mulher na Direção Nacional da Polícia Judiciária, a primeira mulher numa direção de topo e que não é polícia, vem do apoio. Como tem sido quebrar todas estas barreiras?
De facto, estava longe de mim alguma vez pensar vir a estar na direção nacional, foi um convite feito pelo senhor diretor nacional, o doutor Luís Neves, quando assumiu esta direção, e é realmente um privilégio. Como diz, não é uma situação comum e tive alguns receios de que não fosse bem aceite, porque sou do apoio, trabalhei sempre na área de projetos, inovação, modernização tecnológica e foi um privilégio, uma honra, um desafio. Penso que uma polícia como esta percebe que não é feita só de uma carreira de investigação criminal, só de polícias. Os polícias estão formados e treinados para investigar, para desenvolver uma investigação criminal, no apoio somos pessoas com perfis diferentes: venho da área das línguas e da gestão, da gestão pública, e senti que poderia ter aqui um contributo importante a dar nestas áreas da gestão e da modernização tecnológica e da inovação. Penso que as barreiras não têm sido significativas. Algumas existem, de facto, mas são discretas e lido facilmente com isso e é muito grato ver que tenho muitas pessoas que apoiam e percebem que, de facto, todos temos competências que são complementares e concorrem para o sucesso desta organização.

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Mas hoje uma mulher tem de provar mais numa polícia, ainda que moderna como diz ser esta?
Não tenha dúvidas. Isso é verdade. Nós, mulheres… Sinto isso todos os dias, tenho de me preocupar sempre em não falhar. Para já, sendo funcionária da PJ desde 1995, encontrei e enfrentei situações de grandes dificuldades e, portanto, conheço as fragilidades que estão cá dentro. E sempre percebi que quando chegasse a minha vez de ter um papel mais interveniente e visível não teria muita margem para errar. Porque sou mulher e porque sou do apoio. E isso nota-se ainda hoje, mas isso é o esforço contínuo que estou habituada a fazer. Portanto, meço muito bem as minhas decisões, tento perceber se vou no bom caminho, normalmente não me sinto sozinha, procuro ouvir, procuro perceber tudo o que está à minha volta e o impacto das decisões que tomo.

"Nós, mulheres… Sinto isso todos os dias, tenho de me preocupar sempre em não falhar. Para já, sendo funcionária da PJ desde 1995, encontrei e enfrentei situações de grandes dificuldades e, portanto, conheço as fragilidades que estão cá dentro."
Luísa Proença, diretora nacional adjunta da PJ

E acredito que tente perceber como tudo funciona fora das nossas fronteiras.
Muitíssimo, esse é um aspeto que sempre esteve muito presente em mim. Não sei se é por a minha formação inicial ser de línguas, sempre me abriu as portas para o mundo, portanto nesse sentido primeiro vejo o que está lá fora: como é que os outros trabalham, quais os desafios, quais são as ameaças, o que é que me rodeia, quer em termos dos desafios que se colocam para uma casa destas, que tem de prevenir e combater o crime mais grave, organizado, transnacional, mais complexo, mas que também é extremamente lesivo para qualquer sociedade, para depois encontrar as melhores soluções e tentar trazer cá para dentro aquilo que os profissionais muitas vezes também conhecem. Mas é preciso trazê-las de uma forma sistemática, sustentável, para que depois haja valor. E isso é uma preocupação que tenho sempre.

A polícia que em 1999, 2000 não podia “dizer lá para fora que não tinha dinheiro”

Grande parte das suas funções passam exatamente por isso, certo?
Sim, a questão dos fundos europeus também me obriga, mas é uma obrigação que eu não sinto. Para mim é um prazer, é natural ir sempre à procura do que melhor se faz lá fora, quais são as outras entidades congéneres que podem ser um exemplo para nós e que podem levar-nos a criar modelos idênticos — ou sempre melhores do que os outros, numa perspectiva positiva e construtiva, que é: quando imitamos os outros naquilo que têm de bom, vamos conseguir fazer ainda melhor. E, depois, normalmente os outros também vêm imitar para continuar a fazer melhor, portanto, para mim é este o ciclo que devemos ter sempre presente: não é imitar só para a resolução de um determinado problema, é pensar sobre o que é que podemos acrescentar àquilo que já é bom lá fora. A ligação que temos aos projetos europeus, ao Horizonte 2020, por exemplo, agora ao Horizonte Europa, mas de uma maneira geral a todos os quadros comunitários, obriga-nos — uma obrigação que digo que é saudável e um prazer — a olhar para as universidades, para as pequenas e médias empresas, para as outras polícias, ver como tudo isto se conjuga para dar mais valor não só à polícia, mas também ao nosso país, em termos de desenvolvimento económico.

Tem a seu cargo pastas como a administração financeira, as tecnologias de informação e o departamento de inovação, que é algo que foi criado já com esta direção nacional. Como tem sido criar de raiz um departamento para necessidades que já existiam internamente?
A criação de uma direção de serviços de inovação e desenvolvimento é absolutamente crucial numa entidade que tem uma missão tão complexa e desafiante. Normalmente as organizações, e a Polícia Judiciária é um exemplo, têm um departamento de sistemas de informação, um departamento de administração financeira, mas falta, sempre faltou e eu senti isso no passado e também por proposta minha criou-se uma área de projetos, inovação e conhecimento. Mas, pela posição inferior que eu tinha, o resultado era diminuto, era o possível, ir buscar fundos europeus e dinamizar um bocadinho, mas sem uma estratégia sólida. A criação desta unidade, que está na nova lei orgânica que entrou em vigor em janeiro de 2020, tem uma missão muito clara: em primeiro lugar, fazer essa prospeção do que melhor se faz e como podemos trazer para a PJ uma dinâmica de cultura de inovação permanente, contínua, pela tecnologia, pelos modelos de trabalho, pela formação, pelo financiamento da própria inovação. E isso é o que se está a fazer, este espaço onde estamos é o exemplo disso mesmo, é um espaço que está a ser já partilhado pelas unidades de investigação criminal e a ideia é manter aqui ciclos de reflexão, de discussão, de partilha. Tem sido muito gratificante verificar que as unidades — o combate ao terrorismo, o cibercrime, o tráfico de estupefacientes, o combate à corrupção — começam a conhecer que há um espaço que transversalmente está preocupado com a identificação de ameaças, a olhar para o espaço e para o ambiente que nos rodeia e a perceber como é que nós preenchemos os gaps entre aquilo que são as nossas necessidades e os meios que podemos ter à nossa disposição. É essa a dinâmica de inovação que estamos a construir.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Este espaço onde estamos é um laboratório de inovação.
É um laboratório de inovação — o LabInov —, em que uma das componentes essenciais vai ser como é que nós podemos integrar no ADN da PJ e na sua arquitetura de sistemas e de inovação o resultado de tantos projetos europeus que temos, nomeadamente no quadro comunitário, por exemplo, destinado à inovação e desenvolvimento — ao research –, do qual a PJ faz parte e tem tido um sucesso enorme ao longo desta última década. Somos a polícia europeia com mais projetos financiados nesse quadro de investigação e desenvolvimento, que é o quadro que nos transporta para o mundo daquilo que ainda não existe, mas de que a polícia precisa para melhor desenvolver a sua atividade.

Acredito que a PJ que conheceu quando aqui chegou não seria tão aberta a financiamentos externos. Era uma polícia que achava que tinha de ser suficiente por si, com o seu orçamento?
Sim, nesse aspeto, eu diria que em em 1999, 2000, quando comecei a ter alguma capacidade de influenciar quem decidia, era uma polícia que estava habituada a ter um orçamento e a conseguir viver com o orçamento que lhe era atribuído pelo Estado. E apercebi-me que não era possível com aquele orçamento querer implementar tecnologias, aquilo que já se fazia de melhor nas empresas era completamente impensável. E, quando comecei a pedir autorização para fazer candidaturas e para ir procurar fundos, a primeira reação não foi positiva, foi: “Somos uma polícia que não pode dizer lá para fora que não tem dinheiro”. Portanto, não se podia fazer candidaturas porque isso expunha as nossas fragilidades. E isso foi um caminho que se fez, no sentido de perceber que os fundos estão lá, Portugal também participa para aquela verba, então temos de ir buscar o mais possível. O caminho foi feito e a partir do momento em que o primeiro projeto foi financiado e permitiu dar um salto grande numa área muito importante, que era a de gestão de recursos humanos, financeiros e aprovisionamento, essa dificuldade começou a esbater-se.

"Somos a polícia europeia com mais projetos financiados nesse quadro de investigação e desenvolvimento, que é o quadro que nos transporta para o mundo daquilo que ainda não existe, mas de que a polícia precisa para melhor desenvolver a sua atividade"
Luísa Proença, diretora nacional adjunta da PJ

Esse complexo ficou ainda mais esbatido com a atual direção nacional?
Completamente. Aliás, quando o doutor Luís Neves falou comigo para integrar o quadro diretivo, uma das preocupações que ele tinha — e sabia que eu tinha algum know-how — era a captação de fundos europeus. Neste momento devemos ter uns 20 projetos em curso em todas as áreas da polícia, tanto na prevenção e combate ao terrorismo, como na parte da cibercriminalidade. Todos eles concorrem para uma peça do nosso puzzle interno. Temos uma dificuldade que é o facto de os fundos europeus não financiarem uma estratégia — não posso construir uma estratégia e dizer que vou buscar este fundo para desenvolver a minha estratégia de modernização, não é assim que funciona. Temos o que eu digo que é o mapa das nossas necessidades e todas elas concorrem para essa estratégia, mas a estratégia tem de ser nossa e aí temos um problema de financiamento. Mas, respondendo à sua pergunta, esta direção nacional e este diretor nacional souberam identificar muito bem qual poderia ser a minha mais-valia. E a inovação e os fundos que conseguimos trazer, de facto, são transversais a todas as áreas: o apoio à vítima, a proteção das vítimas, o apetrechamento do Laboratório de Polícia Científica — uma série de tecnologia que foi possível implementar. Porque, já agora, convém dizer, o estado em que esta direção encontrou a casa, que era do conhecimento de nós todos — eu era funcionária da casa, o doutor Luís Neves também…

Qual era?
Obviamente que sabíamos que as coisas não estavam bem, mas a realidade ultrapassou essa perceção. Mas, pronto, as coisas estão a correr muito bem.

A sensação de que a polícia não estava “no piso 0”, mas “no -5 ou no -6”

Falou ainda há pouco da falta do investimento nacional, mas disse que a PJ é uma das polícias que mais beneficia de fundos europeus, referindo-se ao Horizonte 2020 e hoje Horizonte Europa. Como é que é conseguir seguir uma estratégia sem poder pensar nela por se estar dependente dos fundos, é um pouco andar ao sabor dos avisos e candidaturas que vão aparecendo?
Aí é que está a grande dificuldade porque, por vezes, nós, polícia, talvez sejamos um pouquinho penalizados pelo facto de termos tantos fundos europeus, porque acho que quem decide, fora da polícia, talvez mais ao nível político, provavelmente pensa que temos formas de colmatar a falta de orçamento nacional. É o que diz, é andar um bocadinho ao sabor dos avisos que vão aparecendo para as áreas, que no nosso caso é sempre na prevenção e combate ao crime grave e organizado. A falta de orçamento é um problema, porque há necessidades básicas e estruturais que é difícil colmatar. Estou na expectativa de o Plano de Recuperação e Resiliência nos vir dar aqui algum alento, porque quando falamos em redes informáticas, quando falamos em sistemas de informação, nos equipamentos tecnológicos que estavam no limite da obsolescência em 2018 é muito complicado.

Quando diz “estavam no limite” o que é que isso significa?
Olhe, eu nunca quis acertar contas com o passado, não é essa a forma como estou normalmente na vida e muito menos aqui na PJ, porque vivi muito essa obsolescência ao longo dos últimos anos, mas tenho de dizer que a polícia vivia uma situação de profunda asfixia e de penúria mesmo. Tecnologias quase inexistentes ou obsoletas. Sistemas de informação sem manutenção há anos. Veja o exemplo: quando em 2018 esta direção nacional assumiu funções os últimos computadores de secretária que tinham entrado na PJ havia sido em 2014 e vinham das secretarias judiciais dos tribunais, com cerca de 24 a 26 mil horas de trabalho. A pergunta que nos colocámos logo foi: então já não serviam para as secretarias dos tribunais e serve para a PJ, que tem o combate à corrupção, tem as áreas em que lida com dados, com tabelas, com números, números, números? Como é que é possível? A obsolescência era isso, era chegarmos ao piquete e o piquete ficar envergonhado porque não conseguia abrir uma imagem que um cidadão trouxesse sobre um crime, sobre por exemplo obras de arte que lhe tinham furtado, sobre um assalto a casa, qualquer coisa, e em que trazia um ficheiro com imagens. Aquilo que me diziam é que poderiam ir tomar café e voltar e o ficheiro ainda continuava a abrir. Senti vergonha quando fui ao piquete, já nestas funções, e vi que tudo isso era verdade. Ouvi o problema ao longo dos anos, mas não tinha noção da dimensão. Portanto, tecnologia completamente em fim de vida, alguma já parada e que nunca foi reparada nem substituída. Em 2018 tínhamos a sensação de não estarmos no piso 0, nós estávamos no -5 ou no -6, portanto estes quase três anos que levamos de mandato temos conseguido chegar ao 0. Fomos resolvendo o problema de pagamento de contratos: imagine o que é dizerem-me que as senhoras da limpeza chegaram a comprar os produtos para fazer a limpeza, eram estes os relatos que eu tinha. Estes três anos foram para olhar para todos os problemas, liquidar dívidas e ao mesmo tempo ir angariando fundos e desenvolvendo fundos e metermos esses projetos todos em curso. E estamos agora naquele patamar em que digo que este laboratório de inovação já vai fazer toda a diferença, porque temos as dificuldades todas inerentes à falta de orçamento, mas temos aqui depois o outro lado, que também nos anima a continuar a pressionar o poder político, porque a polícia precisa mesmo de orçamento, não é só com fundos europeus que consegue viver.

"Quando em 2018 esta direção nacional assumiu funções os últimos computadores de secretária que tinham entrado na PJ havia sido em 2014 e vinham das secretarias judiciais dos tribunais, com cerca de 24 a 26 mil horas de trabalho. A pergunta que nos colocámos logo foi: então já não serviam para as secretarias dos tribunais e serve para a PJ, que tem o combate à corrupção, tem as áreas em que lida com dados, com tabelas, com números, números, números? Como é que é possível?"
Luísa Proença, diretora nacional adjunta da PJ

Houve diligências que, pela falta de meios, não foram feitas? E já nem pergunto se, com outras condições, alguns crimes em concreto poderiam ter sido resolvidos…
O que me diziam era que algumas diligências foram tendo de ficar adiadas, ou… Porque não havia condições. Por exemplo, algo que me reportaram logo foi unidades que tinham as viaturas paradas há cinco meses, logo nas brigadas que andavam nas ruas, que fazem a prevenção. E isto para mim foi assustador, pensar que as viaturas não estavam a ser reparadas, que ninguém as mandou reparar, porque a ideia era sempre “não há dinheiro”. Portanto nada se foi fazendo, tudo foi paralisando. Ao nível informático aconteceu a mesma coisa. Acredito que também aliado a tudo isto, havia uma incapacidade de gerir o orçamento de outra maneira, porque a situação desse ponto de vista não melhorou. O que é facto é que se temos uma execução cega de acordo com o excel do orçamento e nós estamos a negativos sempre —  este ano já iniciámos o ano com menos 40 milhões do que o que tínhamos estimado como necessário –, é normal que numa visão conservadora se diga “Não vamos fazer nada, porque não temos dinheiro para nada”. Não havia uma formação paga a um funcionário, foi-se fazendo aquilo que era absolutamente impensável que parasse, agora esse tipo de melhorias não foram feitas, tudo foi caindo. Quando cá chegámos, em julho de 2018, muitos colegas da investigação diziam que esta polícia não ia sobreviver mais três ou quatro meses, estava quase no ponto de ter de encerrar, não tínhamos mais meios e, portanto, ia fechar.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Uma vez que está em contacto permanente com outros países, e com Bruxelas, essa espécie de asfixia era notada pelos parceiros de outros países?
Creio que não, porque a polícia tem excelentes profissionais. Hoje é um gosto perceber a qualidade do capital humano que temos cá dentro. E, portanto, como bons profissionais tudo fizeram para dar resultados e a polícia dava resultados, é uma polícia que tem extraordinários resultados para os meios que tem. Quem sabe estas dificuldades todas é quem está cá dentro. As polícias europeias têm-nos como uma polícia de referência, tanto ao nível dos resultados na investigação criminal, como no lado que eu conheço melhor, que é o da participação nos projetos europeus — estamos sempre a ser convidados para consórcios europeus com 20 ou 30 entidades. Para quase todos os países da União Europeia nós somos quase sempre um convidado apetecível, porque o que entregamos também é de qualidade. Ao longo dos anos eu dava conta de que os ‘law enforcements’, portanto as entidades de investigação, eram convidados para os consórcios europeus porque a Comissão Europeia obrigava — “se não tiver um utilizador final nós não financiamos os projetos”. E eu comecei a aperceber-me disso muito cedo e pensei que isso não fazia sentido nenhum: ou nós estamos aqui porque temos valor e precisamos destas tecnologias também e nós é que vamos ditar algumas das regras, ou então não faz sentido. E isso foi um caminho que foi sendo percorrido ao longo dos anos e que nos permitiu ter uma imagem de uma polícia moderna e que tem qualidade naquilo que entrega.

Em Braga “não há sequer espaço para ouvir uma vítima com dignidade”

De uma forma prática, quando chegou em 2018 como fez para resolver as questões dos carros e dos computadores? Pelo que diz os problemas já não se mantêm…
Felizmente não se mantêm. Não estão totalmente resolvidos, porque há investimentos que não se fazem com fundos europeus e quando falamos em equipamentos informáticos ou quando falamos em instalações não é com fundos europeus que resolvemos esses problemas e, faltando-nos orçamento, o processo é lento. Mas o que fizemos logo foi o diagnóstico: como estamos em termos informáticos, que equipamentos temos, ao nível de contratos de manutenção, o que é que temos aí que não está pago? Quais são as nossas pendências? Como é que estão as nossas instalações a nível nacional? Fez-se o diagnóstico, visitámos as instalações todas a nível nacional e encontrámos situações absolutamente inadmissíveis, impensáveis nos dias de hoje. Temos esta sede, que mostra uma polícia moderna e com excelentes condições, e depois encontramos situações como em Braga, em que não há sequer espaço para ouvir uma vítima com dignidade e com reserva. Infraestruturas que eram residenciais, que eram prédios, que na altura foram adaptados para uma polícia e que se mantêm há décadas. Neste momento estamos em fase de aquisição por parte do IGFEJ, que é a entidade que tem a competência para as infraestruturas todas do Ministério da Justiça, e contamos que em breve tenhamos a possibilidade de ter um novo edifício para Braga.

E foi só em Braga?
Coimbra tem umas instalações completamente exíguas que nem comportam o aumento de funcionários de que a polícia tanto carece.

E estamos a falar de uma grande cidade.
Uma grande cidade, exatamente. Na Guarda, por exemplo, estamos agora a terminar uma obra que vai ficar muito bonita e com as condições de que precisa, mas as instalações da PJ eram num edifício novo, inaugurado em 2004, mas que não havia sido acabado, ainda com zonas em tijolo e em terra, a cobertura nem sequer tinha sido concluída. Imagine o que é na Guarda um edifício novo em que a chuva e a neve entram por aquela infraestrutura. Em breve vai estar concluído e vai ser um edifício que também nos vai orgulhar.

"Na Guarda, por exemplo, estamos agora a terminar uma obra que vai ficar muito bonita e com as condições de que precisa, mas as instalações da PJ eram num edifício novo, inaugurado em 2004, mas que não havia sido acabado, ainda com zonas em tijolo e em terra, a cobertura nem sequer tinha sido concluída. Imagine o que é na Guarda um edifício novo em que a chuva e a neve entram por aquela infraestrutura."
Luísa Proença, diretora nacional adjunta da PJ

E no Sul?
Em Setúbal temos um problema gravíssimo para resolver, é do conhecimento do Governo, penso que toda a gente vai tentando ajudar um pouco, mas precisamos, de facto, que alguém olhe para esta polícia, que tem uma missão tão determinante, agora no combate à corrupção, já para não falar nas ameaças que temos internamente em termos de terrorismo — felizmente somos um país pacífico, mas isto não dura por muito tempo, porque estamos num mundo global, estamos na Europa. Portanto, precisamos mesmo de olhar para as infraestruturas e Setúbal é um problema grave que temos de resolver, temos procurado encontrar edifícios devolutos do Estado, sempre na lógica de tentar reaproveitar aquilo que existe no Estado — o investimento é muito menor, a adaptação é muito menor e rentabilizamos espaços, até agora isso está difícil. E tivemos agora um caso de sucesso no Algarve, a nossa diretoria do Sul, que está instalada na zona central e história de Faro, vai mudar para um edifício que foi antigamente utilizado pela Escola Superior de Saúde de Faro — lá está, vamos ocupar um espaço público, mas que estava desocupado. As nossas instalações foram entregues à Universidade do Algarve, que poderá assim rentabilizar para residências de estudantes, que é muito mais adequado a um centro histórico de uma cidade, do que ter lá uma polícia que precisa de entrar e de sair, precisa de ter acessos que ali não tem. A questão informática fomos resolvendo, não está totalmente resolvida — tivemos o apoio do fundo de modernização da Justiça, porque não tínhamos orçamento, estávamos praticamente em final de ano e a pouco e pouco fomos conseguindo algum dinheiro para ir comprando equipamentos, ainda nos falta alguma coisa, mas espero que o Plano de Recuperação e Resiliência também nos traga aqui uma folga que nos permita colmatar as necessidades todas, porque é urgente e ainda estamos agora em processo de aquisição de computadores. Mas é sempre pouco, porque a nossa folga, como é pouquinha, vamos comprando dentro daquilo que é possível.

No Natal de 2018 e “havia quase 300 ordens de reparação emitidas”

E quanto aos problemas com a frota? Foi criada alguma solução interna?
Sim, ao nível da frota o caso ainda era mais grave, porque esta polícia precisa de sair, não está aqui… precisa de ir para a rua. Por um lado, tínhamos uma frota totalmente envelhecida, em que a média de quilómetros era de 400 mil quilómetros, algumas sem manutenção e outras encostadas mesmo, não funcionavam. Teve de ser encontrada uma estratégia: ver quais eram as viaturas que ainda fazia sentido reparar. Para as que foram identificadas foram sendo emitidas ordens de reparação, à medida que fomos tendo folguinha no orçamento, ali entre outubro e dezembro de 2018 — lembro-me que chegámos ao Natal e tínhamos quase 300 ordens de reparação emitidas, isto significa que havia cerca de 300 viaturas que estavam ali completamente inoperacionais. Depois havia que adquirir algumas, a polícia não pode viver sem adquirir algumas viaturas. Percebemos que havia um procedimento para a aquisição de cem viaturas, mas que estava parado algures nesta teia toda, desde 2015. Retomámos esse processo imediatamente, os processos são muito lentos e este foi muito lento e só no ano passado, em 2020, é que conseguimos terminar esse procedimento. Mas não é adquirir 100 viaturas, isto é contratos de AOV (aluguer operacional de viaturas) e 84 das que cá tínhamos nesse regime tivemos de as entregar. Portanto ficámos com cem novas, mas entregámos 84, logo não foi um acréscimo de viaturas. Mas há um outro mecanismo que a polícia teve de implementar e que não estava a ser seguido, que são as viaturas que foram apreendidas e que a polícia pode pedir a utilização operacional — este mecanismo não estava a ser utilizado e está na lei.

E como ativaram esse mecanismo?
A esse demos prioridade total, ver nas viaturas apreendidas (temos os armazéns em vários pontos da zona de Lisboa) e foi fazer a identificação de todas as viaturas que estavam lá paradas, algumas há vários anos, em que as reparações são muito mais volumosas em termos financeiros. Mas foram identificadas todas as viaturas em que podíamos rapidamente fazer a declaração de interesse operacional, que depois é um procedimento que é articulado com o tribunal, e começar a ter viaturas na frota. Nós, aos dias de hoje já conseguimos nesse regime cerca de 230 viaturas, que também vieram trazer aqui algum conforto. Não é suficiente, mas se conseguirmos este caminho e que todas as entidades trabalhem rápido, vamos conseguindo trazer viaturas para a frota, o que não dispensa na totalidade de comprar algumas, porque normalmente as viaturas que vêm apreendidas são viaturas de nível mais elevado, com consumos mais elevados que também não são adequadas para algumas unidades de investigação criminal, são adequadas para outras unidades mais discretas, digamos assim. Vamos ter sempre de ir adquirindo algumas, poucas, porque as viaturas apreendidas, se estiverem na nossa frota e tivermos autorização para as utilizar, vamos conseguir colmatar a maior parte das nossas necessidades.

Falou há pouco das condições e das instalações no país, mas o edifício sede da Polícia Judiciária também teve problemas graves no decorrer da obra. Como é que encontrou todos esses problemas, alguns já tornados públicos, num edifício que era suposto ser o topo das condições da PJ?
Em primeiro lugar devo dizer que a PJ é o beneficiário destas instalações, mas não é o dono. O dono é o Ministério da Justiça através do IGFEJ, portanto todo o dossier da construção, embora a PJ tenha acompanhado pela anterior direção a construção e por quem estava cá, a obra não é da PJ. De facto encontrámos aqui uma lista muito grande de problemas que não estavam resolvidos, alguns dos quais fomos já resolvendo, ao nível dos elevadores. Por exemplo o laboratório de polícia científica só agora é que está instalado neste edifício, foi um processo algo moroso, porque havia pisos que não estavam sequer acabados e que penso que fazia parte da obra. Não tenho a visão exata e não me vou pronunciar muito a esse respeito, porque a polícia nem sequer conhece o dossier, que é confidencial e está no IGFEJ. Portanto, os problemas que foram acontecendo, ao nível de elevadores, de manutenção, de ares condicionados, esses nós fomos resolvendo, porque não valia a pena estarmos à espera [da eventual responsabilização do construtor]. Porque, se continuássemos à espera, continuávamos hoje na mesma situação. Penso que [tudo se foi arrastando por causa] um bocadinho da atitude que havia: “A responsabilidade não é nossa…” A tutela soube sempre que estávamos a fazer algumas intervenções e nessa matéria apoiou-nos e as obras no laboratório foram concluídas. Quanto a questões mais de fundo, essas fazem parte de um processo, de facto, que é do conhecimento mais restrito e eu própria não tenho conhecimento do dossier.

"Uma polícia que não tem meios humanos para rapidamente afetar a investigações é obvio que até o Ministério Público percebe que é mais fácil ir a outra polícia que põe logo 10 ou 20 pessoas do que vir à polícia [PJ], onde libertar um ou dois recursos já é um problema, porque fazem falta nas unidades onde estão"
Luísa Proença, diretora nacional adjunta da PJ

A questão do heliporto é uma das mais faladas, houve queixas de vizinhos. É ou não verdade que o heliporto não está operacional?
Neste momento já está operacional, sim. O heliporto pode ser uma infraestrutura a ser utilizada, por exemplo, pelo INEM e já agora posso referir que esta direção e o INEM fizeram um protocolo de colaboração em que o INEM passou a ter uma base aqui instalada neste edifício para as emergências no centro de Lisboa, porque tem garagem, reservámos duas salas onde estão os profissionais do INEM a tempo inteiro e, portanto, há um desejo também de rentabilizar o heliporto nesse sentido, é um caminho que as duas entidades vão fazer. Mas com esta direção e este diretor nacional a perspetiva é: “Esta é a casa de todos nós”. Porque é um edifício público e se puder ser rentabilizado para prestar apoio a Lisboa ou aos cidadãos ele será rentabilizado. O INEM e esta oportunidade, de uma parceria, foi extraordinariamente bem acolhida pelas duas partes, está a funcionar lindamente.

A falta de condições no heliporto para o transporte de macas

Mas já foi necessário usar o heliporto?
Provavelmente necessário terá sido, mas não foi ainda utilizado. Nós precisamos de criar condições para transportar macas, por exemplo, temos um problema de acessibilidade ao heliporto, para outros fins que não os da polícia. Aí ainda temos de trabalhar um bocadinho para que isso seja possível, com alguma capacidade de financiamento, quando houver um fundo europeu que eu possa trazer para este desígnio tenho a certeza de que o heliporto possa ser usado para essa matéria.

Nos últimos anos foi do conhecimento público que em algumas grandes investigações [como aconteceu no caso Marquês] a PJ não foi escolhida para coadjuvar o Ministério Público. Podemos encontrar nesses anos de desinvestimento alguma justificação para que isso tenha acontecido?
Só posso falar naquilo que é a minha visão: claro que sim. Se a polícia está delapidada em termos de meios — ou se estava, porque essa tendência está a ser contrariada –, se tem falta de recursos humanos (para ter uma ideia o mínimo que consideramos aceitável na carreira de inspetores era termos cerca de 1500, quando chegámos aqui não chegavam a mil e com uma média de idades elevada, com pessoas a chegar rapidamente à aposentação). Por isso, uma polícia que não tem meios humanos para rapidamente afetar a investigações é obvio que até o Ministério Público percebe que é mais fácil ir a outra polícia que põe logo 10 ou 20 pessoas do que vir à PJ, onde libertar um ou dois recursos já é um problema, porque fazem falta nas unidades onde estão. Portanto, na minha perspetiva, que não sou da investigação criminal, sim, a falta de meios foi gritante ao longo destes anos e isso levou a olhar para outras polícias onde o apoio era imediato. Não tem a ver com competências, porque muitas vezes são as competências da PJ e por isso é doloroso ver que foram chamadas outras entidades — igualmente competentes, mas eram competências da PJ. Mas a explicação está sempre aí, não tem recursos humanos, não vale a pena ir lá buscar dois ou três elementos se não não conseguem fazer o trabalho que está do lado deles. Nós temos de fazer um esforço muito grande para ajudar o MP, mas obviamente que os nossos recursos são muito mais escassos.

"A PJ não dá prejuízo, não é um custo, a polícia é de facto uma entidade que dá muito dinheiro ao Estado, então era muito fácil perceber que se precisam de mais 500 — obviamente que 500 pode num orçamento não ser possível –, todos os anos vão entrar cem. E sabemos que, cinco anos depois, a polícia tem outra vez o mínimo para respirar — não é para viver, é o mínimo para respirar."
Luísa Proença, diretora nacional adjunta da PJ

E, quanto aos recursos humanos, houve também uma evolução com esta direção nacional?
Há, sim. Tem havido um esforço contínuo de levar ao poder político a justificação toda, os estudos todos. E realmente dar um conhecimento muito objetivo do que são as nossas necessidades. Porque não é possível pensar-se que a polícia com os poucos meios, com as poucas pessoas — neste momento já só falo em falta de pessoas, porque os meios nós vamos conseguindo… Só precisávamos que o nosso orçamento não fosse deixado a zero na rubrica de investimento. Agora, é investir de facto nas pessoas. Quando temos cerca de mil pessoas, mil inspetores, quando já tivemos cerca de 1400 ou 1500 em 2004, alguma coisa não está bem, porque o crime é muito mais complexo, precisa de pessoas muito qualificadas, com áreas, competências digitais e com uma capacidade enorme de se adaptar sempre, porque o modus operandi está sempre a mudar, portanto a PJ não pode solidificar. E nós vemos este gap, que não se fez grande coisa ao longo dos últimos anos, de facto isto é muito mau. É preciso, realmente, combater isso. E esta direção combate sem tréguas. Com esta direção e este diretor nacional temos vindo a tentar inverter e neste momento já foram duzentos e tal inspetores novos que vão estar nos quadros. Já entraram alguns, outros entrarão agora em 2021 e depois é olhar para toda a área pericial. Mas é um esforço muito grande, muito grande. Era muito fácil se alguém percebesse que precisamos de ter mais 500 inspetores… nós não somos nada em termos do universo do Estado e a PJ dá muito dinheiro ao Estado, na recuperação de ativos, nas transações que impede que se façam. Não dá prejuízo, não é um custo, a polícia é de facto uma entidade que dá muito dinheiro ao Estado, então era muito fácil perceber que se precisam de mais 500 — obviamente que 500 pode num orçamento não ser possível –, todos os anos vão entrar cem. E sabemos que, cinco anos depois, a polícia tem outra vez o mínimo para respirar — não é para viver, é o mínimo para respirar.

Não é apenas com inspetores…
Falo também ao nível das carreiras de apoio. Quando olhamos para o nosso departamento de sistemas de informação, que está com muitas pessoas com 60 anos percebemos que não é possível manter este ritmo. Ao nível da investigação criminal as coisas estão a mudar um bocadinho, ao nível pericial também, ainda este ano deverá abrir um concurso para 30 peritos — quando falamos em peritos estamos a falar no laboratório de polícia científica, nas perícias informáticas, contabilísticas. Mas são só 30, diria. São só 30 porque precisamos de muito mais. E temos todas as áreas de apoio, a área da administração financeira, de recursos humanos, na inovação — que são competências novas. Se não derem a possibilidade de a PJ abrir concursos externos nós andamos só aqui a tapar e a destapar, porque vamos buscar a um outro organismo alguém que lá faz muita falta e que se calhar também não tem as competências de que nós precisamos aqui dentro. Portanto, há realmente um sinal de inversão e temos de o sublinhar, mas ainda temos um caminho longo. E acho que era preciso olhar para a PJ de uma forma estratégica.

As diferenças de orçamento entre as polícias tuteladas pelo MAI e a PJ

Como uma prioridade?
Uma prioridade, uma prioridade… Se assim não for, é um esforço muitas vezes doloroso que é feito dia a dia em cada fórum onde cada um de nós vais estando, para demonstrar que a polícia precisa mesmo de recursos humanos. Também precisa de recursos materiais, mas aí é o que eu estou sempre a dizer, precisamos de orçamento. Não é preciso muito. Quando olhamos para as outras polícias e quando olhamos para a PJ — não é no sentido negativo –, mas é um bocadinho também incompreensível. Quando comparo o orçamento por exemplo para o Ministério da Administração Interna, que tem a GNR, a PSP, o SEF, a Proteção Civil, vejo um orçamento de investimento muito próximo dos cem milhões, sem fundos europeus, e depois olho para nós e estamos a zero. E o orçamento que lá conseguimos é aquele de que precisamos para a contrapartida nacional dos projetos europeus. Eu pergunto: “Porquê?”. É porque somos mais pequeninos? Sim, somos muito mais pequeninos, mas acho que o nosso trabalho é de excelência e o país não se pode dar ao luxo de o perder. Portanto, é quase um grito de alerta que todos nós damos na direção nacional para que olhem para nós. Acho que, às tantas, por dizermos tantas vezes que precisamos, precisamos, precisamos já se fartaram de nos ouvir. Mas não nos podemos calar, porque o calar foi o que se passou para trás. Pensava-se que o melhor era não dizermos muito ao poder político que precisamos de pessoas ou meios, com o orçamento que nos vão dando conseguimos viver. Isto é uma tacanhez de toda a ordem.

"Quando comparo o orçamento por exemplo para o Ministério da Administração Interna, que tem a GNR, a PSP, o SEF, a Proteção Civil, vejo um orçamento de investimento muito próximo dos cem milhões, sem fundos europeus, e depois olho para nós e estamos a zero. E o orçamento que lá conseguimos é aquele de que precisamos para a contrapartida nacional dos projetos europeus. Eu pergunto: “Porquê?”. É porque somos mais pequeninos?"
Luísa Proença, diretora nacional adjunta da PJ

A polícia vivia numa política de desenrascanço?
Sim, tapar buracos. Mas até isso foi ultrapassado, porque já nem isso era possível fazer com a situação que tínhamos. Temos de olhar, de facto, para quais são os nossos grandes desafios e o nosso foco e depois temos de ser consequentes e é preciso que o poder político seja consequente. É evidente que percebo que há apoio, mas precisamos de mais apoio. Precisamos que a polícia seja uma entidade essencial nestas áreas de crime, mas tem de ter os meios para isso.

Como é que, estando na direção nacional, sabendo e vivendo diariamente todas essas dificuldades, vê toda a discussão ao nível desse poder político sobre o que deve ser feito para investir no combate à corrupção? Parece que há um desfasamento entre aquilo que é necessário fazer e depois aquilo que me está dizer, que é o que se vive aqui todos os dias.
É verdade, eu própria pergunto: “É tão fácil ver o que falta, não é?” A estratégia está lá, os passos estão a ser dados. Mas nada vai acontecer se não houver pessoas e se não houver os meios de que elas precisam para trabalhar. Hoje não é só um portátil novo, não! É investir a sério em sistemas de informação, em tecnologias emergentes, quando falamos na inteligência artificial, quando falamos em big data, na robótica, isto tudo tem de ser parte da nossa estratégia interna.

Ainda há pouco fizemos aqui um parêntesis quando estávamos a falar do Horizonte 2020. Disse já que a PJ é uma das que mais beneficia. O que é que isso significa na prática?
Olhe, por exemplo, significa desde logo que somos uma polícia que recebe convites de toda a Europa para integrar consórcios, estes projetos são sempre em consórcios europeus, em que têm o mínimo de três estados-membros, e é mesmo mínimo, porque normalmente são dez, doze, vinte estados membros para um número que pode chegar a 50, 60 entidades a fazer parte do projeto. E são projetos, por exemplo, pensando na cibercriminalidade, em que se começa sempre por perceber: qual é o conhecimento que existe hoje na Europa toda em matéria de cibercrime, ciberameaças, ciberterrorismo? Fazendo esse mapeamento, então quais são as ameaças do hoje e aquilo que nós todos no consórcio perspetivamos que serão as do amanhã, as daqui a dois anos, três anos? E quando identificamos qual é a diferença entre o que nós conhecemos, os meios que temos e aqueles de que precisamos para fazer face àquela ameaça então o consórcio, formado por pequenas e médias empresas dos estados-membros, universidades e utilizadores finais, como as polícias, que precisam de meios para prevenir ou investigar, vamos construir o que falta. É nessa construção que a polícia participa, identifica claramente de que é que precisa para estar melhor apetrechada e as universidades vão estudar e as pequenas e médias empresas vão desenvolver os protótipos. No final, significa que nós, polícias, ficamos com os resultados destes projetos, que não dão soluções feitas no mercado, mas dão soluções que as polícias já podem utilizar para si. E é aí que vai haver um valor enorme para nós e este laboratório de inovação tem essa missão também, trazer para dentro.

Mas o que significa na prática?
Significa que nós, por exemplo, no domínio da inteligência artificial, estamos em quatro ou cinco projetos atualmente, alguns são do Horizonte 2020, temos um que é do Portugal 2020 — é um SAMA [Sistema de Apoio à Modernização Administrativa], mas que é também com uma universidade e com um parceiro de transferência de inovação para o mercado e em que estamos a desenvolver algoritmos para, por exemplo, identificar mais rapidamente se aquela foi a arma do crime, pelos resíduos dos disparos, pelos invólucros disparados e, portanto, é um processo que manualmente é muito moroso, depende muito do perito e da capacidade que ele tem de identificar as marcas e os resíduos e que com a inteligência artificial vai ser um processo rapidíssimo. E a partir da arma do crime mais facilmente se chega ao autor do crime. É, por exemplo, a polícia participar na construção de sensores com uma duração maior, menos sujeita à necessidade da reposição das baterias, por exemplo. Se estamos a falar de equipamentos para recolha de som ou imagem, a vida útil desses dispositivos é de um dia, dois dias, uma semana. Quando a polícia entra, diz: “Eu precisava destes equipamentos, mas o meu problema é substituir as baterias, porque está em locais inacessíveis, etc”. E, portanto, lança o desafio para essas entidades estudarem como é que passamos deste nível, que a Europa tem hoje, para aquilo que uma polícia moderna precisa e desenvolver, por exemplo, sensores com baterias que podem durar dois meses, imaginemos. É neste desafio contínuo que a polícia está.

PJ é das polícias europeias que mais beneficia com fundos europeus

Disse ainda há pouco que a PJ é das polícias europeias que mais beneficia do Horizonte 2020. Como é que mede isso face ao resto das outras polícias?
Desde logo em número de projetos aprovados. É público e está na informação da Comissão Europeia, a entidade financiadora.

Quantos foram aprovados?
Até hoje, devemos ter cerca de 40 projetos financiados, já aprovados. No ano passado aconteceu algo que é surreal, no bom sentido. Tivemos nove projetos aprovados. Quando as entidades têm um ou dois projetos anualmente aprovados é um sucesso enorme. Eles foram caindo — um, dois, três… nove projetos?! Como é que vamos fazer face a tantos projetos?mE este é um desafio muito grande, mas são projetos interessantíssimos, por exemplo de inteligência artificial também, que tem a ver com a criação de uma rede de sensores de informação ao nível dos parceiros todos, e aqui penso que são cinquenta e tal entidades que participam, de informação que há de chegar sempre para o combate ao terrorismo, para a deteção de padrões criminais. É toda aquele informação que existe, mas que há de estar a chegar de alguma forma e que nos há de permitir identificar onde é que poderão estar, por exemplo, problemas relacionados com a radicalização, com os extremismos. E como é que a polícia se pode preparar logo para evitar que algo aconteça. Temos um outro de inteligência artificial que vai ser muito importante para nós, que não é um Horizonte 2020, é um fundo de segurança interna, mas diretamente com Bruxelas. E esse é para a deteção de plantações de canábis, através de consumos de energia.

Ou seja, conseguir analisar alterações de consumo, possivelmente para perceber se existe uma estufa num determinado local.
Por exemplo, olhar para as estações de tratamento de águas para perceber os consumos de estupefacientes, onde, qual o tipo de estupefaciente. Isso serve para a polícia ir lá desmantelar aquela estufa, mas também dá informação ao laboratório de polícia científica, para as nossas áreas internas que podem consumir toda essa informação para a prevenção.

E para a articulação com polícias de outros países.
Sim, a polícia está muito articulada. Cada uma das nossas áreas está muito virada para a Europa, como deve ser. A questão dos projetos é absolutamente fantástica e a nossa rede de contactos é muito boa. A Comissão Europeia também divulga informação e nós estamos sempre muito bem classificados.

Falou das expectativas com o Plano de Recuperação e Resiliência. O que é que espera que a polícia consiga?
Este plano, a meu ver, ao ter um dos pilares que é a transformação digital vem dar-nos a capacidade de olhar para os investimentos estratégicos que nós ao longo destes três anos não conseguimos sequer lançar, desde logo porque não temos orçamento. E como disse há pouco, os fundos europeus não financiam estratégia. Estes investimentos mais estratégicos, mais de base, são competência dos estados-membros, não são necessidades que possam ser colmatadas com fundos europeus e, nessa medida, o Plano de Recuperação e Resiliência afigura-se como uma oportunidade única, a não perder.

"Este plano de Recuperação e Resiliência, a meu ver, ao ter um dos pilares que é a transformação digital vem dar-nos a capacidade de olhar para os investimentos estratégicos que nós ao longo destes três anos não conseguimos sequer lançar, desde logo porque não temos orçamento".
Luísa Proença, diretora nacional adjunta da PJ

Uma espécie de fundo, mas que permite definir uma estratégia.
Exatamente. Aliás, no meu entender, e acho que é isso que está no plano, ele é o instrumento estratégico e de estratégia, é a única oportunidade que temos de olhar para esta instituição e olhámos e fizemos esse trabalho logo no início do nosso mandato. Hoje, para nós, é muito fácil, sabermos onde é que temos de intervir: nas infraestruturas de comunicação, em toda a nossa arquitetura de sistemas de informação e de aplicações e de tecnologias. Sabemos muito bem que nessa matéria que temos um investimento muito grande a fazer. Quando estiver feito, todos os resultados dos nossos projetos europeus então vão ser maximizados, porque hoje eles estão nas áreas que estiveram naquele projeto, não conseguimos ter uma maximização dos resultados, não conseguimos desde logo porque toda a infraestrutura de base está obsoleta. E, portanto, durante estes três anos o que fomos fazendo foi resolver os problemas para que ele não se agudizasse ainda mais. A esse nível espero sinceramente termos a possibilidade de, finalmente, desenvolvermos a nossa estratégia para os sistemas de informação da PJ. Depois toda a área pericial, uma das áreas mais problemática quando chegámos era a das perícias informáticas, por exemplo. São áreas que requerem equipamentos, software e pessoas. São necessidades que não conseguimos colmatar sem o tal orçamento. Portanto, o Plano de Recuperação vai-nos ajudar porque foram essas as necessidades que transmitimos ao poder político. Portanto, essa é uma área estratégica para a polícia. Para ter uma ideia, se nós temos mais cem inspetores, significa que são mais cem inspetores a pedirem perícias, portanto, se temos aqui um núcleo pequenino de pessoas, ainda por cima com carências de tecnologia, que é muito cara, obviamente que o resultado nunca será aquele de que precisamos. Depois, gostaria muito de olhar para as nossas instalações, não sei como, temos também o Green Deal, tudo o que é ligado à transição energética, e, por isso, espero também aí ir buscar alguma capacidade financeira. A minha preocupação neste momento é criar todas as condições cá dentro para que, assim que haja luz verde de Bruxelas e nós saibamos quais as verbas ao nosso dispor, pormos a nossa estratégia em marcha. E queria muito que até ao final deste trimestre ainda tivéssemos alguns procedimentos em curso, nomeadamente de contratação pública, que é sempre o calcanhar de Aquiles, pela morosidade. Eu realmente espero que seja a nossa oportunidade única. Além do mais, é 100% de financiamento, não precisamos da tal contrapartida nacional. Se assim for, é a oportunidade única de a PJ se transformar.

O impulso dos fundos europeus no Cyber-range e no Laboratório de Polícia Científica

Existe alguma unidade na PJ em que todos os equipamentos têm já a bandeira da União Europeia, como identificação da comparticipação com fundos?
Sim, sim, sim. Isso é obrigatório, por exemplo temos a nossa área de cibercrime em que praticamente todo o investimento que foi feito foi com fundos europeus e se alguma vez tiver oportunidade de visitar o Cyber-range, que é a sala tecnológica para a formação — que é o que de melhor existe hoje na Europa –, os logotipos estão lá. Isso é mesmo obrigatório. Quando participamos não precisamos nunca de divulgar qual é o projeto, mas tem de lá estar. Até nos ecrãs de um software tem de lá estar que é cofinanciado pelo fundo. E a nossa unidade cibercrime realmente teve o impulso todo com fundos europeus. O Laboratório de Polícia Científica também, muitos dos equipamentos que lá têm são de fundos europeus e está lá o logotipo.

"Um dos problemas que havia aqui foram projetos ganhos e que não tinham execução. E a polícia estava em risco de ter de devolver o dinheiro todo. Não só era um problema para a polícia, mas era um problema para o Ministério da Justiça, até em termos reputacionais. Significava que o Ministério da Justiça tem uma polícia que não é capaz de executar os fundos que conseguiu obter."
Luísa Proença, diretora nacional adjunta da PJ

Laboratório que apenas veio para este edifício sede já com esta direção nacional.
Sim. Aliás, um dos problemas que havia aqui foram projetos ganhos e que não tinham execução. E a polícia estava em risco de ter de devolver o dinheiro todo. Não só era um problema para a polícia, mas era um problema para o Ministério da Justiça, até em termos reputacionais. Significava que o Ministério da Justiça tem uma polícia que não é capaz de executar os fundos que conseguiu obter. Portanto, a nossa estratégia foi logo estancar o problema e até ao final do ano todos os projetos já estavam em execução, fomos visitados pela Comissão Europeia, porque terão soados os alarmes na Comissão Europeia — e quando fomos visitados, ali próximo do final do ano [2018], tivemos uma avaliação muito boa. O problema que estava identificado já não existia mais e as condições estavam todas em curso para que todos os projetos chegassem a bom porto. Até hoje não tivemos nunca um problema dessa natureza, todos os fundos foram executados, rigorosamente até ao fim, somos auditados. E isso também é um conforto enorme e essa é sempre a minha preocupação. Vejo muitas vezes entidades, até do Ministério da Justiça, que se candidatam e depois, quando têm o dinheiro, pensam “com este dinheiro vou fazer mais isto e aquilo”. Não é nada disso, nós candidatamo-nos, explicamos exatamente o que vamos fazer e é isso que vamos executar. Nunca tivemos problemas dessa natureza. E, portanto, nós hoje, com muitas dificuldades porque as pessoas são poucas, mas vamos certinho até ao fim.

Voltando ao seu percurso dentro da PJ. Se não estou em erro, saiu desta polícia em 2015 e foi na altura para o Ministério da Justiça, tendo depois voltado já para Diretora Nacional Adjunta. Foi tornado público num programa de informação que teria sido colocada nestas funções pelo Governo, com um algeado objetivo de ter alguma influência na Direção Nacional da PJ. Como é que tudo isto aconteceu? Sente que ao estar aqui, tendo passado pelo Ministério da Justiça, está condicionada nas suas funções?
Essa é uma pergunta muito oportuna. Agradeço-lhe muito fazê-la, porque não é fácil quando vemos na imprensa o nosso nome ser referido por algo que é completamente inadequado. Devo dizer que por vezes preocupa-me que haja alguma imprensa que não valida as fontes, não valida a informação, mas manda cá para fora, porque tem impacto. Mas isso também tem impacto nas pessoas, temos família, temos amigos, temos uma carreira que construímos de uma determinada maneira e essa carreira responde por nós. De facto, saí em 2015, numa altura em que era insustentável para mim manter-me na polícia, porque sistematicamente fui alargando o nível das responsabilidades, mas nas alturas certas e quando esses projetos deveriam ser algo para a investigação criminal sentia como que retirarem-me o tapete.

"Tinha carta branca [da anterior direção], mas depois na altura em que era preciso a direção demonstrar que sim, que aquele era o caminho, eu estava sempre sozinha. Portanto, quando saí em 2015, não saí para ir para o Ministério da Justiça. Saí para a Procuradoria-Geral da República."
Luísa Proença, diretora nacional adjunta da PJ

Não tinha liberdade total.
Tinha carta branca, mas depois na altura em que era preciso a direção demonstrar que sim, que aquele era o caminho, eu estava sempre sozinha. Portanto, quando saí em 2015, não saí para ir para o Ministério da Justiça. Saí para a Procuradoria-Geral da República (PGR) [então liderada por Joana Marques Vidal] — e deveria ter saído em julho de 2015 para a PGR mas a direção que estava em funções pediu-me que não deixasse os projetos, uma falácia, porque praticamente já não era eu que controlava os projetos. Mas fiquei, pensei “não quero de modo nenhum que a direção sinta que eu decido ir embora e vou e viro costas e acabou”. O que me era pedido era que ficasse até ao final do ano e eu disse que sim e que em janeiro [de 2016] ia colaborar com a PGR. Aconteceu que tivemos um novo governo e a senhora ministra [da Justiça] pediu-me se era capaz de fazer, ao nível do ministério, aquilo que tinha tentado fazer na PJ e que não tinha conseguido. A senhora ministra é alguém da Justiça, que eu conhecia, por quem tinha e tenho uma estima muito grande, e portanto foi nesse contexto que se lembrou de mim.

E o que decidiu?
Nessa altura, disse: “Senhora ministra, tinha o maior gosto em vir trabalhar para o gabinete, mas estou comprometida com a PGR e em janeiro estarei na PGR a fazer isto mesmo, a tentar dinamizar um bocadinho a área da inovação e a tentar trazer os fundos todos que puder para o Ministério Público”. Porque era uma atividade que eu sentia como sendo natural, outra vez dar meios à investigação e à prevenção criminal. Era onde achava que tinha um valor mais imediato, ao contrário de outras oportunidades que me foram surgindo e que achei que não era capaz de assumir, porque estava muito comprometida com esta atividade da PJ. E foi com muita dor que  tomei [a decisão de sair]. Andei dois anos a mentalizar-me para conseguir virar as costas à PJ, mas quando virei foi convicta de que já não era mais uma solução, eu era parte do problema. Tinha de ir embora. E, nessa altura, a senhora ministra perguntou-me: “Se eu falar com a senhora procuradora-geral da República concordava em colaborar aqui com o gabinete e com a PGR?” Eu disse: “Claro que sim”.

E foi.
Foi isso que fiz, estive na PGR e colaborava com o Ministério da Justiça. Foi assim que estive até ao momento em que regressei à Polícia Judiciária. O meu perfil era sempre o de encontrar financiamento. E era fazer o puzzle, para mim era um jogo, era um jogo. E foi possível dinamizar todas as entidades da Justiça, incluindo as magistraturas, o Centro de Estudos Judiciários, o Instituto de Medicina Legal, o Instituo dos Registos e Notariado, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, todas as áreas passaram a estar numa rede colaborativa interna coordenada por mim e pela secretária de Estado da Justiça, para que todas as atividades possíveis de enquadrar em fundos europeus nós irmos lá buscar. A Justiça Eletrónica nessa altura teve uma evolução muito grande, lá está, pela ligação que tinha de outros fóruns, em grupos europeus, eu representava o Ministério da Justiça e ainda hoje represento no Programa Financeiro para a Justiça, para a Cidadania, Igualdade de Género, sou representante do Ministério da Justiça, ainda do tempo da doutora Paula Teixeira da Cruz, para o Horizonte Europa. Foi por proposta da anterior direção que eu assumi esse papel que ainda hoje tenho: eu sou Legal Entity Appointed Representative, portanto, eu represento o ministério no Horizonte Europa, o Horizonte 2020 foi o anterior e atrás foi o FP7. Desde aí que mantenho essas funções.

Não vê então qualquer fundamento no que foi comentado em público?
Eu não encontro nenhuma ligação. Quem me convidou para este lugar foi o doutor Luís Neves, foi para mim surpreendente, era o diretor nacional da Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo, um operacional, ainda hoje é uma pessoa que tem uma visão muito sólida e muito boa da investigação criminal — nunca pensei que um operacional pudesse pensar que as minhas competências pudessem ser úteis. E, quando me convidou para vir para a direção nacional, disse-me: “É para fazeres as coisas que sabes, modernização tecnológica, os fundos europeus, a polícia precisa disso tudo como de pão para a boca”. Eu tinha vontade de ir para o estrangeiro — vivi dois anos em Bruxelas. Tinha vontade, tinha dito isso por brincadeira no ministério. “Ainda hei de terminar a minha carreira em Bruxelas”. E, quando surgiu este desafio, até lá em casa, o meu marido dizia: “Não podes virar as costas à polícia”. E eu disse: “Pois não”. Saí de lá e achei que nunca mais lá voltava a entrar, aliás, eu passava aqui à frente do edifício e não olhava cá para dentro. Era doloroso para mim. Eu de repente disse: “Assim vou conseguir fazer aquilo que eu não consegui antes”. E foi assim que vim parar à direção, sentido que, estando neste lugar, tendo a visão abrangente que eu sei que tenho da polícia e desta envolvente toda do crime, então se calhar com uma pessoa, que é o número 1 e que me está a dizer isto, então tem de dar certo. E foi este o meu raciocínio e foi por isso que vim para a polícia.

"Saí da PJ e achei que nunca mais lá voltava a entrar, aliás, eu passava aqui à frente do edifício e não olhava cá para dentro. Era doloroso para mim. Eu de repente disse: “Assim vou conseguir fazer aquilo que eu não consegui antes”. E foi assim que vim parar à direção."
Luísa Proença, diretora nacional adjunta da PJ

Nunca sentiu que haveria da parte do Ministério da Justiça interesse em ter aqui alguém da sua confiança?
Nunca. Aliás, devo dizer-lhe que foi uma surpresa para a senhora ministra e para a secretária de Estado. Eu estava a colaborar diretamente com a secretária de Estado por que é ela que tem os fundos europeus e a modernização tecnológica. Mas foi uma profunda surpresa. Não sendo eu da investigação criminal, também foi uma surpresa para a senhora ministra ter sido convidada para este lugar. E eu sei que ela ficou surpreendida quando o doutor Luís Neves falou com ela. O que ela me disse foi: “Não posso cortar-lhe as pernas, a polícia tem tudo a ganhar com a sua ida para lá, porque vai fazer isto e isto e isto. Só queria pedir-lhe um favor: é que eu não tenho ninguém a quem entregar o papel que está a fazer de representação do ministério nos fundos europeus, acha que era possível?” E eu disse sim, isso é o que eu gosto de fazer: “Do meu ponto de vista, se o doutor Luís Neves não tiver nada a opor, farei o meu papel, continuo a tentar coordenar os organismos para todos na Justiça terem fundos europeus”. E é isso. A secretária de Estado teve uma expressão, disse que eu tinha sido decisiva para conseguirmos pôr o plano Justiça Mais Próxima, mas que se eu continuasse a ajudar ganhávamos todos no ministério.

Pergunta direta: nestes anos nunca recebeu por parte da tutela alguma manifestação que pudesse até deixá-la mais desconfortável?
Isso não existe, quem está dentro das organizações, sobretudo o que eu conheço, sabe que isso não existe. Nem a polícia seria nunca permeável a nada. E, daquilo que conheci nos dois anos e pouco de colaboração com aquela tutela, isso era impensável. Aliás, a minha ligação continua a ser no domínio das minhas competências, na inovação, nos meios, nunca naquilo que tem a ver com estratégias de combate à corrupção. Isso só entra em cabeças que gostam de explorar um assunto que não existe.

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